Clínica Internacional de Campo de Ourique
Pub

Outros Sites

Visite os nossos laboratórios, onde desenvolvemos pequenas aplicações que podem ser úteis:


Simulador de Parlamento


Desvalorização da Moeda

Acórdão 758/2020, de 10 de Fevereiro

Partilhar:

Sumário

Julga parcialmente procedente o recurso interposto pelo PPD/PSD de decisão da Entidade das Contas e Financiamentos Políticos, que julgou prestadas, com irregularidades, as contas apresentadas pela Coligação Eleitoral «Portugal à Frente» - PPD/PSD.CDS-PP relativas à Campanha Eleitoral para a eleição para a Assembleia da República, realizada em 4 de outubro de 2015

Texto do documento

Acórdão 758/2020

Sumário: Julga parcialmente procedente o recurso interposto pelo PPD/PSD de decisão da Entidade das Contas e Financiamentos Políticos, que julgou prestadas, com irregularidades, as contas apresentadas pela Coligação Eleitoral «Portugal à Frente» - PPD/PSD.CDS-PP relativas à Campanha Eleitoral para a eleição para a Assembleia da República, realizada em 4 de outubro de 2015.

Processo 864/2020

Acordam, em Plenário, no Tribunal Constitucional

I - Relatório

1 - Por decisão de 24 de junho de 2020, a Entidade das Contas e Financiamentos Políticos (doravante, "ECFP") julgou prestadas, com as irregularidades que de seguida se discriminam, as contas apresentadas pela Coligação Eleitoral "Portugal à Frente" - PPD/PSD.CDS-PP relativas à Campanha Eleitoral para a Eleição, realizada em 4 de outubro de 2015, dos deputados para a Assembleia da República [artigos 27.º, n.º 4, da Lei 19/2003, de 20 de Junho, na redação que lhe foi dada pela Lei Orgânica 5/2015, de 10 de Abril (Lei Financiamento dos Partidos Políticos e das Campanhas Eleitorais, doravante "LFP") e 43.º, n.º 1, da Lei Orgânica 2/2005, de 10 de Janeiro (Lei Organização e Funcionamento da ECFP, doravante "LEC")].

Foram as seguintes as irregularidades discriminadas:

- existência de despesas realizadas fora do período de elegibilidade, em violação do artigo 19.º, n.º 1, da LFP;

- existência de despesas com deslocações ao estrangeiro não elegíveis, contrariando o artigo 19.º da LFP, lido em consonância com os artigos 3.º e 4.º, n.º 1, do Decreto-Lei 95-C/76, de 30 de Janeiro;

- impossibilidade de concluir sobre a razoabilidade da valorização de algumas despesas, ofendendo o disposto no artigo 15.º da LFP;

- existência de ações e meios não refletidos nas Contas de Campanha, desrespeitando os artigos 16.º e 19.º da LFP.

2 - Desta decisão não foram interpostos recursos.

3 - Na sequência da decisão relativa à prestação das contas, a ECFP levantou um auto de notícia e instaurou processos contraordenacionais contra a Coligação "Portugal à Frente" e contra o Mandatário Financeiro da Campanha pela prática das irregularidades verificadas naquela decisão.

No âmbito dos procedimentos contraordenacionais instaurados (Processos n.º 4/2019, contra o PSD, e n.º 5/2019, contra o CDS), por decisões proferidas em 24 de junho de 2020, a ECFP aplicou ao PSD uma coima no valor de (euro)5.538,00, equivalente a 13 (treze) SMN de 2008, pela prática da contraordenação prevista e punida pelo artigo 31.º, n.os 1 e 2, da LFP; e ao CDS-PP, coima de idêntico montante, com os mesmos fundamentos legais.

No âmbito do procedimento contraordenacional instaurado contra António Carlos Bívar Branco da Penha Monteiro, enquanto Mandatário Financeiro da Campanha (Proc. n.º 6/2019), por decisão proferida em 24 de junho de 2020, a ECFP aplicou-lhe uma coima no valor de (euro)1.704,00, equivalente a 4 (quatro) SMN de 2008, pela prática da contraordenação prevista e punida no artigo 31.º, n.º 1, da LFP.

4 - Notificados desta decisão, o PPD/PSD apresentou recurso de contraordenação da decisão sancionatória.

5 - Recebido o requerimento de recurso da decisão de aplicação de coimas, a ECFP sustentou a decisão recorrida e determinou a sua remessa ao Tribunal Constitucional.

6 - O Tribunal Constitucional admitiu o recurso e ordenou a abertura de vista ao Ministério Público, nos termos do n.º 1 do artigo 103.º-A da LTC.

7 - O Ministério Público emitiu parecer a respeito do recurso das decisões sancionatórias da ECFP, pronunciando-se pela improcedência do mesmo.

8 - O Recorrente apresentou resposta ao parecer do Ministério Público, nos termos do artigo 103.º-A, n.º 1, da LTC, reiterando a argumentação já utilizada no processo.

Cumpre apreciar e decidir.

II - Considerações gerais sobre o novo regime de fiscalização das contas dos partidos e das campanhas eleitorais

9 - A Lei Orgânica 1/2018, de 19 de abril, veio alterar, entre outras, a LFP e a LEC, introduzindo profundas modificações no regime de apreciação e fiscalização das contas dos partidos políticos e no regime de aplicação das respetivas coimas.

Considerando que à data de entrada em vigor desta lei - 20 de abril de 2018 (artigo 10.º) - os presentes autos aguardavam julgamento respeitante à legalidade e regularidade das contas, tal regime é-lhes aplicável, nos termos da norma transitória do artigo 7.º da referida Lei Orgânica.

Relativamente ao novo regime legal, quer quanto à competência de fiscalização, quer no que respeita ao regime processual, veja-se o Acórdão 421/2020.

III - Do Recurso da decisão da ECFP sobre a responsabilidade contraordenacional em matéria de contas de campanha

10 - Dos factos

A - Factos provados

11 - Com relevo para a decisão, provou-se que:

1 - A Coligação Eleitoral "Portugal à Frente" - PPD/PSD.CDS-PP foi registada no Tribunal Constitucional na sequência do Acórdão 374/2015, prolatado em 20 de julho de 2015.

2 - A Coligação apresentou candidatura às eleições para a Assembleia da República, realizadas a 4 de outubro de 2015.

3 - A Coligação constituiu António Carlos Bívar Branco da Penha Monteiro como Mandatário Financeiro das contas da referida campanha.

4 - A Coligação apresentou, em 12 de julho de 2016, junto do Tribunal Constitucional, as respetivas contas relativas à campanha respeitante à eleição mencionada em 2.

5 - Foram registadas nas contas apresentadas as seguintes despesas de campanha:

5.1 - Fatura n.º 9426/RC, emitida em 03/10/2015, pelo fornecedor "Flávia Rent, RENT-A-CAR", com o descritivo "Matrícula 75-LH-42, Marca SEAT IBIZA 1.2., Dias Qt.:15, Qt.Fat.: 15, Valor Unitário: 17.14000, IVA 23.00, Valor sem IVA 257,10, Descrição Kms, Qt. 494, Qt. Fat. 0, Valor unitário 0.00000, IVA 23.00, Valor sem IVA 0.00, SRC - ISENTON29 DO ART 9, qt. 15, Valor Unitário: 1.10000, Valor sem IVA: 16,50", no valor global de (euro)332,73.

5.2 - Fatura n.º 132, emitida em 30/09/2015, pelo fornecedor "PUBLICENSO IMAGEM E COMUNICAÇÃO, LDA.", com o descritivo:

. "Referência 00900165, Designação Aluguer de Viatura Ligeiro-Passageiros (5 lugares) diesel d, Quant.: 23,00, Pr. Unitário 46,2500, IVA 23,00 %, Total.: 1.063,75", com anotação manuscrita na respetiva linha: "76-OU-21";

. "Referência 00900165, Designação Aluguer de Viatura Ligeiro-Passageiros (5 lugares) diesel d, Quant.: 21,00, Pr. Unitário 46,2500, IVA 23,00 %, Total.: 971,25" com anotação manuscrita na respetiva linha: "01-PZ-53";

. "Referência 00900167, Designação Aluguer de Viatura Ligeiro-Passageiros (9 lugares) diesel d, Quant.: 22,00, Pr. Unitário 100,0000, IVA 23,00 %, Total.: 2.200,00" com anotação manuscrita na respetiva linha: "35-OM-59".

6 - Nas contas apresentadas pela Coligação foram registadas as seguintes despesas de campanha:

6.1 - Fatura n.º 100705985049, emitida em 03/10/2015, pelo fornecedor "Europcar, ALUGUER DE AUTOMÓVEIS, S. A.", com o descritivo: "Estação de Saída 19.09.2015, Estação de Recolha 03.10.2015, veículo JVMD, matrícula: 74-PX-23 VOLKSWAGEN VW SHARAN NV (146g/Km CO2), Produto NEGRACPT - PORTUGAL MAINLAND REGION *P*, Aluguer Base, N.º: 14, Unidade: Dias, Preço EUR: 95,45, Valor Deb. EUR: 1,336.30, Iva: (A), Kms incluídos, N.º 99999, Unidade Kms, Valor Deb. EUR 0.00, Iva (A) Desconto de 15.00 %, N.º: 15.00, Valor Deb. EUR: -200.45, Iva (A), Suplemento de Circulação, N.º 14, Unidades Dias, Valor Deb. EUR 0.00, Iva (A), Custos Basic Protection, N.º 14, Unidade Dias, Valor Deb. EUR 0.00, Iva (A), (A) IVA 23.00 s/, Preço EUR 1,135.85, Valor Deb. EUR 261.25, Total: Valor Deb. EUR 1,397.10";

6.2 - Fatura n.º 100705985133, emitida em 03/10/2015, pelo fornecedor "Europcar, ALUGUER DE AUTOMÓVEIS, S. A.", com o descritivo: "Estação de Saída 19.09.2015, Estação de Recolha 03.10.2015, veículo JVMD, matrícula: 03-PZ-04 SEAT SE ALHAMBRA(146g/Km CO2), Produto NEGRACPT - PORTUGAL MAINLAND REGION *PL*, Aluguer Base, N.º: 14, Unidade: Dias, Preço EUR: 95,45, Valor Deb. EUR: 1,336.30, Iva: (A), Kms incluídos, N.º 99999, Unidade Kms, Valor Deb. EUR 0.00, Iva (A) Desconto de 15.00 %, N.º: 15.00, Valor Deb. EUR: -200.45, Iva (A),Suplemento de Circulação, N.º 14, Unidades Dias, Valor Deb. EUR 0.00, Iva (A), Custos Basic Protection, N.º 14, Unidade Dias, Valor Deb. EUR 0.00, Iva (A), (A) IVA 23.00 s/, Preço EUR 1,135.85, Valor Deb. EUR 261.25, Total: Valor Deb. EUR 1,397.10";

6.3 - Fatura n.º RC 2015/69, emitida em 07/08/2015, pelo fornecedor "Interfundos-Gestão de Fundos de Investimento Imobiliário, S. A.", com o descritivo: "...Imóvel: ALEXANDRE HERCULANO, Rua Alexandre Herculano, 50, Lisboa, 1070-157 Lisboa, ..., Mês Renda: Outubro de 2015, Valor Renda: 12,000.00 EUR, Valor a Receber: 12,000.00 EUR";

6.4 - Nota Fiscal de Serviços Eletrónica n.º 000278838, emitida em 29/06/2015, emitida pela "Prefeitura do Recife, SECRETARIA DE FINANÇAS", respeitante a serviços prestados pelo fornecedor "Arcos Propaganda, LTDA", com o descritivo: "...1.ª PARCELA DE PLANEJAMENTO E ASSESSORIA NA CAMPANHA LEGISLATIVA 2015. ...valor em moeda estrangeira EUR 124,940,00...";

6.5 - Nota Fiscal de Serviços Eletrónica n.º 00028039, emitida em 22/07/2015, emitida pela "Prefeitura do Recife, SECRETARIA DE FINANÇAS", respeitante a serviços prestados pelo fornecedor "Arcos Propaganda, LTDA", com o descritivo: "...2.ª PARCELA DE PLANEJAMENTO E ASSESSORIA NA CAMPANHA LEGISLATIVA 2015. ...valor em moeda estrangeira EUR 157,940,00...";

6.6 - Nota Fiscal de Serviços Eletrónica n.º 00028311, emitida em 20/08/2015, emitida "Prefeitura do Recife, SECRETARIA DE FINANÇAS", relativa a serviços prestados pelo fornecedor "Arcos Propaganda, LTDA", com o descritivo: "...3.ª PARCELA DE PLANEJAMENTO E ASSESSORIA NA CAMPANHA LEGISLATIVA 2015 ...valor em moeda estrangeira EUR 158,940,00...";

6.7 - Nota Fiscal de Serviços Eletrónica n.º 00028586 emitida em 21/09/2015, emitida "Prefeitura do Recife, SECRETARIA DE FINANÇAS", relativa a serviços prestados pelo fornecedor "Arcos Propaganda, LTDA", com o descritivo: "...4.ª PARCELA DE PLANEJAMENTO E ASSESSORIA NA CAMPANHA LEGISLATIVA 2015 ...valor em moeda estrangeira EUR 157,940,00...".

7 - O preço médio diário do aluguer de uma viatura de 5 lugares era, em 2015, no distrito de Bragança, de (euro)25,00.

8 - Ao agir conforme descrito em 6.4. a 6.7. dos factos provados, o Arguido representou como possível que o conteúdo de tais faturas não permitisse identificar os serviços efetivamente pagos.

9 - O Arguido sabia que a sua conduta era proibida e sancionável no plano contraordenacional, tendo agido livre, voluntária e conscientemente.

10 - A Coligação, nas contas referidas no ponto 4. registou receitas no valor total de (euro)4.308.100,21 e despesas no valor de (euro)4.308.100,21.

11 - A Coligação recebeu subvenção pública para a campanha eleitoral relativa às eleições mencionadas no ponto 3. no valor de (euro)2.605.696,54.

B - Factos não provados

[12.] 11 - Com relevo para a decisão, não se provou que:

[12.1.] 11.1 - Ao agir conforme descrito em 5. a 5.2. dos factos provados, registando despesa cujo valor é inferior ao valor de mercado de referência indicados na Listagem 38/2013, publicada no Diário da República n.º 125/2013, Série II, de 2 de julho e não apresentando elementos complementares que permitissem concluir sobre a razoabilidade das despesas face ao valor de mercado, o Arguido representou como possível que tal não demonstrasse o real destino e motivo da despesa, subavaliando-a, e conformou-se com essa possibilidade, apresentando as contas nessas condições.

[12.2.] 11.2 - Ao agir conforme descrito em 6.1. a 6.3. dos factos provados, registando despesas cujo descritivo incompleto dos documentos de suporte e a ausência de elementos complementares não permitem concluir sobre a razoabilidade das despesas, o Arguido representou como possível que tal não detalhasse cada uma das despesas e que impossibilitasse a aferição sobre se os respetivos valores eram próximos dos valores de mercado de referência indicados na Listagem 38/2013, conformando-se com essa possibilidade e apresentando as contas nessas condições.

C - Motivação da matéria de facto

[13.] 12 - A prova da factualidade provada resultou da análise conjugada da prova documental junta aos presentes autos e bem assim ao PA 5/AR/15/2018, que daqueles constitui apenso, conforme infra melhor se exporá.

Assim, para prova da factualidade elencada no ponto 1. dos factos provados, foi considerado o teor da publicação existente no sítio público da Internet do Tribunal Constitucional - http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/partidos.html, da qual a mesma se extrai.

A prova do facto constante do ponto 2. dos factos provados resultou do teor de fls. 1 a 3, do PA 5/AR/15/2018, apenso aos presentes autos.

A prova do facto referido no ponto 3. dos factos provados adveio do teor de fls. 8 a 31 dos presentes autos.

A prova da factualidade indicada no ponto 4. dos factos provados resultou do teor de fls. 39 e seguintes e 157 e seguintes do PA 5/AR/15/2018, apenso aos presentes autos.

No que respeita à prova da factualidade constante dos pontos 5. a 5.2. dos factos provados, assentou no teor das faturas de fls. 118 e 119, conjugado com a globalidade dos documentos juntos com a prestação de contas, e ainda no confronto dos valores constantes das faturas com os previstos na Listagem 38/2013 e nas informações prestadas pelo Secretário-Geral da Associação dos Industriais de Aluguer de Veículos sem Condutor (fls. 254).

No que concerne à prova da factualidade indicada nos pontos 6. a 6.7. dos factos provados, a mesma emergiu da concatenação das contas apresentadas com o teor dos documentos de fls. 120, 121, 122 e das notas fiscais de fls. 124 a 139 dos presentes autos.

A prova da factualidade elencada nos pontos 7. e 8. dos factos provados extrai-se da matéria objetiva dada como provada que, de acordo com as regras da experiência comum, deixa antever a sua verificação, tanto mais quanto do Relatório da ECFP de fls. 45 a 103 do processo administrativo relativo à apreciação das contas aqui em apreço, apenso aos presentes autos, constavam já as situações aqui em análise, sendo que o Arguido foi do mesmo notificado (cf. fls. 106 do referido PA) e, apesar de lhe ter sido concedido prazo para se pronunciar e/ou retificar as contas, o mesmo, nesta parte, não as retificou em conformidade.

No que respeita à prova factual indicada no ponto 9. dos factos provados, a mesma advém do teor dos mapas de receitas e despesas fls. 158 e fls. 159 do PA 5/AR/15/2018, apenso aos presentes autos.

A prova do facto constante do ponto 10. assentou no teor de fls. 158 do PA 5/AR/15/2018.

A factualidade não provada resultou da análise dos documentos referidos em 11.1 e 11.2.

D - Do direito

[14.1.] 13.1 - Nas nove faturas arroladas encontram-se duas situações de distinto perfil jurídico:

a) Faturas que supostamente evidenciam pagamentos efetuados abaixo dos valores de mercado sem que tenham sido apresentados «elementos complementares de comparação de preços que permitissem concluir sobre a razoabilidade da despesa face aos valores de mercado» - 5.1 e 5.2;

b) Faturas alegadamente incompletas, isto é, cujo descritivo não contém elementos suficientes para determinar o que foi pago, não existindo «elementos complementares de comparação de preços que permitissem concluir sobre a razoabilidade da despesa face aos valores de mercado» - 6.1. a 6.7.

Comecemos pelas faturas referidas em a).

A Coligação, no exercício do direito ao contraditório, argumentara já que não fazia sentido imputar à candidatura o ónus de comprovar a razoabilidade dos preços que pagou, afirmação que o PPD/PSD repete no recurso (fls. 176 do processo de contraordenação). E, acedendo a pretensão expressa da ECFP, a Coligação reafirmara, em declaração formal, que «usufruiu de preços reais praticados pelo fornecedor em causa, considerando-os como efetivos preços de mercado» - fls. 208 e 208-verso do processo principal.

Concluindo que se tornava impossível comprovar a adequação dos preços em causa aos valores de mercado, ónus que considerou recair sobre a Coligação, a ECFP deu por verificada a irregularidade resultante do desrespeito do artigo 15.º da LCFP. Observe-se, a propósito, que a ECFP havia deixado escrito no Relatório que se satisfaria com a reafirmação de que «os preços referenciados correspondem aos preços efetivamente obtidos» - Relatório, p. 52, fls. 96 do processo principal - o que a Coligação fez - fls. 208-verso. Ao que parece, inutilmente.

[14.2.] 13.2 - Há, pois, que esmiuçar as irregularidades que as faturas em causa consubstanciavam.

Note-se, desde já, que o direito aplicável a estes factos, é sempre mesmo: os n.os 1 e 2 do artigo 31.º da LCFP, combinados com os artigos 12.º e 15.º, n.os 1 e 3, da mesma lei. Ora, para bem avaliar a decisão da ECFP de aplicação das coimas, indispensável é formular um juízo tão preciso quanto possível relativamente às apontadas irregularidades, explicitando claramente em que consistiram estas.

Começaremos por classificar, em abstrato - isto é, partindo das possibilidades de clarificação dos conceitos - as irregularidades em questão.

Num primeiro grupo (a), incluiremos as despesas tituladas por faturas que não permitem identificar a natureza, qualidade ou quantidade daquilo que se pagou. São estas, verdadeiramente, as faturas incompletas.

Num segundo grupo (b), estão as despesas que representam gastos relativos a bens e serviços incluídos na Listagem 38/2013, cujos valores se situam dentro dos limites máximo e mínimo aqui estabelecidos.

Num terceiro grupo (c), incluímos as despesas que representam gastos relativos a bens e serviços incluídos na Listagem, cujos valores se situam fora dos limites estabelecidos nesta.

No último grupo (d), estão as despesas relativas a bens e serviços não incluídos na Listagem referida.

[14.3.] 13.3 - Tentaremos agora classificar as nove faturas em causa num dos quatro grupos. A ideia subjacente é a de encontrar um critério justo e equitativo de repartição do ónus da prova da fatura irregular.

Assim:

- as faturas do grupo (a) são consideradas irregulares enquanto instrumento de titulação de despesas de campanha;

- as faturas do grupo (b) são consideradas regulares;

- as faturas do grupo (c) são consideradas irregulares, salvo se o partido ou coligação concorrente tiver demonstrado cabalmente a razão de ser do desvio, ou este não seja significativo;

- relativamente às faturas do grupo (d) que discriminem clara e precisamente o que é que foi pago, cabia à ECFP demonstrar que os respetivos montantes carecem de credibilidade, por excessivamente elevados ou demasiado reduzidos, quando confrontados com os valores de mercado; não tendo sido feita tal demonstração, as faturas serão consideradas regulares.

Sublinhe-se, relativamente a estas últimas faturas, que a ECFP poderá tentar obviar a esta consequência simplesmente atualizando e mantendo atualizada a Listagem - que já tinha dois anos à data das eleições -, e que não inclui prestações de serviços hoje comuns nas campanhas eleitorais. Não tendo procedido à atualização - que porventura conviria fazer anualmente - por que razão há de o ónus da demonstração da razoabilidade da despesa recair sobre as candidaturas?

[14.3.1.] 13.3.1 - Fatura n.º 9426/RC, emitida em 03/10/2015, pelo fornecedor "Flávia Rent, RENT-A-CAR", no montante de (euro)332,73 (fatura 5.1.).

Verificada a fatura, nela se encontram todos os elementos necessários para a identificação do serviço prestado, incluindo o período de disponibilização da viatura - quinze dias - e o local, Bragança. O preço mínimo constante da Listagem para veículos utilitários neste período é (euro)439,00. O preço contratado é significativamente mais baixo, sem que sejam apresentadas razões para tal.

Ora, o preço médio diário do aluguer de um destes veículos, em Bragança e em 2015, era de (euro)25,00, o que perfaz, para uma quinzena, um custo de (euro)375,00 - valor superior mais distante do preço da Listagem (-(euro)64,00) do que do montante pago (+(euro)42,27).

Nestas condições, considera-se a despesa regular - grupo (b).

[14.3.2.] 13.3.2 - Fatura n.º 132, emitida em 30/09/2015, pelo fornecedor "PUBLICENSO IMAGEM E COMUNICAÇÃO, LDA.", no montante de (euro)25.003,75 (fatura 5.2.).

Verificada a fatura, verifica-se que a prestação abrange vários tipos de despesas:

- aluguer de quatro viaturas ligeiras;

- aluguer de sistema de som;

- impressão de folhetos;

- decoração de viaturas e de montras;

- serviços de transporte, produção e montagem.

As objeções da ECFP, todavia, apenas se referem ao aluguer de três viaturas, duas de cinco lugares e uma de nove lugares, respetivamente pelos preços de (euro)1.063,75, (euro)921,75 e (euro)2.200,00. Os valores mínimos fixados na Listagem para um período de quinze dias são de (euro)439,00 a (euro)549,00, para cada uma das primeiras, e entre (euro)1.033 e (euro)1.287,00, para a última. Simplesmente, o período de aluguer contratado foi de vinte e três e de vinte e um dias, para as viaturas de cinco lugares, e de vinte e dois dias, para a de nove lugares.

Nestas condições, há que comparar os valores diários.

Na Listagem, esses valores oscilam entre (euro)61,45, para as viaturas de cinco lugares, e (euro)85,80, para a de nove lugares.

Os preços pagos pela Coligação situam-se entre os (euro)46,25, para as viaturas de cinco lugares, e os (euro)100,00, para a viatura de nove lugares. Ou seja, diferenças de cerca de -(euro)24,00/dia, para as viaturas de cinco lugares, e de +(euro)15,00, para a de nove lugares.

Tudo visto, os preços pagos pela Coligação afiguram-se perfeitamente razoáveis. Ainda no âmbito do grupo (b), considera-se regular a despesa.

[14.3.3.] 13.3.3 - Fatura n.º 100705985049, emitida em 03/10/2015, pelo fornecedor "Europcar, ALUGUER DE AUTOMÓVEIS, S. A.", no montante de (euro)1.397,10 (fatura 6.1.).

Verificada a fatura, constata-se que se tratou de um aluguer com a duração de catorze dias, pelo montante diário de (euro)95,45. O veículo foi um Volkswagen modelo Sharan, veículo de sete lugares. Correspondendo a uma viatura familiar, a Listagem fixa os preços de aluguer para quinze dias entre (euro)1.092,00 e (euro)1.467,00. Ou seja: entre (euro)72,80 e (euro)97,80. Como se comprova, o valor pago encontra-se entre os limites da Listagem, sendo a despesa regular, incluída no grupo (b).

[14.3.4.] 13.3.4 - Fatura n.º 100705985133, emitida em 03/10/2015, pelo fornecedor "Europcar, ALUGUER DE AUTOMÓVEIS, S. A.", no montante de (euro)1.397,10 (fatura 6.2.).

Trata-se de fatura muito semelhante à anterior, emitida pela mesma empresa, com o mesmo valor e pelo mesmo período. Apenas a viatura varia de marca - SEAT - e de modelo - Alhambra. Dispensamo-nos, por isso, de repetir os cálculos que demonstram a regularidade da despesa, incluída no grupo (b).

[14.3.5.] 13.3.5 - Fatura n.º RC2015/69, emitida em 07/08/2015, pelo fornecedor "Interfundos-Gestão de Fundos de Investimento Imobiliário, S. A.", no montante (euro)12.000,00 (fatura 6.3.).

Verificada a fatura, refere-se ao pagamento da renda correspondente ao mês de outubro de 2015 de um imóvel situado na Rua Alexandre Herculano, em Lisboa, cujo arrendatário foi o CDS/PP, e onde funcionou a sede de campanha da Coligação. As dúvidas da ECFP referem-se exclusivamente à razoabilidade do montante pago, não por se tratar de renda mensal excessiva, mas por se reportar à totalidade do mês (as eleições foram no dia 4 de outubro). As explicações prestadas pelo recorrente PPD/PSD no recurso interposto para o Tribunal Constitucional afiguram-se razoáveis, assentes na obrigatoriedade de repor o locado no estado em que se encontrava à data da ocupação (fls. 179 do processo de contraordenação). Não se considera existir irregularidade - grupo (d).

[14.3.6.] 13.3.6 - As faturas 6.4 a 6.7. constituem a versão brasileira das nossas e-faturas, tendo um propósito essencialmente fiscal. Como as e-faturas, o descritivo é apenas o bastante para possibilitar o tratamento tributário. Estas foram emitidas pela Secretaria de Finanças da Prefeitura do Recife e limitam-se a mencionar que o serviço tributado foi o «planejamento e assessoria na campanha legislativa 2015». Trata-se, pois, de faturas incompletas.

As parcas explicações do recorrente não permitem fazer qualquer tipo de luz sobre a natureza e duração dos serviços contratados, sendo manifestamente insuficientes. Tratando-se de um pagamento total de (euro)440.978,94, afigura-se que era exigível algum detalhe, que permitisse clarificar o que se pagou. Nestas condições, a despesa, integrada no grupo (a), é considerada irregular.

Note-se que o Tribunal tem reiterado que o cumprimento do dever imposto pela segunda parte do n.º 2 do artigo 19.º da LFP impõe, não apenas a apresentação de documentos destinados à comprovação das despesas contabilizadas, mas ainda que o descritivo dos suportes documentais para esse efeito apresentados seja suficientemente completo para tornar possível a conclusão de que as despesas documentadas respeitam à campanha eleitoral e se encontravam adequadamente refletidas nas contas, bem como para aferir da sua razoabilidade. Situações em que o descritivo do documento de suporte se mostrou insuficiente ou pouco claro para os efeitos acabados de referir foram consideradas violação do dever imposto pelos artigos 15.º e 19.º, n.º 2, ambos da LFP, violação esta relevante no plano contraordenacional, nos termos do n.º 1 do artigo 31.º da mesma Lei.

Trata-se de casos em que a fatura não contempla a especificação do preço unitário de referência ou dos fatores determinantes do preço, fazendo uma discriminação vaga e imprecisa de cada um dos elementos implicados no serviço globalmente prestado (Acórdãos n.os 174/2014, 177/2014, 43/2015, 140/2015, 537/2015, 574/2015 e 98/2016), como sucede, por exemplo, relativamente a um jantar comício, quando a fatura não indica o número de refeições fornecidas e não detalha a natureza dos serviços prestados e faturados, como o número de mesas, o menu, se é buffet ou se o jantar é servido, etc.

Em conclusão, são consideradas irregulares, por incompletas, as notas fiscais do fornecedor "Arcos Propaganda, LTDA" no montante global de (euro)440.978,94, por violação dos n.os 1 e 2 do artigo 31.º da LCFP, combinados com os artigos 12.º e 15.º, n.os 1 e 3, da mesma lei (faturas 6.4. a 6.7).

[14.4.] 13.4 - Considerando a factualidade provada nos pontos 7. a 8. supra, provou-se que os Arguidos agiram com dolo eventual, pelo que, no que respeita ao registo como despesa de Campanha das faturas 6.4. a 6.7., conclui-se que praticaram a contraordenação que lhes vinha imputada.

[15.] 14 - Da responsabilidade contraordenacional do PPD/PSD

No âmbito do procedimento contraordenacional instaurado contra o PPD/PSD (n.º 4/2019), por decisão proferida em 24 de junho de 2020, a ECFP aplicou ao Partido uma coima no valor de (euro)5.538,00, equivalente a 13 (treze) SMN de 2008, pela prática da contraordenação prevista e punida pelo artigo 31.º, n.os 1 e 2, da LFP.

Tendo em conta que apenas uma das irregularidades relativas a despesas se deu como provada - as quatro notas fiscais do fornecedor "Arcos Propaganda, LTDA" - mas que o montante global destas representa um valor muito elevado no conjunto das despesas de campanha ((euro)440.978,94), decide-se reduzir o montante da coima aplicada ao PSD a (euro)5.112,00, equivalente a 12 (doze) SMN de 2008.

[16.] 15 - Extensão de efeitos

Por outro lado, parece também de reduzir, em termos semelhantes, as coimas aplicadas ao CDS-PP e ao Mandatário Financeiro, não obstante estes não terem delas interposto recurso. Não parece possível que a conclusão relativa aos factos provados, realidade objetiva, apenas opere em relação ao recorrente, pois tal significaria que factos que se não provaram continuassem a produzir efeitos [(cf. artigo 402.º, n.º 2, alínea a), do Código de Processo Penal, aplicável, ex vi do artigo 41.º, n.º 1, do RGCO)].

Assim sendo, há que reduzir o montante da coima aplicada ao CDS/PP a (euro)5.112,00, equivalente a 12 (doze) SMN de 2008(2) e o da coima aplicada ao Mandatário Financeiro [(euro)1.704, equivalente a 4 (quatro) SMN de 2008] a (euro)1.278, equivalente a 3 (três) SMN de 2008.

IV - Decisão

Pelo exposto, decide-se:

a) Julgar parcialmente procedente o recurso interposto pelo PPD/PSD, reduzindo o montante da coima aplicada ao Partido a (euro)5.112,00, equivalente a 12 (doze) SMN de 2008;

b) Reduzir a coima aplicada ao CDS/PP a (euro)5.112,00, equivalente a 12 (doze) SMN de 2008;

c) Reduzir a coima aplicada ao Mandatário Financeiro, António Carlos Bívar Branco da Penha Monteiro, a (euro)1.278, equivalente a 3 (três) SMN de 2008.

O relator atesta o voto de conformidade ao presente acórdão do Conselheiro Presidente Manuel da Costa Andrade e dos Conselheiros José António Teles Pereira, Fernando Vaz Ventura, Maria de Fátima Mata-Mouros e Lino Ribeiro. João Pedro Caupers

Lisboa, 17 de dezembro de 2020. - João Pedro Caupers - Pedro Machete - Gonçalo Almeida Ribeiro - Joana Fernandes Costa - Mariana Canotilho - José João Abrantes - Maria José Rangel de Mesquita - Assunção Raimundo.

Acórdão retificado pelo Acórdão 26/21, de 13 de janeiro de 2021.

313953477

Anexos

  • Extracto do Diário da República original: https://dre.tretas.org/dre/4415705.dre.pdf .

Ligações deste documento

Este documento liga aos seguintes documentos (apenas ligações para documentos da Serie I do DR):

  • Tem documento Em vigor 1976-01-30 - Decreto-Lei 95-C/76 - Ministério dos Negócios Estrangeiros

    Organização do processo eleitoral no estrangeiro.

  • Tem documento Em vigor 2003-06-20 - Lei 19/2003 - Assembleia da República

    Regula o regime aplicável ao financiamento dos partidos políticos e das campanhas eleitorais.

  • Tem documento Em vigor 2005-01-10 - Lei Orgânica 2/2005 - Assembleia da República

    Regula a organização e funcionamento da Entidade das Contas e Financiamentos Políticos.

  • Tem documento Em vigor 2015-04-10 - Lei Orgânica 5/2015 - Assembleia da República

    Atribui ao Tribunal Constitucional competência para apreciar e fiscalizar as contas dos grupos parlamentares, procedendo à sexta alteração à Lei n.º 28/82, de 15 de novembro (Organização, funcionamento e processo do Tribunal Constitucional), e à quinta alteração à Lei n.º 19/2003, de 20 de junho (Financiamento dos partidos políticos e das campanhas eleitorais)

  • Tem documento Em vigor 2018-04-19 - Lei Orgânica 1/2018 - Assembleia da República

    Oitava alteração à Lei n.º 28/82, de 15 de novembro (Lei da Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional), segunda alteração à Lei Orgânica n.º 2/2003, de 22 de agosto (Lei dos Partidos Políticos), sétima alteração à Lei n.º 19/2003, de 20 de junho (Lei do Financiamento dos Partidos Políticos e das Campanhas Eleitorais), e primeira alteração à Lei Orgânica n.º 2/2005, de 10 de janeiro (Lei de Organização e Funcionamento da Entidade das Contas e Financiamentos Políticos)

Ligações para este documento

Este documento é referido nos seguintes documentos (apenas ligações a partir de documentos da Série I do DR):

Aviso

NOTA IMPORTANTE - a consulta deste documento não substitui a leitura do Diário da República correspondente. Não nos responsabilizamos por quaisquer incorrecções produzidas na transcrição do original para este formato.

O URL desta página é:

Clínica Internacional de Campo de Ourique
Pub

Outros Sites

Visite os nossos laboratórios, onde desenvolvemos pequenas aplicações que podem ser úteis:


Simulador de Parlamento


Desvalorização da Moeda