de 20 de Abril
A Lei 28/84, de 14 de Agosto, estabeleceu as bases em que assenta o sistema de segurança social e definiu os regimes que o mesmo compreende como indispensáveis à efectivação do direito à segurança social.A regulamentação da referida lei é realizada, entre outras medidas legislativas, no âmbito do Código dos Regimes de Segurança Social, cujo projecto técnico se encontra concluído.
No entanto, a sua imediata aprovação e entrada em vigor é naturalmente impossível, dado o tempo e atenta a metodologia de apreciação de um diploma desta natureza e com tal envergadura jurídica e social. De facto, ele abarca toda a protecção garantida pela Segurança Social aos trabalhadores por conta de outrem e aos trabalhadores independentes e, bem assim, a que é instituída a favor da população não trabalhadora, nomeadamente através do seguro social voluntário e do regime não contributivo.
Assim, sendo a actual legislação omissa em relação a certas questões importantes, designadamente algumas a que respeita o presente diploma, foi entendido não se dever aguardar o início da vigência do referido Código.
Nesta conformidade, concretizando princípios estabelecidos na Lei 28/84, procede-se desde já à definição das normas jurídicas referentes a situações de concessão indevida de prestações, tanto no que respeita à responsabilidade emergente do pagamento de prestações indevidas como no que se refere à revogação dos actos de atribuição das prestações.
Assim:
O Governo decreta, nos termos da alínea c) do n.º 1 do artigo 201.º da Constituição, o seguinte:
CAPÍTULO I
Da responsabilidade emergente do recebimento de prestações
indevidas
Artigo 1.º
Obrigação de restituir
O recebimento indevido de prestações no âmbito dos regimes de segurança social dá lugar à obrigação de restituir o respectivo valor, sem prejuízo da observância do regime de revogabilidade dos actos administrativos.
Artigo 2.º
Conceito de prestações indevidas
1 - Consideram-se prestações indevidas as que sejam concedidas sem observância das disposições legais em vigor.2 - São prestações indevidas, designadamente, as que forem concedidas:
a) Sem a observância das condições determinantes da sua atribuição, ainda que a comprovação da respectiva inobservância resulte de posterior decisão judicial;
b) Em valor superior ao que resulta das regras de cálculo legalmente estabelecidas e na medida do excesso;
c) Após terem cessado as respectivas condições de atribuição.
3 - Para os efeitos deste diploma são equiparadas a prestações indevidas as que, embora correctamente concedidas, são recebidas por terceiro que para tal não tenha legitimidade.
Artigo 3.º
Pagamento de prestações indevidas imputável aos interessados
No caso de o pagamento indevido das prestações resultar de alterações do condicionalismo da sua atribuição, cujo conhecimento por parte das instituições de segurança social dependa de informação dos interessados, a obrigatoriedade da respectiva restituição respeita à totalidade dos montantes indevidos, independentemente do período de tempo da respectiva concessão.
Artigo 4.º
Responsáveis pela restituição
1 - São responsáveis pela restituição dos valores recebidos as pessoas ou entidades a quem as prestações forem indevidamente pagas e aquelas que para tal tenham contribuído.2 - Se forem vários os responsáveis pelo recebimento indevido, é solidária a obrigação de restituição.
Artigo 5.º
Procedimento administrativo
1 - Verificada a concessão indevida de prestações, devem as instituições cessar de imediato os pagamentos, averiguar a identidade de quem as recebeu e proceder à sua interpelação para efectuar a restituição e informar sobre os respectivos valores e termos que a mesma pode revestir.2 - No caso de ter havido recebimento indevido por terceiro, devem ainda ser promovidas as rectificações que se mostrem necessárias à regularização da situação.
Artigo 6.º
Formas de restituição
A restituição do valor das prestações indevidamente pagas pode ser efectuada através de pagamento directo ou por compensação com prestações devidas pelas instituições.
Artigo 7.º
Restituição directa
1 - A restituição directa deve ser efectuada no prazo de 30 dias a contar da interpelação do devedor.2 - Dentro do prazo estabelecido no número anterior, o devedor pode solicitar, em requerimento fundamentado, o pagamento em prestações mensais dos benefícios indevidamente recebidos.
3 - Sendo inequivocamente atendíveis os motivos invocados pelo devedor, pode a instituição autorizar a restituição parcelada, desde que a mesma se efectue no prazo máximo de 36 meses.
4 - A falta de pagamento de uma das prestações mensais determina o vencimento imediato das restantes e a aplicação dos artigos seguintes.
Artigo 8.º
Compensação com prestações
1 - Na falta de restituição directa, prevista no artigo anterior, a restituição pode ter lugar através de compensação com benefícios a que o devedor tiver direito.2 - Quando o pagamento das prestações indevidas resultar da falta de oportuno conhecimento do falecimento do beneficiário e aquelas tiverem sido recebidas por familiares com direito a subsídio por morte ou a pensão de sobrevivência, considera-se o respectivo valor como pagamento antecipado destas prestações.
3 - Não pode ser feita compensação de prestações indevidamente recebidas pelo beneficiário com prestações de familiares cujo direito resulte da morte do próprio beneficiário.
Artigo 9.º
Oposição do devedor
No caso de o devedor não reconhecer o dever de restituir e reclamar de forma fundamentada, fica suspenso o recurso à compensação até que seja decidida a reclamação.
Artigo 10.º
Restituição em caso de morte
1 - O falecimento do beneficiário antes de se ter efectuado a restituição das prestações indevidamente pagas não impede que as instituições procedam à sua dedução em benefícios que lhe fossem devidos.2 - Não havendo familiares com direito a subsídio por morte ou a pensão de sobrevivência, o eventual ressarcimento a terceiros de encargos com despesas de funeral só se operará após a dedução do valor em dívida e em função do quantitativo remanescente.
Artigo 11.º
Cobrança coerciva
1 - As instituições devem promover a cobrança coerciva do valor das prestações indevidamente pagas sempre que o recurso à compensação possa pôr em causa o seu efectivo reembolso.2 - A cobrança coerciva tem por base certidão autenticada da qual constem a identificação completa do devedor, os valores e os períodos a que respeite a restituição e os fundamentos da mesma.
3 - As instituições podem não proceder judicialmente sempre que estejam em causa valores de prestações que, no seu conjunto, não ultrapassem o valor da pensão mínima do regime geral da Segurança Social.
Artigo 12.º
Regularização por encontro de contas
Nos casos em que o pagamento de prestações indevidas tenha sido feito a instituições particulares de solidariedade social ou a famílias de acolhimento, deve o respectivo montante ser deduzido no quantitativo global das prestações que lhes são pagas, em virtude de terem a seu cargo titulares de prestações de segurança social, justificando-se o procedimento para adequado acerto de contas.
Artigo 13.º
Prescrição do direito à restituição
O direito à restituição do valor das prestações indevidamente pagas prescreve no prazo de dez anos a contar da data da interpelação para restituir.
Artigo 14.º
Actuação das instituições
As instituições devem desenvolver as medidas necessárias, no plano da organização interna dos serviços, da informação e da fiscalização, para impedir a concessão de prestações indevidas e para a sua recuperação.
CAPÍTULO II
Da revogação dos actos de atribuição das prestações
Artigo 15.º
Revogabilidade dos actos de atribuição das prestações
1 - Os actos administrativos de atribuição de prestações feridos de ilegalidade são revogáveis nos termos e nos prazos previstos para os actos administrativos constitutivos de direitos, salvo o disposto no número seguinte.
2 - Tratando-se de actos administrativos de atribuição de prestações continuadas, a verificação da respectiva ilegalidade após a expiração do prazo de revogação determina a imediata cessação da respectiva concessão.
Artigo 16.º
Contagem dos prazos de revogação
1 - O prazo de revogação dos actos administrativos de atribuição das prestações começa a contar a partir da data em que o acto foi praticado, ainda que os seus efeitos se reportem a momentos anteriores, ou da data de decisão judicial de que resulte ilegalidade na atribuição da prestação.2 - No caso em que os actos de atribuição das prestações não possam conter expressamente, em atenção às regras do processo de formação dos mesmos actos, a data da atribuição, considera-se que a mesma se reporta à do primeiro pagamento.
Artigo 17.º
Efeitos da revogação
A revogação dos actos administrativos de atribuição de prestações tem como efeito a obrigação de repor, por parte dos beneficiários, os valores das prestações indevidamente recebidas.
Artigo 18.º
Erro de cálculo ou de escrita
1 - Quando haja erro de cálculo ou de escrita na atribuição das prestações, há lugar, a todo o tempo, à sua rectificação.2 - Apenas são considerados erros de cálculo ou de escrita, para efeito do número anterior, aqueles em que seja evidente ou ostensivo o respectivo vício.
3 - O disposto no artigo anterior é aplicável à rectificação resultante de erro de cálculo ou de escrita.
Artigo 19.º
Legislação supletiva
Em tudo o que não estiver expressamente previsto neste capítulo aplicam-se as normas gerais de direito administrativo.
CAPÍTULO III
Das disposições finais
Artigo 20.º
Regiões autónomas
O presente diploma é aplicável às Regiões Autónomas dos Açores e da Madeira, de harmonia com o disposto no artigo 84.º da Lei 28/84, de 14 de Agosto.
Artigo 21.º
Revogação
Fica revogada a legislação anterior que contrarie o disposto no presente diploma.
Artigo 22.º
Entrada em vigor
Este diploma entra em vigor no dia 1 do mês seguinte ao da sua publicação.Visto e aprovado em Conselho de Ministros de 3 de Março de 1988. - Aníbal António Cavaco Silva - José Albino da Silva Peneda.
Promulgado em 6 de Abril de 1988.
Publique-se.O Presidente da República, MÁRIO SOARES.
Referendado em 8 de Abril de 1988.
O Primeiro-Ministro, Aníbal António Cavaco Silva.