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Acórdão 221/2007, de 22 de Maio

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Sumário

Não julga inconstitucional a norma constante do n.º 1 do artigo 20.º da Lei n.º 25/2006, de 30 de Junho, segundo a qual são sancionadas como contra-ordenações infracções resultantes de falta de pagamento de taxas de portagem previstas na base LII das bases de concessão aprovadas pelo Decreto-Lei n.º 248-A/99, de 6 de Julho, praticadas antes da entrada em vigor da Lei n.º 25/2006, sem prejuízo da aplicação do regime que concretamente se mostrar mais favorável ao agente, nomeadamente quanto à medida das sanções aplicáveis

Texto do documento

Acórdão 221/2007

Processo 1071/2006

Acordam, em plenário, no Tribunal Constitucional:

1 - Na sequência da acusação dirigida contra Joaquim Gonçalves Moreira Lopes pela prática de três transgressões previstas e punidas na base LII das bases de concessão aprovadas pelo Decreto-Lei 248-A/99, de 6 de Julho, com a redacção resultante do Decreto-Lei 42/2004, de 2 de Março, e do artigo 4.º do Decreto-Lei 130/93, de 22 de Abril, por referência aos artigos 1.º a 3.º, 72.º, 73.º e 105.º a 113.º do Código da Estrada, aprovado pelo Decreto-Lei 114/94, de 3 de Maio, na redacção dada pelo Decreto-Lei 44/2005, de 23 de Fevereiro, foi proferida pelo Tribunal Judicial da Comarca de Vila do Conde, em 9 de Novembro de 2006, a sentença a fl. 16, que declarou "extinto o procedimento transgressional instaurado", por considerar despenalizadas as condutas as causa, "nos termos do artigo 2.º, n.º 2, do C. Penal e do artigo 29.º, n.º 4, da CRP".

Consequentemente, foi determinado o arquivamento dos autos.

Para alcançar este efeito, a sentença recusou a aplicação do disposto no n.º 1 do artigo 20.º da Lei 25/2006, de 30 de Junho, norma considerada materialmente inconstitucional por violação dos n.os 1 e 4 do artigo 29.º da Constituição, nos seguintes termos:

"Para ser julgada em processo de transgressão, vem o(a) arguido(a), acusado(a) da prática da(s) transgressões prevista(s) e punida(s) na base LII das bases de concessão, aprovadas pelo Decreto-Lei 248-A/89 [248-A/99], de 6 de Junho, com a redacção introduzida pelo Decreto-Lei 42/2004, de 2 de Março, e do artigo 4.º do Decreto-Lei 130/93, de 22 de Abril, por referência aos artigos 1.º a 3.º, 72.º, 73.º e 105.º a 113.º do Código da Estrada, aprovado pelo Decreto-Lei 114/94, de 3 de Maio, na redacção dada pelo Decreto-Lei 44/2005, de 23 de Fevereiro.

Sucede que, em 30 de Junho de 2006, foi publicada a Lei 25/2006, que tem por objecto, como resulta do seu artigo 1.º, que 'as infracções que resultam do não pagamento ou do pagamento viciado de taxas de portagem em infra-estruturas rodoviárias, anteriormente à sua entrada em vigor, previstas e punidas como contravenções e transgressões, passem a assumir a natureza de contra-ordenações'.

Como anunciou o Governo (www.gplp.mj.gov.pt e www.mj.gov.pt) a publicação desta lei faz parte de um programa que visou eliminar todas as transgressões e contravenções ainda existentes no nosso ordenamento jurídico e a sua transformação em contra-ordenações. Esta iniciativa legislativa há muito vinha sendo defendida pela doutrina e já era propugnada há mais de 25 anos, com a publicação do Decreto-Lei 232/79, de 24 de Julho, que instituiu pela primeira vez em Portugal o ilícito de mera ordenação social, e retomado pelo Decreto-Lei 433/82. É o culminar de um processo que se vinha fazendo paulatinamente (como sucedeu, por exemplo, com a conversão das contravenções estradais em contra-ordenações operada pelo Decreto-Lei 114/20004, de 3 de Maio, ou a reforma da legislação contra-ordenacional laboral operada pela Lei 116/94, de 4 de Agosto, e concretizada pelas Leis n.os 113/99 e 114/99, de 3 de Agosto, e 118/99, de 11 de Agosto, que pretendeu eliminar as contravenções de âmbito laboral), passando a existir, actualmente, apenas crimes e contra-ordenações, absorvendo o direito contra-ordenacional o direito transgressional e contravencional.

A par desta lei e inserido no programa legislativo do Governo, foram ainda publicadas no Diário da República as Leis 28/2006, de 4 de Julho e 30/2006, de 11 de Julho (rectificada pela Declaração de Rectificação 47/2006, de 7 de Agosto), assim se concluindo o programa de substituição das contravenções e transgressões ainda em vigor no ordenamento jurídico nacional por contra-ordenações.

A Lei 28/2006, de 4 de Julho, aprovou o regime sancionatório aplicável às infracções ocorridas em matéria de transportes colectivos de passageiros.

Em coerência com os referidos diplomas, a Lei 30/2006, de 11 de Julho, procedeu à conversão em contra-ordenações das restantes contravenções e transgressões ainda em vigor, abrangendo, além do mais, as infracções aos regimes jurídicos dos concursos de apostas mútuas concedidos à Santa Casa da Misericórdia de Lisboa, das instalações eléctricas, da actividade da resinagem, do combate às doenças contagiosas dos animais, do fomento piscícola nas águas interiores, das actividades de espectáculos, da profissão de fogueiro para a condução de geradores de vapor, das albufeiras de águas públicas, das actuações na utilização dos solos e da paisagem, da exposição e venda de objectos e meios de conteúdo pornográfico ou obsceno, da recolha e transporte de leite e dos centros de concentração e de tratamento de leite, e dos cemitérios municipais e paroquiais.

A Lei 30/2006, de 11 de Julho, no artigo 35.º, determinou ainda que as infracções previstas na legislação em vigor como contravenções e transgressões que não tenham sido individualmente reguladas passam a assumir a natureza de contra-ordenações e estabeleceu o respectivo regime.

Retomando a análise do diploma que nos interessa, dispõe o artigo 22.º que a Lei 25/2006 entra em vigor 120 dias após a sua publicação (que ocorreu em 30 de Junho de 2006), razão pelo qual se coloca uma questão de aplicação de leis no tempo, uma vez que o arguido praticou um ilícito transgressional ao abrigo de uma anterior legislação, tendo, entretanto, entrado em vigor a Lei 25/2006, que transformou aquela infracção numa contra-ordenação.

Ora, a Lei 25/2006, de 30 de Junho (tal como as Leis 28/2006, de 4 de Julho e 30/2006, de 11 de Julho), consagraram um regime transitório relativo às contravenções e transgressões praticadas antes da sua entrada em vigor, nos termos do qual estas infracções passam a ser sancionadas como contra-ordenações, sem prejuízo da aplicação do regime que concretamente se mostrar mais favorável ao agente, nomeadamente quanto à medida das sanções aplicáveis (artigo 20.º, n.º 1, da citada lei).

Ou seja, o legislador estabeleceu como regra a aplicação retroactiva da LN, no entanto, será aplicado o regime legal relativo às contravenções e transgressões se este se mostrar concretamente mais favorável ao agente, nomeadamente quanto à medida das sanções aplicáveis.

Sucede que, nesta norma, começam-se a denotar as imprecisões e incoerências em que o legislador incorreu, uma vez que, se por um lado, assume no seu artigo 1.º que as contravenções e transgressões têm uma natureza diferente das contra-ordenações, neste artigo acaba por se contradizer, uma vez que não obstante a diferente natureza dos ilícitos admite a aplicação do regime material das contravenções e transgressões, desde logo se as sanções forem quantitativamente mais favoráveis.

Ora, justamente por estarmos na presença de infracções de natureza diversa, qualitativamente diferentes, em que as sanções prosseguem fins distintos (e que também têm natureza distinta) toma-se inexequível e incompreensível a parte final do artigo 20.º, n.º 1, simplesmente porque as contravenções e transgressões, nesse sentido, são sempre mais gravosas do que as contra-ordenações.

Uma vez que existe alguma confusão do legislador convém fazer uma breve incursão histórica e legal nestes tipos distintos de infracções de modo a clarificar o que ficou dito.

As contravenções e transgressões têm uma forte tradição histórica no nosso ordenamento jurídico, e sempre se consideraram infracções de natureza penal.

A introdução destas categorias de infracções deveu-se a uma forte influência do Código Penal francês de 1810 que no seu artigo 1.º as dividia em crimes, delitos e contravenções, sendo que os autores da época, como Levy Maria Jordão, colocam o acento tónico das diferenças daquelas infracções no grau de gravidade (as contravenções seriam então 'crimes menores'), um pouco distinto do conceito actual, segundo o qual o crime correspondente à violação de direitos fundamentais que põem em causa a personalidade ética do homem ou o seu livre desenvolvimento na sociedade, ao passo que a contravenção só de forma indirecta ou mediata põe em causa valores jurídicos fundamentais ou atinge outros valores menos solenes (para o que ficou dito v. João Soares Ribeiro, Contra-Ordenações Laborais, Almedina, pp.19 e 20).

No entanto, cedo se foi sedimentando uma diferença entre estas infracções de natureza penal (crimes, contravenções e transgressões) e as contra-ordenações (que já no séc. XVII se chamava direito de polícia, depois passou a designar-se direito penal administrativo e, por fim, direito contra-ordenacional).

Nesta matéria foi bastante importante a contribuição dos autores alemães, designadamente no período pós-Segunda Guerra Mundial, como seja Goldsmidt [Goldschmidt], que vê na aplicação de penas matéria exclusiva do poder judicial, vedada à administração que apenas poderia aplicar sanções administrativas, distintas qualitativamente da penas, por não terem qualquer finalidade expiatória. Para Eberhard Schimidt [Schmidt] as proibições impostas pelas contra-ordenações são eticamente indiferentes, o que se reflecte na culpa e no fim da sanção, uma vez que a pena, sanção criminal, tem um fim expiatório e ressocializador, enquanto que a sanção da contra-ordenação é uma mera medida de coerção administrativa e disciplinar (João Soares Ribeiro, Contra-Ordenações Laborais, Almedina, p. 21).

Tal natureza penal das contravenções e transgressões também resultava do seu processamento, similar ao julgamento de um crime, mas de uma forma mais simplificada. De facto, no artigo 66.º do Código de Processo Penal de 1929 falava-se de contravenções e transgressões, sendo certo que o seu processamento está hoje regulado no Decreto-Lei 17/91, de 10 de Janeiro ('não só porque estão materialmente próximas, mas ainda porque tais delitos aparecem frequentemente regulados no mesmo diploma'). Ora, o carácter penal destas infracções reflecte-se não só nas sanções (penas que são típicas reacções criminais), como também pelo facto da sua aplicação ser do domínio do poder judicial, existindo uma acusação por parte do MP, sujeitando-se o arguido a julgamento numa audiência solene, a que se aplicam princípios do processo penal.

Sucede que o legislador nas leis supracitadas e, mais concretamente, na que está aqui em análise, acaba não perceber a distinta natureza e qualidade de contravenções e transgressões versus contra-ordenações, a diferente natureza e fins das sanções aplicadas, acabando por equipará-las e colocando o cerne da destrinça numa mera apreciação pecuniária: em suma, para o legislador será mais favorável a que aplicar uma sanção pecuniária mais leve. Ora, afirmar isso é confundir as infracções e equipará-las, o que não é possível.

Aliás, a desorientação do legislador quanto às noções de contravenções, transgressões versus contra-ordenações é latente quando se propugna a eliminar todas as contravenções e transgressões do ordenamento jurídico e transformá-las em contra ordenações e depois escreve que a Lei 25/2006, de 30 de Junho '[A]prova o regime sancionatório aplicável às transgressões ocorridas em matéria de infra-estruturas rodoviárias onde seja devido o pagamento de taxas de portagem'.

Só esta confusão é que justifica uma norma do teor do artigo 20.º, n.º 1, da Lei 25/2006.

Aliás, essa disposição contraria uma das ratios (sic) do diploma, de ordem prática, que milhares de processos deixem de correr nos tribunais portugueses, com o objectivo de descongestionar os tribunais e melhorar o seu funcionamento (www.gov.mj.pt). Ora, o legislador ao invés de prosseguir os seus intentos acaba por impor a análise dos regimes contravencionais e transgressionais e do regime contra-ordencional ... Para além de que se, como entende o legislador, o regime contravencional e transgressional fosse mais favorável, tal benefício estaria dependente do momento da instauração do processado, numa clamorosa violação da igualdade material. Ou seja, lendo o artigo 22.º [20.º], n.os 2 e 3, constata-se que para factos praticados antes da LN e cujo processamento contravencional e transgressional já teve início é possível a aplicação do regime das contravenções e transgressões (se mais favorável?!), mas se o processo ainda não estiver instaurado, correrá o processamento nas autoridades administrativas, sendo que neste caso a aplicação terá de ser necessariamente uma contra-ordenação (mesmo que o regime contravencional ou transgressional for mais favorável), já que aquelas não podem aplicar multas ..., sendo que o processamento das contravenções e transgressões está adstrito ao poder judicial ...

Assim sendo, ou entendemos que o legislador, de todo, não se soube exprimir, fruto de alguma confusão entre as infracções e então teremos que eliminar do ordenamento jurídico aquela parte do preceito, por não ser possível a sua aplicação, fazendo uma interpretação abrogante (no sentido da admissibilidade deste tipo de interpretação no domínio do processo penal v. David Catana, Apontamentos de Direito Processual Penal, AAFDL, 1993, p.80), ou admitimos que o legislador se exprimiu da melhor maneira e então teremos uma violação do principio constitucional da aplicação retroactiva da lei mais favorável ao arguido, previsto no artigo 29.º, n.º 4, da Constituição da República Portuguesa, principio esse que, 'no essencial, vale por analogia para todos os domínios sancionatórios, designadamente o ilícito de mera ordenação social' (Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, I, 2.ª ed., p. 208).

Debruçando-nos justamente no caso concreto que analisamos, a escolha será entre a aplicação de uma transgressão ou de uma contra-ordenação e das respectivas sanções.

Ora, como ficou dito a transgressão é sempre mais gravosa que a contra-ordenação, por revestir uma natureza penal, cuja sanção é uma 'verdadeira pena' de multa (reacção esta de natureza criminal que visa fins de prevenção e protecção e bens jurídicos), ao contrário da contra-ordenação cuja sanção é uma coima que são sanções meramente pecuniárias, despidas de qualquer pathos ético, que traduzem uma advertência ou admoestação social (João Soares Ribeiro, in ob. cit., p. 33), para além de que as transgressões implicam sempre um julgamento solene (decerto que de efeitos secundários mais gravosos para o arguido).

Aliás, é esta a posição de Taipa de Carvalho, in Sucessão de Leis Penais, 2.ª ed. revista, Coimbra Editora, p. 127, quando escreve que 'a lei, que converte uma transgressão numa contra-ordenação é uma lei despenalizadora. Logo, tem de aplicar-se retroactivamente (Código Penal de 1886 - artigo 6.º, 1.ª)'.

Por força desta última consideração (reconhecendo a diversa natureza jurídica das infracções em causa) teremos que concluir que, nos termos do artigo 29.º, n.º 4, segunda parte, da CRP e do artigo 2.º, n.º 2, do C. Penal que a referida Lei 25/2006 operou uma verdadeira despenalização, sendo nessa medida de aplicação obrigatoriamente retroactiva e não podendo por via da mesma sequer equacionar-se, ao contrário do que prescreve o artigo 20.º, n.º 1, da mesma lei, qual o regime mais favorável, como se estivesse perante uma verdadeira sucessão de leis penais no tempo stricto sensu (cf. artigo 2.º, n.º 4, do C. Penal) e não, como acontece no caso (atenta a diversa natureza jurídica das infracções), perante uma despenalização (artigo 2.º, n.º 2, do C. Penal).

O referido artigo 20.º, n.º 1, da Lei 25/2006 padece nessa medida de inconstitucionalidade material, porquanto estatui uma excepção, abrindo as 'portas' à aplicação do regime legal transgressional.

Afastada que está a aplicação da lei vigente à data da prática dos factos (que punia o facto como transgressão), por despenalização, a questão que se coloca agora é se a lei nova (que pune agora o facto como contra-ordenação) pode ser aplicada retroactivamente, e como tal a conduta do arguido ser sancionada como contra ordenação como decorre e pressupõe necessariamente o artigo 20.º, n.º 1, da referida lei, já supracitado.

Julgamos, porém, tal não ser também admissível quer face à lei geral das contra ordenações - v. o Decreto-Lei 433/82, artigos 2.º e 3.º, n.º 1, donde resulta que só poderá ser punido como contra-ordenação o facto descrito e declarado passível de coima por lei anterior ao momento da sua prática (princípio da legalidade), sendo que a punição da contra-ordenação é determinada pela lei vigente no momento da prática do facto ou do preenchimento dos pressupostos de que depende (aplicação da lei no tempo) quer face à própria Constituição da República Portuguesa, que no seu artigo 29.º, n.º 1, consagra o princípio da legalidade cuja importância é considerada indiscutida e indiscutível num Estado de direito (e que o referido artigo 3.º, n.º 1, do Decreto-Lei 433/82 transpõe para a lei geral) sendo certo que sufragamos inteiramente a posição de Gomes Canotilho e Vital Moreira in Constituição da República Portuguesa Anotada, I, 2.ª ed., p. 208, no sentido de que os princípios consagrados no artigo 29.º da CRP não se restringem apenas ao direito criminal propriamente dito, devendo valer, no essencial, por analogia para todos os regimes sancionatórios, designadamente o ilícito de mera ordenação social.

Assim, resta concluir que a factualidade pela qual o arguido vem acusado deixou de ser punível como transgressão por existir lei despenalizadora subsequente, mas também não configura contra-ordenação, já que a lei nova só vale para o futuro. Constata-se, portanto, que se trata de um facto juridicamente irrelevante e, como tal, insusceptível de punição. V. ainda Taipa de Carvalho, in loc. cit., p. 126, que no mesmo sentido conclui pela impunidade destas condutas, desvantagem que desvaloriza, face à perspectiva de Estado de direito que devemos acolher. V. ainda no mesmo sentido, em situação similar, Acórdão da RE de 11 de Janeiro de 2000, in Colectânea de Jurisprudência, ano XXV, t., 1, p. 294 e segs.

Nesta sequência, retomando o raciocínio já supra-explanado, considerando que o legislador no referido artigo 20.º, n.º 1, da Lei 25/2006, de 30 de Junho, exprimiu o seu pensamento em termos adequados (o que se presume ao abrigo do artigo 9.º, n.º 3, do Código Civil), teremos de concluir forçosamente que tal normativo padece de inconstitucionalidade material por violação do artigo 29.º, n.os 1 e 4, da Constituição da República Portuguesa, nos termos supra-referidos.

Face ao exposto, decide-se:

A) Não aplicar o artigo 20.º, n.º 1, da Lei 25/2006, de 30 de Junho, por considerar que o mesmo enferma de inconstitucionalidade material, por violação do artigo 29.º, n.os 1 e 4, da Constituição da República Portuguesa, nos termos e com os fundamentos supra-expostos;

B) Declarar extinto o procedimento transgressional instaurado contra o arguido, por despenalizada(s) a(s) sua(s) conduta(s), nos termos do artigo 2.º, n.º 2, do Código Penal e do artigo 29.º, n.º 4, da Constituição da República Portuguesa e em consequência determinar o oportuno arquivamento dos autos.

Sem custas, dada a extinção do procedimento.

Dá-se sem efeito a audiência de julgamento designada."

2 - Ao abrigo do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei 28/82, de 15 de Novembro, o Ministério Público interpôs recurso para o Tribunal Constitucional, "para apreciação da constitucionalidade da norma ínsita no artigo 20.º da Lei 25/2006, de 30 de Junho, cuja aplicação foi recusada na sentença proferida nos presentes autos, onde se decidiu 'não aplicar o artigo 20.º, n.º 1, da Lei 25/2006, de 30 de Junho, por considerar que o mesmo enferma de inconstitucionalidade material, por violação dos artigos 29.º, n.º 1, e 4.º da Constituição da República Portuguesa [...]', uma vez que a factualidade imputada ao arguido 'deixou de ser punível como transgressão por existir lei despenalizadora subsequente, mas não configura contra-ordenação, já que a lei nova só vale para o futuro'".

Notificado para o efeito, o Ministério Público apresentou alegações, sustentando a não inconstitucionalidade da norma desaplicada e concluindo nos seguintes termos:

"1 - A norma do artigo 20.º, n.º 1, da Lei 25/2006, de 30 de Junho, não viola qualquer norma ou princípio constitucional ao desgraduar as contravenções e transgressões aí previstas em contra-ordenações, ressalvando a aplicação do regime que concretamente se mostrar mais favorável ao agente, nomeadamente quanto à medida das sanções aplicáveis.

2 - Termos em que deverá proceder o presente recurso, não se confirmando o juízo de inconstitucionalidade levado a caso pela decisão recorrida."

Notificado, Joaquim Gonçalves Moreira Lopes não alegou.

Nos termos do disposto no n.º 2 do artigo 79.º-A da Lei 28/82, foi determinado que o julgamento deste recurso se fizesse em plenário.

3 - Cumpre começar por delimitar o objecto do recurso.

Para o efeito, há que conjugar a decisão recorrida, o requerimento de interposição de recurso para este Tribunal e a circunstância de estarem em causa infracções resultantes de falta de pagamento de determinadas portagens devidas, uma vez que o âmbito de aplicação da Lei 25/2006 é definido, pelo seu artigo 1.º, nos seguintes termos:

"Artigo 1.º

Objecto

A presente lei determina que as infracções que resultam do não pagamento ou do pagamento viciado de taxas de portagem em infra-estruturas rodoviárias, anteriormente à sua entrada em vigor, previstas e punidas como contravenções e transgressões, passem a assumir a natureza de contra-ordenações."

Assim, o objecto do presente recurso consiste na norma constante do n.º 1 do artigo 20.º da Lei 25/2006, de 30 de Junho, segundo a qual são sancionadas como contra-ordenações infracções resultantes de falta de pagamento de taxas de portagem previstas na base LII das bases de concessão aprovadas pelo Decreto-Lei 248-A/99, de 6 de Julho, praticadas antes da entrada em vigor da Lei 25/2006, sem prejuízo da aplicação do regime que concretamente se mostrar mais favorável ao agente, nomeadamente quanto à medida das sanções aplicáveis.

4 - Pelo Decreto-Lei 248-A/99, de 6 de Julho (rectificado pela Declaração de Rectificação 10-BD/99, de 23 de Julho, publicada no Diário da República, 1.ª série-A, de 31 de Julho de 1999, e posteriormente alterado pelos Decretos-Leis 127/2003, de 24 de Junho, 42/2004, de 2 de Março, 39/95, de 17 de Fevereiro e 204-B/2005, de 28 de Fevereiro), foram aprovadas as bases da concessão ao consórcio AENOR - Auto- Estradas do Norte - Concessões de Portugal, S. A. , mediante contrato a celebrar "nos termos do presente diploma e das bases que dele fazem parte integrante", da "concessão da concepção, projec norte de Portugal" (artigos 1.º e 2.º do referido Decreto-Lei 248-A/99).

Para o que agora releva, foram fixadas as taxas de portagem a pagar pelas diversas classes de veículos correspondentes à utilização das vias abrangidas, bem como os casos de isenção de pagamento (cf. bases XLVIII e seguintes), e, na base LII das bases da concessão (entretanto alterada pelo Decreto-Lei 42/2004), foi definido o regime sancionatório aplicável em caso de não pagamento ou pagamento viciado das referidas portagens [que, segundo a base LI, pode ser feito por "sistema manual, automático (através de Via Verde) e por cartão de débito ou de crédito"]:

"Artigo Base LII

Não pagamento de portagens

1 - As sanções pelo não pagamento ou pagamento viciado de portagens são aplicadas aos utentes prevaricadores nos termos de legislação em vigor.

2 - A falta de pagamento de qualquer taxa de portagem é punida com multa, cujo montante mínimo é igual a 10 vezes o valor da respectiva taxa de portagem, mas nunca inferior a 25, e o máximo igual ao quíntuplo do montante mínimo.

3 - Para efeitos do disposto no número anterior, sempre que for variável a determinação da taxa de portagem em função do percurso percorrido e não for possível no caso concreto a sua determinação, deve considerar-se o valor máximo cobrável na respectiva barreira de portagem.

4 - Sempre que um utente se apresente numa barreira de portagem não sendo portador do respectivo título de trânsito, considerar-se-á o dobro do valor máximo cobrado na respectiva barreira de portagem, não havendo lugar ao pagamento de qualquer multa.

5 - Sempre que um utente passe uma barreira de portagem sem proceder ao pagamento da taxa devida será levantado auto de notícia.

6 - Além das entidades com competência para a fiscalização do trânsito, poderão os portageiros da concessionária levantar os autos referidos no número anterior, considerando-se, para esse efeito, equiparados a funcionários públicos.

7 - A detecção das infracções previstas no n.º 1 poderá ser efectuada através de equipamentos técnicos que registem a imagem do veículo com a qual a infracção foi praticada.

8 - Os aparelhos a utilizar para o fim mencionado no número anterior devem ser previamente aprovados pela Direcção-Geral de Viação, nos termos e para os efeitos previstos no Código da Estrada.

9 - A concessionária poderá, a partir da matrícula dos veículos, solicitar directamente à Direcção-Geral dos Registos e do Notariado ou à Guarda Nacional Republicana a identificação do respectivo proprietário, adquirente, usufrutuário ou locatário em regime de locação financeira, com base no terminal informático da Conservatória do Registo Automóvel.

10 - O produto das multas reverte em 40% para a concessionária e os restantes 60% revertem para o Estado e para o IEP - Instituto das Estradas de Portugal, respectivamente, na proporção de 60% e de 40%.

11 - A concessionária faz entrega mensal, nos cofres do Tesouro, dos quantitativos das multas cobradas que constituem receita do Estado e do IEP, mediante transferência para conta daquele organismo junto da Direcção-Geral do Tesouro."

Por sua vez, o artigo 4.º do Decreto-Lei 130/93, de 22 de Abril (entretanto revogado pelo n.º 1 do artigo 21.º da Lei 25/2006, de 30 de Junho), estabelecia o regime aplicável "sempre que não for possível identificar os condutores dos veículos que passarem a portagem sem procederem ao pagamento da respectiva taxa [...]" (n.º 1).

5 - Entretanto, veio a ser aprovada a Lei 25/2006, resultante da proposta de lei 42/X (Diário da Assembleia da República, 1.ª série-A, n.º 125, de 30 de Junho de 2006), diploma de onde consta a norma em apreciação neste recurso.

Conforme se pode ler na respectiva "exposição de motivos", ali também publicada, "A aplicação prática do Decreto-Lei 232/79, de 24 de Julho, que instituiu o ilícito de mera ordenação social, encontrou dificuldades de execução pela Administração Pública, uma vez que esta não dispunha de meios que lhe permitissem um cumprimento eficaz dos respectivos comandos normativos.

Com a aprovação do Decreto-Lei 411-A/79, de 1 de Outubro, ter-se-á tentado responder a essa dificuldade, revogando as normas do anterior diploma determinantes das alterações em causa.

O legislador veio, entretanto, designadamente através do Decreto-Lei 433/82, de 27 de Outubro, manifestar a vontade de se avançar no sentido da constituição de um ilícito de mera ordenação social e dar conta da urgência em concretizar o direito das contra-ordenações, preocupação que tem vindo a demonstrar-se perfeitamente justificada pela experiência, tornando conveniente a submissão ao regime das contra-ordenações dos ilícitos ainda hoje previstos sob a forma de contravenções e transgressões na legislação em vigor.

Este movimento reflecte uma tendência para proceder à conversão em contra-ordenações de contravenções e transgressões em vigor no ordenamento jurídico nacional, propósito assumido pelo XVII Governo Constitucional no seu Programa de Governo e reafirmado na Resolução do Conselho de Ministros n.º 100/2005, de 30 de Maio, nos termos da qual foi reiterada a intenção de se proceder à descriminalização de um conjunto de condutas.

Na matéria específica da utilização das infra-estruturas rodoviárias em que seja devido o pagamento de taxas de portagem, pretende-se simultaneamente prevenir a respectiva utilização fraudulenta e aliviar os tribunais do peso dos processos correspondentes. Assim, passa a ser a Direcção-Geral de Viação a entidade responsável pela instrução e decisão final do procedimento, sem prejuízo da possibilidade de recurso judicial, nos termos gerais.

Por outro lado, a disponibilização de meios de fiscalização e de tramitação dos processos de contra-ordenação justifica a afectação parcial do produto das coimas às entidades que exercem a fiscalização e às entidades que asseguram a instrução dos processos.

Por último, importa salientar a salvaguarda dos processos por contravenções e transgressões praticadas antes da data da entrada em vigor da presente lei.

Foram promovidas as diligências necessárias à audição do Conselho Superior da Magistratura, do Conselho Superior do Ministério Público, do Conselho Superior dos Tribunais Administrativos e Fiscais, da Ordem dos Advogados, da Câmara dos Solicitadores e do Conselho dos Oficiais de Justiça."

Assim, no artigo 1.º da Lei 25/2006 foi determinado, como se viu, que "as infracções que resultam do não pagamento ou do pagamento viciado de taxas de portagem em infra-estruturas rodoviárias anteriormente à sua entrada em vigor, previstas e punidas como contravenções e transgressões, passem a assumir a natureza de contra-ordenações".

Para o efeito, a lei definiu o regime que passou a ser-lhes aplicável em diversos pontos (fiscalização, regime contra-ordenacional para o caso de contra-ordenações praticadas no âmbito de cobrança electrónica e manual de portagens, determinação da coima aplicável, responsabilidade pelo pagamento, competência para a instauração e instrução dos processos de contra-ordenação, processo, etc.), mandou aplicar, a título subsidiário, "as disposições do regime geral do ilícito de mera ordenação social e respectivo processo" (artigo 18.º), e, para o que agora especialmente interessa, dispôs o seguinte no seu artigo 20.º:

"Artigo 20.º

Regime transitório

1 - As contravenções e transgressões praticadas antes da data da entrada em vigor da presente lei são sancionadas como contra-ordenações, sem prejuízo da aplicação do regime que concretamente se mostrar mais favorável ao agente, nomeadamente quanto à medida das sanções aplicáveis.

2 - Os processos por factos praticados antes da data da entrada em vigor da presente lei pendentes em tribunal nessa data continuam a correr os seus termos perante os tribunais em que se encontrem, sendo-lhes aplicável, até ao trânsito em julgado da decisão que lhes ponha termo, a legislação processual relativa às contravenções e transgressões.

3 - Os processos por factos praticados antes da data da entrada em vigor da presente lei cuja instauração seja efectuada em momento posterior correm os seus termos perante as autoridades administrativas competentes.

4 - Das decisões proferidas pelas entidades administrativas, nos termos do número anterior, cabe recurso nos termos gerais."

Ora foi justamente a aplicação do disposto no n.º 1 do artigo 20.º da Lei 25/2006, acabado de transcrever, que a sentença recorrida recusou, com fundamento em inconstitucionalidade material, por considerar que viola os n.os 1 ("[N]inguém pode ser sentenciado criminalmente senão em virtude de lei anterior que declare punível a acção ou a omissão, nem sofrer medida de segurança cujos pressupostos não estejam fixados em lei anterior") e 4 ("N]inguém pode sofrer pena ou medida de segurança mais graves do que as previstas no momento da correspondente conduta ou da verificação dos respectivos pressupostos, aplicando-se retroactivamente as leis penais de conteúdo mais favorável ao arguido") do artigo 29.º da Constituição.

Em síntese, a inconstitucionalidade resultaria do seguinte:

Com a entrada em vigor da Lei 25/2006, foi transformado em contra-ordenação um ilícito que, nos termos da lei vigente à data da sua prática, constituía um "ilícito transgressional";

A mesma Lei 25/2006 contém um regime transitório segundo o qual "as transgressões e contravenções praticadas antes da sua entrada em vigor [...] passam a ser sancionadas como contra-ordenações, sem prejuízo da aplicação do regime que concretamente se mostrar mais favorável ao agente, nomeadamente quanto à medida das sanções aplicáveis (artigo 20, n.º 1, da citada lei)";

Ora é contraditório admitir que, relativamente a "infracções de natureza diversa, qualitativamente diferentes", sendo, por esse motivo, umas sempre mais gravosas que as outras, se possa fazer uma apreciação da qual venha a concluir-se que as sanções aplicáveis de uma ou de outra perspectiva sejam quantitativamente mais ou menos favoráveis;

As transgressões e as contravenções têm sempre natureza penal, sendo portanto necessariamente de aplicação judicial e mediante processamento "similar ao julgamento de um crime", e são sempre mais gravosas que as contra-ordenações, desde logo porque umas e outras prosseguem fins diferentes;

Assim, sob pena de se entender "que o legislador, de todo, não se soube exprimir", o que nos levaria a "eliminar do ordenamento jurídico" o n.º 1 do artigo 20.º da Lei 25/2006, "por não ser possível a sua aplicação [...] ou admitimos que o legislador se exprimiu da melhor maneira e então temos uma violação do princípio constitucional da aplicação retroactiva da lei mais favorável ao arguido, previsto no artigo 29.º, n.º 4, da Constituição da República Portuguesa, princípio esse que, 'no essencial, vale por analogia para todos os domínios sancionatórios, designadamente o ilícito de mera ordenação social' (Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, I, 2.ª ed., p. 208)";

Portanto, na realidade, não se coloca um problema de sucessão de leis no tempo. Uma lei que converte uma transgressão numa contra-ordenação é sempre uma lei despenalizadora. Da sua aplicação decorre, por um lado, a despenalização das condutas anteriormente havidas como ilícitos contravencionais ou transgressionais, como impõe o n.º 2 do artigo 2.º do Código Penal e o n.º 4, segunda parte, do artigo 29.º da Constituição; e, por outro, a impossibilidade de as sancionar como contra-ordenações, por ser posterior à sua prática, sob pena de violação, quer dos artigos 2.º e 3.º, n.º 1, do Decreto-Lei 433/82 quer do n.º 1 do artigo 29.º da Constituição, também aplicável no âmbito do direito de mera ordenação social.

6 - Pelo Acórdão 61/99 (Diário da República, 2.ª série, de 31 de Março de 1999), posteriormente transcrito e acolhido em diversos acórdãos (Acórdãos n.os 226/2006, 227/2006, 230/2006, 273/2006, 281/2006 e 419/2006, o primeiro publicado no Diário da República, 2.ª série, de 22 de Maio de 2006 e todos disponíveis em www.tribunalconstitucional.pt) e inúmeras decisões sumárias deste Tribunal (cf. decisões n.os 101/2006, 147/2006, 192/2006, 194/2006, 197/2006, 198/2006, 205/2006, 215/2006, 216/2006, 221/2006, 237/2006, 240/2006, 293/2006, 294/2006, 333/2006, 338/2006, 341/2006, 349/2006, 370/2006, 378/2006, 514/2006 e 515/2006, todas disponíveis em www.tribunalconstitucional.pt), no qual estava em causa a apreciação de normas de teor semelhante à que consta da base LII das bases de concessão aprovadas pelo Decreto-Lei 248-A/99, na parte que agora releva - ou seja, na punição com multa de infracção consistente na falta de pagamento ou de pagamento viciado de portagens devidas em estruturas rodoviárias -, o Tribunal Constitucional pronunciou-se da seguinte forma:

"3.1 - Efectivamente, haverá, em primeira linha, que acentuar que, independentemente da questão de saber se, após a revisão constitucional operada pela Lei Constitucional 1/82, de 30 de Setembro, é possível a criação, ex novo, de contravenções, o certo é que a norma em apreço veio instituir (e para se utilizarem algumas das palavras do artigo 3.º do Código Penal de 1886) a previsão de um comportamento consubstanciado na prática de um 'facto voluntário punível' in casu tão-só com uma pena pecuniária e que 'consiste unicamente na violação ou na falta de observância das disposições preventivas das leis e regulamentos, independentemente de toda a intenção maléfica' (cf., sobre o conceito de contravenção, Eduardo Correia, Direito Criminal, I, pp. 218 a 221, e Cavaleiro de Ferreira, Direito Penal, edição da AAFDL, I, 168).

De outro lado, atento o momento temporal em que a norma em apreço foi editada (1992) [1999, no caso], a sanção pecuniária nela prevista não podia ser convertível em prisão, por se ter de haver por revogado, pela entrada em vigor do Código Penal, aprovado pelo Decreto-Lei 400/82, de 23 de Setembro, o artigo 123.º do Código Penal, aprovado pelo Decreto de 16 de Setembro de 1886 (cf., quanto que este último aspecto, por entre outros, os Acórdãos deste Tribunal n.os 188/87 e 308/94, publicados no Diário da República, 2.ª série, de, respectivamente, 5 de Agosto de 1987 e 29 de Agosto de 1994).

Ora, torna-se inquestionável que o comportamento em causa (o não pagamento da 'taxa' de portagem devida pela utilização das auto-estradas) não pode ter uma ressonância ética tal que o haja de o qualificar como um crime; e, se se ponderar que esse comportamento foi, já em 1992, tido como integrando um ilícito passível de ser publicamente sancionado com uma pena meramente pecuniária, então (tal como se disse no referido Acórdão 308/94, embora a propósito de outra norma) há-de concluir-se que 'o tratamento que lhe deve ser conferido há-de ser o correspondente às contra-ordenações, para as quais a Constituição não exige a prévia definição do tipo e da punição concreta em lei parlamentar'.

Neste particular, não se pode olvidar que a prática do facto punível pela norma sub specie representa, sem que grandes dúvidas a esse respeito se possam levantar, uma infracção no domínio estradal, cumprindo recordar que práticas semelhantes foram sancionadas anteriormente, verbi gratia pelos Decretos-Leis n.os 43 705, de 22 de Maio de 1961 (punição, com pena pecuniária, pelo não pagamento da taxa de portagem pela utilização do lanço de auto-estrada Lisboa-Vila Franca de Xira - cf. o artigo 6.º), e 47 107, de 19 de Julho de 1966 [punição, com pena pecuniária, pelo não pagamento da taxa de portagem pela utilização da Ponte sobre o Tejo - hoje denominada Ponte 25 de Abril - cf. artigo 3.º, § 4 -, e a que, por intermédio do Decreto-Lei 199/95, de 31 de Julho, veio a ser dada a natureza de contra-ordenação - cf. o artigo 1.º, alínea c)].

3.1.2 - E, a este propósito, convém respigar alguns passos que se podem ler no citado Acórdão 308/94.

Assim, disse-se nesse aresto, a propósito da questão de saber se era possível, no caso ali apreciado, a criação de um novo tipo contravencional [...].

Ou seja: o Governo poderia criar aqui esta nova infracção contravencional, uma vez que não lhe corresponde sanção restritiva de liberdade, isto a admitir que a figura das contravenções ainda tem cobertura constitucional [...].

Tradicionalmente, quer a definição de cada concreto ilícito contravencional quer a fixação da respectiva pena sempre puderam ser efectuadas por regulamento, inclusivamente por regulamentos locais, como expressamente resultava do preceituado no artigo 486.º do velho Código Penal de 1886. E o mesmo entendimento se manteve na generalidade da doutrina e na jurisprudência, após a entrada em vigor da Constituição de 1976.

Com a revisão constitucional de 1982, suscitou-se o problema de saber qual o destino, em geral, da figura das contravenções. A este propósito, escrevem J. J. Gomes Canotilho e Vital Moreira (Constituição da República Portuguesa Anotada, 3.ª ed., anotação X ao artigo 168.º, p. 673):

'Ao referir o ilícito de mera ordenação social, omitindo toda a referência à figura das contravenções (que era tradicional no direito português até ao Código Penal de 1982), a Constituição deixa entender claramente que ela desapareceu como tipo sancionatório autónomo, pelo que as contravenções que subsistirem (ou que forem ex novo criadas) têm de ser tratadas de acordo com a natureza que no caso tiverem (criminal ou de mera ordenação social).'

Ora, dúvidas não restam que, no caso vertente, não deparamos com uma infracção com a ressonância ética suficiente para poder ser qualificada como de natureza criminal. E, assim sendo, e também porque lhe não corresponde qualquer sanção privativa ou restritiva da liberdade, o tratamento que lhe deve ser conferido há-de ser o correspondente às contra ordenações, para as quais a Constituição não exige a prévia definição do tipo e da punição concreta em lei parlamentar."

Estava então em causa, no recurso em que foi proferido o Acórdão 61/99, saber se cabia ou não na reserva legislativa da Assembleia da República a aprovação do disposto no "n.º 7 da base XVIII anexa ao Decreto-Lei 315/91, de 20 de Agosto, na redacção conferida pelo Decreto-Lei 193/92, de 8 de Agosto (passagem de veículo na barreira denominada 'via verde' da portagem de Carcavelos [...] sem que fosse portador de equipamento identificador".

Todavia, pode retirar-se, com interesse para a questão agora em apreciação, que o Tribunal Constitucional, neste Acórdão 61/99 e em todas as decisões atrás referidas que reiteraram a orientação que nele fez vencimento, apenas com a discordância revelada na declaração de voto aposta ao Acórdão 419/2006, entendeu, em síntese, estarem em causa infracções que, do ponto de vista "da relevância constitucional específica, entenda-se" (para usar a expressão constante do Acórdão 117/2007, www.tribunalconstitucional.pt), e não do direito ordinário, deveriam ser tratadas como (ou equiparadas a) contra-ordenações; e que, para alcançar tal conclusão, o Tribunal assumiu ser decisivo tratar-se de infracções que correspondem a um comportamento - "o não pagamento da taxa de portagem devida pela utilização das auto-estradas" - que "não pode ter uma ressonância ética tal que o haja de qualificar como crime" e para as quais foi definida uma "pena meramente pecuniária", insusceptível de ser convertida em prisão.

Esta conclusão, embora alcançada a propósito de uma questão de competência legislativa, denota um entendimento segundo o qual a infracção em causa não contém o desvalor próprio de uma infracção de natureza penal, antes revelando uma natureza própria dos ilícitos que, após a introdução no direito português da categoria do ilícito de mera ordenação social, nela foram expressamente integrados (por conversão ou por definição, ab initio, como tal). E o mesmo entendimento, aliás, informou o Acórdão 308/94, no qual, como resulta do Acórdão 61/99, estava em causa a questão da forma constitucionalmente exigível para a criação de contravenções às quais não correspondesse nenhuma sanção privativa da liberdade.

Seguindo esta orientação, não se detecta no n.º 1 do artigo 20.º da Lei 20/2006 qualquer das inconstitucionalidades apontadas na sentença recorrida, já que aquele preceito apenas vem qualificar expressamente como contra-ordenação infracções que o Tribunal Constitucional já vinha considerando como podendo assumir, materialmente, tal natureza. Assim, sempre nesta linha, nenhum obstáculo constitucional se encontraria que impedisse a qualificação operada pela nova lei, tanto mais que nela se esclarece que, se o regime aplicável de acordo com as suas regras for mais favorável ao agente do que a que resultaria da aplicação da lei anterior, é o que se aplica (nomeadamente, se a coima corresponder a um montante pecuniário inferior ao da anterior multa).

Note-se, aliás, que a sentença recorrida não põe em causa a adequação da inclusão deste tipo de infracções no âmbito das contra-ordenações; apenas entende, nos termos já apontados, que só pode implicar a respectiva punição como contra-ordenação para infracções posteriores à entrada em vigor da Lei 25/2006.

E convém lembrar - apesar de só estar em causa neste processo o n.º 1 do artigo 20.º da Lei 25/2006 - que a aplicação desta lei a infracções a que anteriormente se não aplicava o regime previsto para o ilícito de mera ordenação social (cf. o artigo 18.º, que o manda aplicar a título subsidiário, "em tudo quanto" nesta lei "se não encontre expressamente regulado"), mas o regime das "contravenções e transgressões" (cf. o artigo 1.º da Lei 25/2006 e o Decreto-Lei 17/91, de 10 de Janeiro) que a Lei 25/2006 teve o cuidado de distinguir, relativamente a infracções anteriores, os processos já pendentes (n.º 2) e os ainda não instaurados (n.º 3).

Nesta perspectiva, a norma do n.º 1 do artigo 20.º não implica, portanto, nem a eliminação do mundo das infracções das condutas, sancionadas pela base LII das bases da concessão aprovada pelo Decreto-Lei 284-A/84, mas praticadas antes da entrada em vigor da Lei 25/2006, nem a consideração retroactiva de tais infracções (entretanto tornadas juridicamente irrelevantes) como contra-ordenações; não ocorre, pois, qualquer violação, seja do n.º 1, seja do n.º 4 do artigo 29.º da Constituição (não discutindo sequer se tais princípios constitucionais são ou não, na medida pretendida pela sentença recorrida, aplicáveis ao domínio do direito de mera ordenação social, pelo menos com a mesma intensidade).

7 - À mesma conclusão da não inconstitucionalidade se chega, no entanto, adoptando a perspectiva - espelhada na já referida declaração de voto aposta ao Acórdão 419/2006 - de que não é só no plano do direito ordinário (como claramente se assume na exposição de motivos acima transcrita, que fala em descriminalização de condutas), mas também do ponto de vista constitucional, que se mantém a autonomia do ilícito contravencional, nomeadamente a par do ilícito de mera ordenação social, como veremos.

É que, em qualquer caso, a questão colocada ao Tribunal Constitucional - e amplamente tratada na doutrina - traduz-se, no fundo, em saber se é constitucionalmente admissível transformar um ilícito criminal num ilícito contra-ordenacional, mantendo a punibilidade das condutas praticadas antes dessa transformação, mas passando a sancioná-las em conformidade (com uma coima e não com uma multa, sanção de natureza penal).

Em particular, e porque de um recurso de fiscalização concreta se trata - está em causa a qualificação como contra-ordenação de infracções previstas na já transcrita citada base LII, praticadas antes da entrada em vigor da Lei 25/2006 -, convém recordar que tal transformação foi acompanhada de uma norma de direito transitório que não só procede expressamente à conversão, mas também explicita que sempre prevalecerá em cada caso o regime mais favorável (naturalmente por confronto com a lei anterior).

A sentença recorrida, louvando-se no ensinamento de Taipa de Carvalho, como se pode verificar da transcrição, entendeu que não.

Considerando transponíveis para o direito de mera ordenação social os princípios constitucionalmente reconhecidos da legalidade criminal - na vertente de que "ninguém pode ser sentenciado criminalmente senão em virtude de lei anterior que declare punível a acção ou omissão" (n.º 1 do artigo 29.º da Constituição) e da aplicação retroactiva da lei penal mais favorável ao arguido (n.º 4 do mesmo artigo 29.º), a sentença entendeu não ocorrer qualquer situação de sucessão de leis no tempo, não cabendo, portanto, determinar qual regime (o anterior ou o posterior à entrada em vigor da Lei 25/2006) seria aplicável às infracções praticadas antes dessa entrada em vigor. Julgou, pois, extinto o procedimento transgressional que corria termos, por entender respeitar a condutas que tinham sido despenalizadas e que não podiam ser punidas à luz de uma lei posterior à sua prática.

Ora a verdade, todavia, é que não seria esta a solução a que se chegaria mesmo que se aceitasse, por princípio, a tese do citado autor.

Como se pode ler em Taipa de Carvalho, Sucessão de Leis Penais, 2.ª ed., Coimbra, 1997, obra citada na sentença, em especial a pp. 120 e segs., mesmo assumindo (como ali se faz) a diferença essencial de natureza (e não meramente de grau) entre a contra-ordenação, por um lado, e o crime ou a contravenção, por outro, "não pode existir a mínima dúvida de que a conversão legislativa de uma infracção penal numa contra-ordenação constitui uma despenalização da respectiva conduta e, necessariamente (Constituição da República Portuguesa, artigo 29.º, n.º 4, segunda parte; Código Penal de 1982-1995, artigo 2.º, n.º 2; Código Penal de 1886, artigo 6.º, primeira parte), tem eficácia retroactiva; jamais, a partir da entrada em vigor da lei que alterou a qualificação, poderá aplicar-se a LA e, tendo já sido aplicada em sentença transitada em julgado, cessam a execução da pena e os efeitos penais da condenação. A responsabilidade penal, derivada do facto praticado antes do início de vigência da LN, extingue-se plenamente.

Problema diferente - mas que já não respeita à vigência temporal da lei penal - é o da eficácia temporal da LN, na medida em que passou a qualificar o facto (a hipótese legal) como contra-ordenação. Ora o princípio geral é o de que a lei que "cria" contra-ordenações só se aplica aos factos praticados depois da sua entrada em vigor (Decreto-Lei 433/82, artigo 3.º, n.º 1 - eficácia pós activa). Todavia, não está constitucionalmente consagrada - pelo menos de forma expressa - a proibição de retroactividade da lei sobre contra-ordenações.

Assim, se a lei que altera a qualificação do facto de crime (ou de contravenção) para contra-ordenação, não estabelece, mediante norma transitória, a sua aplicabilidade às acções praticadas antes do início da sua vigência, tais acções, que, necessária e constitucionalmente, são despenalizadas, também não podem ser julgadas como ilícitos de mera ordenação social. Tornam-se, portanto, juridicamente irrelevantes.

[...]

Se, pelo contrário, a lei, que converte a infracção penal em contra-ordenação, estabelecer, por disposição transitória" (em nota, o autor esclarece que, então, haverá que respeitar o regime da competência legislativa reservada da Assembleia da República) "a sua eficácia retroactiva, no sentido de tornar extensivo o seu regime e as coimas respectivas aos factos praticados na vigência da lei antiga (evitando, assim, a impunidade geral dos factos ainda não julgados), podem não levantar-se, mas também poderão surgir problemas de constitucionalidade da norma transitória". A título de exemplo, fala da hipótese de "atribuição de eficácia retroactiva, quando as sanções, apesar de não terem natureza penal (coima e sanções acessórias), se traduzirem num prejuízo (sacrifício) para o infractor maior do que aquele que lhe adviria da aplicação (constitucionalmente impossível) da lei penal revogada por esta lei que criou ex novo a contra-ordenação" e da eventualidade de "supressão retroactiva da garantia jurisdicional" para a apreciação de condutas anteriores (questão esta não abrangida pelo objecto do presente recurso, por não respeitar ao n.º 1 do artigo 20.º da Lei 25/2006).

Ora da leitura da longa transcrição acabada de fazer decorre, sem necessidade de maiores explicações, que nem segundo a perspectiva deste autor ocorreria inconstitucionalidade da norma em apreciação neste recurso.

8 - Como se sabe e se escreveu, por exemplo, no Acórdão 677/98 (Diário da República, 2.ª série, de 4 de Março de 1998), "é no capítulo dedicado aos direitos, liberdades e garantias pessoais que a Constituição consagra os princípios básicos relativos à 'aplicação da lei criminal' (artigo 29.º). Entre eles, contam-se o princípio da legalidade, o princípio da irretroactividade da lei incriminadora, o princípio da aplicação retroactiva da lei penal mais favorável, o princípio ne bis in idem e o direito à revisão da sentença e à indemnização em caso de condenação injusta".

Não se torna necessário averiguar se e em que medida tais princípios são constitucionalmente impostos no âmbito do direito de mera ordenação social, como se sustentou na sentença, já que, em qualquer caso, não seriam ofendidos pela norma de que nos ocupamos.

Assim, e em primeiro lugar, porque o n.º 1 do artigo 20.º da Lei 25/2006 não eliminou nem a ilicitude nem a responsabilidade pela conduta prevista na base LII das bases de concessão aprovadas pelo Decreto-Lei 248-A/99 (o não pagamento das taxas de portagem ali previstas); limitou-se a proceder à sua "desgraduação" ou "desvalorização" para a zona do ilícito de mera ordenação social.

Como escreve Figueiredo Dias (Direito Penal, parte geral, t. I, Coimbra, 2004, p. 188), salientando aliás que a transformação em contra-ordenação de uma conduta que constituía crime "é um problema de direito contra-ordenacional e não penal - pois, com a descriminalização, a conduta deixou de ter relevância penal", observa que "o que deve perguntar-se é se a protecção do cidadão perante o poder punitivo estadual e a tutela das suas expectativas, que conferem também razão de ser ao princípio da legalidade contra-ordenacional, são substancialmente postas em causa com uma eventual punição contra-ordenacional nestas circunstâncias. E a resposta não pode deixar de ser negativa, pois no momento da prática do facto não existiam razões para que o agente pudesse esperar ficar impune; acabando, isso sim, com a aplicação da sanção contra-ordenacional, por beneficiar de um regime que lhe é concretamente mais favorável".

No mesmo sentido, Maria Fernanda Palma, "A aplicação da lei no tempo: A proibição da retroactividade in peius", Jornadas sobre a Revisão do Código Penal, Lisboa, 1998, pp. 413 e segs., p. 425, sustentando tratar-se apenas da "substituição de uma forma mais grave de responsabilidade por uma outra menos grave e a correspondente substituição de uma pena por uma coima", solução que se impõe "por uma compreensão valorativa da substituição de regimes". Para além disso, e salientando não se lhe afigurar correcto concluir pela extinção de responsabilidade jurídica pelos factos passados sem uma manifestação de vontade explícita do legislador nesse sentido, chama a atenção para o aspecto fundamental de que "nestas situações existe, na realidade, um comportamento humano referente essencialmente idêntico, que assegura a unidade do facto e a continuidade normativa".

Também Rui Pereira, "A Descriminação do consumo da droga", in Liber Discipulorum, Jorge de Figueiredo Dias, pp. 1159 e segs., pp.1180 e segs., em especial, que observa "estarem em causa dois ramos do direito público sancionatório contíguos", sustenta que "na sucessão de leis criminais e contra-ordenacionais se deve aplicar sempre o regime de mera ordenação social", o que aliás respeita "em absoluto os princípios constitucionais de direito penal que aqui estão em causa: legalidade, necessidade das penas e das medidas de segurança e igualdade".

Em segundo lugar, porque, ao operar a transformação em ilícito de mera ordenação social, a lei procedeu de acordo com o princípio da aplicação retroactiva da lei mais favorável, mandando aplicar o regime menos gravoso para o arguido, nomeadamente quanto "à medida das sanções aplicáveis".

Não podemos, pois, dizer, desde logo, que tenham sido afectados os valores que a Constituição garante quando consagra a regra de que "ninguém pode ser sentenciado criminalmente" - contra-ordenacionalmente, no caso, "senão em virtude de lei anterior que declare punível a acção ou a omissão" (n.º 1 do artigo 29.º da Constituição).

Mas igualmente se não pode dizer que a manutenção da punição da conduta viole a regra que manda aplicar "retroactivamente as leis penais de conteúdo mais favorável ao arguido" (n.º 4 do artigo 29.º da Constituição). É manifestamente contrário, quer à letra quer ao espírito do n.º 1 do artigo 20.º em especial, quer à Lei 25/2006 globalmente considerada, admitir que o legislador quis eliminar a ilicitude - e a punição - do não pagamento das portagens devidas.

Solução eventualmente contrária levaria ao absurdo de, uma vez incriminada uma conduta, o legislador ficar impedido de a "desgraduar" em contra-ordenação, restando-lhe a opção entre manter uma incriminação que considera excessiva ou conceder (não intencionalmente, como é manifesto) uma "amnistia" generalizada a condutas anteriores que continua a querer considerar ilícitas. Poderia desagravar um crime, passando a puni-lo de forma menos severa (cf. o n.º 4 do artigo 2.º do Código Penal); mas não transformá-lo em contra-ordenação.

9 - Nestes termos, decide-se:

a) Não julgar inconstitucional a norma constante do n.º 1 do artigo 20.º da Lei 25/2006, de 30 de Junho, segundo a qual são sancionadas como contra-ordenações infracções resultantes de falta de pagamento de taxas de portagem previstas na base LII das bases de concessão aprovadas pelo Decreto-Lei 248-A/99, de 6 de Julho, praticadas antes da entrada em vigor da Lei 25/2006, sem prejuízo da aplicação do regime que concretamente se mostrar mais favorável ao agente, nomeadamente quanto à medida das sanções aplicáveis;

b) Consequentemente, conceder provimento ao recurso, determinando a reformulação da decisão recorrida em conformidade com este julgamento.

Lisboa, 28 de Março de 2007. - Maria dos Prazeres Pizarro Beleza - Vítor Gomes - Rui Manuel Moura Ramos - Benjamim Rodrigues Bravo Serra - Maria Fernanda Palma - Gil Galvão - Carlos Pamplona de Oliveira - Maria João Antunes - Paulo Mota Pinto - Maria Helena Brito - Mário José de Araújo Torres - Artur Maurício.

Anexos

  • Extracto do Diário da República original: https://dre.tretas.org/dre/1567682.dre.pdf .

Ligações deste documento

Este documento liga aos seguintes documentos (apenas ligações para documentos da Serie I do DR):

  • Tem documento Em vigor 1979-07-24 - Decreto-Lei 232/79 - Ministério da Justiça

    Institui o ilícito de mera ordenação social.

  • Tem documento Em vigor 1979-10-01 - Decreto-Lei 411-A/79 - Ministério da Justiça

    Revoga os nºs. 3 e 4 do artigo 1º do Decreto-Lei nº 232/79, de 24 de Julho, que institui o ilícito de mera ordenação social.

  • Tem documento Em vigor 1982-09-23 - Decreto-Lei 400/82 - Ministério da Justiça

    Aprova o Código Penal.

  • Tem documento Em vigor 1982-09-30 - Lei Constitucional 1/82 - Assembleia da República

    Aprova a primeira revisão Constitucional, determinando a sua entrada em vigor no trigésimo dia posterior ao da publicação no diário da república, bem como publicação conjunta da Constituição da República Portuguesa de 2 de Abril de 1976, no seu novo texto.

  • Tem documento Em vigor 1982-10-27 - Decreto-Lei 433/82 - Ministério da Justiça

    Institui o ilícito de mera ordenação social e respectivo processo.

  • Tem documento Em vigor 1982-11-15 - Lei 28/82 - Assembleia da República

    Aprova a organização, funcionamento e processo do Tribunal Constitucional - repete a publicação, inserindo agora a referenda ministerial.

  • Tem documento Em vigor 1991-01-10 - Decreto-Lei 17/91 - Ministério da Justiça

    Regula o processamento e julgamento das contravenções e transgressões.

  • Tem documento Em vigor 1991-08-20 - Decreto-Lei 315/91 - Ministério das Obras Públicas, Transportes e Comunicações

    Aprova as novas bases da concessão da construção, conservação e exploração de auto-estradas, outorgada a Brisa - Auto-Estradas de Portugal, S.A., pelo Decreto nº 467/72, de 22 de Novembro, e pelo Decreto Lei nº 458/85, de 30 de Outubro, ampliando a referida concessão pela integração na mesma dos novos lanços de auto-estrada referidos na base i das bases do contrato de concessão, anexas ao presente diploma. as bases anexas inserem, entre outras, disposições sobre os seguintes aspectos: - objecto, financiamen (...)

  • Tem documento Em vigor 1992-09-08 - Decreto-Lei 193/92 - Ministério das Obras Públicas, Transportes e Comunicações

    Estabelece multas pela falta de pagamento da taxa de portagem nas grandes obras rodoviárias, nomeadamente as auto-estradas. Altera a base XVIII do contrato de concessão da construção, conservação e exploração de auto-estradas, outorgado á Brisa - Auto-Estradas de Portugal, S.A., aprovado pelo Decreto Lei nº 315/91, de 20 de Agosto.

  • Tem documento Em vigor 1993-04-22 - Decreto-Lei 130/93 - Ministério das Obras Públicas, Transportes e Comunicações

    ESTABELECE AS CONDICOES DE UTILIZAÇÃO DE TÍTULO DE TRÂNSITO NAS AUTO-ESTRADAS QUE INTEGRAM A CONCESSAO DA BRISA - AUTO-ESTRADAS DE PORTUGAL, SA.

  • Tem documento Em vigor 1994-05-03 - Decreto-Lei 114/94 - Ministério da Administração Interna

    Aprova o Código da Estrada, cujo texto se publica em anexo.

  • Tem documento Em vigor 1995-02-15 - Decreto-Lei 39/95 - Ministério da Justiça

    Revê, em ordem a consagração da regra da gravação sonora, sem inviabilizar o recurso a meios audiovisuais ou a outros processos técnicos semelhantes de que o tribunal possa dispor, varias matérias em sede dos Códigos de Processo Civil (aprovado pelo Decreto Lei 44129, de 28 de Dezembro de 1961), e das Custas Judiciais (aprovado pelo Decreto Lei 44329, de 8 de Maio de 1962). Dispõe, nomeadamente, quanto ao registo dos depoimentos, aos procedimentos cautelares, aos processos especiais e sumário, adiamento da (...)

  • Tem documento Em vigor 1995-07-31 - Decreto-Lei 199/95 - Ministério da Administração Interna

    Converte em contra-ordenações algumas infracções ao trânsito nas vias públicas.

  • Tem documento Em vigor 1999-07-06 - Decreto-Lei 248-A/99 - Presidência do Conselho de Ministros

    Atribui ao consórcio AENOR - Auto-Estradas do Norte, S.A., a concessão da concepção, projecto, construção, financiamento, exploração e conservação, de lanços de auto-estrada e conjuntos vários associados na zona norte de Portugal e aprova as bases de concessão.

  • Tem documento Em vigor 1999-07-31 - Declaração de Rectificação 10-BD/99 - Presidência do Conselho de Ministros

    Declara ter sido rectificado o Decreto-Lei nº 248-A/99, que atribui ao consórcio AENOR-Auto-Estradas do Norte, S.A., a concessão da concepção, projecto, construção, financiamento, exploração e conservação de lanços de auto-estrada e conjuntos viários associados na zona norte de Portugal e aprova as bases de concessão, publicado no Diário da República, 1ª série, nº 155, suplemento, de 6 de Julho de 1999.

  • Tem documento Em vigor 2003-06-24 - Decreto-Lei 127/2003 - Ministério das Obras Públicas, Transportes e Habitação

    Altera as bases da concessão com a AENOR - Auto-Estradas do Norte, S. A., aprovadas pelo Decreto-Lei n.º 248-A/99, de 6 de Julho.

  • Tem documento Em vigor 2004-03-02 - Decreto-Lei 42/2004 - Ministério das Obras Públicas, Transportes e Habitação

    Altera a base LII das bases da concessão atribuída ao consórcio AENOR - Auto-Estradas do Norte, S. A..

  • Tem documento Em vigor 2005-02-23 - Decreto-Lei 44/2005 - Ministério da Administração Interna

    No uso da autorização legislativa concedida pela Lei n.º 53/2004, de 4 de Novembro, altera o Código da Estrada, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 114/94, de 3 de Maio e posteriormente alterado. Republicado na íntegra com todas as alterações.

  • Tem documento Em vigor 2006-06-23 - Lei 20/2006 - Assembleia da República

    Aprova disposições complementares do quadro jurídico-legal sobre asilo e refugiados, assegurando a plena transposição para a ordem jurídica interna da Directiva n.º 2003/9/CE (EUR-Lex), do Conselho, de 27 de Janeiro, que estabelece as normas mínimas em matéria de acolhimento de requerentes de asilo nos Estados membros.

  • Tem documento Em vigor 2006-06-30 - Lei 25/2006 - Assembleia da República

    Aprova o regime sancionatório aplicável às transgressões ocorridas em matéria de infra-estruturas rodoviárias onde seja devido o pagamento de taxas de portagem.

  • Tem documento Em vigor 2006-07-04 - Lei 28/2006 - Assembleia da República

    Aprova o regime sancionatório aplicável às transgressões ocorridas em matéria de transportes colectivos de passageiros.

  • Tem documento Em vigor 2006-07-11 - Lei 30/2006 - Assembleia da República

    Procede à conversão em contra-ordenações de contravenções e transgressões em vigor no ordenamento jurídico nacional.

  • Tem documento Em vigor 2006-08-07 - Declaração de Rectificação 47/2006 - Assembleia da República

    Declara ter sido rectificada a Lei n.º 30/2006, de 11 de Julho, que procede à conversão em contra-ordenações de contravenções e transgressões em vigor no ordenamento jurídico nacional, publicada no Diário da República, 1.ª série, n.º 132, de 11 de Julho de 2006.

Ligações para este documento

Este documento é referido no seguinte documento (apenas ligações a partir de documentos da Série I do DR):

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