Acórdão 363/91
Processo 351/91
Acordam no plenário do Tribunal Constitucional:
I
1 - Em 3 de Julho de 1991, deu entrada na secretaria do Tribunal Constitucional um requerimento subscrito pelo Presidente da República em que se solicita, ao abrigo dos n.os 1 e 3 do artigo 278.º da Constituição da República e dos artigos 51.º, n.º 1, e 57.º, n.º 1, da Lei 28/82, de 15 de Novembro, a apreciação preventiva da constitucionalidade dos artigos 14.º, n.os 1, alíneas a) e b), 2 e 3, 15.º, 33.º, n.º 2, e 37.º do Decreto 335/V da Assembleia da República, recebido em 25 de Junho de 1991 na Presidência da República para efeito de promulgação. O diploma em causa regula a objecção de consciência.
Do mesmo requerimento constam os seguintes fundamentos do pedido de apreciação preventiva de constitucionalidade, relativamente às normas impugnadas:
a) O disposto nas alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 14.º, conjugado com o preceituado nos n.os 1 e 2 do artigo 13.º do decreto em apreço, poderá configurar a perda definitiva do direito à objecção de consciência, como efeito necessário quer da condenação judicial em pena de prisão superior a um ano por crimes contra a vida, contra a integridade física, contra a liberdade das pessoas, contra a paz e a Humanidade, contra a paz pública e contra o Estado e por crimes de perigo comum, nos termos previstos e punidos pelo Código Penal, quer da condenação judicial, em pena enquadrável na respectiva moldura, pelo crime de desobediência qualificada.
Aventa-se, assim, que possa estar a ser violado o disposto no artigo 30.º, n.os 1 e 4, da Constituição.
Admite-se que, do exposto, resulte a possibilidade de se questionarem as normas do n.º 3 do artigo 14.º e ainda do n.º 2 do artigo 14.º e do artigo 15.º do referido Decreto 335/V, visto que, e relativamente a estas duas últimas, a norma constante da alínea c) do n.º 1 do artigo 14.º não parece ter, na economia do diploma submetido a apreciação de inconstitucionalidade, qualquer conteúdo útil.
b) Além disso, sendo o direito à objecção de consciência um direito fundamental que beneficia do regime constitucional específico dos direitos, liberdades e garantias, poderá estar a ser violado o disposto no artigo 18.º, n.os 2 e 3, e no artigo 41.º, n.º 6, da Constituição, na medida em que se entenda que as normas constantes das alíneas a) e b) do n.º 1 e do n.º 3 do artigo 14.º do diploma em questão não respeitam os pressupostos materiais de legitimidade constitucional das leis restritivas ao exercício de direitos, liberdades e garantias.
Por estes motivos, poderá questionar-se, ainda e novamente, o disposto no n.º 2 do artigo 14.º e no artigo 15.º do diploma em questão.
c) A norma do n.º 2 do artigo 33.º do decreto da Assembleia da República poderá violar o disposto no artigo 30.º, n.º 4, da Constituição, ao determinar a transferência do objector de consciência para outro serviço, como efeito necessário da aplicação de uma pena disciplinar.
d) Finalmente, o artigo 37.º do Decreto 335/V - preceito que dispõe que «a presente lei será completada e regulamentada por decreto-lei» - parece violar o disposto nos artigos 41.º, n.º 6, e 115.º, n.º 5, da Constituição da República.
Conclui o Presidente da República o pedido formulado solicitando a apreciação da conformidade constitucional das normas dos artigos 14.º, n.os 1, alíneas a) e b), 2 e 3, 15.º, 33.º, n.º 2, e 37.º do Decreto 335/V com as dos artigos 18.º, n.os 2 e 3, 30.º, n.os 1 e 4, 41.º, n.º 6, e 115.º, n.º 5, da Constituição.
2 - Admitido o pedido e distribuído o mesmo, foi notificado o Presidente da Assembleia da República para, querendo, se pronunciar sobre ele no prazo legal, de harmonia com o preceituado no artigo 54.º da Lei 28/82.
O Presidente da Assembleia da República limitou-se a oferecer o merecimento dos autos, enviando ao Tribunal Constitucional exemplares do Diário da Assembleia da República respeitantes aos projectos de lei apresentados e aos debates parlamentares que precederam a aprovação do Decreto 335/V.
II
3 - Não havendo motivos que obstem ao conhecimento do mérito do pedido de apreciação preventiva de inconstitucionalidade, importa fazer breve referência sobre o enquadramento constitucional da objeção de consciência, destacando desde já que Portugal assumiu em 1976 uma posição relativamente rara, em termos de direito comparado, de acolhimento dessa situação no plano constitucional. O mesmo sucede com a Holanda, a Áustria, a República Federal da Alemanha e, a partir de 1978, com a Espanha.
A Constituição de 1976 previu, assim, desde a sua versão primitiva, a situação dos objectores de consciência. Depois de ter estatuído que a «liberdade de consciência, religião e culto é inviolável» (artigo 41.º, n.º 1), inviolabilidade que acarreta que ninguém possa «ser perseguido, privado de direitos ou isento de obrigações ou deveres cívicos por causa das suas convicções ou prática religiosa» (n.º 2 do mesmo artigo), consignou a regra de que é reconhecido «o direito à objecção de consciência, ficando os objectores obrigados à prestação de serviço não armado com duração idêntica à do serviço militar obrigatório» (n.º 5 do artigo 41.º).
As normas transcritas encontram-se no título II da parte I da Constituição, consagrado aos «direitos, liberdades e garantias». No título X da parte III da lei fundamental, dedicado às «Forças Armadas», o artigo 276.º da Constituição regulava, tal como hoje o faz, a «defesa da Pátria e serviço militar». Depois de se proclamar que a defesa da Pátria «é dever fundamental de todos os portugueses», estatuía-se que o serviço militar «é obrigatório, nos termos e pelo período que a lei prescrever». Todavia, os que fossem considerados inaptos para o serviço militar e os objectores de consciência prestariam «serviço militar não armado ou serviço cívico adequado à sua situação» (sobre a compatibilização desta norma com a do primitivo n.º 5 do artigo 41.º, v. António Leite, «A religião no direito constitucional português», in Estudos sobre a Constituição, 2.º vol., Lisboa, 1978, pp. 312-313; Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa, Coimbra, 1978, pp. 120 e 475).
Apreciando o tratamento constitucional da objecção de consciência na versão originária da Constituição, teve ocasião a Comissão Constitucional de chamar a atenção para a circunstância de se proteger aí, pela primeira vez na nossa história constitucional, o direito fundamental à objecção de consciência:
Afora o caso da lei fundamental da República Federal da Alemanha, de 23 de Maio de 1949 [...], não se encontraram, pelo menos nas constituições mais conhecidas, outros exemplos de explícita protecção da objecção de consciência [...]
E, em termos de legislação ordinária, raros são também os exemplos de países que tenham regulado o estatuto de objector de consciência, muito embora, em alguns sistemas jurídicos ocidentais, essa protecção legal exista, desde há muitos anos. [Parecer 2/81, in Pareceres da Comissão Constitucional, 14.º vol., Lisboa, 1983, pp. 146-147; além dos dados de direito comparado aí referidos, v. também outros dados actualizados constantes do artigo de J. M. Cabral Tavares, «Da atribuição do estatuto de objector de consciência», in Revista do Ministério Público, ano 10.º, n.º 40, pp. 196 e seguintes.]
Apesar da consagração constitucional do direito à objecção de consciência, a legislação ordinária não se ocupou da regulamentação desse direito e do serviço cívico substitutivo do serviço militar armado até 1985. No período que precedeu a entrada em vigor desta lei, dois despachos do Chefe do Estado-Maior-General das Forças Armadas de 1976 concederam um adiamento da incorporação ou a interrupção da recruta aos candidatos ao estatuto até à entrada em vigor da legislação necessária à aplicação do preceito constitucional.
A 1.ª revisão constitucional introduziu alterações na matéria. O n.º 6 do artigo 41.º passou a garantir de forma genérica o direito à objecção de consciência, nos termos da lei. O n.º 4 do artigo 276.º veio então a determinar que os objectores de consciência «prestarão serviço cívico de duração e penosidade equivalentes às do serviço militar armado». Foi eliminada a anterior norma constitucional que estabelecia que a prestação do serviço (cívico) não armado tinha duração «idêntica à do serviço militar obrigatório», adoptando-se uma directiva ao legislador ordinário de equivalência do serviço cívico e do serviço militar armado, em termos de penosidade e de duração. Ao aceitar a objecção de consciência com carácter geral, nos termos da lei, a Constituição admite a licitude de recusa de acatamento de ordem superior ou de normas das autoridades legítimas por motivos de consciência em outros domínios. É, assim, que a Lei 6/84, de 11 de Maio, que legaliza em certas circunstâncias o aborto, reconhece a objecção de consciência por parte dos médicos e demais profissionais de saúde relativamente a quaisquer actos respeitantes ao aborto (artigo 4.º).
Comentando o alcance da 1.ª revisão constitucional quanto à matéria da objecção de consciência, escreveram Gomes Canotilho e Vital Moreira que passara a ser evidente, sobretudo depois dessa revisão, «que a Constituição não reserva a objecção de consciência apenas para as obrigações militares (cf. o artigo 276.º, n.º 4), nem somente para os motivos de índole religiosa, podendo, portanto, invocar-se em relação a outros domínios e fundamentar-se em outras razões de consciência (morais, filosóficas, etc.)» (Constituição da República Portuguesa Anotada, vol. I, 2.ª ed., Coimbra, 1984, pp. 252-253). No que toca à objecção de consciência ao serviço militar obrigatório, «o princípio da equivalência de encargos entre o serviço militar e o serviço cívico justifica-se por dois motivos: evitar a 'banalização' do direito à objecção de consciência e limitar a excepção ao princípio da inconvertibilidade do serviço militar» (Constituição, cit., vol., Coimbra, 1985, p. 458).
A 2.ª revisão constitucional não introduziu alterações na matéria do direito à objecção de consciência, tendo-se limitado a afirmar, no n.º 1 do artigo 276.º, que a defesa da Pátria é não apenas um dever mas também um direito fundamental de todos os portugueses. A organização das Forças Armadas continua a basear-se, constitucionalmente, no «serviço militar obrigatório» (artigo 275.º, n.º 2).
4 - Em 1985, foi publicada uma lei relativa «ao objector de consciência perante o serviço militar obrigatório», na sequência do anunciado na Lei da Defesa Nacional e das Forças Armadas, de 1982. Trata-se da Lei 6/85, de 4 de Maio, aprovada por unanimidade, onde se definem os objectores de consciência como «os cidadãos convictos de que, por motivos de ordem religiosa, moral ou filosófica, lhes não é legítimo usar meios violentos de qualquer natureza contra o seu semelhante, ainda que para fins de defesa nacional, colectiva ou pessoal» (artigo 2.º; a definição reproduz praticamente a constante do artigo 11.º, n.º 1, da Lei 29/82, de 11 de Dezembro). A mesma lei explicita que o direito à objecção de consciência «comporta a isenção do serviço militar, quer em tempo de paz quer em tempo de guerra, e implica para os respectivos titulares o dever de prestar um serviço cívico adequado à sua situação» (artigo 1.º, n.º 2). A recusa ou abandono do serviço cívico são punidos criminalmente, não podendo as penas de prisão cominadas ser substituídas por multas (artigo 8.º). A situação de objector de consciência adquire-se por decisão judicial, em processo em que o requerente deverá provar a sinceridade da sua convicção pessoal acerca da ilegitimidade de uso de meios violentos de qualquer natureza contra o seu semelhante, bem como a fundamentação dessa convicção em motivos de ordem religosa, moral ou filosófica, e ainda o seu comportamento anterior em coerência com a convicção alegada em tribunal, indiciado, nomeadamente, pela sua pertença a certas associações ou confissões religosas (artigo 24.º).
Esta lei criou um regime transitório especial, instituindo comissões regionais de objecção de consciência nos quatro distritos judiciais do continente e nas duas Regiões Autónomas, órgãos de natureza administrativa que podem atribuir definitivamente a situação de objector de consciência. Se estas comissões denegarem a situação de objector de consciência, os interessados poderão submeter a questão aos tribunais judiciais (artigos 28.º a 43.º).
Diplomas complementares regulam a instalação e orgânica das comissões regionais de objecção de consciência (Portaria 562/85, de 10 de Agosto, alterada pela Portaria 217/89, de 16 de Março) e a prestação de serviço cívico pelos objectores de consciência (Decreto-Lei 91/87, de 27 de Fevereiro, alterado pelo Decreto-Lei 451/88, de 13 de Dezembro), para se indicarem apenas os mais importantes. A Lei do Serviço Militar (Lei 30/87, de 7 de Julho, alterada pelas Leis 89/88, de 5 de Agosto e 22/91, de 19 de Junho) refere, no n.º 3 do seu artigo 19.º, que constitui «motivo de isenção do serviço militar ser reconhecido como objector de consciência nos termos da respectiva legislação».
A Lei 6/85 foi alterada, em 1988, pela Lei 101/88, de 25 de Agosto. Das alterações introduzidas destacam-se a eliminação da exigência de prova da «sinceridade» da convicção pessoal do interessado, a não particularização de índices respeitantes ao comportamento anterior do interessado em coerência com a convicção alegada em tribunal (n.º 4 do artigo 24.º) e a criação de um estatuto disciplinar aplicável aos objectores de consciência durante a prestação do serviço cívico (artigos 45.º a 48.º, novos).
Para terminar esta breve introdução quanto ao direito ordinário vigente, importa referir que a aplicação da Lei 6/85 tem dado origem a numerosas espécies jurisprudenciais, sendo geralmente reconhecido que o n.º 4 do artigo 24.º (mais acentuadamente antes da alteração de 1988) «introduz um estrangulamento no âmbito de previsão do artigo 2.º do mesmo diploma» (J. M. Cabral Tavares, artigo cit., revista cit., p. 109), nomeadamente quando os tribunais se mostram especialmente exigentes na apreciação do comportamento anterior do interessado em coerência com a convicção alegada em tribunal. Este Tribunal teve já ocasião de julgar um recurso interposto de decisão na matéria (Acórdão 65/91, da 1.ª Secção, publicado no Diário da República, 2.ª série, n.º 151, de 4 de Julho de 1991).
Em 6 de Julho de 1990, a Assembleia da República aprovou por unanimidade a constituição de uma comissão eventual destinada a analisar a Lei de Objecção de Consciência (Resolução 17/90, in Diário da República, 1.ª série, n.º 169, de 21 de Julho de 1990). Há milhares de casos de candidatos ao estatuto que há anos aguardam decisão quanto às suas pretensões.
5 - O Decreto 335/V regula integralmente a objecção de consciência perante o serviço militar obrigatório, visando - após a sua eventual promulgação, publicação e início de vigência como lei - revogar as normas contrárias às suas disposições, nomeadamente as das Leis n.os 6/85 e 101/88 e a respectiva legislação complementar (artigo 38.º).
É um diploma que contém 38 artigos, divididos por sete capítulos, com as seguintes epígrafes: «Disposições gerais», «Serviço cívico», «Situação jurídica do objector de consciência», «Processo», «Órgãos específicos de objecção de consciência», «Regime disciplinar e penal» e «Disposições finais e transitórias».
A nova disciplina visa, no fundamental, alterar o actual processo de aquisição de situação do objector de consciência.
Enquanto, na legislação actualmente vigente, a aquisição da situação de objector de consciência ocorre por decisão judicial, o Decreto 335/V passa a consagrar uma aquisição por decisão administrativa (artigo 10.º), num processo administrativo que corre perante a Comissão Nacional de Objecção de Consciência (artigo 19.º), com recurso para o Conselho Nacional de Objecção de Consciência (artigo 27.º). Das decisões deste último Conselho sobre a atribuição de estatuto de objector de consciência cabe recurso, nos termos da lei, para o Supremo Tribunal Administrativo (artigo 27.º, n.º 4). A composição dos novos órgãos administrativos com competência específica em matéria de objecção de consciência consta dos artigos 28.º e 29.º do mesmo decreto.
Na base do Decreto 335/V estão diferentes projectos de lei: trata-se dos projectos de lei n.os 544/V, apresentado por deputados do Partido Social-Democrata (in Diário da Assembleia da República, 2.ª série-A, n.º 50, de 20 de Junho de 1990), 566/V, apresentado por deputados do Partido Renovador Democrático (no n.º 56 dos mesmos jornal e série, de 5 de Julho de 1990), 573-V, subscrito pelo deputado José Apolinário, do Partido Socialista (no n.º 58 dos mesmos jornal e série, de 12 de Julho de 1990) e 581/V, subscrito por deputados do Partido Comunista Português (Diário da Assembleia da República, 2.ª série-A, n.º 59, de 14 de Julho de 1990). O Governo, por seu turno, apresentou apenas uma proposta de lei de alteração à Lei 6/85 (proposta de lei 187/V, in Diário da Assembleia da República, 2.ª série-A, n.º 35, de 3 de Abril de 1991) destinada a resolver situações pendentes, atribuindo-se por via normativa o estatuto de objector de consciência e fazendo transitar os respectivos cidadãos para a situação de reserva geral de serviço cívico.
Também em Março de 1991, deputados do Partido Comunista Português apresentaram o projecto de lei 713/V, destinado a regularizar «a situação de 17000 cidadãos que, nos termos do artigo 28.º da Lei de Objecção de Consciência, aguardam há seis anos decisão sobre os seus casos» (nos mesmos jornal e série, n.º 35, de 3 de Abril de 1991), e que, analogamente, propunha uma dispensa de serviço militar aos candidatos na situação de denegação definitiva do estatuto de objector de conscisência, bem como a extinção dos processos pendentes.
O primeiro projecto de lei atrás referido declarava, no seu preâmbulo, que os proponentes prentendiam contribuir para «observar as recomendações internacionais que recusam a solução judicial para a concessão do estatuto do objector de consciência», opinando-se que não fazia sentido «sujeitar à situação do réu o cidadão que quer ver reconhecida a sua objecção, quando pretende tão-só exercer um direito constitucional». Os restantes projectos comungavam igualmente da ideia de que devia ser eliminado o controlo jurisdicional, dada a sua evidente ineficácia, referindo o preâmbulo do projecto do Partido Comunista Português que a consciência de cada um não deve ser julgada, mas tão-só respeitada: «Não deve ser avaliada, nem judicialmente, nem - pior que isso - por comissões administrativas.»
Os diferentes projectos deram origem à versão preparada pela comissão eventual competente. Por outro lado, a proposta de lei e o projecto n.º 713/V inspiraram um outro diploma de características transitórias, votado na mesma altura.
O texto do diploma em apreciação foi aprovado na generalidade por unanimidade. Na especialidade, foi aprovada por unanimidade a esmagadora maioria dos preceitos deste diploma. Apenas foram aprovados por maioria os n.os 2 e 3 do artigo 5.º, o n.º 2 do artigo 27.º e os artigos 28.º e 36.º (consulte-se o Diário da Assembleia da República, 1.ª série, n.º 65, de 19 de Abril de 1991).
Julga-se que estes elementos são os suficientes para permitirem a cabal compreensão, no seu contexto sistemático, das normas em apreciação.
III
6 - É altura de apreciar as normas impugnadas pelo Presidente da República.
A) As normas dos artigos 14.º, n.os 1, alíneas a) e b), 2 e 3, e 15.º do Decreto 335/V.
7 - O artigo 14.º do decreto em apreciação dispõe, subordinado à epígrafe «Cessação da situação do objector de consciência»:
1 - A situação de objector de consciência cessa:
a) Em consequência da condenação judicial em pena de prisão superior a um ano por crimes contra a vida, contra a integridade física, contra a liberdade das pessoas, contra a paz e a Humanidade, contra a paz pública e contra o Estado e por crimes de perigo comum, nos termos previstos e punidos pelo Código Penal;
b) Pelo exercício comprovado de funções ou tarefas para que é inábil nos termos da presente lei;
c) Nos demais casos previstos na presente lei.
2 - Em qualquer dos casos referidos no número anterior far-se-á, oficiosamente, a respectiva comunicação aos serviços de recrutamento e mobilização competentes para neles se efectuar o cancelamento do estatuto de objector de consciência.
3 - Nos casos de condenação previstos na alínea a) do n.º 1, a situação de objector de consciência é considerada como circunstância agravante.
A matéria da cessação da situação de objector de consciência consta do artigo 13.º da Lei 6/85. Entre ambas as disposições podem detectar-se as seguintes diferenças de regulamentação:
Apenas a Lei 6/85 admite a renúncia expressa à situação de objector de consciência como forma de cessação da mesma, renúncia prevista como irrevogável e que carece de ser autorizada judicialmente;
O Decreto 335/V considera também como modo de cessação da situação de objector de consciência o «exercício comprovado de funções ou tarefas para que é inábil nos termos da presente lei», exercício esse que constitui crime nos termos do artigo 13.º, n.º 2, do mesmo diploma (neste ponto, esta última norma reproduz a incriminação constante hoje do artigo 12.º, n.º 2 da Lei 6/85);
A alínea c) do decreto em apreciação estabelece que a situação em causa cessa «nos demais casos previstos na presente lei», sendo certo que não se encontra previsto qualquer outro caso de cessação, o que leva a entidade peticionante a considerar essa remissão inútil (nos projectos apresentados pelo PSD, pelo PRD e pelo PS havia outros casos de cessação, que não foram acolhidos na versão final);
O n.º 3 do artigo 14.º do Decreto 335/V estabelece que, nos casos de condenação previstos na alínea a) do n.º 1, a situação de objector de consciência é considerada como circunstância agravante.
8 - O Presidente da República funda a sua dúvida sobre a constitucionalidade das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 14.º (esta última conjugada com o preceituado nos n.os 1 e 2 do artigo 13.º do decreto) na circunstância de se poder aí configurar a perda definitiva do direito à objecção de consciência como efeito necessário da condenção em pena de prisão superior a um ano pela prática de certos crimes e, no caso da alínea b) do mesmo n.º 1, na condenação judicial em pena enquadrável na respectiva moldura, pela prática do crime de desobediência qualificada (este crime é punível com pena de prisão até dois anos e multa até 100 dias - n.º 3 do artigo 388.º do Código Penal). Poderá, por isso, haver violação do disposto no artigo 30.º, n.os 1 e 4, da Constituição.
Segundo o requerente, do exposto «resulta a possibilidade de se questionarem as normas do n.º 3 do artigo 14.º e ainda do n.º 2 do artigo 14.º e do artigo 15.º do diploma em questão, visto que, e relativamente a estas duas últimas, a norma constante da alínea c) do n.º 1 do artigo 14.º não parece ter, na economia do decreto, qualquer conteúdo útil» (a fl. 2 dos autos).
9 - Deve notar-se que a cessação do estatuto de objector de consciência não está, em regra, prevista nas legislações estrangeiras, salvo nos casos dos direitos francês e italiano, onde o instituto não tem consagração constitucional expressa (v. L'Objection de Conscience au Service Militaire en Europe, estudo apresentado pelo Conselho Quaker para os Assuntos Europeus, publicado pelo Conselho da Europa, Assembleia Parlamentar, em 1984: o artigo L 116-A do Code de Service Nationale francês admite a revogação judicial do estatuto de objector, em caso de condenação por insubmissão ou deserção, passando o interessado a ficar sujeito de novo à justiça militar; no caso italiano, os objectores de consciência reconhecidos podem perder o seu estatuto se não se apresentarem ao serviço de substituição ou em caso de comportamento incompatível com o seu estatuto durante o cumprimento do serviço alternativo [v. pp. 37 e 49 desta publicação e ainda o anexo II dos documentos da sessão do Parlamento Europeu - Documentos A-2 e A-3, de 9 de Março e de 1 de Setembro de 1989, PE 124.125/de parte B)].
Em orientação oposta, a Lei 6/85 prevê no seu artigo 13.º a cessação da situação do objector de consciência sem qualquer limite temporal, em consequência de renúncia expressa ou em virtude de condenação por certos crimes em pena de prisão superior a um ano, implicando tal cessação do estatuto de objector de sujeição do seu ex-titular ao cumprimento das obrigações militares normais, a menos que já tenha atingido a idade em que as mesmas findam (actualmente a idade limite são os 38 anos - artigo 1.º, n.º 4, da Lei 30/87, de 7 de Julho; este limite desce para 35 anos, por força da nova redacção do preceito, introduzida pelo artigo 1.º da Lei 22/91, de 19 de Junho, que ainda não entrou em vigor, aguardando a publicação do diploma que proceder à alteração do Regulamento da Lei do Serviço Militar). Ao que parece, o sentido das normas da lei aponta para que a cessação do estatuto de objector de consciência implicará que não deva descontar-se o tempo de serviço cívico prestado no serviço militar normal (neste sentido, anotação de Soveral Martins ao Estatuto de Objector de Consciência, Coimbra, 1987, p. 27, onde se pode ler: «Isto, desde logo, porque tal desconto mal se compreenderia quando a situação do objector tivesse cessado por razões de condenação onde a manutenção do tempo de serviço militar normal sem descontos se explica como sanção acessória. Aliás sempre se poderá dizer que esta ideia de sancionamento funciona como factor de seriedade da determinação do requerente, muito particularmente no caso de renúncia.»). Este ponto de vista é confirmado pelo disposto no artigo 88.º, n.º 5, do Regulamento da Lei do Serviço Militar, aprovado pelo Decreto-Lei 463/88, de 15 de Dezembro: «A cessação do estatuto de objector de consciência é comunicada pelo GSCOC ao DRM de recenseamento no prazo de 30 dias e implica a sujeição do cidadão ao cumprimento das obrigações militares, a menos que a sua ocorrência se verifique posteriormente a 31 de Dezembro do ano em que o cidadão completa 30 anos de idade, caso em que é alistado na reserva territorial.» O n.º 6 do mesmo artigo estabelece que os cidadãos que não são alistados na reserva territorial por motivo de idade são convocados pelo distrito de recrutamento e mobilização para as provas de classificação e selecção.
10 - Começar-se-á por averiguar se as normas das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 14.º poderão violar o n.º 1 do artigo 30.º da Constituição.
Segundo este preceito constitucional, «não pode haver penas nem medidas de segurança privativas ou restritivas da liberdade com carácter perpétuo ou de duração ilimitada ou indefinida».
Embora no pedido de apreciação de inconstitucionalidade não se explicite como podem as normas impugnadas violar este n.º 1 do mesmo artigo 30.º, é razoável supor que esteve presente no espírito do requerente a ideia de que a cessação do estatuto de objector de consciência passará a ocorrer apenas como efeito de uma pena, se o decreto se converter em lei, uma vez que deixa de se prever a cessação em consequência de renúncia pelo objector de consciência (dependente ou não de autorização judicial).
Sendo a cessação definitiva no que respeita à situação de objector de consciência e implicando tal cessação a inutilização do tempo de serviço cívico prestado pelo objector (não importa agora saber se, à data da condenação, o serviço cívico já tinha sido total ou parcialmente cumprido) - isto porque o decreto não prevê o desconto desse tempo no período de prestação do serviço militar obrigatório, limitando-se a estatuir que a cessação «determina a sujeição do seu ex-titular ao cumprimento das obrigações militares normais» (artigo 15.º) - poder-se-á dizer que há uma pena acessória de carácter perpétuo, análoga à privação de cidadania, da capacidade civil («morte civil») ou do nome?
A melhor interpretação das normas em causa não permite, porém, formular tal juízo de inconstitucionalidade.
Antes de tudo, importa pôr em relevo que a prestação do serviço militar obrigatório é encarada como a modalidade regra de cumprimento do dever fundamental de todos os portugueses (que é, simultaneamente, um direito fundamental) de defesa da Pátria. O serviço militar obrigatório não é, porém, a única modalidade de cumprimento de tal dever. A Constituição admite outras modalidades alternativas no seu artigo 276.º: o serviço militar não armado ou serviço cívico adequado à sua situação para os que forem considerados inaptos para o serviço militar armado; o serviço de duração e penosidade equivalentes às do serviço militar armado para os objectores de consciência; a título facultativo, o serviço cívico «em substituição ou complemento do serviço militar», o qual pode ser «tornado obrigatório por lei para os cidadãos não sujeitos a deveres militares» (n.º 5 do referido artigo). A sujeição do cidadão às obrigações decorrentes do serviço militar obrigatório não pode constitucionalmente ser entendida, em caso algum, como uma pena, visto que se trata da titularidade de um direito e de um dever fundamental. A não consideração do tempo de serviço cívico é que pode funcionar como sanção, visto permitir uma duplicação de cumprimento de encargos públicos.
No caso de cessação do estatuto de objector de Consciência, como efeito da condenação em certa pena em virtude de prática de certos tipos de crime ou como mero efeito de condenação por certos tipos de crime, pode ocorrer algo semelhante à demissão da função pública (artigo 66.º do Código Penal), à interdição do exercício de outras profissões ou direitos (artigo 69.º do mesmo diploma), muito embora o decreto não preveja a possibilidade de reabilitação (v. o artigo 70.º do Código Penal). É que o conteúdo desse efeito, de clara natureza preventiva, caracteriza-se precisamente pela privação do estatuto de objector de consciência, nada tendo a ver com a duração da própria medida (neste sentido e quanto à constitucionalidade das penas acessórias, em especial da pena de demissão da função pública, face ao artigo 30.º, n.º 1, da lei fundamental, v. Figueiredo Dias, Direito Penal 2, parte geral, «As consequências jurídicas do crime», Coimbra, 1988, policopiado, pp. 192 e 200-206; em sentido algo diverso, Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição, vol. I, pp. 209-210).
Conclui-se, assim, no sentido de que as referidas normas das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 14.º do decreto não violam o artigo 30.º, n.º 1, da Constituição, tal como não violam este último artigo as normas dos n.os 2 e 3 do mesmo artigo 14.º e o artigo 15.º do decreto.
11 - Passar-se-á a averiguar se as normas das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 14.º violam ou não o n.º 4 do artigo 30.º da Constituição. Dispõe esta última norma:
Nenhuma pena envolve como efeito necessário a perda de quaisquer direitos civis, profissionais ou políticos.
Esta norma pode levantar «várias dificuldades de interpretação», como reconhecem Gomes Canotilho e Vital Moreira. Para estes constitucionalistas, uma pena envolve necessariamente a perda de direitos «quando ela consiste directamente nisso ou quando seja acompanhada automaticamente de uma pena acessória que nisso consista. 'Perda' de direitos tanto pode querer significar perda definitiva como incapacidade ou impossibilidade temporária de os exercer, embora o contexto favoreça o primeiro sentido. 'Direitos civis, profissionais ou políticos' parece querer significar, respectivamente, os direitos que integram a capacidade civil (artigo 26.º, n.º 1), os direitos de escolha e exercício de profissão e de acesso à função pública (artigo 47.º) e os direitos de participação política, designadamente o direito de sufrágio e o direito de acesso a cargos públicos (artigos 49.º e 50.º)» (Constituição da República Portuguesa, citada, vol. I, p. 211).
Como se escreveu no Acórdão 16/84 deste Tribunal, a actual Constituição, «partindo da dignidade da pessoa humana, princípio estrutural da República Portuguesa (artigo 1.º), intentou, através do n.º 4 do seu artigo 30.º, retirar às penas todo o carácter infamante e evitar que a atribuição de efeitos automáticos estigmatizantes perturbe a readaptação social do delinquente» (in Acórdãos do Tribunal Constitucional, 2.º vol., p. 369). Tal norma foi introduzida na revisão constitucional de 1982, correspondendo ao consenso chegado nos trabalhos de elaboração do novo Código Penal. No dizer de Figueiredo Dias, o sentido da inovação decorre de um entendimento de que as penas devem constituir instrumentos libertos, em toda a medida do possível, de efeito estigmatizante («Os novos rumos da política criminal e o direito penal português do futuro», in Revista da Ordem dos Advogados, ano 43.º, I, 1983, p. 33). Do mesmo modo, o artigo 65.º do Código Penal vigente estatui que «nenhuma pena envolve, como efeito necessário, a perda de direitos civis, profissionais ou políticos» (sobre as origens desta norma, v. Mário Torres, «Suspensão e demissão de funcionários ou agentes como efeito de pronúncia ou condenação criminais», in Revista do Ministério Público, ano 7.º, 1986, n.º 25, pp. 122 e seguintes).
12 - Chegando a este ponto, cabe perguntar se as normas das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 14.º violam o disposto no n.º 4 do artigo 30.º da Constituição.
Para responder a tal questão, importa preliminarmente acentuar que a interpretação da primeira alínea não suscita especiais dificuldades ao intérprete, situação que se não verifica, porém, quanto à interpretação da segunda.
De facto, a alínea a) do n.º 1 do artigo 14.º do decreto em apreciação estatui que a cessação da situação de objector de consciência ocorre em consequência «da condenação judicial em pena de prisão superior a um ano» pela prática de certos crimes que são indicados por remissão para os correspondentes títulos, capítulos ou secções do Código Penal (crimes contra a vida, regulados nos artigos 131.º a 138.º; crimes contra a integridade física, sancionados pelos artigos 142.º a 154.º; crimes contra a liberdade das pessoas, previstos nos artigos 155.º a 163.º; crimes contra a paz e humanidade, contemplados nos artigos 186.º a 192.º; crimes contra a paz pública, regulados nos artigos 285.º a 294.º; crimes contra o Estado, regulados nos diferentes capítulos, secções ou subsecções do título V do livro II, a partir do artigo 334.º; crimes de perigo comum, previstos nos artigos 253.º a 276.º).
A alínea b) do n.º 1 do mesmo artigo 14.º estatui, por seu turno, que a situação de objector de consciência cessa pelo «exercício comprovado de funções ou tarefas para que é inábil nos termos da presente lei». Não é líquido o sentido do preceito. O requerente interpretou a norma desta alínea em conjugação «com o preceituado no n.º 1 e no n.º 2 do artigo 13.º do decreto em apreço», isto é, partindo do princípio de que a comprovação do exercício das funções ou tarefas para que o objector de consciência é inábel, nos termos do n.º 1 do artigo 13.º, há-de resultar necessariamente da condenação judicial pelo crime de desobediência qualificada a que se refere o n.º 2 do mesmo artigo. De harmonia com uma tal interpretação, a condenação por tal crime, além de implicar «a cessação das funções e a revogação das licenças e autorização referidas no número anterior», acarretaria, como efeito automático, a cessação da situação de objector de consciência. Teria sentido apreciar a conformidade constitucional de tal efeito de condenação pelo crime de desobediência qualificada, à luz do disposto no n.º 4 do artigo 30.º da Constituição.
Não se crê, porém, que essa seja a melhor interpretação deste preceito.
Na verdade, a cessação da situação de objector de consciência, neste último caso, decorre do exercício comprovado de funções ou tarefas para que o objector de consciência seja inábel, isto é, é motivada pela comprovação do exercício das funções previstas nas alíneas a), c) e d) do n.º 1 do artigo 13.º do Decreto 355/V. O diploma em apreciação de algum modo encara o desempenho profissional de certas funções ou tarefas como uma forma de renúncia tácita ou implícita ao estatuto ou situação de objector de consciência. É o que acontece com o desempenho de qualquer função, pública ou privada, que imponha o uso e porte de arma de qualquer natureza ou que implique a titularidade, por inerência, de autorização do uso e porte de arma. É ainda o que sucede relativamente ao que trabalhe no fabrico, reparação ou comércio de armas de qualquer natureza ou no fabrico e comércio das respectivas munições ou ainda em investigação científica relacionada com essas actividades. O legislador, porém, não considerou que a mera titularidade de licença administrativa de detenção, uso e porte de arma de qualquer natureza por um objector de consciência - inabilidade prevista na alínea b) do n.º 1 do artigo 13.º - devesse acarretar, só por si, a cessação desse estatuto, ainda que faça incorrer o objector na pena prevista para a prática do crime de desobediência qualificada tipificado no n.º 2 do mesmo artigo, implicando a respectiva condenação a revogação da licença administrativa por aquele obtida.
De harmonia com esta interpretação - que atende fundamentalmente ao teor literal da alínea b) do n.º 1 do artigo 14.º e que considera que o legislador distinguiu, para efeitos de cessação do estatuto de objector de consciência, entre a mera titularidade de uma licença administrativa de detenção, uso e porte de arma e o desempenho profissional de certas funções e tarefas -, considera-se que a comprovação do exercício de tais funções e tarefas é independente do exercício da acção penal pelo Estado, devendo ser feita pelos órgãos administrativos competentes, nomeadamente pelo Conselho Nacional de Objecção de Consciência, órgão a quem cabe «velar pelo cumprimento da presente lei» [artigo 30.º, n.º 1, alínea a), do Decreto 335/V]. Mais, pode mesmo haver cessação do estatuto, independentemente de ter sido acusado e condenado o objector no competente processo penal, ou de ter sido julgada extinta a responsabilidade penal, nomeadamente por prescrição ou amnistia.
Conclui-se, assim, que a cessação da situação de objector de consciência não é encarada pelo decreto em apreciação como consequência ou efeito automático de uma condenação pela prática de certo crime, pressupondo antes uma comprovação administrativa, de forma individualizada, de certos comportamentos que, se existentes e conhecidos na fase administrativa da concessão do estatuto de objector de consciência, implicariam uma decisão negativa ou de recusa de atribuição desse estatuto (v. o artigo 23.º, n.º 1, parte final, do decreto em apreciação).
Pode, assim, afirmar-se que a alínea b) do n.º 1 do artigo 14.º, interpretada da forma atrás referida, não viola o artigo 30.º, n.º 4, da Constituição.
13 - Deve, porém, averiguar-se se a alínea a) do n.º 1 do mesmo artigo 14.º viola, eventualmente, o n.º 4 do artigo 30.º da Constituição.
Ora, um adequado entendimento das soluções do decreto em apreciação leva a maioria do Tribunal à conclusão de que não ocorre tal violação daquela norma constitucional.
O estatuto de objector de consciência é atribuído, através de uma decisão administrativa, aos cidadãos convictos de que, por motivos de ordem religiosa, moral, humanística ou filosófica, lhes não é legítimo usar de meios violentos de qualquer natureza contra o seu semelhante, ainda que para fins de defesa nacional colectiva ou pessoal. Ora, tal convicção é manifestada através de uma declaração do interessado onde se indica a formulação das razões de ordem religiosa, moral, humanística ou filosófica que fundamentam a objecção, bem como a referência a comportamentos do declarante demonstrativos da sua coerência com aquelas razões (artigos 2.º e 18.º do decreto). Além disso, o declarante tem de exprimir a sua disponibilidade para cumprir o serviço cívico alternativo e fazer a declaração expressa da não existência de qualquer das inabilidades previstas na lei. O reconhecimento do estatuto de objector de consciência só pode ser recusado com base na falsidade de elementos constantes da declaração ou na existência de qualquer das inabilidades previstas na lei (artigo 23.º do mesmo decreto).
Se o objector de consciência, depois do reconhecimento do seu estatuto, vier a ser condenado por certo crime violento, por exemplo o de homicídio doloso, fica comprovada, de forma insofismável, a ausência ou não subsistência da convicção manifestada de ilegitimidade do uso de meios violentos de qualquer natureza contra o seu semelhante. Compreende-se, por isso, que cesse a situação estatutária preexistente, não podendo falar-se de um qualquer efeito infamante da condenação pela prática de certo crime.
Ora, como se viu atrás, o n.º 4 do artigo 30.º da Constituição foi introduzido pela revisão constitucional de 1982 para acolher o entendimento de política criminal - consagrado no Código Penal de 1982 - de que as penas criminais devem constituir instrumentos libertos, em toda a medida do possível, de efeito estigmatizante, perturbador da futura readaptação social do condenado. Na solução legislativa em apreciação, existe apenas a comprovação, pela forma mais idónea, da inexistência de um pressuposto essencial do estatuto do objector de consciência, o da convicção da ilegitimidade do uso de meios violentos de qualquer natureza contra o seu semelhante. Não pode, por isso, afirmar-se que a condenação em pena de prisão superior a um ano por certos crimes acarreta automaticamente a perda de um direito fundamental. Pelo contrário, tal condenação constitui a demonstração ou comprovação da falta de um pressuposto essencial do estatuto obtido pelo condenado que afecta a subsistência do mesmo.
Não há, assim, violação do n.º 4 do artigo 30.º da Constituição por qualquer das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 14.º do decreto em apreciação.
Do mesmo modo se há-de concluir que o n.º 2 do artigo 14.º e o artigo 15.º não violam o n.º 4 do artigo 30.º, visto que só se as duas primeiras alíneas do n.º 1 fossem inconstitucionais é que se seguiria consequencialmente a inconstitucionalidade daqueles preceitos do Decreto 335/V.
À frente se analisará a questão da alegada inconstitucionalidade do n.º 3 do artigo 14.º e do artigo 15.º do decreto em apreciação, encarados autonomamente, isto é, sem ser acessoriamente, no plano dos efeitos decorrentes de uma eventual inconstitucionalidade das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 14.º do mesmo decreto.
14 - O Presidente da República formula dúvidas de constitucionalidade, relativamente ao disposto nas alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 14.º do decreto, com base na violação de outras normas constitucionais, a saber, as dos n.os 2 e 3 do artigo 18.º e o n.º 6 do artigo 41.º da lei fundamental.
Segundo o requerimento de apreciação preventiva de constitucionalidade, essas duas alíneas do n.º 1 do artigo 14.º [a alínea c) é uma norma remissiva sem objecto na economia do decreto] e o n.º 3 do artigo 14.º (e ainda, consequencialmente, o n.º 2 do artigo 14.º e o artigo 15.º) poderão violar as indicadas normas constitucionais, visto que, «sendo o direito a objecção de consciência um direito fundamental que beneficia do regime constitucional específico dos direitos, liberdades e garantias», as normas questionadas poderão, segundo certo entendimento, não respeitar «os pressupostos materiais de legitimidade constitucional das leis restritivas ao exercício de direitos, liberdades e garantias» (a fl. 2 dos autos).
Neste momento, analisar-se-á a questão de constitucionalidade posta apenas quanto às normas das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 14.º do decreto.
Como já atrás se deixou dito, considera-se que o direito à objecção de consciência é um direito fundamental, que traduz, de forma dinâmica, a liberdade fundamental de consciência (v. a caracterização desse direito fundamental feita no Acórdão 65/91 deste Tribunal e ainda a qualificação como tal feita pela doutrina e pela jurisprudência constitucional alemãs relativamente a idêntico direito previsto no artigo 4.º, alínea III da Grundgesetz, nomeadamente em Leibholz-Rinck-Hesselberger, Grundgesetz, I, 6.ª ed., Colónia, 1982, actualizada posteriormente, comentário ao preceito, pp. 18 e segs.; Isensee/Kirchhof, Handbuch des Staatsrechts, ob. colectiva, VI, Heidelberga, 1989, pp. 460 e segs.).
O artigo 41.º, n.º 6, da Constituição garante o direito à objecção de consciência, «nos termos da lei».
Tal formulação significa que a Constituição relegou para lei parlamentar ou para decreto-lei autorizado a concretização dos limites desse direito ou status e, inevitavelmente, a determinação dos condicionamentos ao mesmo estatuto (cf. José Carlos Vieira de Andrade, Os Direitos Fundamentais na Constituição Portuguesa de 1976, Coimbra, 1983, pp. 226 e segs.).
Todavia, e por força do artigo 18.º, n.º 2, da Constituição, as restrições que a lei ordinária pode introduzir ao direito fundamental à objecção de consciência devem «limitar-se ao necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos».
Em si mesmos, a lei pode explicitar os limites imanentes do direito, extinguindo ou fazendo cessar supervenientemente o estatuto de objector de consciência, em todos os casos em que cessem, ou se verifique não existirem «ab initio», os pressupostos para tal atribuição ou manutenção de estatuto. O autor de crimes violentos não pode adquirir o estatuto e, se alguém o tiver adquirido, deve perdê-lo quando venha a ser condenado em pena de prisão superior a certo limite pela prática de um homicídio doloso ou outro crime intencional violento previsto na lei. A hipótese normativa do âmbito de protecção deste direito fundamental ou, para utilizar a terminologia germânica, o seu Tatbestand, não comporta a subsistência do status ou da situação do objector de consciência em tais casos. O mesmo se pode dizer dos comportamentos previstos nas alíneas a), c) e d) do n.º 1 do artigo 13.º do decreto, cuja comprovação impõe a perda ou cessação do status de objector de consciência, na medida em que a lei considera estar-se perante uma renúncia tácita ou implícita ao estatuto [remete-se para as considerações atrás feitas sobre a melhor interpretação da alínea b) do n.º 1 do artigo 14.º do decreto].
Afirma-se, por isso, que não viola o disposto nos n.os 2 e 3 do artigo 18.º ou o n.º 6 do artigo 41.º da Constituição o disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 14.º do decreto.
Quanto ao disposto na alínea a) do mesmo número e artigo, o juízo de não inconstitucionalidade não pode ser feito genericamente, visto que as condenações penais se referem a um conjunto vasto de crimes, de diversa natureza. Ora, quanto a alguns crimes é pertinente perguntar se o legislador não excedeu a concretização ou regulamentação do próprio direito fundamental, introduzindo verdadeiras restrições desproporcionadas.
Os valores constitucionais em jogo não podem permitir que a lei faça decorrer da condenação em pena de prisão superior a um ano a perda deste direito fundamental, relativamente a crimes que não hajam sido cometidos de forma intencional, com dolo (v. o artigo 14.º do Código Penal sobre as diferentes modalidades de dolo), visto que, tratando-se antes de crimes em que o seu autor não procede com o cuidado a que, segundo as circunstâncias, está obrigado, falta de todo um propósito consciente ou uma intenção de uso de meios violentos de qualquer natureza contra o semelhante do objector, não sendo possível dizer que o legislador está ainda a regulamentar o direito ou a explicitar os seus limites imanentes. Existe, por isso, um condicionamento desproporcionado, excessivo e desnecessário, que viola o princípio da proporcionalidade, aflorado, entre outros preceitos, no artigo 18.º, n.º 2, da Constituição.
Pode assim concluir-se pela inconstitucionalidade parcial da alínea a) do n.º 1 do artigo 14.º, na parte em que abrange a condenação em pena de prisão superior a um ano por diferentes crimes não dolosos previstos no Código Penal (é o caso, nomeadamente, do homicídio por negligência, punido pelo artigo 136.º; os crimes de incêndio em que o perigo seja imputável a título de negligência ou em que o resultado foi cometido por negligência, punidos pelos artigos 253.º, n.º 2, e 254.º; os crimes de explosão nas mesmas condições, de harmonia com os n.os 3 e 4 do artigo 255.º; o crime de inundação e avalanche negligente, previsto nos n.os 2 e 3 do artigo 261.º; o crime de desmoronamento de construção com perigo criado ou acção imputáveis a título de negligência, previstos nos n.os 2 e 3 do artigo 262.º; o crime de violação das regras de construção com perigo ou acção por negligência, previsto nos n.os 2 e 3 do artigo 263.º; o crime de danos em aparelhagem destinada a prevenir acidentes, previsto nos n.os 2 e 3 do artigo 264.º; o crime de perturbação do funcionamento de serviços públicos, previsto nos n.os 2 e 3 do artigo 265.º, e o crime de dano ou destruição de instalações de interesse público, previsto nos n.os 2 e 3 do artigo 266.º).
Considera-se igualmente que a cessação da situação de objector de consciência por força da condenação em pena superior a um ano pela prática de certos crimes dolosos abrangidos na previsão da alínea a) do n.º 1 do artigo 14.º do decreto e ainda inconstitucional, por violação do princípio da proporcionalidade, quando os comportamentos criminosos constantes das respectivas molduras penais não traduzam ou pressuponham uma intenção contrária à convicção de consciência anteriormente manifestada e aos deveres dela decorrentes, nomeadamente quanto à ilegitimidade do uso de quaisquer meios violentos contra o semelhante do objector de consciência. A título meramente exemplificativo - e longe de uma preocupação de enumeração exaustiva desses crimes -, referem-se os casos dos crimes de desobediência à ordem de dispersão de reunião pública (artigo 292.º, n.º 2, do Código Penal), a falsificação de cartão de eleitor ou de cadernos de recenseamento (artigos 371.º e 373.º), certos crimes de desobediência (artigo 388.º, n.º 3) e o falso depoimento de parte ou falso testemunho em processo civil ou administrativo (artigos 401.º e 402.º do Código Penal).
Nestes casos, existe assim violação do princípio da proporcionalidade, pelo que a norma de alínea a) do n.º 1 do artigo 14.º é inconstitucional nos correspondentes segmentos.
15 - No que toca ao artigo 14.º, n.º 2, do decreto, entende-se que o mesmo não sofre de inconstitucionalidade consequencial, como se disse, visto que agora só se concluiu pela inconstitucionalidade parcial da alínea a) do n.º 1 do artigo 14.º nos segmentos normativos acima indicados.
Relativamente ao artigo 15.º do decreto, o mesmo não é consequencialmente inconstitucional, dadas as conclusões a que se chegou quanto às alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 14.º do mesmo diploma.
16 - Afastada a eventual inconstitucionalidade consequencial do artigo 15.º do decreto, deve, porém, analisar-se autonomamente a conformidade constitucional deste artigo.
Subordinado à epígrafe «Efeitos de cessação», dispõe o preceito:
A cessação da situação do objector de consciência determina a sujeição do seu ex-titular ao cumprimento das obrigações militares normais.
Esta norma estabelece um regime único dos efeitos de cessação do estatuto, não atendendo à circunstância de o ex-objector ter ou não cumprido ainda o serviço cívico alternativo ao serviço militar obrigatório e, na primeira alternativa, à circunstância de o cumprimento desse serviço cívico ter ocorrido de forma integral ou parcial.
Quando o artigo questionado sujeita o ex-objector de consciência às obrigações militares normais, há-de entender-se que o preenchimento desta última expressão se tem de fazer com recurso ao disposto na Lei do Serviço Militar e seu Regulamento.
Ora, nos termos da versão ainda em vigor do n.º 4 do artigo 1.º da Lei do Serviço Militar, todos os cidadãos portugueses dos 18 aos 38 anos de idade «estão sujeitos ao serviço militar e ao cumprimento das obrigações militares dele decorrentes» (redacção da Lei 30/87, de 7 de Julho, que só é alterada quanto ao limite máximo de idade pela Lei 22/91, de 19 de Junho, como atrás se referiu). Tais obrigações militares abrangem as obrigações decorrentes do recenseamento e do ingresso na reserva de recrutamento, o direito e dever fundamental de defesa da Pátria através da prestação do serviço militar obrigatório, a ulterior sujeição às obrigações decorrentes das situações de reserva de disponibilidade e de licenciamento (artigo 5.º da Lei do Serviço Militar: aí são incluídos todos os cidadãos que prestaram serviço efectivo, a partir da data em que cessaram essa prestação) ou de reserva territorial (artigo 6.º da mesma lei). Nessas obrigações militares normais se incluem, por outro lado, a sujeição à convocação para serviço militar efectivo dos cidadãos na situação de disponibilidade e à mobilização (artigos 28.º e 29.º da Lei do Serviço Militar Obrigatório), isto, além de obigações gerais de colaboração com a administração militar (artigo 31.º do mesmo diploma) ou de obrigações especiais de determinados cidadãos em situações específicas (artigo 32.º da mesma lei).
Tal como sucede na actual Lei de Objecção de Consciência de 1985 (artigo 14.º: «A cessação da situação de objector de consciência importa a inaplicabilidade do disposto no presente capítulo e a sujeição do seu ex-titular ao cumprimento das obrigações militares normais, a menos que já tenha atingido a idade em que as mesmas findam»), o artigo 15.º do decreto não distingue entre as obrigações militares normais a que o ex-objector fica sujeito. Recorrendo ao já atrás referido n.º 6 do artigo 88.º do Regulamento da Lei do Serviço Militar, verifica-se que a cessação do estatuto de objector de consciência implica a imediata convocação do ex-objector pelo DRM para as provas de classificação e selecção, as quais «constituem as operações de recrutamento geral que têm por finalidade determinar as aptidões dos cidadãos recenseados, para efeitos de prestação do serviço militar» (artigo 15.º, n.º 1, do mesmo Regulamento). Tal convocação só não ocorre quando o ex-objector de consciência haja perdido o seu estatuto posteriormente a 31 de Dezembro do ano em que completa 30 anos de idade, «caso em que é alistado na reserva territorial» (n.º 5 do artigo 88.º do Regulamento).
É manifesta a inconstitucionalidade deste artigo 15.º na parte em que permite que o ex-objector seja obrigado à prestação integral do serviço militar efectivo, apesar de ter já cumprido, integral ou parcialmente, o serviço cívico alternativo. É que, em tais casos, ocorre uma duplicação de cumprimento de encargos públicos, violadora dos princípios de igualdade e da proporcionalidade, impondo-se uma verdadeira sanção, que o princípio acolhido no n.º 4 do artigo 276.º da Constituição não autoriza.
O artigo 15.º do decreto só não é inconstitucional no segmento em que sujeita às obrigações militares normais o ex-objector de consciência que tenha perdido o seu estatuto antes de iniciar o cumprimento do serviço cívico.
17 - Relativamente ao n.º 3 do artigo 14.º do Decreto 335/V, considera-se que tal norma é inconstitucional por ofensa dos princípios da proporcionalidade e da igualdade.
Na verdade, nos casos de condenação previstos na alínea a) do n.º 1 - condenação em pena de prisão superior a um ano por certos tipos de crimes - a lei determina automaticamente a cessação da situação de objector de consciência. Mas, para além disso, a titularidade desse estatuto acaba por funcionar como circunstância agravante, o que se afigura como excessivo, em especial na medida em que deixa de existir uma forma voluntária, através de renúncia expressa, de cessação da situação de objector de consciência (a objecção de consciência pode eventualmente ser encarada como circunstância atenuante da prática de certos crimes: cf. F. Palazzo, artigo cit., pp. 548 e seguintes).
A lógica da lei conduz a resultados perversos: um objector de consciência que tenha perdido a sua convicção na ilegitimidade do uso de meios violentos não pode renunciar de forma expressa ao seu estatuto. Se vier, por exemplo, a cometer um crime dos previstos na alínea a) do n.º 1 do artigo 14.º do decreto dois, três ou quatro anos após a obtenção do estatuto de objector de consciência, tal estatuto consituirá uma circunstância agravante do seu grau de culpa, que se traduz na determinação da pena (artigo 72.º, n.º 2, do Código Penal). Além disso, se for condenado a prisão superior a um ano, perderá o seu estatuto de objector de consciência e terá de ir, com toda a probabilidade, cumprir o serviço militar obrigatório (artigo 15.º do decreto).
Trata-se de solução desproporcionada, simultaneamente violadora do princípio da igualdade, na medida em que o objector acaba por ser prejudicado e discriminado pela aquisição de um estatuto decorrente da sua liberdade de consciência, ao qual não pode renunciar, não obstante a liberdade de mudança de convicções que lhe é reconhecida pelo artigo 18.º da Declaração Universal dos Direitos do Homem. Mostram-se, assim, violados o artigo 13.º da Constituição e o princípio constitucional da proporcionalidade.
O facto de esta circunstância agravante ter necessariamente de ser valorada, no caso concreto, pelo tribunal criminal competente não é susceptível de eliminar a inconstitucionalidade detectada. A mediação do juiz não tem o efeito de eliminar a discriminação. Anote-se que tal solução não constava de nenhum dos projectos de lei, tendo sido introduzida apenas no articulado da Comissão Eventual que veio a ser votado pela Assembleia da República.
B) A norma do n.º 2 do artigo 33.º do Decreto 335/V.
18 - O Presidente da República admite que a norma do n.º 2 do artigo 33.º do decreto da Assembleia da República «poderá violar o disposto no artigo 30.º, n.º 4, da Constituição, ao determinar a transferência do objector de consciência para outro serviço, como efeito necessário da aplicação de uma pena disciplinar» (a fl. 3 dos autos).
A norma impugnada é uma norma de carácter disciplinar, aplicável durante a prestação de serviço cívico pelos objectores de consciência.
O n.º 1 do artigo 33.º estatui que os «objectores de consciência ficam, durante a prestação do serviço cívico e sem prejuízo do n.º 3 do artigo 4.º desta lei, sujeitos ao Estatuto Disciplinar dos Funcionários e Agentes da Administração Central, Regional e Local», com adaptações quanto ao elenco das penas disciplinares (as penas são sempre constituídas por perda de metade do abono diário durante certo número de dias, variável entre limites máximos e mínimos, escalonados em função da gravidade das infracções cometidas).
O n.º 2, por seu turno, dispõe:
A aplicação de multa superior a 30 dias determina a transferência do objector de consciência para outro serviço.
Existe indiscutivelmente aqui um efeito da condenação em determinada pena, desde que superior a um certo limite de tempo.
Acontece, porém, que a consequência automaticamente cominada é uma mera transferência para outro serviço, que não põe em causa direitos civis, profissionais ou políticos do objector. Esta transferência não é equiparável a uma interdição profissional ou a uma outra consequência gravosa para a carreira de um funcionário ou agente público nem afecta o seu estatuto de objector.
O objector de consciência, durante a prestação de serviço cívico, não adquire um direito a um certo lugar, num certo serviço, visto que a sua actividade é, por natureza, transitória, não se inserindo em qualquer carreira profissional pública. Limita-se a cumprir um dever cívico obrigatório, alternativo ao cumprimento do serviço militar.
A transferência em causa parece, antes de mais, querer acautelar riscos de tratamento discriminatório ou persecutório do objector de consciência, subsequentes ao procedimento disciplinar que lhe haja sido instaurado. Nessa medida, julga-se ser constitucionalmente fundada.
Independentemente de saber se o n.º 4 do artigo 30.º da Constituição é aplicável no domíno do ilícito disciplinar (remete-se para o Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 282/86, in Diário da República, 1.ª série, n.º 260, de 11 de Novembro de 1986), considera-se que, no caso sub judicio, não ocorre qualquer privação de direito civil ou profissional do objector que acarrete a violação daquela norma constitucional, o que desde logo afasta a possibilidade de violação da mesma.
Conclui-se, por isso, pela legitimidade constitucional da norma questionada.
C) A norma do artigo 37.º do Decreto 335/V.
19 - Por último, suscita o Presidente da República a dúvida sobre se o artigo 37.º do decreto em apreço, ao preceituar que «a presente lei será completada e regulamentada por decreto-lei», não viola o disposto nos artigos 41.º, n.º 6, e 115.º, n.º 5, da Constituição.
A dúvida de constitucionalidade reside na circunstância de a norma questionada parecer admitir que uma lei da Assembleia da República, em matéria de reserva relativa da sua competência, como é o caso de «direitos, liberdades e garantias» [artigo 168.º, n.º 1, alínea b)], possa ser «completada e regulamentada» por decreto-lei não autorizado, ampliando dessa forma o elenco dos actos legislativos, nos termos do n.º 5 do artigo 115.º da Constituição.
Não se vê, porém, que seja procedente a dúvida de constitucionalidade em apreciação.
Deve notar-se que o Decreto 335/V visa remodelar globalmente a conformação da atribuição do estatuto de objector de consciência, substituindo a actual atribuição por via judicial (constante da Lei 6/85, ainda que coexistindo com um sistema transitório de natureza híbrida), por um novo sistema de atribuição por via administrativa, mediante a intervenção de dois novos órgão colegiais, criados pelo mesmo diploma. Ora a norma final do decreto da Assembleia da República estatui a revogação de todas as disposições que contrariem o disposto na nova disciplina, «designadamente, as das Leis 6/85, de 4 de Maio e 101/88, de 25 de Agosto, e respectiva legislação complementar» (artigo 38.º).
Neste quadro de soluções, compreende-se que tenha de haver matérias que carecem de regulamentação ulterior, dada a revogação das disposições que hoje se encontram dispersas por diferentes diplomas regulamentares, alguns dos quais foram atrás referidos. É, por isso, que o artigo 4.º, n.º 2, do decreto prevê que o serviço cívico seja «organizado nos termos do diploma prvisto no artigo 37.º [...]» e que o n.º 2 do artigo 6.º disponha que os termos «em que será prestado o serviço cívico, de acordo com o estabelecido no número anterior, serão definidos pelo Governo, nomeadamente quanto ao regime de prestação de trabalho e estatuto remuneratório» (trata-se de organização do futuro serviço cívico de cooperação, prestado em território estrangeiro), e ainda que o artigo 31.º preveja que um diploma especial estabelecerá os direitos e garantias de que gozam os membros do Conselho Nacional e da Comissão Nacional de Objecção de Consciência. Acresce ainda que numerosas matérias burocráticas deverão carecer, com toda a probabilidade, de nova regulamentação (bastará pensar nos cartões de identificação dos objectores de consciência, no sistema de registo dos mesmos, no modelo da nova declaração de objecção, etc.).
O diploma estabelece que a regulamentação do mesmo constará de decreto-lei, não se vendo que haja inconstitucionalidade na solução, quando se refira a aspectos complementares, organizatórios ou burocráticos que excedam a matéria de direitos, liberdades e garantias, a qual tem de ser esgotada em lei da Assembleia da República ou em decreto-lei autorizado (sobre esta problemática, v. Gomes Canotilho, Direito Constitucional, cit., pp. 589 e seguintes, 647 e seguintes, 838 e seguintes e 886; Jorge Miranda, Direito Constitucional, IV, pp. 296 e seguintes; e José Casalta Nabais, Os Direitos Fundamentais na Jurisprudência do Tribunal Constitucional, separata do Boletim da Faculdade de Direito, Coimbra, 1990, pp. 18 e seguintes, onde se analisa a jurisprudência e se dá conta da doutrina nacional, nomeadamente da posição menos exigente de Vieira de Andrade).
Conclui-se, por isso, que não sofre de inconstitucionalidade o artigo 37.º do Decreto 335/V.
IV
20 - Na sequência do exposto, o Tribunal Constitucional decide:
a) Não se pronunciar pela inconstitucionalidade das normas da alínea b) do n.º 1 do artigo 14.º, do n.º 2 do mesmo artigo, do n.º 2 do artigo 33.º e do artigo 37.º do Decreto 335/V da Assembleia da República;
b) Pronunciar-se pela inconstitucionalidade das seguintes normas do mesmo diploma:
i) Da alínea a) do n.º 1 do artigo 14.º, na parte em que abrange crimes cometidos por negligência, e ainda crimes cometidos com dolo cujos comportamentos criminosos não traduzam ou não pressuponham uma intenção contrária a convicção de consciência anteriormente manifestada pelo objector e aos deveres dela decorrentes, nomeadamente quanto à ilegitimidade do uso de quaisquer meios violentos, por violação do disposto no artigo 18.º, n.º 2, conjugado com o n.º 6 do artigo 41.º, da Constituição;
ii) Do n.º 3 do artigo 14.º, por violação dos princípios constitucionais da igualdade e da proporcionalidade;
iii) Do artigo 15.º, na parte em que sujeita indiscriminadamente os ex-objectores de consciência às obrigações militares normais, sem levar em conta o cumprimento integral ou parcial do serviço cívico por aqueles, por violação dos princípios da igualdade e da proporcionalidade e do disposto no n.º 4 do artigo 276.º da Constituição.
Lisboa, 30 de Julho de 1991. - Armindo Ribeiro Mendes (vencido em parte, como relator, nos termos da declaração de voto junta) - António Vitorino - Antero Alves Monteiro Dinis (vencido em parte, nos termos da declaração agora junta) - Vítor Nunes de Almeida (vencido, conforme declaração de voto que junto) - Alberto Tavares da Costa (vencido, em parte, nos termos da declaração junta) - Maria da Assunção Esteves (vencida, nos termos da declaração de voto, junta) - José Manuel Cardoso da Costa (vencido quanto ao julgamento da inconstitucionalidade da norma do n.º 3 do artigo 14.º do decreto em apreço, constante da alínea b), subalínea ii) da decisão - salvo na parte em que essa norma abrange os crimes referidos na subalínea i) da mesma conclusão decisória. Com efeito, tratando-se no caso, como se trata, de uma simples agravante geral (e não de uma agravante especial, a implicar uma alteração da moldura penal), não considero que a sua consagração fosse desproporcionada (pelo menos, de modo claro e inequívoco) nem violadora do princípio da igualdade - sendo que, nomeadamente, não se me afigura que a circunstância de o diploma sub judice não prever expressamente a faculdade de renunciar ao estatuto de objector (e silenciar, mas tão-só isso, sobre esse ponto) deva merecer, a tal propósito, o relevo que o acórdão lhe atribui.
Declaração de voto
1 - Não pude acompanhar a maioria do Tribunal na solução, que fez vencimento, de não considerar inconstitucionais, na sua totalidade, as normas das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 14.º do Decreto 335/V da Assembleia da República.
2 - De facto, e começando pela alínea b) do n.º 1 do artigo 14.º - norma que foi julgada conforme à constituição -, creio que a interpretação feita pelo Tribunal se revela de carácter especioso, não sendo a mais adequada, visto que privilegia exclusivamente o elemento literal da norma, sem atender ao seu enquadramento sistemático.
A interpretação que reputo mais correcta é a que se acha acolhida, de forma implícita, no pedido de apreciação preventiva de constitucionalidade formulado pelo Presidente da República.
De facto, as quatro alíneas que regulam as inabilidades dos objectores de consciência transitam do n.º 1 do artigo 12.º da actual Lei 6/85 para o artigo 13.º do decreto. A solução de criminalizar os objectores de consciência que violem as normas sobre tais inabilidades consta já do n.º 2 do artigo 12.º da mesma lei, nos seguintes termos:
A infracção ao disposto no número anterior pelo objector de consciência é punida com a pena que cabe ao crime de desobediência qualificada, além de determinar a cessação das funções e emprego referidas nas alíneas a) e d) do número anterior e revogação das licenças e autorizações referidas nas alíneas b) e c) do mesmo número, a qual será decretada na sentença condenatória.
O artigo 13.º, n.º 2, do decreto simplificou a previsão formulada na Lei 6/85, passando a dispor o seguinte:
A infracção ao disposto no número antrior corresponde ao crime de desobediência qualificada e determina a cessação das funções e a revogação das licenças e autorizações referidas no número anterior.
Mas nada indica que o legislador haja querido alterar substancialmente a solução da Lei 6/85, diferentemente do que acontecia com alguns dos projectos de lei apresentados que descriminalizavam a matéria de inabilidades.
O que o Decreto 335/V pretendeu acrescentar à lei actual foi a cessação da situação de objector de consciência para os que incorressem em qualquer das inabilidades previstas na lei. A solução de excluir a situação prevista na alínea b) do n.º 1 do actual artigo 13.º não tem qualquer lógica, salvo o devido respeito, sempre ficando por explicar qual a razão para a diferença de tratamento jurídico do ex-objector de consciência que esteja no caso previsto na alínea c) do n.º 1 do artigo 13.º do decreto, no que toca à cessação do estatuto.
Quanto muito, haveria de distinguir os casos das alíneas a) e d), por um lado, e os das alíneas b) e c), por outro. Mas tal não foi feito pela tese maioritária, a qual se ateve à ideia de que estariam contempladas «funções ou tarefas», e não a mera titularidade de licenças ou autorizações de uso e porte de arma. Só não se percebe a razão última da discriminação favorável acolhida quanto aos ex-objectores que estejam na situação da alínea b)...
A solução de criar um novo caso de cessação da situação de objector de consciência constava do projecto de lei 554/V, apresentado por deputados do PSD, onde se podia ler no n.º 2 do artigo 13.º: «A infracção ao disposto no número anterior pelo objector de consciência implica a cessação automática do estatuto de objector de consciência» (deixava, porém, de se criminalizar o comportamento do objector). Solução integralmente idêntica constava ainda do projecto de lei 566/V, apresentado por deputados do PRD, sendo a formulação da alínea c) do n.º 1 do artigo 19.º exactamente igual à que hoje consta da alínea b) do n.º 1 do artigo 14.º do decreto em apreciação. No mesmo sentido, ia ainda o projecto de lei 573/V, apresentado pelo deputado José Apolinário, do PS (artigo 13.º, n.º 2), mas aí continuavam a criminalizar-se os comportamentos do objector.
Tenho, ainda, por inaceitável que o Decreto 335-V não haja querido estatuir a cessação da situação de objector de consciência apenas como consequência da condenação no crime de desobediência qualificada previsto no n.º 2 do artigo 13.º do decreto em apreciação. De facto, em matéria de tal melindre, tudo indica que o decreto haja pretendido manter apenas a cessação do estatuto para casos de condenações em processo crime, eliminando a renúncia voluntária como modo idóneo de cessação, precisamente porque a mesma dependia de autorização judicial na Lei 6/85. Fazer intervir um órgão administrativo no exercício de uma função de comprovação de uma situação de inabilidade posterior à aquisição do estatuto de objector de consciência parece-me aberrante, não julgando que possa ser reconduzida à alínea a) do n.º 1 do artigo 30.º do decreto a competência atribuída ao Conselho Nacional de Objecção de Consciência na matéria pela tese vencedora.
Por estas razões, entendi que a melhor interpretação da alínea em causa era a que considerava - como foi sustentado no pedido de apreciação da constitucionalidade - que a cessação da situação de objector de consciência era um efeito automático de condenação penal prevista no n.º 2 do artigo 13.º, caso em que se dispunha de uma comprovação idónea por órgão imparcial do exercício de funções ou tarefas (ou ainda de comprovação da titularidade das autorizações previstas nas alíneas b) e c) do n.º 1 do mesmo artigo 13.º) e em que o próprio tribunal criminal estava obrigado a fazer a respectiva comunicação da cessação do estatuto de objector de consciência, após o trânsito em julgado da condenação, aos serviços de recrutamento e mobilização competentes.
O silêncio do decreto sobre a adjectivação da comprovação confirma a justeza do que se acaba de dizer.
3 - De harmonia com a interpretação sustentada, considerei que as situações previstas nas duas primeiras alíneas do n.º 1 do artigo 14.º deviam ter tratamento idêntico, no que toca à apreciação da eventual violação do n.º 4 do artigo 30.º da Constituição por ambas.
Sobre tal matéria, passo a reproduzir o texto que constava do memorando por mim apresentado ao plenário do Tribunal.
Na doutrina e na jurisprudência portuguesa, não é pacífico o entendimento do alcance do n.º 4 do artigo 30.º da Constituição.
A jurisprudência do Tribunal Constitucional tem sustentado em diferentes decisões que é constitucionalmente ilegítima toda a norma que imponha a perda de direitos civis, profissionais ou políticos com efeito necessário da condenação do titular por certas infracções criminais: assim, no citado Acórdão 16/84 julgou-se inconstitucional a norma do n.º 1 do artigo 37.º do Código de Justiça Militar de 1977, que estatuía que «a condenação de oficial ou sargento dos quadros permanentes ou de praças em situação equivalente por crime de ultraje à Bandeira Nacional, deserção, falsidade, infidelidade no serviço, furto, roubo, prevaricação, corrupção, burla e abuso de confiança produz a demissão, qualquer que seja a pena imposta». Idêntica solução foi perfilhada em outros acórdãos, em que estava em causa esta mesma norma, acabando ela por ser declarada inconstitucional com força obrigatória geral pelo Acórdão 165/86, em processo de generalização de julgamentos de inconstitucionalidade em casos concretos (in Diário da República, 1.ª série, n.º 126, de 3 de Junho de 1986). No Acórdão 255/87 (in Diário da República, 2.ª série, n.º 182, de 10 de Agosto de 1987), o Tribunal Constitucional julgou também inconstitucional, por violação do n.º 4 do artigo 30.º da Constituição, o n.º 2 do artigo 37.º do mesmo Código de Justiça Militar, que previa a baixa de posto como consequência de condenação de oficiais do quadro de complemento pela prática dos crimes previstos no n.º 1 do mesmo artigo e Código. No Acórdão 284/89 (in Diário da República, 2.ª série, n.º 133, de 12 de Junho de 1989), o Tribunal considerou que, à data da discussão da 1.ª revisão constitucional, era utilizada na doutrina e na lei penal de 1886 uma noção ampla de efeitos das penas ou efeitos de condenação penal, em sinonímia, noção lata que foi acolhida na Constituição: seria então de presumir, salvo prova em contrário, «que o legislador constituinte, ao menos em princípio, acolhe sempre os conceitos jurídicos preexistentes e, por outro lado, e considerando a ratio legis do novo n.º 4 do artigo 30.º, rectius, a motivação humanística que está na base do programa da norma, se não vê que aí se tenha querido distinguir entre as duas situações normativas para se limitar apenas a uma delas a proibição». Estava em causa, então, a cominação com a proibição de entrada nos casinos de indivíduos condenados por certos crimes, constante de uma lei aprovada pela Assembleia Legislativa de Macau (lei 9/M, de 27 de Agosto). Por último, no Acórdão 224/90 (in Diário da República, 1.ª série, n.º 182, de 8 de Agosto de 1990), foi declarada a inconstitucionalidade, com força obigatória geral, de certas alíneas do artigo 46.º do Código da Estrada que proibiam a condução de veículos automóveis a pessoas que tivessem sido condenadas por certos crimes ou em penas de determinadas espécies ou, por último, à declaração de habitualidade ou por tendência. Neste acórdão, afirmou-se expressamente que a faculdade de conduzir veículos automóveis se configurava como um direito civil.
A esta orientação jurisprudencial deu o seu apoio Figueiredo Dias, referindo que o preceito de conteúdo fortemente socializador do artigo 65.º do novo Código Penal «foi em tal grau reconhecido pela comunidade como trave mestra de todo um programa político-criminal integrado, moderno e eficaz, que ele foi, na sua integralidade, elevado à categoria de princípio jurídico-constitucional pela reforma constitucional de 1982 (artigo 30.º, n.º 4, da CRP). Assim se inconstitucionalizaram leis penais extravagantes que previam efeitos penais automáticos da aplicação de certas penas [...]; e se obrigou o legislador do futuro, em todo o campo da legislação penal, a não conferir em qualquer caso automaticidade à produção daqueles efeitos» (Direito Penal 2, parte geral, «As consequências jurídicas do crime», Coimbra, 1988, policopiado, pp. 177-178). Este penalista duvida fundadamente da constitucionalidade dos «efeitos de crimes» previstos no artigo 69.º, n.º 2, do Código Penal e em várias normas concretizadoras por ele referidas.
Em sentido divergente e baseando-se fundamentalmente nas vicissitudes dos trabalhos preparatórios do novo Código Penal, Mário Torres sustentou, no seu já citado estudo, que o n.º 4 do artigo 30.º da Constituição só proíbe que o legislador ligue automaticamente certos efeitos a certas espécies de penas, como acontecia, no domínio do Código Penal de 1886, em relação às penas maiores. Não estaria constitucionalmente vedado que a lei penal impusesse que, à condenação pela prática de certos crimes se seguissem, automaticamente, certos efeitos. No mesmo sentido, mas dubitativamente, o conselheiro presidente Cardoso da Costa interrogava-se, em declaração de voto junta ao citado Acórdão 224/90, se não deveria perfilhar-se uma interpretação restritiva deste tipo, o que significaria «que a aferição da conformidade constitucional de preceitos como os em causa no presente processo haveria de fazer-se, em vez de recorrendo simplesmente ao artigo 30.º, n.º 4, pelo recurso e à luz de outros princípios ou exigências constitucionais relevantes (ou susceptíveis disso) para a conformação da legislação penal substantiva, como serão, por exemplo, os princípios da necessidade e de proporcionalidade, ou, se bem vejo as coisas, desde logo o próprio princípio da tipicidade».
4 - Chegando a este ponto, cabe perguntar se as normas das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 14.º violam o disposto no n.º 4 do artigo 30.º da Constituição. Entre as duas alíneas há uma diferença que deve ser acentuada: na alínea a), o efeito extintivo do estatuto de objector de consciência decorre automaticamente da condenação em pena de prisão superior a um ano, pela prática de certos tipos de crimes (alguns deles meros crimes por negligência, como sucede com os de incêndio por negligência e o de homicídio por negligência). No caso da alínea b), o efeito decorre de forma acessória, automaticamente, da condenação por prática do crime previsto no n.º 2 do artigo 13.º do decreto.
Uma resposta afirmativa há-de partir da consideração de que a cessação da situação de objector de consciência se configura como uma perda definitiva de um direito civil, profissional ou político e de que, ao menos no caso da alínea a) do n.º 1 do artigo 14.º, a cessação da situação do objector de consciência decorre automaticamente como efeito de condenação judicial em pena de prisão superior a um ano, aplicada pela prática de certos tipos de crimes. Já no caso da alínea b) se estará perante um mero efeito de condenação pela prática de certo crime, independentemente da medida e espécie da pena aplicada.
Tem-se, porém, por problemático afirmar in limine que a cessação da situação de objector de consciência perante o serviço militar se configura como ou corresponde à perda de um direito civil, profissional ou político. Impõe-se, por isso, analisar a natureza do direito à objecção de consciência e aprofundar as implicações jurídico-constitucionais da aquisição desse estatuto.
De facto, a situação de objector de consciência perante o serviço militar obrigatório é uma posição subjectiva, reconhecida pelo direito, de que são titulares cidadãos convictos de que, por motivos de ordem religiosa, moral ou filosófica, lhes não é legítimo usar de meios violentos de qualquer natureza contra o seu semelhante, ainda que para fins de defesa nacional, colectiva ou pessoal. Por força desse reconhecimento, esses cidadãos são isentos da prestação do serviço militar, cumprindo, em alternativa, um dever de prestação de serviço cívico, de duração e penosidade equivalentes às do serviço militar armado. Tal situação decorre do reconhecimento do direito à objecção de consciência, corolário da liberdade de consciência (cf. Rinaldo Bertolino, L'Obiezione di Conscienza negli Ordinamenti Giuridici Contemporanei, Turim, 1967, pp. 11 e seguintes, com especial referência à doutrina constitucional alemã - cf. n.º 26, pp. 24-25; Francesco C. Palazzo, «Obiezione di Conscienza», in Enciclopedia del Diritto, vol. XXIX, 1979, pp. 541 e seguintes).
Escreveu-se no Acórdão 65/91 deste Tribunal, para caracterizar a objecção de consciência como situação juridicamente relevante, susceptível de aquisição mediante reconhecimento do Estado:
Na perspectiva do serviço militar obrigatório, justifica-se a isenção da prestação desse serviço não por razões de privilégio mas sim por incompatibilidade séria entre as actividades castrenses e as convicções do objector e natureza dessas convicções.
Sendo estas de natureza religiosa [no caso concreto de apreciação] [...] e também nos circunscrevendo a esse domínio, o direito em questão posiciona-se dinamicamente face à liberdade de consciência estaticamente concebida (dicotomia freedom to believe-freedom to act).
Age-se, por conseguinte, no âmbito de uma liberdade fundamental mas, pois que se trata de um certo comportamento «desviante» do regime regra, não obstante legítimo (e de natureza muito discutida), é natural que se pondere acauteladamente quanto à harmonização entre os interesses da comunidade, para a qual se dirigem as normas imperativas, gerais e abstractas, editadas pelo Estado, e o espaço de liberdade (de consciência) reconhecido ao objector por razões inicialmente estranhas ao direito, mas, afinal, por este tomadas em consideração.
Julga-se que nesta caracterização da situação de objector de consciência - a qual atribui, em derradeira instância, «relevância jurídica, justifica motivações de ordem pessoal como excepção ao exercício por parte do Estado do jus ad bellum e do jus in bello» (citado Acórdão 65/91) - se pode encontrar a explicação para a ilegitimidade constitucional dos casos de cessação imediata e automática contemplados nas duas alíneas em análise.
O Estado cria um ordenamento jurídico que se destina a ser acatado pelos destinatários das normas, as pessoas físicas ou colectivas. Se o Estado reconhecer a cada indivíduo o direito de agir exclusivamente de harmonia com os ditames da sua consciência, o resultado natural será a desordem (como recorda José Alberto Lamego, Max Scheler designava o princípio da liberdade de consciência como «princípio da anarquia» - cf. «Sociedade Aberta» e Liberdade de Consciência - O Direito Fundamental de Liberdade de Consciência, Lisboa, 1985, p. 32, n.º 28).
No Estado democrático, vai-se ao ponto de aceitar - em termos variáveis, consoante as ordens jurídicas - a objecção derivada de motivos religiosos, morais, filosóficos, respeitante ao dever de prestação do serviço militar, admitindo que os objectores cumpram, alternativamente, uma obrigação equivalente, de forma a evitar situações de privilégio face aos restantes cidadãos. A exteriorização da sinceridade de convicções íntimas, de ordem espiritual, é difícil e contingente. De um modo geral são postos contemporaneamente em causa procedimentos probatórios, tidos por ineficazes, tendo por objecto tais convicções íntimas, perante autoridades judiciais ou administrativas, não deixando de se ter presente que alguns dos candidatos a este estatuto agem sem convicção firme, ou até com intuitos fraudulentos (cf. António Leite, estudo cit., ob. cit., p. 312).
Parece, em todo o caso, razoável e proporcionado aceitar, em linha de princípio, a declaração individual do objector, eventualmente suportada em comportamentos externos minimamente comprováveis perante entidades independents (neste sentido v. a Recomendação da Comissão de Ministros do Conselho da Europa n.º R (87) 8, adoptada em 9 de Abril de 1987: «O Estado pode prever um processo apropriado para o exame dos pedidos para reconhecimento da qualidade de objector de consciência ou aceitar uma declaração fundamentada da pessoa em causa.» (Ponto B-2.)
A cessação do estatuto de objector de consciência corresponde à perda ou privação de uma posição subjectiva activa de que é titular o objector de consciência. O direito à objecção de consciência pode considerar-se um direito fundamental, com implicações na capacidade civil e na capacidade de direito público. Por força da aquisição desse estatuto, o objector passa a ser inábil para desempenhar certas funções públicas ou privadas, muito embora, em princípio, goze «de todos os direitos» e esteja sujeito «a todos os deveres consignados na Constituição e na lei para os cidadãos em geral que não sejam incompatíveis com a situação de objector de consciência» (artigo 10.º da Lei 6/85, preceito reproduzido no artigo 11.º do Decreto 335/V).
A perda do estatuto de objector de consciência deve ser considerada como perta de um status decorrente de uma liberdade fundamental ou de um direito civil, aceitando para esta expressão um entendimento amplo, tradicional na doutrina constitucional do liberalismo, de direitos pertencentes ao indivíduo como cidadão (civil rights, na terminologia constitucional anglo-americana) ou, se se atender à referência cumulativa a direitos civis, profissionais e políticos, no n.º 4 do artigo 30.º da Constituição, o entendimento de um direito subjectivo individual, reconhecido a todos os indivíduos que vivem em sociedade, ou uma liberdade fundamental (cf. Gomes Canotilho, Direito Constitucional, cit., pp. 530-531; José Carlos Vieira de Andrade, Os Direitos Fundamentais na Constituição Portuguesa de 1976, Coimbra, 1983, pp. 25 e seguintes; Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição, cit., vol. I pp. 118 e seguintes; Jorge Miranda, Manual de Direito Constitucional, t. IV, Direitos Fundamentais, Coimbra, 1988, pp. 52 e seguintes; este último autor, na p. 90 da mesma obra, discute se a objecção de consciência é um direito fundamental autónomo propriamente dito ou uma mera garantia).
Nesta conformidade, julga-se que é demasiadamente restritivo o entendimento de que a expressão direito civil abrange apenas o direito à capacidade civil, que é aventado dubitativamente por Gomes Canotilho e Vital Moreira, em anotação atrás transcrita no artigo 30.º, n.º 4. Aliás, este Tribunal teve ocasião de qualificar já a proibição de condução de veículos automóveis como privação de uma faculdade ou direito civil (citado Acórdão 224/90), relevante para inconstitucionalizar normas que determinavam, como efeito automático da condenação em certas espécies de penas ou pela prática de certos tipos de crimes, a inibição da faculdade de condução desse veículos. Avulta aí, como nos outros casos jurisprudenciais atrás citados, uma interpretação do n.º 4 do artigo 30.º da Constitução que considera que, com tal preceito, se pretendeu proibir «que, em resultado de quaisquer condenações penais, se produzissem automaticamente, pura e simplesmente ope legis, efeitos que envolvessem a perda de direitos civis, profissionais e políticos e pretendeu-se que assim fosse porque, em qualquer caso, essa produção de efeitos, meramente mecanicista, não atenderia afinal aos princípios da culpa, da necessidade e da jurisdicionalidade, princípios esses de todo em todo inafastáveis de uma lei fundamental como a Constituição da República Portuguesa, que tem por referente imediato a dignidade da pessoa humana (cf., em particular, o artigo 1.º)» (citado Acórdão 284/89).
Há-de aceitar-se que entre o estatuto de objector de consciência - com implicações sobre a capacidade de gozo de direitos públicos e privados - e o estatuto de condutor habilitado de veículos automóveis existe uma diferença de grau, em termos de ponderação de valores e bens constitucionais, que implica a aplicação à privação desse estatuto, por maioria de razão, da estatuição do artigo 30.º, n.º 4, da Constituição, directamente ou por analogia.
O que releva, em última análise, é que há uma privação automática de um estatuto adquirido, a qual assume um carácter infamante, indiciando que a obtenção desse estatuto foi fraudulenta, e que pode acarretar consequências em si patentemente sancionatórias, se já tiver sido cumprido total ou parcialmente o serviço cívico (duplicação do cumprimento de encargos públicos).
Conclui-se, assim, no sentido de que as alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 14.º do Decreto 335/V são materialmente inconstitucionais, por violação do n.º 4 do artigo 30.º da Constituição.
5 - O Presidente da República questiona ainda os artigos 14.º, n.os 2 e 3, e 15.º do diploma em questão, por violação do artigo 30.º, n.os 1 e 4, da Constituição, ao que se crê por forma consequencial.
O n.º 2 do artigo 14.º estabelece a comunicação oficiosa «aos serviços de recrutamento e mobilização competentes para neles se efectuar o cancelamento do estatuto do objector de consciência».
Os tribunais judiciais, nos casos das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 14.º - e, neste último caso, deve salientar-se que o exercício comprovado das funções e tarefas para que o objector de consciência é inábil há-de resultar exclusivamente de condenação pelo crime de desobediência qualificada previsto no n.º 2 do artigo 13.º do decreto - deveriam fazer a comunicação da cessação automática, por força da lei. Como se concluiu no sentido de que há violação do n.º 4 do artigo 30.º por parte dessas duas alíneas, tem de concluir-se pela verificação de inconstitucionalidade consequencial do n.º 2 do artigo 14.º, uma vez que a alínea c) do n.º 1 do mesmo artigo 14.º é uma norma remissiva sem objecto.
6 - Não tendo triunfado a tese proposta como relator, subscrevo por inteiro a solução que fez vencimento quanto à inconstitucionalidade parcial do artigo 15.º, dentro dos pressupostos de que partiu a maioria e que não eram, repito, os meus.
De igual modo, sustentava no memorando a que me tenho referido que as normas das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 14.º do decreto eram igualmente inconstitucionais, na sua totalidade, por violação dos n.os 2 do artigo 18.º e 6 do artigo 41.º da Constituição. Abstenho-me de reproduzir aqui a fundamentação desta posição, sendo certo que, como é óbvio, a minha posição acompanha a posição da maioria quanto à inconstitucionalidade parcial da alínea a) do n.º 1 do artigo 14.º do decreto, a qual fica, porém, aquém do que sustentava no referido memorando e não logrou obter vencimento. - Armindo Ribeiro Mendes.
Declaração de voto
1 - Em conformidade com entendimento manifestado no pedido pelo Presidente da República, o disposto nas alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 14.º, conjugado com o preceituado no n.º 1 e no n.º 2 do artigo 13.º do decreto em apreço, poderá configurar a perda definitiva do direito à objecção de consciência, como efeito necessário quer da condenação judicial em pena de prisão superior a um ano por crimes contra a vida, contra a integridade física, contra a liberdade das pessoas, contra a paz e a Humanidade, contra a paz pública e contra o Estado e por crimes de perigo comum, nos termos previstos e punidos pelo Código Penal, quer da condenação judicial em pena enquadrável na respectiva moldura pelo crime de desobediência qualificada, com o que poderia estar a ser violado, nomeadamente, o disposto no artigo 30.º, n.º 4, da Constituição.
Todavia, a maioria do Tribunal - na qual se não incluiu signatário da presente declaração - não aceitou como boa aquela argumentação, concluindo depois no sentido de não se verificar qualquer violação do disposto no artigo 30.º, n.º 4, do texto constitucional por parte das referenciadas normas do artigo 14.º do decreto sob sindicância.
De seguida, intentar-se-á demonstrar a razão de ser da nossa divergência relativamente à solução que, a este respeito, logrou vencimento no acórdão.
Vejamos então, começando por se apreciar a matéria respeitante a alínea a) do n.º 1 do artigo 14.º
2 - Ateve-se o aresto à consideração de que «se o objector de consciência, depois do reconhecimento do seu estatuto, vier a ser condenado por certo crime violento, por exemplo o de homicídio doloso, fica comprovada, de forma insofismável, a ausência ou não subsistência da convicção manifestada de ilegitimidade do uso de meios violentos de qualquer natureza contra o seu semelhante. Compreende-se, por isso, que cesse a situação estatutária preexistente, não podendo falar-se de um qualquer efeito infamante da condenação pela prática de certo crime».
Tem-se por manifestadamente inaceitável esta visão das coisas, que, de algum modo, acaba por iludir a questão jurídico-constitucional posta no requerimento do Presidente da República.
Com efeito, considerando-se que da condenação judicial em pena superior a um ano pelos tipos legais de crime referidos na norma em causa resulta necessária e automaticamente para o arguido que detenha o estatuto de objector de consciência a perda dessa situação jurídica, o que importa aqui averiguar é se semelhante consequência não colide com a norma constitucional do artigo 30.º, n.º 4, que dispõe no sentido de nenhuma pena envolver «como efeito necessário a perda de quaisquer direitos civis, profissionais e políticos».
Este Tribunal, através de uma jurisprudência pacífica, constante e uniforme (cf., por todos, os Acórdãos n.os 15/84, 165/86, 282/86, 284/89 e 224/90, in Diário da República, respectivamente, 2.ª série, de 12 de Maio de 1984, 1.ª série, de 3 de Junho e 11 de Novembro de 1986, 2.ª série, de 12 de Junho de 1989, e 1.ª série, de 8 de Agosto de 1990), tem acentuado que o artigo 30.º, n.º 4, da Constituição deriva, em linha recta, dos primordiais princípios definidores da actuação do Estado de direito democrático que estruturam a nova lei fundamental, isto é, os princípios do respeito pela dignidade da pessoa humana (artigo 1.º) e do respeito e da garantia de efectivação dos direitos e liberdades fundamentais (artigo 2.º). E daqui decorrem as grandes linhas informadoras dos princípios constitucionais de política criminal: o princípio da culpa; o princípio da necessidade da pena ou das medidas de segurança; o princípio da legalidade e da jurisdicionalidade da aplicação do direito penal; o princípio da humanidade e o princípio da igualdade. Ora, tem-se ali concluído e agora se repete, que se «da aplicação da pena resultasse, como efeito necessário, a perda de quaisquer direitos civis, profissionais ou políticos, far-se-ia tábua rasa daqueles princípios, figurando o condenado como um proscrito, o que constituiria um flagrante atentado contra o princípio do respeito pela dignidade da pessoa humana» (cf. o já citado Acórdão 165/86).
Ora, no caso em apreço, a condenação judicial prevista na norma da alínea a) do n.º 1 do artigo 14.º envolve de modo automático e necessário a perda, por parte do respectivo arguido, do direito ao estatuto de objector de consciência, consequência directa do direito à objecção de consciência, direito fundamental, inscrito no elenco dos direitos, liberdades e garantias pessoais, assegurados pela Constituição.
A privação deste direito traduz-se assim numa mera consequência da condenação, resultante em via directa da própria lei e à margem dos princípios constitucionais que inspiram a política criminal.
A perda do direito em causa, em bom rigor, e contrariamente ao que se escreveu no acórdão, não resulta da comprovação da ausência ou da não subsistência da convicção do objector de consciência sobre a ilegitimidade do uso de meios violentos de qualquer natureza contra o seu semelhante, antes se apresenta como mera consequência automática da sua condenação pela prática de certos tipos legais de crime.
Na verdade, a perda do estatuto de objector de consciência, emanação directa do direito fundamental à objecção de consciência, no quadro de estatuição da norma sob sindicância, assume-se como efeito necessário de uma pena, e não já como sequela de uma crise de convicção ética sobre a não violência de que o objector de consciência foi vítima já após a concessão do respectivo estatuto. Deste modo, a perda do direito radica na condenação, é efeito directo e automático dela, sendo, neste plano consequencial, irrelevante ou ao menos indiferente o alcance de um juízo de desvalor que se possa formular sobre a coerência e autenticidade da convicção do objector de consciência relativamente ao uso de meios violentos de qualquer natureza contra o seu semelhante.
Tem-se assim por seguro verificar-se, quanto à globalidade da norma em causa, inconstitucionalidade por afrontamento ao disposto no artigo 30.º, n.º 4, da Constituição.
E, contra isto, não importa aduzir, como se fez no acórdão, que a «condenação constitui a demonstração ou comprovação da falta de um pressuposto essencial do estatuto obtido pelo condenado que afecta a subsistência do mesmo».
E não importa, porque esse estatuto - o estatuto de objector de consciência - havia sido atribuído ao arguido em conformidade com a lei e a sua perda, independentemente das razões que possam ser invocadas, aparece associada, de forma automática, e por acção directa da lei, a uma condenação judicial.
Desta forma, a colisão com a norma constitucional é inevitável.
3 - A propósito da norma da alínea b) do n.º 1 do artigo 14.º - da qual agora passa a tratar-se -, escreveu-se no acórdão que o «requerente interpretou a norma desta alínea em conjugação 'com o preceituado no n.º 1 e no n.º 2 do artigo 13.º do decreto em apreço', isto é, partindo do princípio de que a comprovação do exercício das funções ou tarefas para que o objector de consciência é inábil, nos termos do n.º 1 do artigo 13.º, há-de resultar necessariamente da condenação judicial pelo crime de desobediência qualificada a que se refere o n.º 2 do mesmo artigo. De harmonia com uma tal interpretação, a condenação por tal crime, além de implicar 'a cessação das funções e a revogação das licenças e autorização referida no número anterior', acarretaria, como efeito automático, a cessação da situação de objector de consciência».
E a seguir, recusando-se tal interpretação, estabeleceu-se ali que a cessação da situação de objector de consciência contemplada na alínea b) do n.º 1 do artigo 14.º não se apresenta «como consequência ou efeito automático de uma condenação pela prática de certo crime, pressupondo antes uma comprovação administrativa, de forma individualizada, de certos comportamentos que, se existentes e conhecidos na fase administrativa da concessão do estatuto de objector de consciência, implicariam uma decisão negativa ou de recusa de atribuição desse estatuto».
De novo se discorda desta visão das coisas.
Na verdade, há-de dizer-se que a forma mais qualificada de se alcançar comprovação relativamente ao exercício de funções ou tarefas para que o objector é inábil, nos termos do articulado do decreto, será, sem dúvida, a resultante da sua condenação pela prática do crime de desobediência qualificada a que se alude no artigo 13.º, n.º 2, não se encontrando aliás qualquer razão válida para infirmar este juízo conclusivo.
Ora, a ser assim, sempre que a comprovação do exercício de funções ou tarefas para que o objector de consciência é inábil resulte da sua condenação pela prática daquele crime de desobediência qualificada, a perda do direito ao estatuto de objector é imposta por via da lei e resulta como efeito automático e necessário de uma condenação judicial, valendo assim, neste domínio, tudo quanto atrás se deixou escrito, propósito da matéria da alínea a), e do seu afrontamento com a norma do artigo 30.º, n.º 4, da Constituição, que também aqui sofre afrontamento.
Mas, admitindo-se que, para além desta primeira e qualificada forma de comprovação do exercício de funções ou tarefas para que o objector de consciência é inábil, outras formas de comprovação, nomeadamente de natureza administrativa, possam existir, sempre haveria de se concluir no sentido da inconstitucionalidade da norma em causa, não já por violação do disposto no artigo 30.º, n.º 4, mas sim por ofensa ao prescrito no artigo 18.º, n.º 2, da Constituição, atenta a manifesta desproporcionalidade da medida relativamente à causa invocada como razão de ser da restrição do direito fundamental em causa.
Assim sendo, há-de necessariamente concluir-se no sentido da inconstitucionalidade da norma do artigo 14.º, n.º 1, alínea b), do decreto.
E sem embargo de se haver acompanhado o acórdão no tocante à inconstitucionalidade da norma do artigo 14.º, n.º 3, teve-se desde logo tal norma, por força das soluções atrás defendidas, como consequencialmente inconstitucional. - Antero Alves Monteiro Dinis.
Declaração de voto
1 - Entendeu-se que o legislador, na alínea a) do artigo 14.º, excedeu a margem de concretização ou regulamentação do próprio direito fundamental, introduzindo verdadeiras restrições desproporcionadas. Por essa razão se concluiu pela inconstitucionalidade parcial da alínea referida na parte em que abrange a condenação por pena superior a um ano por diferentes crimes não dolosos previstos no Código Penal.
Não acompanhei a tese vencedora em toda a sua extensão, admitindo embora que fosse inconstitucional a previsão de certos crimes como fundamento para a perda do estatuto. No mais, uma consideração sistemática dos valores constitucionalmente protegidos, senão mesmo, e se necessário, a técnica da interpretação conforme à Constituição, em meu entender, deveriam ter levado a conclusão oposta à que fez vencimento.
Aceitando a natureza de direito fundamental da objecção de consciência, não deixa de ser verdade que o objector se exime ao cumprimento de um dever cuja imposição é válida, no que a objecção de consciência se distingue do direito de resistência, bem como se exime a um dever acatado pela maioria alargada da população. O objector situa-se em circunstâncias especificamente pessoais, claramente de excepção, e beneficia portanto de um estatuto de desigualdade, apenas aceitável em nome dos próprios princípios de tolerância em que radica o reconhecimento da liberdade de consciência.
Tendo em conta os factores indicados, não me repugnaria que àquele a quem é dado um estatuto de excepção da mesma forma seja exigível que se comporte nos demais aspectos da sua vida também com cuidados superiores aos exigidos do comum dos cidadãos, em tudo quanto tenha a ver com os valores de natureza religiosa, moral, humanística ou filosófica que lhe impõem a recusa do uso de meios violentos contra o seu semelhante. Sejam os crimes não dolosos, ainda aí eles, para serem crimes, sempre serão praticados com culpa, ou seja com responsabilidade jurídica e moral em termos em que se censura o agente por não ter adoptado outra conduta que teria podido adoptar. E nos crimes não dolosos abrangidos na alínea a) estão incluídas condutas punidas porque, entre outras razões, foram menosprezadas a vida e a segurança física das vítimas que, pelo menos, terão sido gravemente postas em perigo.
Nos outros crimes dolosos abrangidos na mesma alínea a), por sua vez, alguns estão incluídos pelo legislador em que ressalta idêntico juízo de censura pela mesma ponderação de valores ligados à vida e à segurança física do semelhante. É que, é bom não esquecê-lo, na objecção de consciência relativa aos deveres militares, a recusa da violência não é mera expressão de uma opção por vias pacíficas: a recusa da violência é instrumento do respeito pela integridade pessoal do semelhante (e nem um crime contra os valores já referidos deixa de ser crime só por ser praticado «pacificamente»).
Em área de fronteira, e sujeita a ponderação que teria de ser muito mais cuidada do que aquela que consente uma declaração de voto, situaria os crimes em que ocorre violação de deveres cívicos. Só aqui faria intervir uma ponderação em termos de juízo de proporcionalidade.
2 - Quanto ao juízo de constitucionalidade que recaiu sobre o artigo 14.º, n.º 3, não acompanhei a maioria.
Com efeito, a agravante que consiste em o acto criminoso ser praticado por objector de consciência não é modificativa a moldura penal e não pode deixar de impor-se ao julgador que tome em consideração, no doseamento da pena, as circunstâncias específicas do infractor (artigo 72.º, n.º 1, do Código Penal). Assim sendo, nada mais fez o legislador do que tipificar, esclarecendo (sem acrescentar nem aditar) o que já consta das várias alíneas do artigo 72.º do Código Penal. Acresce, e não será esta a observação menos relevante, que, arredada a agravante, se consagra para o objector um efectivo benefício injustificado, com lesão do princípio da igualdade em sede de doseamento da pena. Com efeito, aproveitar-lhe-á, nessa parte, um regime de favor - a não consideração de circunstâncias específicas do infractor - que arguidos não objectores estarão impedidos de invocar.
3 - Não interpretei o artigo 15.º da mesma forma como ele foi interpretado no acórdão. Impõe-se aqui uma interpretação que faça intervir o princípio da equiparação, em duração e penosidade, do serviço cívico a que é obrigado o objector com o serviçoo militar armado, conforme determina o n.º 4 do artigo 276.º da Constituição.
Assim sendo, as obrigações militares normais, em que incorre aquele cujo estatuto de objector cessar, são as obrigações normais, no sentido de obrigações que eventualmente ainda não estiverem cumpridas e a que o objector, colocado agora na veste de cidadão não objector, estiver ainda obrigado.
Por essa razão não me pronunciei pela inconstitucionalidade da referida norma.
Lisboa, 30 de Julho de 1991. - Vítor Nunes de Almeida.
Declaração de voto
Vencido em parte.
Salvo melhor opinião, creio que a «cessação da situação» de objector de consciência, a ocorrer automaticamente, nos termos do artigo 14.º do decreto, e por via administrativa, não ressalva do vício de inconstitucionalidade a alínea b) do n.º 1 deste preceito nem, com o mesmo objectivo, permite as distinções feitas no tocante à alínea a).
No fundo, o acórdão perspectiva aposterioristicamente os pressupostos de facto que é suposto terem-se inicialmente verificado e, perante o «colapso» ulterior destes, retira ao titular do direito à objecção de consciência o respectivo estatuto.
Não parece que a Constituição, máxime o seu artigo 18.º, permita a solução global avançada.
Com efeito, a cessação da situação de objector de consciência afecta, desproporcionadamente, o núcleo fundamental do direito - mesmo a admitir-se que o objector se encontra na dependência de uma relação especial de sujeição em nome de valores de interesse público que se projectam a nível da comunidade e não só individualmente.
Dir-se-ia que a «utilização abusiva» do direito pelo seu titular implica a perda desse direito ou, pelo menos, a sua suspensão.
A nossa lei fundamental não consente, no entanto, uma resposta nesse sentido.
Há uma certa concordância nos autores no sentido de que, inclusivamente no domínio das relações especiais de poder, as restrições não possam ir tão longe que ligitimem o sacrifício de um princípio fundamental para a salvaguarda de um certo valor constitucional. As leis reguladoras de estatutos especiais só podem conter restrições a direitos fundamentais em símile de renúncia, se existir disposição constitucional autorizatória, como no caso do artigo 270.º da Constituição da República (cf. Gomes Canotilho, Direito Constitucional, 4.ª ed., Coimbra, 1986, p. 503, e «Ordem constitucional, direitos fundamentais e partidos políticos» in Nação e Defesa, n.º 10, p. 95; Jorge Miranda, Manual de Direito Constitucional, t. IV, Coimbra, 1988, p. 275; J. C. Vieira de Andrade, Os Direitos Fundamentais na Constituição Portuguesa de 1976, Coimbra, 1983, pp. 236 e seguintes).
Não existindo disposição nesse sentido, mesmo que reservada à lei a competência para disciplinar o direito, não tem o legislador ordinário poder de conformação tão lato, pelo que violou o disposto nas normas do artigo 18.º, n.os 2 e 3, da Constituição da República em conjugação com o n.º 6 do artigo 41.º da lei básica.
A esta luz, ainda os artigos 14.º, n.º 2, e 15.º do decreto são consequencialmente inconstitucionais. - Alberto Tavares da Costa.
Declaração de voto
No presente acórdão, o Tribunal Constitucional decide pronunciar-se pela inconstitucionalidade das normas dos artigos 14.º, n.os 1, alínea a), e 3, e 15.º do Decreto 335/V da Assembleia da República, relativo à objecção de consciência ao serviço militar. Votei vencida pelas razões que se seguem.
1 - A Constituição, no artigo 41.º, n.º 6, garante o «direito à objecção de consciência, nos termos da lei», que, assim, surge como corolário do direito fundamental de liberdade de consciência, consagrado no n.º 1 do mesmo preceito.
Sendo embora temerária a colocação do problema perante o que é a doutrina acreditada, será possível falar, sem hesitações, de um «direito fundamental à objecção de consciência»?
Como notam Gomes Canotilho e Vital Moreira - Constituição da República Portuguesa Anotada, vol. I, pp. 252-253 -, «é evidente (sobretudo depois da primeira revisão constitucional) que a Constituição não reserva a objecção de consciência apenas para as obrigações militares (cf. o artigo 276.º, n.º 4), nem somente para os motivos de índole religiosa, podendo portanto invocar-se em relação a outros domínios e fundamentar-se em outras razões de consciência (morais, filosóficas, etc.)». A objecção de consciência, que a Constituição garante «nos termos da lei» - tal como se estatui no n.º 6 do artigo 41.º - não é somente a objecção de consciência ao serviço militar, mas cria um espaço de abertura para que a lei regule outros casos de conflito entre os ditames da consciência e a obrigação jurídica, em termos de se erigir a motivação pela consciência em causa de justificação ou exclusão da ilicitude da quebra da obrigação jurídica. Diferente era o teor do preceito na redacção originária da Constituição, onde (artigo 41.º, n.º 5) «objecção de consciência» significava para o legislador constituinte «objecção de consciência ao serviço militar».
Mas se é assim, se o direito à objecção de consciência, que é agora referido no n.º 6 do artigo 41.º da Constituição da República Portuguesa, não se confina, como é evidente, ao «direito à objecção de consciência ao serviço militar», poder-se-á falar de um direito fundamental à objecção de consciência a que assiste a especial força jurídica dos direitos, liberdades e garantias?
Poderá ali afirmar-se uma reforçada densidade do direito de modo que ele se faz valer na ausência de lei ou mesmo contra a lei? O conteúdo fundamental do direito está já afirmado na Constituição? Tem o preceito constitucional que o garante operacionalidade prática e eficácia directa?
O não denegar à objecção de consciência a característica de direito fundamental implicaria que a objecção de consciência se fizesse sempre valer como causa de justificação de comportamento ilícito, desde que comprovada a seriedade, o carácter compulsório, da motivação pela consciência.
Tenho para mim que a remissão para a lei operada pela norma do artigo 41.º, n.º 6, da Constituição significa mais do que a mera incumbência de uma tarefa de concretização legislativa. A lei parece ter aí um poder de intervenção mais forte do que aquele que normalmente lhe cabe em matéria de direitos, liberdades e garantias.
De outro modo, à freedom to act teria de ser sempre atribuída uma amplitude idêntica à freedom to believe, o que erigiria a motivação pela consciência em princípio de «anarquia cívica», como diz Max Scheler.
E não colhe aqui o argumento de direito comparado retirado do artigo 4.º, parágrafo 3, da lei fundamental alemã. Aí garante-se directa e imediatamente - com afirmação constitucional a nível primário, com existência, pois, do direito, independente de lei - que «ninguém pode ser compelido ao serviço militar armado contra a sua consciência». A remissão para a lei federal regulamentadora que nesse preceito se faz não tem que ver com a configuração do direito, mas tão-somente com o estabelecimento de condições organizatórias do seu exercício.
Não é assim no direito constitucional português: não existe uma afirmação constitucional primária e directa do «direito à objecção de consciência ao serviço militar», de tal modo que a expressão «nos termos da lei» devesse ser entendida como referindo apenas as condições organizatórias de um direito fundamental cuja fattispecie estivesse claramente configurada na Constituição. O que existe, a seu ver, e a injunção constitucional de conformar legislativamente casos de conflito entre motivação pela consciência e a obrigação jurídica, de tal modo que, nos casos delimitados pela lei, possa ser afastada a ilicitude em virtude de situações de compulsão do agente pela sua consciência. Do que se trata aqui é da projecção do direito fundamental de liberdade de consciência, não da afirmação de uma fattispecie autónoma de um «direito fundamental à objecção de consciência», com conformação autónoma ao nível do texto constitucional.
2 - Em relação ao artigo 14.º, n.º 1, alínea a), julgo ser de introduzir uma restrição de sentido da provisão normativa, de tal modo que não seja abrangida pela cominação quer a condenação por crime imputável a título de negligência, quer por crime doloso, quando o comportamento criminoso previsto não pressuponha a negação da convicção de consciência anteriormente manifestada. Às mesmas conclusões práticas conduz a doutrina do acórdão. Só que não considero que seja aqui de convocar o n.º 2 do artigo 18.º da Constituição e julgar pela inconstitucionalidade parcial da norma em apreço, em virtude da «introdução de restrições desproporcionadas». No meu entendimento, a restrição de sentido da previsão normativa bastar-se-ia aqui com uma «redução teleológica», a operar a integração de uma denominada «lacuna oculta». Dis Larenz (Metodologia da Ciência do Direito, tradução portuguesa, Lisboa, 1989, p. 473), a propósito destas figuras: «Qualificámos de lacuna 'oculta' o caso em que uma regra legal, contra o seu sentido literal, mas de acordo com a teleologia imanente à lei, precisa de uma restrição que não está contida no texto legal. A integração de uma tal lacuna efectua-se acrescentando a restrição que é requerida em conformidade com o sentido. Visto que com isso a regra contida na lei, concebida demasiado amplamente segundo o seu sentido literal, se reconduz e é reduzida ao âmbito de aplicação que lhe corresponde segundo o fim da regulação ou a conexão de sentido da lei, falamos de uma 'redução teleológica'.»
3 - Considero ainda que não é inconstitucional a norma do artigo 14.º, n.º 3, do decreto, a qual determina que, «nos casos de condenação previstos na alínea a) do n.º 1, a situação de objector de consciência é considerada como circunstância agravante». Atende-se ali ao facto de o estatuto do objector de consciência constituir um contramotivo para o crime, de haver um dever especial de o não cometer. Não se inova relativamente ao artigo 72.º do Código Penal, que indica exemplificativamente um conjunto de circunstâncias que influem na determinação jurídica da medida da pena, sendo certo que quaisquer outras que «não fazendo parte do tipo de crime, deponham a favor do agente ou contra ele» devem também ser consideradas (artigo 72.º, n.º 2).
4 - Finalmente, discordo do juízo de inconstitucionalidade da norma do artigo 15.º, que dispõe: «A cessação da situação de objector de consciência determina a sujeição do seu ex-titular ao cumprimento das obrigações militares normais.»
A locução «obrigações militares normais» não significa, necessariamente, prestação do serviço militar obrigatório (o Decreto 335/V refere-se, diferentemente, em outros lugares, ao serviço militar obrigatório, sugerindo, assim, a não identificação entre as duas expressões). Em meu entender, caberia aqui uma interpretação conforme a Constituição que rejeitasse a hipótese de duplicação de prestações (do serviço cívico e do serviço militar) face aos princípios da igualdade e da equivalência de encargos, consagrados, respectivamente, nos artigos 13.º e 276.º, n.º 4, da Constituição. - Maria da Assunção Esteves.