Decreto-Lei 485/77
de 17 de Novembro
A Constituição impõe a redefinição do estatuto da mulher na sociedade portuguesa. É uma exigência que deriva dos princípios nela consignados em matéria de igualdade de todos os cidadãos.
Às mulheres, como aos homens, a Constituição garante a mesma dignidade social e a igualdade perante a lei. Para todos se consignam, entre outros princípios, o de igualdade de direitos e deveres na vida cívica e política, na família, no trabalho e em todos os sectores da vida social.
A Constituição reconhece ainda o valor social da maternidade, considerada como responsabilidade a ser assumida pela própria sociedade. Daí que a mulher seja protegida na sua função maternal, nomeadamente na gravidez e no parto, e que seja obrigação do Estado assegurar os apoios das infra-estruturas necessárias.
A imagem que a Constituição traduz da posição da mulher na sociedade portuguesa está, porém, distanciada da situação real das mulheres.
Discriminadas em maior ou menor grau, na família, no trabalho, na educação e na formação profissional, e ainda demasiado afastadas da vida cívica e política, um longo caminho há a percorrer até se alcançar o estatuto de plena igualdade de direitos e deveres entre mulheres e homens e garantir a todos a mesma dignidade social.
O Programa do I Governo Constitucional inclui, no capítulo que se refere à construção do Estado Democrático, medidas relativas à condição feminina.
Comprometeu-se o Governo a assumir a responsabilidade que lhe cabe, à luz dos imperativos constitucionais, na melhoria da condição da mulher na sociedade portuguesa, de forma a concretizar rapidamente a abolição das discriminações em função do sexo que ainda subsistem nas leis e na vida social.
Na sequência desse compromisso, e de harmonia com recomendações da Organização das Nações Unidas, pelo presente diploma institucionaliza-se e dota-se de meios eficazes a já existente Comissão da Condição Feminina, assegurando-se-lhe a operacionalidade que os seus objectivos exigem.
Dado o carácter intersectorial da sua acção, a colaboração entre a Comissão da Condição Feminina e os vários departamentos do Estado será necessariamente muito estreita, visto que só uma acção conjunta e concertada permitirá alcançar os objectivos visados.
À Comissão da Condição Feminina, sob orientação do Governo, caberá contribuir para a realização em Portugal do Plano Mundial de Acção para a Década de 1976-1985, aprovado na Conferência do Ano Internacional da Mulher, promovida pela Organização das Nações Unidas, etapa considerada fundamental para que mulheres e homens assumam co-responsavelmente todas as funções que cabem aos cidadãos, aos vários níveis da estrutura social.
Nestes termos:
O Governo decreta, nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 201.º da Constituição, o seguinte:
CAPÍTULO I
Natureza e atribuições
Artigo 1.º A Comissão da Condição Feminina, adiante designada por Comissão, fica integrada na Presidência do Conselho de Ministros e na dependência do Primeiro-Ministro ou do membro do Governo em quem delegar.
Art. 2.º A Comissão tem por objectivo apoiar todas as formas de consciencialização das mulheres portuguesas e a eliminação das discriminações contra elas praticadas, em ordem à sua inserção no processo de transformação da sociedade portuguesa, de acordo com os princípios consignados na Constituição.
Art. 3.º - 1 - São atribuições da Comissão:
a) Promover acções que levem as mulheres a tomar consciência das condições de discriminação a que estão sujeitas e a assumir uma intervenção directa para o progresso do seu estatuto
b) Promover a tomada de consciência individual e colectiva da necessidade de uma nova concepção do papel das mulheres na sociedade;
c) Tomar posição em processos concretos promovidos por mulheres visando a melhoria das suas condições de vida;
d) Participar na elaboração da política global da condição feminina;
e) Dar parecer sobre as propostas de políticas sectoriais com incidência na condição feminina e intervir na sua discussão;
f) Propor medidas legislativas adequadas, tendentes à formação de uma concepção da maternidade com função social:
g) Propor as medidas adequadas à substituição das normas discriminatórias em relação às mulheres contidas na legislação;
h) Dar parecer sobre os projectos de diplomas legais que afectem directa ou indirectamente a condição das mulheres e participar na elaboração dos mesmos diplomas;
i) Propor a criação dos mecanismos que em cada momento se mostrem necessários ao cumprimento efectivo das novas leis;
j) Realizar, apoiar e divulgar a investigação sobre a situação das mulheres, nomeadamente através de estudos, da criação de um centro de documentação, da publicação de um boletim e da prestação de informações;
l) Cooperar com departamentos do Estado e organizações não governamentais em projectos e actividades comuns;
m) Cooperar com organizações governamentais e não governamentais de âmbito internacional e com organismos estrangeiros com objectivos semelhantes, por forma a estabelecer solidariedade com as mulheres de todos os países, em todos os domínios da vida social, cultural e política.
2 - Os departamentos governativos cuja actividade tem particular incidência na condição feminina deverão remeter à Comissão, para parecer prévio, todas as propostas e projectos legislativos referidos nas alíneas e) e h) do número anterior.
CAPÍTULO II
Organização, competência e funcionamento
Art. 4.º - 1 - São órgãos da Comissão:
a) O presidente;
b) O conselho de coordenação técnica;
c) O conselho consultivo.
2 - O conselho consultivo é composto por duas secções:
Secção interministerial;
Secção de organizações não governamentais.
Art. 5.º - 1 - A Comissão disporá dos seguintes serviços:
a) Serviços de estudos;
b) Serviços de documentação e informação;
c) Serviços de acção regional e de relações internacionais;
d) Serviços administrativos.
2 - O presidente poderá determinar a constituição de grupos de trabalho transitórios mandatados para a execução de tarefas específicas.
Art. 6.º - 1 - O presidente tem a categoria de director-geral e é nomeado pelo Primeiro-Ministro.
2 - Nas suas faltas e impedimentos será substituído pelo técnico que indicar ao Primeiro-Ministro.
3 - Ao presidente compete orientar e coordenar superiormente a actividade da Comissão e convocar e presidir, com voto de qualidade, às reuniões do conselho de coordenação técnica e do conselho consultivo.
Art. 7.º O conselho de coordenação técnica é constituído pelos assessores a que seja cometida a direcção dos serviços referidos nas alíneas a), b) e c) do artigo 5.º e por dois técnicos designados anualmente pelo presidente.
Art. 8.º Compete ao conselho de coordenação técnica:
a) Pronunciar-se sobre as prioridades de acção;
b) Pronunciar-se sobre tomadas de posição em questões importantes para a situação das mulheres;
c) Elaborar o programa anual de actividades e coordenar a sua execução;
d) Pronunciar-se sobre o projecto de orçamento anual da Comissão.
Art. 9.º - 1 - A secção interministerial do conselho consultivo será integrada por representantes dos seguintes departamentos governativos:
a) Ministério da Administração Interna;
b) Ministério da Justiça;
c) Ministério das Finanças;
d) Ministério dos Negócios Estrangeiros;
e) Ministério da Agricultura e Pescas;
f) Ministério da Indústria e Tecnologia;
g) Ministério do Comércio e Turismo;
h) Ministério do Trabalho;
i) Ministério da Educação e Investigação Científica;
j) Ministério dos Assuntos Sociais;
l) Ministério da Habitação, Urbanismo e Construção;
m) Secretaria de Estado da Administração Pública;
n) Secretaria de Estado da Comunicação Social;
o) Secretaria de Estado do Ambiente;
p) Secretaria de Estado da População e Emprego.
2 - As nomeações são feitas por despacho dos Ministros ou Secretários de Estado competentes.
3 - A secção das organizações não governamentais é constituída por organizações representativas das mulheres cujos objectivos se esquadrem no disposto no artigo 2.º, designadamente as que tenham implantação em várias zonas do País, campos de actuação e programas que visem a melhoria das condições de vida e do estatuto das mulheres.
4 - Para os efeitos do disposto no número anterior cada organização não governamental indicará anualmente dois representantes, sendo um efectivo e outro suplente.
5 - Por despacho do Primeiro-Ministro, sob proposta do presidente, serão designadas quais as organizações a que se reporta o n.º 3 deste artigo.
6 - Poderão tomar parte nas reuniões do conselho consultivo ou das secções, sem direito a voto, a convite do presidente, individualidades de reconhecida competência nos assuntos da condição feminina.
Art. 10.º - 1 - Compete à secção interministerial:
a) Assegurar a cooperação de todos os sectores da administração cuja actividade afecte a condição feminina:
b) Coordenar as respectivas intervenções no âmbito da execução e definição da política global da condição feminina;
c) Fazer recomendações sobre acções a empreender;
d) Pronunciar-se sobre os projectos que lhe sejam submetidos, bem como sobre o programa anual de actividade da Comissão.
2 - Compete à secção das organizações não governamentais:
a) Contribuir para a definição da política da condição feminina, transmitindo a posição das mulheres representadas pelas diversas organizações;
b) Colaborar na concretização da política definida, nomeadamente através da mobilização das mulheres a que as organizações têm acesso;
c) Pronunciar-se sobre os projectos que lhe sejam submetidos, bem como sobre o programa anual de actividades da Comissão;
d) Fazer recomendações sobre acções a empreender.
3 - O conselho consultivo reúne em plenário ou por secções, podendo estas funcionar em grupos restritos.
Art. 11.º Aos serviços de estudos compete efectuar, promover ou apoiar a investigação e os estudos necessários ao desempenho das atribuições da Comissão enumeradas no artigo 3.º
Art. 12.º Aos serviços de documentação e de informação compete assegurar a recolha e difusão, a nível nacional e internacional, de documentação e de informação relativas à condição feminina, no âmbito das atribuições definidas no artigo 3.º
Art. 13.º Aos serviços de acção regional e de relações internacionais compete apoiar e coordenar as acções a desenvolver pela Comissão a nível regional, bem como os contactos a estabelecer com organizações internacionais e com organismos estrangeiros com objectivos semelhantes.
Art. 14.º Aos serviços administrativos compete assegurar o expediente geral e executar as tarefas administrativas indispensáveis ao funcionamento dos órgãos e serviços da Comissão.
Art. 15.º A Comissão disporá regionalmente da organização necessária à realização das suas atribuições, que actuará através da cooperação com departamentos da administração central e local e com organizações não governamentais com implantação nas respectivas regiões.
CAPÍTULO III
Pessoal
Art. 16.º A Comissão dispõe do pessoal constante do quadro anexo ao presente diploma, que dele faz parte integrante.
Art. 17.º - 1 - O provimento do pessoal do quadro será feito por nomeação, salvos os casos de provimento por contrato, nos termos da lei geral.
2 - As nomeações terão carácter provisório durante um ano, findo o qual os funcionários serão providos definitivamente, se tiverem revelado aptidão para os lugares ou exonerados, no caso contrário.
Art. 18.º - 1 - Se a nomeação para qualquer lugar do quadro da Comissão recair em funcionário público, poderá ser feita em comissão de serviço, pelo prazo de um ano, prorrogável por iguais períodos, podendo converter-se em definitiva após um ano de serviço se o funcionário tiver entretanto revelado aptidão para o lugar e o Ministério de origem o autorizar.
2 - O lugar do funcionário no quadro de origem será provido interinamente, só se abrindo vaga quando e se a nomeação em comissão de serviço vier a converter-se em definitiva na Comissão.
Art. 19.º - 1 - O presidente da Comissão é nomeado, em comissão de serviço por tempo indeterminado, de entre individualidades de reconhecida competência nos assuntos respeitantes à condição das mulheres.
2 - Os restantes lugares serão providos por despacho do Primeiro-Ministro, sob proposta do presidente, de harmonia com as seguintes regras:
a) Técnicos assessores - por promoção de técnicos principais, mediante concurso documental de apreciação do respectivo curriculum;
b) Técnicos principais e técnicos de 1.ª classe - por promoção, mediante concurso documental respectivamente de técnicos de 1.ª classe e técnicos de 2.ª classe com, pelo menos, três anos de bom e efectivo serviço na classe;
c) Técnicos de 2.ª classe - de entre licenciados ou diplomados com curso superior adequado ao desempenho das suas funções admitidos mediante concurso documental;
d) Técnico auxiliar de 1.ª classe - por promoção de técnico auxiliar de 2.ª classe que tenha, pelo menos, três anos de bom e efectivo serviço;
e) Técnico auxiliar de 2.ª classe - de entre indivíduos habilitados com o curso geral dos liceus ou habilitações equiparadas;
f) Secretário - admitido mediante concurso documental de entre diplomados com curso superior adequado;
g) Chefe de serviços administrativos - de entre diplomados com curso superior adequado ou primeiro-oficial com, pelo menos, seis anos de efectivo serviço no cargo e classificação de Bom;
h) Primeiros e segundos-oficiais - mediante concurso de prestação de provas de entre os funcionários de categoria imediatamente inferior com, pelo menos, três anos de bom e efectivo serviço na categoria e as habilitações exigidas pela lei geral;
i) Terceiros-oficiais - nos termos da lei geral;
j) Escriturários-dactilógrafos - por concurso de prestação de provas de entre indivíduos habilitados com a escolaridade obrigatória;
l) Telefonista, motorista e contínuo - por escolha de entre indivíduos que tenham a habilitação mínima correspondente à escolaridade obrigatória.
Art. 20.º - 1 - Poderá ser contratado além do quadro o pessoal indispensável para o desempenho de funções que não possam ser asseguradas pelo pessoal permanente.
2 - A realização de estudos, inquéritos e outros trabalhos de carácter eventual, incluindo acções de formação, poderá ser confiada, mediante contrato de prestação de serviços, a entidades nacionais ou estrangeiros estranhas aos serviços.
3 - O contrato de prestação de serviços será obrigatoriamente reduzido a escrito, dele constando o prazo, a remuneração, as condições de rescisão e a menção de que não confere em nenhum caso a qualidade de funcionário público.
Art. 21.º - 1 - A Comissão poderá, mediante despacho do Primeiro-Ministro e com o acordo do Ministro respectivo, requisitar pessoal de outros departamentos ministeriais, a pagar por dotação especial para esse efeito inscrita no orçamento da Comissão.
2 - As requisições efectuadas nos termos do número anterior dependerão do acordo do funcionário e, enquanto durar a requisição, o respectivo lugar poderá ser provido interinamente.
3 - Os funcionários requisitados nos termos deste artigo podem optar pelo vencimento correspondente aos seus lugares de origem.
CAPÍTULO VI
Disposições finais e transitórias
Art. 22.º - 1 - O pessoal técnico, técnico auxiliar, administrativo e auxiliar que à data da entrada em vigor do presente diploma prestar serviço a qualquer título na Comissão será provido definitivamente em lugares do quadro anexo, mediante lista nominativa a aprovar pelo Primeiro-Ministro a publicar no Diário da República, sem dependência de qualquer formalidade, salvo o visto do Tribunal de Contas.
2 - O pessoal integrado na mesma categoria não perde a antiguidade obtida nessa categoria.
3 - O pessoal referido no n.º 1 que já tiver provimento definitivo na função pública conserva esta situação em relação ao lugar do quadro em que for provido.
4 - O pessoal referido no n.º 1 manter-se-á no exercício das suas funções com os direitos correspondentes até à publicação da lista nominativa.
Art. 23.º Enquanto a definição e a organização das regiões não se encontrar estabelecida, a Comissão poderá dispor de delegados com o apoio necessário onde se afigure possível e conveniente.
Art. 24.º As dúvidas que se suscitarem na aplicação deste diploma são resolvidas por despacho do Primeiro-Ministro.
Art. 25.º Ficam revogados o Decreto 482/73, de 27 de Setembro, e o Decreto-Lei 47/75, de 1 de Fevereiro.
Visto e aprovado em Conselho de Ministros. - Mário Soares - Henrique Teixeira Queirós de Barros - Henrique Medina Carreira.
Promulgado em 4 de Novembro de 1977.
Publique-se.
O Presidente da República, ANTÓNIO RAMALHO EANES.
Quadro do pessoal a que se refere o artigo 16.º
(ver documento original)
O Ministro de Estado, Henrique Teixeira Queirós de Barros.