de 3 de Novembro
A Lei 88/89, de 11 de Setembro, que fixa as bases gerais a que obedece o estabelecimento, a gestão e a exploração das infra-estruturas e serviços de telecomunicações e de serviços fundamentais prestados através dessa rede, atribui a estes o carácter de serviço público, distinguindo-os dos chamados serviços complementares.Estão em causa serviços cuja exploração envolve a utilização da rede básica de telecomunicações e de infra-estruturas complementares àquela rede e que, não integrando o conceito de serviços fundamentais, devem ser satisfeitos em regime de concorrência, quer pelos operadores de serviço público de telecomunicações, quer por empresas de telecomunicações complementares, em qualquer dos casos devidamente licenciados.
Torna-se necessário definir agora o conjunto de regras que disciplinam a prestação deste tipo de serviços por parte dos operadores de telecomunicações complementares, bem como fixar os direitos e obrigações emergentes dos respectivos títulos de licenciamento.
Assim:
No desenvolvimento do regime jurídico estabelecido pela Lei 88/89, de 11 de Setembro, e nos termos da alínea c) do n.º 1 do artigo 201.º da Constituição, o Governo decreta o seguinte:
CAPÍTULO I
Disposições gerais
Artigo 1.º
Âmbito e objecto
O presente decreto-lei define o regime do estabelecimento, gestão e exploração das infra-estruturas e da prestação de serviços de telecomunicações complementares.
Artigo 2.º
Definições
Para os efeitos do presente diploma entende-se por:a) Infra-estruturas de telecomunicações complementares: todas as infra-estruturas de telecomunicações definidas no n.º 1 do artigo 11.º da Lei 88/89, de 11 de Setembro;
b) Serviços de telecomunicações complementares: serviços de telecomunicações cuja exploração envolve a utilização de infra-estruturas de telecomunicações complementares;
c) Operadores de telecomunicações complementares: operadores de serviço público, como tal designados no n.º 2 do artigo 8.º da Lei 88/89, de 11 de Setembro, e empresas de telecomunicações complementares que explorem serviços de telecomunicações complementares, em qualquer dos casos com adequado título de licenciamento;
d) Serviços de telecomunicações complementares fixos: serviços de telecomunicações complementares em que o acesso do assinante é efectuado através do sistema fixo de acesso de assinante da rede básica de telecomunicações;
e) Serviços de telecomunicações complementares móveis: serviços de telecomunicações complementares aos quais o acesso do assinante é efectuado através de um sistema de acesso de assinante de índole não fixa, utilizando a propagação radioeléctrica no espaço.
Artigo 3.º
Regulamentos de exploração
Por portaria do membro do Governo com competência na área das comunicações serão aprovados os regulamentos de exploração dos serviços de telecomunicações complementares.
Artigo 4.º
Acesso
1 - A prestação de serviços de telecomunicações complementares só pode ser efectuada após atribuição de licença conferida nos termos do presente diploma.2 - A atribuição de licença para a prestação de serviços de telecomunicações complementares fixos rege-se pelo princípio de acessibilidade plena, sendo condição necessária a verificação dos requisitos constantes do artigo seguinte.
3 - A atribuição de licença para a prestação de serviços de telecomunicações complementares móveis rege-se pelo princípio de acessibilidade condicionada às limitações do espectro radioeléctrico, sendo precedida da realização de concurso público e com observância do disposto no artigo seguinte.
4 - O regulamento do concurso público referido no número anterior é aprovado por portaria do membro do Governo com competência na área das comunicações.
Artigo 5.º
Requisitos
1 - Para efeitos de atribuição da licença, o operador de telecomunicações complementares terá de obedecer aos seguintes requisitos de idoneidade e capacidade técnica e económico-financeira:a) Estar legalmente constituído e inscrito no Registo Nacional de Pessoas Colectivas, devendo ter no âmbito do seu objecto social o exercício da actividade de telecomunicações;
b) Deter capacidade técnica adequada ao cumprimento das obrigações específicas da licença que se propõe obter, dispondo, nomeadamente, de um corpo de pessoal qualificado para o exercício da actividade;
c) Dispor de adequada estrutura económica, bem como dos necessários recursos financeiros, para garantir o arranque e a boa gestão da empresa;
d) Dispor de contabilidade actualizada e regularmente organizada de acordo com o Plano Oficial de Contabilidade e adequada às análises requeridas para o projecto que se proponha desenvolver referente ao serviço de telecomunicações complementares;
e) Comprovar não ser devedor ao Estado e à Segurança Social de quaisquer impostos, quotizações ou contribuições, bem como de outras importâncias, ou que o seu pagamento está assegurado mediante o cumprimento de acordos que para o efeito tenham sido celebrados nos termos legais.
2 - Para os efeitos do disposto na alínea c) do número anterior, considera-se como adequada capacidade económico-financeira do requerente a cobertura, por capitais próprios em montantes não inferiores a 25%, do valor do investimento global referente ao serviço de telecomunicações complementares que se propõe prestar.
3 - As empresas cujo acto de constituição se tenha verificado nos 90 dias anteriores ao pedido de licenciamento são dispensadas do disposto na alínea d).
4 - Os operadores de serviço público estão dispensados dos requisitos referidos no presente artigo.
Artigo 6.º
Limites na composição do capital social
1 - É limitada a 10% a participação directa ou indirecta de um operador de telecomunicações de uso público no capital social de outro operador de telecomunicações complementares licenciado para a prestação de um mesmo serviço de telecomunicações complementares àquele já atribuído.
2 - São aplicáveis as limitações previstas no artigo 19.º da Lei 88/89, de 11 de Setembro.
Artigo 7.º
Direitos e obrigações
1 - Constituem direitos dos operadores de telecomunicações complementares:a) Desenvolver a prestação do serviço de telecomunicações complementares nos termos definidos no respectivo título de licenciamento;
b) Aceder à rede básica de telecomunicações em condições de plena igualdade com a garantia de disporem de interfaces técnicas especificadas, bem como a garantia de disporem de condições de acesso de utilização e de regime tarifário definidos e publicados;
c) Requerer, nos termos da lei geral, a expropriação de imóveis e a constituição de servidões administrativas que se mostrem indispensáveis à instalação, protecção e conservação das infra-estruturas da rede de telecomunicações complementares.
2 - Constituem obrigações dos operadores de telecomunicações complementares:
a) Respeitar as condições e limites definidos nos títulos de licenciamento;
b) Cumprir as disposições legais, nacionais e internacionais, no domínio das telecomunicações;
c) Utilizar equipamentos devidamente aprovados pela entidade competente;
d) Facultar a verificação dos equipamentos e fornecer a informação necessária à fiscalização das obrigações decorrentes do título de licenciamento;
e) Proceder às correcções necessárias tendo em vista o regular funcionamento das instalações e a adequada prestação do serviço licenciado;
f) Garantir, em termos de igualdade, o acesso aos serviços prestados mediante o pagamento dos preços praticados;
g) Notificar o Instituto das Comunicações de Portugal (ICP) de quaisquer alterações ao respectivo pacto social.
CAPÍTULO II
Licenciamento
Artigo 8.º
Licença
1 - Compete ao conselho de administração do ICP, uma vez verificados os requisitos do artigo 5.º e apreciados os elementos referidos no número seguinte, atribuir a licença para a prestação de serviços de telecomunicações complementares e praticar os demais actos que envolvam a sua outorga e cancelamento.2 - Para os efeitos do número anterior, todos os requerentes deverão apresentar:
a) Memória justificativa do pedido;
b) Descrição detalhada da actividade que se propõe desenvolver, incluindo o respectivo projecto técnico;
c) Elementos necessários à verificação dos requisitos e condições fixados, respectivamente, nos artigos 5.º e 6.º do presente diploma.
3 - Da licença constarão, entre outros, os seguintes elementos:
a) Identificação da entidade licenciada;
b) Identificação da entidade outorgante;
c) Identificação da entidade fiscalizadora;
d) Regulamento de exploração aplicável, quando existente;
e) Condições de prestação do serviço;
f) Infra-estruturas de telecomunicações complementares próprias que é permitido instalar para a prestação do serviço;
g) Zona geográfica de actuação;
h) Prazo e termo da licença;
i) Taxa referida no n.º 2 do artigo 12.º do presente diploma.
Artigo 9.º
Alteração de licença
1 - Qualquer alteração ou modificação a introduzir na licença durante o período da sua vigência, por solicitação da entidade licenciada, pode ser autorizada pelo ICP, que procederá ao correspondente averbamento no respectivo título.2 - O pedido de alteração deve ser fundamentado e acompanhado dos elementos julgados necessários, sendo aplicável, com as devidas adaptações, o disposto nas alíneas a) e b) do n.º 2 do artigo anterior.
Artigo 10.º
Transmissibilidade da licença
1 - Decorridos três anos após a data da sua emissão, pode ser transmitida a licença para a prestação de um serviço de telecomunicações complementares, mediante prévia autorização do conselho de administração do ICP.2 - A entidade à qual for transmitida a licença tem de reunir os requisitos e limites constantes dos artigos 5.º e 6.º do presente diploma e assumir todos os direitos e obrigações inerentes ao respectivo título desde a vigência do mesmo.
Artigo 11.º
Início da actividade
A actividade prevista no título de licenciamento deve ser iniciada no prazo máximo de 18 meses contados a partir da data da sua emissão, salvo motivo de força maior devidamente justificado e como tal reconhecido pelo ICP.
Artigo 12.º
Taxa
1 - A emissão de licença para a prestação de um serviço de telecomunicações complementares, bem como as eventuais alterações, renovações ou substituição em caso de extravio, estão sujeitos ao pagamento de uma taxa a fixar por despacho do membro do Governo com competência na área das comunicações.2 - A entidade licenciada está sujeita à liquidação de uma taxa anual a fixar por despacho do membro do Governo com competência na área das comunicações.
CAPÍTULO III
Dos documentos, equipamentos e fiscalização
Artigo 13.º
Modelo dos documentos
Os modelos dos documentos necessários à aplicação do disposto no presente diploma são aprovados pelo ICP.
Artigo 14.º
Equipamentos
1 - Todos os equipamentos utilizados nas infra-estruturas de telecomunicações complementares terão de cumprir as especificações técnicas exigíveis para interfuncionamento com a rede básica.2 - A interface de acesso ao serviço de telecomunicações complementares terá de ser claramente definida, devendo as suas especificações técnicas ser publicadas pelo licenciado.
3 - É livre a aquisição, instalação e conservação do equipamento terminal necessário para aceder ao serviço em causa.
4 - O equipamento referido no número anterior, em caso de solicitação da entidade licenciada, deverá ser certificado pelo fabricante como cumprindo as especificações referidas no n.º 2.
Artigo 15.º
Fiscalização
A fiscalização das condições de estabelecimento, exploração e gestão das infra-estruturas e serviços de telecomunicações complementares é efectuada pelo ICP, através de agentes ou mandatários credenciadas para o efeito.
CAPÍTULO IV
Regime sancionatório
Artigo 16.º
Cancelamento da licença
1 - A licença para a prestação de serviços de telecomunicações complementares pode ser cancelada pelo conselho de administração do ICP, quando o seu titular:a) Não respeite as condições e limites constantes do respectivo título;
b) Se oponha à fiscalização e verificação dos equipamentos;
c) Se recuse a aplicar as medidas correctivas necessárias para o bom funcionamento das instalações e adequada prestação do serviço licenciado;
d) Não dê cumprimento, tratando-se de operador do serviço público, ao disposto no n.º 2 do artigo 14.º da Lei 88/89, de 11 de Setembro;
e) Não pague as taxas devidas nos prazos fixados.
2 - No caso previsto na alínea d) do número anterior, a licença a cancelar será a do serviço complementar em benefício do qual se deram as práticas que falseiem as condições de concorrência ou que se traduzem em abuso de posições dominantes.
3 - Quando as faltas cometidas sejam susceptíveis de correcção, o ICP determinará um prazo para a sua reparação, sem prejuízo da aplicação das coimas previstas no artigo 17.º do presente diploma.
Artigo 17.º
Coimas
1 - Sem prejuízo de outras sanções que se mostrem aplicáveis, as violações às prescrições do presente diploma constituem ilícitos mera ordenação social, aos quais são aplicáveis as seguintes coimas:a) De 500000$00 a 6000000$00, no caso de violação do n.º 1 do artigo 4.º e do artigo 6.º;
b) De 250000$00 a 3000000$00, no caso de violação do n.º 2 do artigo 7.º e do n.º 1 do artigo 10.º;
c) De 100000$00 a 1500000$00, no caso de violação do prescrito no artigo 11.º, nos n.os 1 e 2 do artigo 14.º e no n.º 1 do artigo 19.º 2 - Nas contra-ordenações previstas no número anterior a tentativa e a negligência são puníveis.
Artigo 18.º
Processamento e aplicação das coimas
1 - Compete ao conselho de administração do ICP a deliberação de aplicar as coimas.2 - O processo de contra-ordenação é da competência dos serviços do ICP.
3 - O conselho de administração pode delegar a competência prevista no n.º 1 em qualquer dos seus membros.
4 - O montante das coimas aplicadas reverterá para o Estado, em 60%, e para a entidade autuante, em 40%.
CAPÍTULO V
Disposições transitórias
Artigo 19.º
1 - Os Correios e Telecomunicações de Portugal, E. P. (CTT), os Telefones de Lisboa e Porto, S. A. (TLP), e a Companhia Portuguesa Rádio Marconi, S. A.(CPRM), prestarão os serviços de telecomunicações complementares que actualmente vêm operando, ao abrigo dos seus estatutos e respectivos contratos de concessão, até ao respectivo licenciamento nos termos previstos no presente diploma, com dispensa de concurso público, devendo, para o efeito, iniciar o correspondente processo no prazo de 90 dias a contar da data da entrada em vigor deste decreto-lei.
2 - São intransmissíveis os títulos de licenciamento para a prestação de serviços de telecomunicações complementares móveis atribuídos nos termos do presente artigo.
3 - As entidades legalmente constituídas pelos CTT e pelos TLP e que actualmente prossigam a actividade de telecomunicações complementares são abrangidas pelo disposto no presente artigo enquanto o respectivo capital for maioritariamente público.
CAPÍTULO VI
Disposições finais
Artigo 20.º
Práticas restritivas de concorrência
1 - As acções que configurem práticas restritivas da concorrência no âmbito da prestação de serviços de telecomunicações complementares ficam sujeitas ao regime do Decreto-Lei 422/83, de 3 de Dezembro.2 - Para os efeitos do disposto no número anterior é derrogada a alínea b) do n.º 1 do artigo 36.º do Decreto-Lei 422/83, de 3 de Dezembro, no que respeita aos serviços de telecomunicações complementares.
Visto e aprovado em Conselho de Ministros de 13 de Setembro de 1990. - Joaquim Fernando Nogueira - Luís Miguel Couceiro Pizarro Beleza - Joaquim Martins Ferreira do Amaral.
Promulgado em 12 de Outubro de 1990.
Publique-se.O Presidente da República, Mário SOARES.
Referendado em 17 de Outubro de 1990.
O Primeiro-Ministro, Aníbal António Cavaco Silva.