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Acórdão 539/2015, de 19 de Novembro

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Sumário

Não julga inconstitucionais as normas constantes do artigo 9.º do Decreto-Lei n.º 119/2012, de 15 de junho, e dos artigos 3.º e 4.º da Portaria n.º 215/2012, de 17 de julho, que regulamenta a Taxa de Segurança Alimentar Mais

Texto do documento

Acórdão 539/2015

Processo 27/15

Plenário

Relator: Conselheiro João Cura Mariano

(Conselheiro Carlos Fernandes Cadilha)

Acordam, em Plenário, no Tribunal Constitucional

Relatório

O Tribunal Administrativo e Fiscal de Loulé, por sentença de 16 de dezembro de 2014 proferida em ação de impugnação judicial que Supertomar - Supermercados, Lda. deduziu contra o ato de liquidação da taxa de segurança alimentar mais, recusou a aplicação da norma do artigo 9.º do Decreto-Lei 119/2012, de 15 de junho, que criou a taxa de segurança alimentar mais, bem como das normas dos artigos 3.º e 4.º da Portaria 215/2012, de 17 de julho, que definem o respetivo âmbito de isenção e o valor da taxa aplicável, com fundamento na sua inconstitucionalidade orgânica, por considerar que tais normas proveem de diploma não autorizado do Governo e criam uma contribuição especial a favor de entidades públicas sem que se encontre previamente estabelecido o correspondente regime geral previsto no artigo 165.º, n.º 1, alínea i), da Constituição.

O Magistrado do Ministério Público interpôs recurso obrigatório para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do disposto no artigo 70.º, n.º 1, alínea a), da Lei do Tribunal Constitucional, com fundamento na recusa de aplicação daquelas normas.

Tendo o processo prosseguido para alegações, o Ministério Público apresentou alegações em que conclui pela conformidade constitucional das normas em causa, com base, em síntese, nas seguintes ordens de considerações:

a) Através da taxa de segurança alimentar mais pretendeu-se assegurar uma «responsabilidade partilhada na garantia da segurança entre os referidos operadores económicos e o Estado, através dos seus serviços oficiais, o qual contribui decisivamente para o cumprimento das rigorosas regras europeias em matéria de qualidade alimentar, conferindo às exportações nacionais adicionais condições de sucesso nos competitivos mercados internacionais».

b) Uma tal «responsabilidade partilhada» implica que, para além de «produtores pecuários e os estabelecimentos que laboram produtos de origem animal», bem como de «produtores, distribuidores e comerciantes», se estenda «a todos os operadores da cadeia alimentar a responsabilidade pelo referido financiamento, através de uma contribuição financeira obrigatória que assegure a equitativa repartição dos custos dos programas de controlo, na medida em que todos são destes beneficiários.

c) Uma tal preocupação, de justa repartição de custos pelos beneficiários do exigente trabalho desenvolvido em matéria de qualidade alimentar, assegura-se, pois, compreensivelmente, através do respeito do princípio do «utilizador pagador», uma vez que a contribuição é exigida a todos aqueles que usufruem dos serviços ou sistemas, à qual corresponderá a atribuição de um dístico comprovativo».

d) Mesmo que, porém, se não entenda estarmos perante uma verdadeira taxa, no caso dos autos, estaremos, seguramente, perante uma contribuição financeira, ou seja, um tributo parafiscal, subtraído, porém, tal como a taxa, ao princípio da reserva de lei formal.

e) A circunstância de não existir um regime geral para as contribuições financeiras não obsta a que o Governo, no uso das competências que lhe são conferidas pelo artigo 198.º da Constituição, as possa criar.

f) De facto, não se compreenderia que essa falta impedisse o Governo de prover rapidamente às inúmeras situações com que se depara constantemente para a resolução de assuntos premente e aos quais acorre de formas diversas, sendo que uma delas é através da prestação de serviços distintos, particularizados e que necessitam de ser pagos.

g) No entanto, só através de uma entorse ao disposto no artigo 165.º n.º 1 alínea i) da CRP, é que poderemos separar as taxas das contribuições em ordem a exigir, para estas, aquilo que se não exige àquelas e, sobretudo, em ordem a exigir que se imponha uma reserva de competência legislativa onde ela não existe e, expressamente, não foi querida.

h) Entendemos, pois, que a criação de contribuições pode, ainda que não exista o respetivo regime geral, ser realizada pelo Governo através de ato legislativo próprio, como foi o caso da TSAM.

i) O decreto-lei 119/2012 não é, pois, organicamente inconstitucional.

A Recorrida contra-alegou, concluindo do seguinte modo:

A. A TSAM não cabe na noção de taxa: não existe no seu funcionamento qualquer vantagem específica direta para os próprios sujeitos passivos, de modo a poder concluir-se pela existência de uma relação de correspectividade ou sinalagmaticidade entre eles e o serviço público prestado.

B. Muito pelo contrário, os beneficiários diretos são os bens públicos da confiança de todos na qualidade dos bens alimentares produzidos e distribuídos: só a título meramente reflexo (por serem operadores de um setor cuja credibilidade beneficiará do controlo exercido pelo Estado) podemos dizer que a TSAM beneficia cada um dos operadores que a ela estão sujeitos (os quais, de resto, constituem um grupo bastante restrito do universo de todos os agentes económicos que beneficiam do controlo estatal).

C. Este afastamento da TSAM do conceito de taxa é claramente vincado nas opiniões dos dois jurisconsultos juntas aos autos, quer em primeira instância quer com estas contra-alegações.

D. Ora, uma vez que não é uma verdadeira taxa, a TSAM há de ser dogmaticamente enquadrada ou no campo dos impostos propriamente ditos ou no do tertium genus contribuições financeiras.

E. De um lado, são óbvias as afinidades e contactos do encargo em causa com a noção de imposto: é que, apesar de a sua imposição não vir fundada no dever de contribuição para a atividade estadual em geral, ele constitui, ainda assim, o financiamento de uma atividade do Estado vocacionada para a satisfação de necessidades públicas, assente mais na dimensão de solidariedade própria da figura dos impostos do que em qualquer vínculo de correspectividade específica, característico das taxas, o qual, como se disse, não é neste caso minimamente discernível. É esta, precisamente, a opinião do Prof. Casalta Nabais, no Parecer junto aos autos, incluindo na adenda que acompanha as presentes contra- alegações: em concreto, entende o Autor que a TSAM configura um imposto especial sobre o rendimento das empresas de grande distribuição.

F. Do outro lado, o tributo tem igualmente características que o podem situar no interior do vasto território dogmático intermédio das contribuições financeiras. É como tal que o Prof. Sérgio Vasques vê a TSAM, no seu Parecer.

G. A criação de impostos encontra-se imediatamente sujeita ao princípio da legalidade, no sentido de que cada um deles, e respetivos elementos essenciais, devem ser aprovados por lei da Assembleia da República ou por decreto-lei por esta autorizado [alínea i) do artigo 165.º e n.os 2 e 3 do artigo 103.º da Constituição].

H. Pelo contrário, a concreta criação de taxas e de contribuições financeiras é atualmente efetivável por diploma legislativo governamental não autorizado, desde que isso se faça dentro dos limites e das diretrizes definidas na respetiva lei-quadro competente (em boa verdade, tendo sido definido o regime geral desses tributos, com todas as garantias procedimentais e democráticas de raiz constitucional de que ele foi rodeado, não tem sentido obrigar às mesmas regras os regimes especiais que dele decorrem, assim entorpecendo desnecessariamente o próprio exercício da atividade governativa).

I. No entanto, ainda não se encontra em vigor qualquer regime geral das contribuições financeiras, pelo que a previsão legislativa de um tributo enquadrável nessa categoria (como a Fazenda Pública reconhece que acontece com a TSAM) não pode por enquanto ser aprovada por mero decreto-lei não autorizado, antes exigindo um formalismo legislativo agravado, designadamente, uma lei da Assembleia da República.

J. Portanto, não tendo a TSAM - quer constitua um imposto quer uma contribuição financeira - sido criada por Lei parlamentar ou por decreto-lei autorizado, ela é organicamente inconstitucional (e, nessa medida, ao abrigo da primeira parte do referido n.º 3 do artigo 103.º da Constituição, inexigível).

K. Com efeito, mesmo na hipótese de a TSAM ser, não um imposto propiamente dito, mas, mais precisamente, uma contribuição, a verdade é que não existe ainda o regime geral das contribuições financeiras, pelo que nunca essa qualificação dogmática poderia justificar que a sua criação não ocorresse com a intervenção necessária da Assembleia da República.

L. Sem prescindir, e assumindo que a TSAM é uma contribuição financeira - à semelhança do que entende o Tribunal a quo - e que, nesse caso, a averiguação do respeito se deve fazer de acordo com o princípio da equivalência (concretização do princípio da igualdade - artigo 13.º da Constituição), a inconstitucionalidade da TSAM verifica-se também for via material.

M. Assim é, em primeiro lugar, porque a sua base de incidência subjetiva não atinge todos os contribuintes que supostamente dão causa à atividade pública que a contribuição criada alegadamente se propõe financiar, ou que dessa atividade são potenciais beneficiários.

N. Desde logo, se, de acordo com o Governo, interessa que todos os agentes económicos do setor alimentar contribuam para o financiamento da atividade de segurança alimentar, que a todos beneficia, e se a TSAM, em concreto, foi criada para incluir nesse esforço (todos) os operadores do subsetor da distribuição, então não existe qualquer justificação para que dela estejam isentos os estabelecimentos com uma área inferior a 2000 m2 ou pertencentes a microempresas desde que não pertençam a uma empresa que utilize uma ou mais insígnias, ou a um grupo, que disponham, a nível nacional, de uma área de venda acumulada igual ou superior a 6000 m2.

O. Não é legítimo tamanho afunilamento da base subjetiva: só é possível configurar uma participação equitativa neste concreto encargo público se todos os operadores da cadeia do setor alimentar - e não só os distribuidores retalhistas de grande dimensão ou que usem uma insígnia comum de implantação nacional - forem enquadrados nessa obrigação de participação.

P. Por outro lado, para além da discriminação inexplicada entre os operadores da distribuição retalhista e os restantes, o regime da TSAM viola ainda o princípio da equivalência, na dimensão da escolha da base de incidência subjetiva, quando estatui que aquela se aplica apenas a algumas empresas de comércio alimentar a retalho: por exemplo, a natureza proporcional do tributo não implica que uma empresa com área de venda acumulada de 5500 m2, um supermercado de média dimensão ou um pequeno talho não possam a ele estar também sujeitos.

Q. Assim sendo, para cabal cumprimento dos princípios da igualdade e da equivalência, exigir-se-ia que a TSAM dispusesse de uma base tributável subjetiva bem mais ampla do que a que foi estatuída.

R. As discriminações presentes nas regras de incidência da TSAM significam que o que o legislador quis foi, tão-só, a pura arrecadação de receita, tendo em conta a especial capacidade contributiva de certos operadores do setor da distribuição, e nunca, verdadeiramente, a criação de um tributo pensado exclusivamente como a contraprestação de um serviço público.

S. Por outro lado, quanto à base de tributação objetiva da TSAM, é óbvio que o Governo, ao escolher como base de incidência a área dos estabelecimentos explorados pelos sujeitos passivos, optou por captar a capacidade instalada dos operadores em causa, isto é, a medida em que os estabelecimentos, em função do respetivo tamanho, podem gerar vendas de bens alimentares.

T. Trata-se, como é evidente, de uma base de tributação objetiva absolutamente imprópria dos tributos aos quais preside a ideia de justiça comutativa típica do princípio da equivalência.

U. A TSAM desrespeita o princípio da Igualdade, pois, também por causa da falta de idoneidade do respetivo método de cálculo: a área de venda de um estabelecimento comercial não só não constitui um indicador válido do custo que o estabelecimento gera à administração com o controlo contínuo da segurança dos produtos alimentares ou do benefício que o estabelecimento retira desse trabalho, como conduz a diferenças de tratamento injustificadas e a resultados concretos totalmente díspares e arbitrários, numa afronta clara à referida regra constitucional.

V. Para além disso, a introdução dos coeficientes de ponderação da Portaria 200/2013 veio reforçar a natureza presuntiva da base objetiva da TSAM e, por essa via, a sua natureza enquanto tributo que pretender captar uma ideia presumida de capacidade contributiva.

W. Portanto, mesmo que a qualificação dogmática exata da TSAM não seja a de imposto, dúvidas não restam, ainda assim, que o seu regime inclui elementos - de que a base de tributação objetiva é um exemplo paradigmático - que a aproximam de tal forma da categoria dos impostos (ou seja, que a afastam tanto da ideia de justiça comutativa) que a tomam absolutamente insuscetível de ser considerada uma figura respeitadora do princípio da equivalência.

X. Em conclusão, a TSAM ou, melhor dito, o artigo 9.º do Decreto-Lei 119/2012, de 15 de junho, bem como os artigos 2.º, 3.º e 4.º da Portaria 215/2012, de 17 de julho, e o artigo 1.º da Portaria 200/2013, de 31 de maio, enfermam de inconstitucionalidade material.

Nestes termos, e nos mais de Direito que V. Exas. doutamente suprirão, deve ser negado provimento ao recurso interposto pelo Ministério Público, julgando-se verificada a inconstitucionalidade orgânica e material do regime da Taxa de Segurança Alimentar Mais, designadamente das normas constantes do artigo 9.º do Decreto-Lei 119/2012, de 15 de junho, dos artigos 2.º, 3.º e 4.º da Portaria 2015/2012, de 17 de julho, e do artigo 1.º da Portaria 200/2013, de 31 de maio, pelas razões acima apontadas e outras cuja falta de invocação este Tribunal seguramente suprirá, com as legais consequências."

Por despacho do Presidente do Tribunal Constitucional foi determinada a intervenção do Plenário ao abrigo do disposto no artigo 79.º-A da LTC.

Fundamentação

1 - Da delimitação do objeto do recurso

O Recorrente pediu a fiscalização da constitucionalidade do artigo 9.º do Decreto-Lei 119/2012, de 15 de junho, bem como das normas dos artigos 3.º e 4.º da Portaria 215/2012, de 17 de julho.

A Recorrida nas contra-alegações que apresentou concluiu pela verificação da inconstitucionalidade daquelas normas e ainda das que constam do artigo 2.º da Portaria 215/2012 de 17 de julho e do artigo 1.º da Portaria 200/2013 de 31 de maio.

Nem o Recorrido pode, nas contra-alegações, ampliar o objeto do recurso constitucional; nem a aplicação das normas aditadas por este, relativamente ao requerimento de interposição de recurso apresentado pelo Ministério Público, foi recusada pela decisão recorrida, pelo que também por esse motivo não podia o Tribunal Constitucional apurar da sua constitucionalidade no âmbito de um recurso interposto ao abrigo da alínea a), do n.º 1, do artigo 70.º, da LTC.

Assim, apenas serão objeto de julgamento as normas constantes do artigo 9.º do Decreto-Lei 119/2012, de 15 de junho, bem como das normas constantes dos artigos 3.º e 4.º da Portaria 215/2012, de 17 de julho.

2 - Da alegada inconstitucionalidade orgânica

O presente recurso vem interposto da sentença de primeira instância que, em processo de impugnação judicial de ato liquidação, recusou a aplicação da norma do artigo 9.º do Decreto-Lei 119/2012, de 15 de junho, que criou a "taxa de segurança alimentar mais", e das normas dos artigos 3.º e 4.º da Portaria 215/2012, de 17 de julho, que regulamentam, respetivamente, o regime de isenção e o valor daquela taxa para o ano de 2013.

O julgamento de inconstitucionalidade que conduziu à recusa de aplicação das normas resultou de a referida "taxa de segurança alimentar mais" ter sido caracterizada, não obstante o seu nomen juris, como uma contribuição financeira a favor de entidade pública e de ter sido criada por decreto-lei não autorizado, quando ainda não se encontra definido por lei parlamentar o regime geral das contribuições financeiras que, nos termos do artigo 165.º, n.º 1, alínea i), da Constituição, constitui reserva de competência legislativa da Assembleia da República.

O Decreto-Lei 119/2012, de 15 de junho, cria, no âmbito do Ministério da Agricultura, do Mar, do Ambiente e do Ordenamento do Território, o Fundo Sanitário e de Segurança Alimentar Mais que é definido como «um património autónomo, sem personalidade jurídica e dotado de autonomia administrativa e financeira» cuja direção compete, por inerência, ao diretor-geral de Alimentação e Veterinária, coadjuvado pelo diretor da unidade orgânica com competência em matéria financeira da DGAV (artigos 2.º e 6.º).

Os objetivos do Fundo enquadram-se na proteção da segurança alimentar e da saúde do consumidor e no cumprimento das normas europeias em matéria de qualidade alimentar, nomeadamente: (a) financiar os custos de execução dos controlos oficiais no âmbito da segurança alimentar, proteção animal e sanidade animal, proteção vegetal e fitossanidade; (b) apoiar a prevenção e erradicação das doenças dos animais e das plantas, bem como das infestações por parasitas, designadamente com controlos sanitários, testes e outras medidas de rastreio, compra e administração de vacinas, de medicamentos e de produtos fitofarmacêuticos, abate e destruição de animais e destruição de culturas; (c) apoiar a preservação do património genético ou em matéria de encefalopatias espongiformes transmissíveis; e (d) incentivar o desenvolvimento da qualidade dos produtos agrícolas (artigo 3.º).

A atividade do Fundo consubstancia-se na concessão de apoios financeiros a projetos, iniciativas e ações que visem a prossecução dos objetivos acima referidos, sendo seus potenciais beneficiários, nos termos dos artigos 7.º e 8.º, n.º 1, do Regulamento de Gestão do Fundo Sanitário e de Segurança Alimentar Mais, aprovado pela Portaria 214/2012 de 17 de junho:

a) a DGAV;

b) outros serviços e organismos do Ministério da Agricultura, do Mar, do Ambiente e do Ordenamento do Território;

c) demais entidades públicas, compreendendo os serviços e organismos da administração direta e indireta do Estado, as autarquias locais e as empresas do setor empresarial do Estado.

São receitas do Fundo, entre outras que se encontram discriminadas no artigo 4.º do Decreto-Lei 119/2012, de 15 de junho, o produto da "taxa de segurança alimentar mais", que está regulada no artigo 9.º do mesmo diploma nos seguintes termos:

Artigo 9.º

Taxa de segurança alimentar mais

1 - Como contrapartida da garantia de segurança e qualidade alimentar é devido o pagamento, pelos estabelecimentos de comércio alimentar de produtos de origem animal e vegetal, frescos ou congelados, transformados ou crus, a granel ou pré -embalados, de uma taxa anual, cujo valor é fixado entre (euro) 5 e (euro) 8 por metro quadrado de área de venda do estabelecimento, por portaria dos membros do Governo responsáveis pelas áreas das finanças e da agricultura.

2 - Estão isentos do pagamento da taxa a que se refere o número anterior os estabelecimentos com uma área de venda inferior a 2000 m2 ou pertencentes a microempresas desde que:

a) Não pertençam a uma empresa que utilize uma ou mais insígnias e que disponha, a nível nacional, de uma área de venda acumulada igual ou superior a 6000 m2;

b) Não estejam integrados num grupo que disponha, a nível nacional, de uma área de venda acumulada igual ou superior a 6000 m2.

3 - Para efeitos do presente diploma, entende-se por «estabelecimento de comércio alimentar» o local no qual se exerce uma atividade de comércio alimentar a retalho, incluindo os estabelecimentos de comércio misto, tal como definidos na alínea l) do artigo 4.º do Decreto-Lei 21/2009, de 19 de janeiro.

Como resulta da respetiva nota preambular, a aprovação do Decreto-Lei 119/2012, de 15 de junho, insere-se numa política de proteção da cadeia alimentar e da saúde dos consumidores e assenta num princípio da responsabilização de todos os agentes económicos intervenientes em matéria de segurança e qualidade alimentar, em aplicação de normas de direito europeu que consagram a «obrigação de financiamento dos custos referentes à execução dos controlos oficiais por parte dos Estados membros, conferindo a estes a possibilidade de obterem os meios financeiros adequados através da tributação geral ou da criação de taxas ou contribuições especiais a suportar pelos operadores».

Ainda segundo o preâmbulo do diploma sob análise, tendo em conta que se encontram já instituídas diversas taxas destinadas a suportar financeiramente os atos de verificação e controlo que incidem quer sobre produtores pecuários e estabelecimentos que laboram produtos de origem animal e também, em geral, sobre os produtores, distribuidores e comerciantes, o diploma, mediante a criação da "taxa de segurança alimentar mais", pretende «estender a todos os operadores da cadeia alimentar a responsabilidade pelo referido financiamento, através de uma contribuição financeira obrigatória que assegure a equitativa repartição dos custos dos programas de controlo, na medida em que todos são destes beneficiários».

Tal como resulta do transcrito artigo 9.º do Decreto-Lei 119/2012, de 15 de junho, a "taxa de segurança alimentar mais", cujo valor para 2013 foi definido pelo artigo 4.º da Portaria 215/2012 de 17 de julho, é tida como contrapartida da garantia de segurança e qualidade alimentar e o seu pagamento incide sobre titulares de estabelecimentos de comércio alimentar de produtos de origem animal e vegetal por aplicação de um valor unitário em função da área do estabelecimento, mas com exclusão dos estabelecimentos com área inferior a 2000 m2 ou pertencentes a microempresas que preencham as condições previstas nas alíneas a) e b), do n.º 2, desse artigo, e regulamentadas no artigo 3.º da Portaria 2015/2012, de 17 de julho.

Como o Tribunal tem sublinhado noutras ocasiões, a caracterização de um tributo, quando releve para efeito da determinação das regras aplicáveis de competência legislativa, há de resultar do regime jurídico concreto que se encontre legalmente definido, tornando-se irrelevante o nomen juris atribuído pelo legislador ou a qualificação expressa do tributo como constituindo uma contrapartida de uma prestação provocada ou utilizada pelo sujeito passivo (cf., entre outros, o Acórdão 365/08, acessível em www.tribunalconstitucional.pt, tal como os restantes acórdãos do Tribunal Constitucional que adiante se referem).

No caso presente, com a instituição da "taxa de segurança alimentar mais" pretende-se uma participação dos titulares de estabelecimentos de comércio alimentar de produtos de origem animal e vegetal no financiamento dos custos dos programas oficiais de controlo de segurança e qualidade alimentar desenvolvidos por diversas entidades públicas, no quadro geral de proteção da cadeia alimentar e da saúde dos consumidores.

Apesar dos principais beneficiários das atividades que incumbe ao Fundo Sanitário de Segurança Alimentar Mais financiar, serem os consumidores em geral, não deixa também de aproveitar aos titulares de estabelecimentos de comércio alimentar de produtos de origem animal e vegetal, uma vez que tais atividades contribuem para o cumprimento do dever que sobre eles incide de garantir que os géneros alimentícios que comercializam preencham os requisitos legais, acabando por se projetar positivamente na fiabilidade dos produtos colocados no mercado e na atividade económica dos distribuidores finais que veem dessa forma complementado o próprio sistema interno de controlo.

É conhecida e tem sido frequentemente sublinhada, mesmo na jurisprudência constitucional, a distinção entre taxa e imposto.

O imposto constitui uma prestação pecuniária, coativa e unilateral, exigida com o propósito de angariação de receitas que se destinam à satisfação das necessidades financeiras do Estado e de outras entidades públicas, e que, por isso, tem apenas a contrapartida genérica do funcionamento dos serviços estaduais. O que permite compreender que os impostos assentem essencialmente na capacidade contributiva dos sujeitos passivos, revelada através do rendimento ou da sua utilização e do património (artigo 4.º, n.º 1, da Lei Geral Tributária). A taxa constitui uma prestação pecuniária e coativa, exigida por uma entidade pública, em contrapartida de prestação administrativa efetivamente provocada ou aproveitada pelo sujeito passivo, assumindo uma natureza sinalagmática. A taxa pressupõe a realização de uma contraprestação específica resultante de uma relação concreta entre o contribuinte e a Administração e que poderá traduzir-se na prestação de um serviço público, na utilização de um bem do domínio público ou na remoção de um obstáculo jurídico ao comportamento dos particulares (artigo 4.º, n.º 2, da Lei Geral Tributária).

A taxa tem igualmente a finalidade de angariação de receita. Mas enquanto que nos impostos esse propósito fiscal está dissociado de qualquer prestação pública, na medida em que as receitas se destinam a prover indistintamente às necessidades financeiras da comunidade, em cumprimento de um dever geral de solidariedade, nas taxas surge relacionado com a compensação de um custo ou valor das prestações de que o sujeito passivo é causador ou beneficiário. Assim, «a bilateralidade das taxas não passa apenas pelo seu pressuposto, constituído por dada prestação administrativa, mas também pela sua finalidade, que consiste na compensação dessa mesma prestação. Se a taxa constitui um tributo comutativo não é simplesmente porque seja exigida pela ocasião de uma prestação pública mas porque é exigida em função dessa prestação, dando corpo a uma relação de troca com o contribuinte» (Sérgio Vasques, em "Manual de Direito Fiscal", pág. 207, ed. de 2011, Almedina)

Entretanto, a revisão constitucional de 1997, introduziu, a propósito da delimitação da reserva parlamentar, a categoria tributária das contribuições financeiras a favor das entidades públicas, dando cobertura constitucional a um conjunto de tributos parafiscais que se situam num ponto intermédio entre a taxa e o imposto (artigo 165.º, n.º 1, alínea i)). As contribuições financeiras constituem um tertium genus de receitas fiscais, que poderão ser qualificadas como taxas coletivas, na medida em que compartilham em parte da natureza dos impostos (porque não têm necessariamente uma contrapartida individualizada para cada contribuinte) e em parte da natureza das taxas (porque visam retribuir o serviço prestado por uma instituição pública a certo círculo ou certa categoria de pessoas ou entidades que beneficiam coletivamente de um atividade administrativa) (Gomes Canotilho/Vital Moreira, em "Constituição da República Portuguesa Anotada," I vol., pág. 1095, 4.ª ed., Coimbra Editora).

As contribuições distinguem-se especialmente das taxas porque não se dirigem à compensação de prestações efetivamente provocadas ou aproveitadas pelo sujeito passivo, mas à compensação de prestações que apenas presumivelmente são provocadas ou aproveitadas pelo sujeito passivo, correspondendo a uma relação de bilateralidade genérica. Preenchem esse requisito as situações em que a prestação poderá beneficiar potencialmente um grupo homogéneo ou um conjunto diferenciável de destinatários e aquelas em que a responsabilidade pelo financiamento de uma tarefa administrativa é imputável a um determinado grupo que mantém alguma proximidade com as finalidades que através dessa atividade se pretendem atingir (sobre estes aspetos, Sérgio Vasques, ob. cit., pág. 221, e Suzana Tavares da Silva, em "As taxas e a coerência do sistema tributário", pág. 89-91, 2.ª edição, Coimbra Editora).

Por via da nova redação dada à norma do artigo 165.º, n.º 1, alínea i), a Constituição autonomizou uma terceira categoria de tributos, para efeitos de reserva de lei parlamentar, relativizando as diferenças entre os tributos unilaterais e os tributos comutativos e obrigando a uma reformulação da discussão sobre a exigência da reserva de lei, relativamente às contribuições especiais que não se pudessem enquadrar no preciso conceito de taxa.

Como sublinha Cardoso da Costa, a este propósito, por via dessa autonomização, o teste da bilateralidade, no sentido preciso que lhe era atribuído como característica essencial do conceito de taxa, deixou de poder ser sempre decisivo para resolver os casos duvidosos ou ambíguos quanto à natureza do tributo; e deixou de poder manter-se, também, a orientação jurisprudencial que tendia a qualificar como imposto, mormente para efeito da aplicação do correspondente regime de reserva parlamentar, as receitas parafiscais que não pudessem ser qualificadas tipicamente como taxas (em "Sobre o Princípio da Legalidade das Taxas e das demais Contribuições Financeiras, in «Estudos em Homenagem ao Professor Doutor Marcelo Caetano», vol. I, pág. 806-807, ed. de 2006, Coimbra Editora; sobre a jurisprudência mencionada, cf. o acórdão do o Tribunal Constitucional n.º 152/2013).

No caso vertente, poderá afirmar-se que a "taxa de segurança alimentar mais" não constitui uma verdadeira taxa porque não incide sobre uma qualquer prestação administrativa de que o sujeito passivo seja efetivo causador ou beneficiário, sendo antes tida como contrapartida de todo um conjunto de atividades levadas a cabo por diversas entidades públicas que visam garantir a segurança e qualidade alimentar. E também porque o facto gerador do tributo não é a prestação individualizada de um serviço público mas a mera titularidade de um estabelecimento de comércio alimentar, sendo o valor da taxa calculado, com base na área de venda do estabelecimento e não com base no custo ou encargo que a atividade de controlo da segurança e qualidade alimentar poderia gerar.

Mas a "taxa de segurança alimentar mais" não pode também ser qualificada como um imposto porque a sua finalidade não é satisfazer os gastos gerais da comunidade, em cumprimento de um dever geral de cidadania, mas unicamente contribuir para o financiamento de uma atividade continuada de controlo e fiscalização da cadeia alimentar mediante a consignação das receitas a um Fundo que tem a missão específica de apoiar financeiramente projetos, iniciativas e ações a desenvolver nessa área.

Na verdade, como resulta do disposto no artigo 9.º do Decreto-Lei 119/2012, de 15 de junho, a "taxa" de segurança alimentar mais" é precisamente uma contribuição para o financiamento da atividade de garantia de segurança e qualidade alimentar. É uma comparticipação nas receitas de um fundo destinado a financiar projetos, iniciativas e ações desenvolvidos pelas entidades que operam nesse mercado.

Não estamos, pois, no seu aspeto dominante, perante uma participação nos gastos gerais da comunidade, em cumprimento de um dever fundamental de cidadania, nem perante a retribuição de um serviço concretamente prestado por uma entidade pública ao sujeito passivo, pelo que a referida "taxa" não se pode qualificar nem como imposto, nem como uma verdadeira taxa, sendo tal tributo antes qualificável como contribuição financeira.

E não obsta a essa qualificação o facto de o Fundo Sanitário e de Segurança Alimentar Mais, a favor do qual reverte o produto da "taxa de segurança alimentar mais", não dispor de personalidade jurídica. A contribuição a que alude o artigo 165.º, n.º 1, alínea i), é designada como uma contribuição financeira a favor de entidade pública e, enquanto categoria tributária autónoma, o que a distingue dos impostos é que se destina, não a financiar as despesas públicas em geral, mas a financiar despesas associadas a certos serviços públicos, por cuja execução são diretamente responsáveis determinadas entidades públicas. Trata-se, por isso, de contribuições que se destinam a retribuir serviços prestados por uma entidade pública e que não se inserem no objetivo estritamente financeiro do sistema fiscal, que se dirige antes à obtenção de receitas para cobrir despesas gerais do Estado e de outras pessoas coletivas territoriais (regiões autónomas e autarquias locais).

Desse ponto de vista o que interessa considerar é o grau de autonomia da entidade que presta o serviço público e à qual se encontra consignada a receita resultante da contribuição financeira, de modo a poder afirmar-se que a receita não será canalizada para a administração geral do Estado ou de outras pessoas coletivas territoriais (dando relevo a este aspeto como um critério decisivo de aferição da independência da entidade administrativa, o acórdão do Tribunal Constitucional n.º 613/2008). Ora, o Fundo, ainda que não disponha de personalidade jurídica e se encontre, como tal, inserido na orgânica da Administração Central do Estado, é tido como um «património autónomo», dotado de «autonomia administrativa e financeira» (artigo 2.º), e com atribuições específicas na área da segurança alimentar e da saúde dos consumidores (artigo 3.º), e cujas despesas são as «resultantes dos encargos e responsabilidades decorrentes da prossecução das suas atividades» (artigo 5.º). A competência do diretor-geral de Alimentação e Veterinária, enquanto seu responsável máximo, é a de «gerir as receitas do Fundo, aplicando-as aos respetivos encargos» (artigo 6.º, n.º 3, alínea a)).

É assim claro que o produto da "taxa de segurança alimentar mais", enquanto receita do Fundo, está consignado à satisfação das despesas inerentes ao serviço público que essa entidade desenvolve no âmbito das respetivas atribuições e não poderá ser desviada para o financiamento de despesas públicas gerais. Por outro lado, o Fundo é caracterizadamente uma entidade pública infraestadual, na medida em que é definido como um património autónomo que dispõe de autonomia administrativa e financeira, o que significa que, não só pode praticar atos administrativos em matéria de administração financeira, como possui competência para utilizar formas próprias de execução e controlo de perceção das receitas e realização de despesas, o que leva a concluir que tem uma administração financeira própria e distinta da administração financeira do Estado (sobre todos estes aspetos, Sousa Franco, "Finanças Públicas e Direito Financeiro", vol. I, pág. 152 e seg., 4.ª edição, Almedina).

É quanto basta para considerar que a "taxa de segurança alimentar mais", sendo uma contribuição especial não subsumível ao conceito de imposto ou taxa é também uma contribuição que reverte a favor de entidade pública e se enquadra na categoria de contribuição financeira a que se refere o artigo 165.º, n.º 1, alínea i), da Constituição.

A questão que por fim se coloca é a de saber se uma contribuição financeira como aquela que se encontra prevista no artigo 9.º do Decreto-Lei 119/2012, de 15 de junho, pode ser criada por diploma do Governo sem autorização legislativa.

Seguindo de perto o relato histórico feito no anterior acórdão deste Tribunal com o n.º 365/2008, a criação de impostos foi na nossa história constitucional, apesar das incertezas manifestadas entre 1945 e 1971, após o esvaziamento da competência legislativa da Assembleia Nacional resultante da Revisão Constitucional de 1945, matéria sempre reservada à aprovação parlamentar (sobre a evolução desta competência legislativa, vide Jorge Miranda, em "A competência legislativa no domínio dos impostos e as chamadas receitas parafiscais", na R.F.D.U.L., vol. XXIX (1988), pág. 9 e segs. e Ana Paula Dourado, em "O princípio da legalidade fiscal: tipicidade, conceitos jurídicos indeterminados e margem de livre apreciação", pág. 50 e segs., ed. 2007, Almedina).

A fidelidade a esta exigência não deixa de ter justificação no princípio dos ideais liberais "no taxation without representation", correspondente à ideia de que, sendo o imposto um confisco da riqueza privada, a sua legitimidade tem de resultar duma aprovação dos representantes diretos do povo, numa lógica de autotributação, a qual permitirá a escolha de tributos bem acolhidos pelos contribuintes e, por isso, eficazes (sobre uma mais aprofundada justificação da reserva de lei fiscal, vide Ana Paula Dourado, na ob. cit., pág. 75-84).

Foi esta a opção da Constituição de 1976, que deixou de fora desta exigência as taxas (sobre esta opção, vide o Parecer da Comissão Constitucional n.º 30/81, in Pareceres da Comissão Constitucional, 17.º volume, pág. 91, da ed. da INCM, o Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 205/87, e Casalta Nabais, em "Jurisprudência do Tribunal Constitucional em matéria fiscal", no B.F.D.U.C. n.º 69 (1993), págs. 407-408).

Os termos do texto constitucional, antes da Revisão operada em 1997, suscitavam uma representação dicotómica dos tributos, pelo que a doutrina e a jurisprudência procuravam equiparar os apelidados tributos parafiscais à categoria dos impostos, ou das taxas, para concluírem se a sua criação estava ou não sujeita ao princípio da reserva de lei parlamentar. No que respeita às contribuições cobradas para a cobertura das despesas de pessoas coletivas públicas não territoriais, assumia algum relevo a posição de as incluir na categoria dos impostos, exigindo que a sua previsão constasse de lei aprovada pela Assembleia da República (vide, neste sentido, Alberto Xavier, em "Manual de direito fiscal", vol. I, pág. 73-75, da ed. de 1974, Jorge Miranda, na ob. cit., pág. 22-24, e o Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 1239/96, relativo à taxa devida à Comissão Reguladora de Produtos Químicos e Farmacêuticos). Esta qualificação visava combater o objetivo da subtração destas receitas ao regime clássico da legalidade tributária e do orçamento do Estado, considerado um "perigoso aventureirismo fiscal".

Contudo, a alteração introduzida na redação da alínea i), do n.º 1, do artigo 165.º, da Constituição (anterior alínea i), do n.º 1, do artigo 168.º), pela Revisão Constitucional de 1997, veio obrigar a uma reformulação dos pressupostos da discussão sobre a existência de uma reserva de lei formal em matéria de contribuições cobradas para a cobertura das despesas de pessoas coletivas públicas não territoriais.

Onde anteriormente o artigo 168.º, n.º 1, i), da Constituição dizia que "é da exclusiva competência da Assembleia da República legislar sobre as seguintes matérias, salvo autorização ao Governo: [...] i) Criação de impostos e sistema fiscal [...]", passou a constar que "é da exclusiva competência da Assembleia da República legislar sobre as seguintes matérias, salvo autorização ao Governo: [...] i) Criação de impostos e sistema fiscal e regime geral das taxas e demais contribuições financeiras a favor das entidades públicas [...].

Para efeitos de submissão dos diversos tipos de tributo ao princípio da reserva de lei formal a nova redação do artigo 165.º, n.º 1, alínea i), da Constituição, autonomizou a categoria das "contribuições financeiras", ao lado dos impostos e das taxas, como já acima se referiu.

O artigo 165.º, n.º 1, alínea i), da Constituição, passou a fazer depender da reserva relativa de competência legislativa da Assembleia da República, a «criação de impostos e sistema fiscal e regime geral das taxas e demais contribuições financeiras a favor do Estado». Configuram-se assim dois tipos de reserva parlamentar: um relativo aos impostos, que abrange todos os seus elementos essenciais, incluindo a incidência, a taxa, os benefícios fiscais e as garantias dos contribuintes (artigo 103.º), outro restrito ao regime geral, que é aplicável às taxas e às contribuições financeiras, e relativamente às quais apenas se exige que o parlamento legisle ou autorize o governo a legislar sobre as regras e princípios gerais e, portanto, sobre um conjunto de diretrizes orientadoras da disciplina desses tributos que possa corresponder a um regime comum.

Com esta alteração deixou de fazer qualquer sentido equiparar a figura das contribuições financeiras aos impostos para efeitos de considerá-las sujeitas à reserva da lei parlamentar, passando o regime destas a estar equiparado aos das taxas.

O princípio da legalidade, relativamente às contribuições financeiras, tal como o das taxas, apenas exige que o parlamento legisle ou autorize o governo a legislar sobre as regras e princípios gerais comuns às diferentes contribuições financeiras, não necessitando de uma intervenção ou autorização parlamentar para a sua criação individualizada, enquanto que, relativamente a cada imposto, continua a exigir-se essa intervenção qualificada, a qual deve determinar a sua incidência, a sua taxa, os benefícios fiscais e as garantias dos contribuintes.

Aquele regime geral das contribuições financeiras, cuja definição compete à Assembleia da República, deve conter os seus princípios estruturantes, bem como as regras elementares respeitantes aos seus elementos essenciais comuns, sendo certo que é difícil imaginar que se consigam subordinar a um mesmo quadro normativo figuras tão diferentes quanto aquelas que se podem abrigar neste novo conceito intermédio. Daí que se preveja, pelo menos, a necessidade de elaborar diferentes regimes gerais para cada um dos tipos destas múltiplas figuras tributárias (vide, neste sentido, Sérgio Vasques, em "As taxas de regulação económica em Portugal: uma introdução", em "As taxas de regulação económica em Portugal", pág. 38, da ed. de 2008, da Almedina).

Sucede, porém, que perto de atingirmos duas décadas após esta alteração do texto constitucional, ainda não foi aprovado qualquer regime geral das contribuições financeiras, facto a que não serão alheias as mencionadas dificuldades de estabelecer um regime unificado, assim como uma crescente intervenção do direito comunitário neste domínio (vide, neste sentido, Sérgio Vasques, na ob. cit., pág. 39-40).

Esta inércia legislativa tem suscitado algumas dúvidas sobre a validade das contribuições financeiras entretanto criadas por ato legislativo do Governo sem a existência do enquadramento geral previsto no artigo 165.º, n.º 1, i), da Constituição.

Enquanto Gomes Canotilho e Vital Moreira, se limitam a qualificar essas dúvidas como "sérias" (na ob. cit., pág. 1096), Sérgio Vasques considera que "até à edição de um regime geral que enquadre estas figuras tributárias, quando quer que ela suceda, dever-se-á continuar a subordinar a criação e disciplina das taxas de regulação económica a intervenção parlamentar e a censurar como organicamente inconstitucionais aquelas que o sejam por decreto-lei simples" (na ob. cit., pág. 40; no mesmo sentido Suzana Tavares da Silva, ob. cit., págs. 22), entendendo Cardoso da Costa que "seria de todo inaceitável atribuir à introdução da reserva parlamentar em apreço [...] seja o efeito, seja o propósito, de paralisar ou bloquear a autonomia da ação governamental num domínio que afinal lhe é próprio, tornando-a dependente em toda a medida de uma intervenção parlamentar prévia: tal não seria compatível com a dinâmica e as necessidades da vida do Estado." (na ob. cit., pág. 803).

O Tribunal Constitucional até este momento, nos casos que foram sujeitos à sua apreciação, não sentiu necessidade de tomar uma posição decisiva nesta polémica, uma vez que sempre descortinou na criação dos tributos sujeitos à sua fiscalização uma intervenção parlamentar suficiente, o que esvaziou o problema da eventual existência de uma reserva integral da Assembleia da República nesta matéria até à aprovação de um regime geral das contribuições financeiras.

Assim, nos acórdãos n.º 365/2008 e 613/2008, que se pronunciaram sobre a constitucionalidade da taxa de regulação e supervisão pela Entidade Reguladora para a Comunicação Social, e no Acórdão 152/2013, que abordou a constitucionalidade da taxa de utilização do espectro radioelétrico, constatou-se a existência de normação primária constante de lei parlamentar que previa e regulava especialmente, em cada caso, os elementos essenciais da contribuição financeira em causa, tendo-se entendido que, por essa forma, se tinham atingido os objetivos visados com a exigência do regime geral a que se refere o artigo 165.º, n.º 1, alínea i), da Constituição.

E no Acórdão 80/2014 que se pronunciou sobre a constitucionalidade das penalizações por emissões excedentárias de dióxido de carbono, apesar de se verificar que a Assembleia da República não tinha, relativamente a este tributo, procedido a uma prévia definição dos princípios e das regras elementares respeitantes aos seus elementos essenciais, como havia ocorrido nas situações paralelas anteriormente objeto de análise pelo Tribunal Constitucional, a mesma não deixou de incumbir expressamente o Governo de recorrer a instrumentos de política ambiental, onde se incluía a possibilidade de criar tributos com as características da "penalização" em causa, tendo-se considerado essa autorização genérica suficientemente habilitante de uma intervenção legislativa do Governo na matéria. Além disso também se atendeu a que, inserindo-se a previsão legislativa daquela "penalização" em diploma que transpunha diretiva europeia de tal modo precisa, clara e incondicional, que não deixava ao Estado Português qualquer margem de apreciação, um eventual regime geral aprovado pela Assembleia da República não seria suscetível de interferir nas opções do legislador, pelo que a sua inexistência não justificava que, relativamente à contribuição em apreciação, fosse exigível a intervenção da Assembleia da República na definição dos seus elementos essenciais.

Já, relativamente à "taxa de segurança alimentar mais" não se descortina qualquer intervenção da Assembleia da República que habilitasse minimamente o Governo a proceder à sua criação, nem a mesma resulta de uma imposição específica de legislação europeia, pelo que há que determinar quais são as consequências ao nível da reserva parlamentar da ausência de um regime geral das contribuições financeiras.

A revisão constitucional de 1997 ao prever a figura das contribuições financeiras como tributo, para efeitos de definição da competência legislativa, equiparou-a às taxas e distinguiu-a dos impostos. Enquanto a criação destes se manteve na reserva relativa da Assembleia da República, relativamente às taxas e às contribuições financeiras aí se incluiu apenas a previsão de um regime geral, ficando excluída da reserva parlamentar a criação individualizada quer de taxas quer de contribuições financeiras. E a aprovação desse regime geral não surge como ato-condição ou pressuposto necessário da criação individualizada desses tributos (Cf. Blanco de Morais, em "Curso de direito constitucional", Tomo I, pág. 273, nota 400, ed. 2008, da Coimbra Editora), não havendo razões para que se considere que a atribuição reservada daquela competência pelo legislador constitucional tenha procurado refletir uma aplicação mais rarefeita do princípio matriz do parlamentarismo "no taxation without representation".

A opção constitucional por uma reserva parlamentar diferenciada entre impostos, por um lado, e taxas e contribuições por outro lado, teve em consideração a ausência de qualquer bilateralidade de prestações nos primeiros, não tendo o legislador constitucional relevado como fator merecedor de uma distinção em matéria competencial o facto de nas contribuições financeiras essa bilateralidade se apresentar muitas vezes como potencial e/ou difusa.

Se a jurisprudência constitucional anteriormente à Revisão de 1997, perante a ausência de previsão na Constituição dos tributos parafiscais, por cautela, preferiu equiparar as contribuições financeiras aos impostos, relevando aquela característica, outra foi a opção do legislador constituinte de 1997 que entendeu preferível tratar do mesmo modo as contribuições financeiras e as taxas, diferenciando estes dois tributos dos impostos, em matéria de reserva parlamentar.

Não sendo a existência de um regime geral pressuposto necessário da criação de taxas, nem de contribuições financeiras, não tem qualquer suporte no texto constitucional, na ausência daquele regime, estender-se a competência reservada da Assembleia da República ao ato de aprovação de contribuições financeiras individualizadas, criando-se assim uma reserva integral de regime onde esta não existe. Como afirmaram Alexandre Sousa Pinheiro e Mário João de Brito Fernandes, "na ausência de regime geral não pode o intérprete subverter a vontade do legislador (constituinte ordinário) criando uma reserva integral" (In "Comentário à IV Revisão Constitucional, pág. 417, ed. de 1999, da AAFDL).

O Tribunal Constitucional logo extraiu estas conclusões relativamente à aprovação de taxas individualizadas por ato legislativo do Governo não autorizado, sem que a Assembleia houvesse aprovado um regime geral das taxas (Acórdãos n.º 38/2000 e 333/2001), não havendo razões para que, relativamente à criação de contribuições financeiras, se estabeleça uma solução diversa, efetuando uma distinção onde o texto constitucional não distingue.

Assim, a ausência da aprovação de um regime geral das contribuições financeiras pela Assembleia da República não pode impedir o Governo de aprovar a criação de contribuições financeiras individualizadas no exercício de uma competência concorrente, sem prejuízo da Assembleia sempre poder revogar, alterar ou suspender o respetivo diploma, no exercício dos seus poderes constitucionais.

Por estas razões conclui-se que o artigo 9.º do Decreto-Lei 119/2012, de 15 de junho, não viola a reserva relativa de competência legislativa da Assembleia da República estabelecida no artigo 165.º, n.º 1, i), da Constituição.

3 - Da alegada inconstitucionalidade material

A recorrida, que nas suas contra-alegações defendeu a manutenção da decisão recorrida, invocou também a inconstitucionalidade material das normas que são objeto do presente recurso, por violação do princípio da equivalência em matéria de contribuições financeiras, como expressão do princípio da igualdade (artigo 13.º da Constituição).

Não estando o Tribunal Constitucional limitado à apreciação das razões que o tribunal recorrido aduziu para recusar a aplicação das normas sub iudicio, com fundamento na sua inconstitucionalidade, conforme expressamente se dispõe no artigo 79.º - C da LTC, cumpre-lhe verificar se a normação sindicada padece do arguido vício de inconstitucionalidade material.

Em primeiro lugar, há que reconhecer que, estando em causa um tributo que visa compensar prestações administrativas de que o sujeito passivo, por força da pertença a um grupo (titulares de estabelecimentos de comércio alimentar de produtos de origem animal e vegetal, frescos ou congelados, transformados ou crus, a granel ou pré-embalados), é presumível beneficiário - assumindo, por isso, natureza comutativa -, é constitucionalmente pertinente avaliar a sua legitimidade material à luz do princípio da igualdade (artigo 13.º da Constituição), concretizado no invocado princípio da equivalência.

Este princípio aplicado às contribuições financeiras diz-nos que estas devem ter uma relação de equivalência com o valor do benefício obtido ou o custo provocado pelos sujeitos passivos dessas contribuições, devendo ter-se em conta que essa equivalência não é sinalagmática, uma vez que as contribuições financeiras respeitam a feixes de prestações difusas que apenas podemos presumir provocadas ou aproveitadas por certos grupos de contribuintes.

Nessa perspetiva, que assenta numa ideia central de equilíbrio ou justiça material, cumpre especificamente verificar, à luz da particular configuração teleológica do tributo em causa, se os critérios de igualação ou diferenciação eleitos pelo legislador, na delimitação da sua incidência subjetiva e, bem assim, na determinação do critério de cálculo do valor da contribuição em causa, se apresentam como materialmente infundados, o que será motivo da sua inconstitucionalidade.

A Recorrida começa por questionar a constitucionalidade material do critério de incidência subjetiva, na medida em que o tributo atinge apenas os titulares de estabelecimentos de comércio alimentar a retalho e não todos os restantes operadores da cadeia alimentar, e também porque se aplica apenas a algumas das empresas de comércio alimentar por efeito da isenção que é estabelecida, ainda que sob determinadas condições, para as microempresas e para os estabelecimentos de comércio alimentar com áreas de venda ao público inferiores a 2.000 m2.

O n.º 1, do artigo 9.º, do Decreto-Lei 119/2012, de 15 de junho diz que "como contrapartida da garantia de segurança e qualidade alimentar é devido o pagamento, pelos estabelecimentos de comércio alimentar de produtos de origem animal e vegetal, frescos ou congelados, transformados ou crus, a granel ou pré-embalados, de uma taxa anual, cujo valor é fixado entre (euro) 5 e (euro) 8 por metro quadrado de área de venda do estabelecimento, por portaria dos membros do Governo responsáveis pelas áreas das finanças e da agricultura", esclarecendo o n.º 3 do mesmo artigo que se entende por «estabelecimento de comércio alimentar» "o local no qual se exerce uma atividade de comércio alimentar a retalho, incluindo os estabelecimentos de comércio misto, tal como definidos na alínea l) do artigo 4.º do Decreto-Lei 21/2009, de 19 de janeiro", ou seja aqueles "no qual se exercem, em simultâneo, atividades de comércio alimentar e não alimentar", não assumindo este último ramo uma percentagem igual ou superior a 90 % no volume total das vendas realizadas. São, pois, os proprietários destes estabelecimentos os devedores da "taxa de segurança alimentar mais".

No caso, e como já se deixou entrever, a contribuição em causa é receita do Fundo Sanitário e de Segurança Alimentar Mais, o qual tem uma intervenção transversal em todas as fases da cadeia alimentar, financiando os custos dos programas e ações oficiais de controlo de segurança e qualidade alimentar desenvolvidos por diversas entidades públicas, no quadro geral de proteção da cadeia alimentar e da saúde dos consumidores, pelo que o conjunto de prestações administrativas que lhe cabe financiar, como já acima dissemos, acaba por se projetar positivamente na fiabilidade dos produtos colocados no mercado e na atividade económica dos distribuidores finais que veem dessa forma complementado o próprio sistema interno de controlo dos produtos que comercializam.

E, conforme foi enunciado no preâmbulo do Decreto-Lei 119/2012, de 15 de junho, a criação da "taxa de segurança alimentar mais" pretendeu dar concretização ao princípio da responsabilidade partilhada na garantia da segurança alimentar entre os diversos operadores económicos, tendo em linha de conta que se encontram já instituídas taxas destinadas a suportar financeiramente atos de verificação e controlo que incidem sobre produtores pecuários e os estabelecimentos que laboram produtos de origem animal, e outras taxas, que são cobradas a produtores, distribuidores e comerciantes, para verificação da conformidade dos alimentos para animais, de medicamentos veterinários ou de produtos fitofarmacêuticos. E, nesse contexto, a ideia central da criação dessa nova contribuição financeira foi a de estender a um grupo de operadores da cadeia alimentar que não estavam onerados por aquelas taxas, a participação na responsabilidade pelo financiamento dos custos dos controlos oficiais da qualidade dos alimentos.

Na verdade, note-se que além da "taxa de segurança alimentais mais" são também receitas do Fundo Sanitário e de Segurança Alimentar Mais:

O produto da taxa de financiamento do sistema de recolha de cadáveres de animais mortos nas explorações, aprovada pelos Decretos-Leis 244/2003, de 7 de outubro, 122/2006, de 27 de julho, 19/2011, de 7 de fevereiro e 38/2012, de 16 de fevereiro, e que incide sobre os estabelecimentos de abate relativamente a bovinos, ovinos, caprinos, suínos e equídeos (artigo 4.º, n.º 1, a), do Decreto-Lei 119/2012, de 15 de junho);

10 % do produto de outras taxas cobradas pela Direção-Geral de Alimentação e Veterinária (artigo 4.º, n.º 1, c), do Decreto-Lei 119/2012, de 15 de junho);

As taxas a cobrar às atividades de produção, preparação e transformação de produtos de origem animal e alimentos para animais, aprovadas pelo Decreto-Lei 178/2008, de 26 de agosto, e disciplinadas pelas Portarias 1073/2008, de 22 de setembro e 1450/2009, de 28 de dezembro, e que incidem sobre os respetivos agentes económicos (artigo 4.º, n.º 2, a), do Decreto-Lei 119/2012, de 15 de junho);

As taxas devidas pela classificação subjetiva das carcaças de suínos, realizada pelos classificadores que prestam serviço na DGAV, previstas pelo Decreto-Lei 168/98, de 25 de junho, e aprovadas pela Portaria 1419/2008, de 9 de dezembro, e que incidem sobre os proprietários ou responsáveis dos estabelecimentos (artigo 4.º, n.º 2, b), do Decreto-Lei 119/2012, de 15 de junho);

As taxas devidas pelos atos relativos aos procedimentos e aos exames laboratoriais e demais atos e serviços prestados pela DGAV, previstas pelo Decreto -Lei 148/2008, de 29 de julho, alterado pelo Decreto-Lei 314/2009, de 28 de outubro, e aprovadas pela Portaria 27/2011, de 10 de janeiro, e que incidem sobre os requerentes (artigo 4.º, n.º 2, c), do Decreto-Lei 119/2012, de 15 de junho);

As taxas devidas pela concessão das autorizações de fabrico e distribuição de alimentos medicamentosos, bem como pelas suas alterações e renovações, e pela autorização de ensaios experimentais, previstas pelo Decreto-Lei 151/2005, de 30 de agosto, e aprovadas pela Portaria 1273/2005, de 12 de dezembro, e que incidem sobre os requerentes e outros agentes económicos envolvidos (artigo 4.º, n.º 2, d), do Decreto-Lei 119/2012, de 15 de junho);

As taxas devidas pela realização dos pedidos de autorização, alteração, renovação ou reavaliação dos produtos de uso veterinário, bem como pela declaração e emissão de cópias ou certidões, aprovadas pela Portaria 496/2010, de 14 de julho, e que incidem sobre os requerentes (artigo 4.º, n.º 2, e), do Decreto-Lei 119/2012, de 15 de junho);

As taxas devidas pelos atos que sejam prestados pela DGAV no âmbito dos procedimentos de declaração prévia, de autorização prévia e respetivas alterações, previstos nos artigos 23.º, 25.º e 29.º do Decreto-Lei 184/2009, de 11 de agosto, para os centros de atendimentos médico-veterinário, aprovadas pela Portaria 1246/2009, de 13 de outubro, e que incidem sobre os requerentes (artigo 4.º, n.º 2, f), do Decreto-Lei 119/2012, de 15 de junho);

As taxas de autorização prévia ou declaração prévia dos estabelecimentos industriais, previstas pelo Decreto-Lei 209/2008, de 29 de outubro, na parte que constitua receita da DGAV, e que incidem sobre os requerentes (artigo 4.º, n.º 2, g), do Decreto-Lei 119/2012, de 15 de junho);

As taxas do sistema em vigor relativo à recolha, ao transporte e abate sanitário, previstas na Portaria 205/2000, de 5 de abril, na parte que constitua receita da DGAV, e que incidem sobre os produtores pecuários (artigo 4.º, n.º 2, h), do Decreto-Lei 119/2012, de 15 de junho);

As taxas devidas pela execução das intervenções sanitárias do Programa Nacional de Saúde Animal, aprovadas pela Portaria 178/2007, de 9 de fevereiro, e que incidem sobre os criadores (artigo 4.º, n.º 2, i), do Decreto-Lei 119/2012, de 15 de junho);

As taxas devidas pela autorização de colocação no mercado de produtos biocidas, previstas pelo Decreto-Lei 121/2002, de 3 de maio, e aprovadas pela Portaria 702/2006, de 13 de julho, e que incidem sobre os requerentes (artigo 4.º, n.º 2, j), do Decreto-Lei 119/2012, de 15 de junho);

Os emolumentos devidos pelos exames realizados por peritos veterinários aos produtos alimentares de origem animal submetidos a despacho aduaneiro, previstos no Decreto -Lei 433/89, de 16 de dezembro, e que incidem sobre os agentes importadores (artigo 4.º, n.º 2, k), do Decreto-Lei 119/2012, de 15 de junho);

As taxas devidas pela emissão, alteração, renovação e atualização de licença ambiental, aprovadas pela Portaria 1057/2006, de 25 de setembro, e que incidem sobre os produtores pecuários (artigo 4.º, n.º 2, l), do Decreto-Lei 119/2012, de 15 de junho).

Somando-se as receitas da contribuição financeira em causa às receitas de tributos que incidem sobre outros grupos de operadores económicos no ramo alimentar diversos daquele que integra os sujeitos passivos desta contribuição como meio de financiamento indireto dos custos dos programas e ações oficiais que beneficiam todos estes grupos de sujeitos, não faz sentido dizer-se que a seleção dos operadores da distribuição retalhista constitui uma discriminação inexplicada, relativamente aos restantes intervenientes económicos do ramo alimentar, uma vez que a sua seleção visou precisamente faze-los participar no financiamento de atividades onde os outros já participam através do pagamento de diferentes tributos.

Não parece, nesta perspetiva, que a incidência do tributo sobre um grupo delimitado de pessoas, com especiais responsabilidades na concretização do objetivo da qualidade e segurança alimentar e que partilham com outros operadores sobre os quais recaem outros tributos, o aproveitamento presumível do benefício resultante das atividades estaduais no domínio em causa, na base de uma responsabilidade de grupo, ponha em causa o princípio da equivalência, enquanto reflexo de uma ideia de igualdade.

E se poderão ainda existir grupos de operadores económicos neste ramo que não estão abrangidos por qualquer tributo que integre as receitas do Fundo Sanitário e de Segurança Alimentar Mais, tal circunstância não conduz à conclusão que a contribuição sob análise seja geradora de desigualdades injustificadas, atenta a existência de uma pluralidade de diversificadas fontes tributárias financiadoras das atividades de que todos beneficiam direta ou indiretamente.

Por outro lado, o invocado estreitamento da base de incidência subjetiva por efeito da implementação do sistema de isenções, que implica que o tributo apenas recaia sobre os proprietários de estabelecimentos de maior dimensão, não demonstra só por si que se pretenda tributar apenas em função da especial capacidade contributiva de determinados operadores do setor da distribuição.

Na verdade, nos termos do n.º 2, do artigo 9.º, do Decreto-Lei 119/2012, de 15 de junho "estão isentos do pagamento da taxa a que se refere o número anterior os estabelecimentos com uma área de venda inferior a 2000 m2 ou pertencentes a microempresas desde que:

a) Não pertençam a uma empresa que utilize uma ou mais insígnias e que disponha, a nível nacional, de uma área de venda acumulada igual ou superior a 6000 m2;

b) Não estejam integrados num grupo que disponha, a nível nacional, de uma área de venda acumulada igual ou superior a 6000 m2."

E, nos termos do artigo 3.º, n.º 4 e 5, da Portaria 205/2012, de 17 de junho:

- relativamente às situações previstas na alínea a), do n.º 2, do artigo 9.º, do Decreto-Lei 119/2012, de 15 de junho, "considera-se como pertencendo a outra as empresas que, embora juridicamente distintas, constituem uma unidade económica ou mantenham entre si laços de interdependência decorrentes, nomeadamente:

a) De uma participação maioritária no capital;

b) Da detenção de mais de metade dos votos atribuídos pela detenção de participações sociais;

c) Da possibilidade de designar mais de metade dos membros do órgão de administração ou de fiscalização;

d) Do poder de gerir os respetivos negócios.

- e no que respeita às situações previstas da alínea b), do n.º 2, do artigo 9.º, do Decreto-Lei 119/2012, de 15 de junho, "considera-se «grupo» o conjunto de empresas que, embora juridicamente distintas, mantêm entre si laços de interdependência ou subordinação decorrentes da utilização da mesma insígnia ou de direitos ou poderes, nos termos previstos na alínea o) do artigo 4.º do Decreto -Lei 21/2009, de 19 de janeiro.

Ora, as microempresas que se dedicam ao comércio alimentar (as que empregam menos de 10 pessoas e cujo volume de negócios anual ou balanço total anual não excede 2 milhões de euros, segundo o artigo 2.º, n.º 3, do Anexo ao Decreto-Lei 372/2007, de 6 de novembro) e, bem assim, as empresas com estabelecimentos de comércio alimentar cuja área de venda seja inferior a 2.000 m2 (desde que não tenham uma área acumulada de implantação nacional igual ou superior a 6000 m2), são aquelas que, pela sua dimensão, menos beneficiam dos financiamentos do Fundo Sanitário e de Segurança Alimentar, não sendo equiparáveis, na perspetiva do impacto global que a sua intervenção pode ter no domínio da segurança alimentar e saúde do consumidor final, às empresas que detêm grandes superfícies comerciais e nelas se dedicam à distribuição massificada de produtos alimentares, em grande número e diversidade. Daí que, tendo em atenção a finalidade compensatória da "taxa de segurança alimentar mais", não é contrária à ideia constitucional de igualdade a opção de restringir a sua base de incidência subjetiva, sujeitando ao seu pagamento apenas aqueles que se presume serem os principais beneficiários dos custos públicos suportados com a atividade administrativa destinada a garantir a segurança alimentar. Não é a sua capacidade contributiva que determina a sujeição a esta contribuição, mas sim o maior grau do benefício que podem usufruir.

Daí que não se possa afirmar que a exclusão destes operadores do âmbito de incidência subjetiva da "taxa de segurança alimentar mais" se traduza numa diferenciação manifestamente arbitrária.

No que respeita ao método de cálculo para a determinação do montante da taxa, o artigo 9.º, n.º 1, do Decreto-Lei 119/2012, de 15 de junho, estipula que o seu valor será fixado por portaria dos membros do Governo responsáveis pela área das finanças e da agricultura entre (euro) 5 e (euro) 8 por metro quadrado da área de venda do estabelecimento, ou seja, segundo o disposto no artigo 2.º, b), da Portaria 215/2012 de 17 de julho, toda a área destinada à venda, onde os compradores têm acesso ou os produtos se encontram expostos ou são preparados para entrega imediata, tendo o artigo 1.º da Portaria 200/2013, de 31 de maio, vindo clarificar a aplicação deste critério do seguinte modo:

"1 - Para efeitos do disposto na alínea b) do n.º 2 do artigo 2.º da Portaria 215/2012, de 17 de julho, entende-se por «área de venda do estabelecimento» toda a área de comércio alimentar apurada de acordo com os seguintes coeficientes de ponderação:

i) A área de venda do estabelecimento inferior a 1750 m2 está sujeita a um coeficiente de ponderação de 90 %;

ii) A área de venda do estabelecimento igual ou superior a 1750 m2 e inferior a 5000 m2 está sujeita a um coeficiente de ponderação de 75 %;

iii) A área de venda igual ou superior a 5000 m2 está sujeita a um coeficiente de ponderação de 60 %.

2 - Para efeitos de aplicação da Portaria 215/2012, de 17 de julho, é considerado «estabelecimento autónomo» o estabelecimento alojado ou compreendido no interior de um outro estabelecimento de comércio, independentemente de ambos usarem a mesma insígnia ou nome de estabelecimento ou serem explorados pelo mesmo titular, ou de terem sido objeto de licenciamento específico, no qual se prestam serviços ou vendem produtos distintos dos que são transacionados no estabelecimento de comércio que o aloja, dotado de caixas de saída próprias ou de barreiras físicas análogas destinadas a delimitar a área de venda, e em que as transações nele efetuadas são exclusivamente registadas e pagas no seu interior ou nas respetivas caixas de saída próprias, onde não podem ser registadas ou pagas transações efetuadas no estabelecimento de comércio que os aloja.

3 - A área de venda dos estabelecimentos autónomos só releva se estes forem estabelecimentos de comércio alimentar ou misto, caso em que o respetivo volume total de vendas e a sua área não têm qualquer repercussão nos estabelecimentos que os alojam, para os efeitos da presente portaria"

Deste quadro normativo resulta que a "taxa de segurança alimentar mais" é uma compensação financeira anual que incide sobre a área de venda do estabelecimento, entendendo-se como tal «toda a área de comércio alimentar», apurada de acordo com determinados coeficientes de ponderação, e o seu valor é fixado, por portaria, entre (euro) 5 e (euro) 8 por metro quadrado da área de venda alimentar do estabelecimento, o que revela ter sido opção do legislador graduar a tributação em função do maior ou menor volume de produtos alimentares comercializados, indiciado pela dimensão da área do estabelecimento destinada a essa finalidade, uma vez que o valor do benefício resultante da adoção das diversas ações públicas visando garantir a qualidade e segurança alimentar para os operadores da distribuição retalhista variará em função do volume dos produtos comercializados no estabelecimento em causa.

Assim, no que respeita ao método de cálculo para a determinação da incidência objetiva da contribuição financeira e da sua base tributável, é possível descortinar que o critério adotado tem uma relação objetiva com a finalidade compensatória que está presente na estruturação do tributo em causa. O grau do benefício obtido com as atividades financiadas pela entidade da qual constitui uma das receitas a contribuição sub iudicio, está relacionado com o volume de produtos alimentares comercializados, constituindo um indício aproximado suficientemente credível deste a área dos estabelecimentos afeta à sua comercialização.

Não se ignora que era possível definir outros critérios cuja aplicação tivesse como resultado uma maior aproximação ao real benefício obtido pelos sujeitos passivos desta contribuição, mas ao Tribunal Constitucional apenas compete verificar se o critério escolhido não respeita os parâmetros constitucionais no domínio das contribuições financeiras.

Ora, conforme acima se explicou, o critério adotado pelo legislador para definir a base objetiva de incidência da "taxa de segurança alimentar mais", cumpre a exigência de que os tributos comutativos sejam diferenciados em função dos benefícios a compensar, de modo a que não se encontrem sujeitos ao mesmo encargo tributário contribuintes que, por virtude da sua maior ou menor intervenção no mercado, aproveitam benefícios manifestamente diferentes.

Por estas razões é de concluir, no que se refere à questão de inconstitucionalidade material, pela improcedência da alegada violação do princípio da equivalência quanto às normas constantes dos artigos 9.º do Decreto-Lei 119/2012, de 15 de junho, e 3.º e 4.º da Portaria 215/2012, de 17 de julho.

Decisão

Nestes termos decide-se:

a) não julgar inconstitucional as normas constantes do artigo 9.º do Decreto-Lei 119/2012, de 15 de junho, e dos artigos 3.º e 4.º da Portaria 215/2012, de 17 de julho.

b) e, em consequência, julgar procedente o recurso interposto pelo Ministério Público para o Tribunal Constitucional, determinando a reforma da decisão recorrida de acordo com o precedente juízo de não inconstitucionalidade.

Sem custas.

Lisboa, 20 de outubro de 2015. - João Cura Mariano - Ana Guerra Martins - Maria Lúcia Amaral - Maria de Fátima Mata-Mouros - João Pedro Caupers - Maria José Rangel de Mesquita - Pedro Machete - Lino Rodrigues Ribeiro - Fernando Vaz Ventura - Carlos Fernandes Cadilha (vencido de acordo com a declaração de voto em anexo) - Joaquim de Sousa Ribeiro (vencido, nos termos da declaração que anexo).

Declaração de Voto

Votei vencido quanto à decisão referente à inconstitucionalidade orgânica, nos termos e com os fundamentos que se seguem:

O artigo 165.º, n.º 1, alínea i), da Constituição, passou a fazer depender da reserva relativa de competência legislativa da Assembleia da República, a «criação de impostos e sistema fiscal e regime geral das taxas e demais contribuições financeiras a favor do Estado». Configuram-se assim dois tipos de reserva parlamentar: um relativo aos impostos, que abrange todos os seus elementos essenciais, incluindo a incidência, a taxa, os benefícios fiscais e as garantias dos contribuintes (artigo 103.º), outro restrito ao regime geral, que é aplicável às taxas e às contribuições financeiras, e relativamente às quais apenas se exige que o parlamento legisle ou autorize o governo a legislar sobre as regras e princípios gerais e, portanto, sobre um conjunto de diretrizes orientadoras da disciplina de cada um desse tributos que possa corresponder a um regime-quadro.

Isso também significa que só o regime geral desses tributos permanece sujeito a reserva parlamentar, não o ficando a sua concreta criação, que pode agora ser levada a cabo por diploma legislativo governamental, desde que observada a lei-quadro competente (Gomes Canotilho/Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, I vol., 4.ª edição, Coimbra, pág. 1095).

Parece dever entender-se, neste contexto, que a criação de contribuição financeira por meio de diploma legislativo governamental exige a prévia edição pelo parlamento de um regime geral que lhe dê cabal enquadramento. Isso porque, como se sublinhou no acórdão do Tribunal Constitucional n.º 652/13, a criação específica de uma contribuição financeira - que já não necessita da intervenção ou autorização parlamentar - deverá ter presente as regras e princípios gerais que se encontrem definidos para esse tipo de tributo.

Dito de outro modo, é a definição do respetivo regime geral que confere legitimação ao Governo para a criação de um novo tributo bilateral, que, por sua vez, deverá enquadrar-se na configuração genérica que tenha sido estabelecida por lei parlamentar (neste sentido, Sérgio Vasques, As taxas de regulação económica em Portugal, Coimbra, 2008, pág. 38; Suzana Tavares da Silva, As taxas e a coerência do sistema tributário, 2.ª edição, Coimbra, págs. 89-91).

De fato, na vigência da redação anterior à revisão constitucional de 1997 (antigo artigo 168.º, n.º 1, alínea i)), o Tribunal Constitucional, na tradicional perspetiva dicotómica que apenas distinguia entre impostos e taxas, considerava deverem ser tratadas como impostos e sujeitas ao correspondente regime de reserva parlamentar as receitas parafiscais que não pudessem ser reconduzidas ao conceito típico de taxas. E esse precedente jurisprudencial poderá ter influenciado a classificação tripartida agora constitucionalmente consagrada, que simultaneamente integra na reserva de lei formal, não a própria criação dos tributos de caráter comutativo ou paracomutativo, mas a definição do respetivo regime geral.

Ora, não parece aceitável que o simples alargamento da reserva parlamentar nos termos antes enunciados tenha passado a constituir habilitação constitucional suficiente para permitir ao Governo instituir livremente contribuições financeiras, independentemente da intervenção qualificada da Assembleia da República a quem compete definir os critérios de enquadramento geral a que esses tributos devem obediência. A inclusão na reserva de lei formal do regime geral das contribuições financeiras parece ter tido em vista garantir uma uniformização de critérios relativamente ao modo como deverão ser asseguradas as necessidades financeiras das entidades públicas e preservar a coerência e justiça do sistema tributário, tendo também em linha de conta os princípios da segurança jurídica e da justa repartição dos encargos públicos. Não terá sido propósito do legislador constituinte facultar incondicionalmente ao Governo a criação de contribuições financeiras públicas enquanto se mantenha uma situação de omissão legislativa em matéria de definição do regime geral.

No entanto, o legislador apenas instituiu o regime geral das taxas das autarquias locais (Lei 73/2013, de 3 de setembro) e não aprovou até agora o regime geral das contribuições financeiras. Na ausência desse regime geral, deixa de ser possível considerar o legislador governamental habilitado a criar uma contribuição financeira sem prévia autorização legislativa. Isso também porque estamos perante um domínio novo, que se move no quadro de prestações económicas e relações sociais de maior complexidade, relativamente ao qual não existe uma tradição legislativa consequente, e em que se torna mais exigente a definição por via parlamentar dos princípios estruturantes e elementos essenciais do tributo.

Consideraria assim inconstitucional a norma do artigo 9.º do Decreto-Lei 119/2012, de 15 de junho, e, consequencialmente, as normas dos artigos 3.º e 4.º da Portaria 215/2012, de 17 de julho, por violação do disposto no artigo 165.º, n.º 1, alínea i), da Constituição. - Carlos Fernandes Cadilha.

Declaração de Voto

Não acompanhei a posição maioritária no referente à questão da inconstitucionalidade orgânica, pelas razões que sumariamente passo a expor.

O artigo 165.º, n.º 1, alínea i) da CRP contém dois regimes distintos de reserva de lei parlamentar: um, mais exigente, aplicável aos impostos, que sujeita a criação de cada imposto à previsão, em lei formal, dos elementos essenciais dessa categoria de tributos (os elementos identificados no n.º 2 do artigo 103.º); outro, menos exigente, aplicável às taxas e às contribuições financeiras a favor de entidades públicas, que se contenta com a prévia fixação de um regime geral a que a criação destas duas espécies de tributos tenha que obedecer.

Ainda que em graus diferenciados, ambas as reservas representam uma garantia para o cidadão-contribuinte: a de que nenhum tributo, com a correspondente afetação patrimonial, lhe poderá ser exigido sem a mediação parlamentar, o mesmo é dizer, sem o assentimento do órgão representativo da vontade popular, ou, pelo menos, sem enquadramento em normas gerais estruturantes e condicionantes emanadas desse órgão.

No que se refere às contribuições financeiras, este regime, introduzido pela revisão constitucional de 1997, já traduz, aliás, uma atenuação do originariamente em vigor. Na verdade, antes dessa revisão, não sendo a figura das contribuições financeiras objeto de autonomização constitucional, a todo o tributo que não pudesse ser qualificado como taxa cabia o tratamento jurídico-constitucional reservado aos impostos.

Afigura-se-me que o segmento do artigo 165.º, n.º 1, alínea i) introduzido na revisão de 1997 comunga ainda da matriz de sentido associada à origem histórica desta reserva parlamentar, da qual constitui uma refração atualizada e ajustada à natureza própria desta espécie de tributos. Se assim é, a atribuição à Assembleia da República de competência reservada não pode significar apenas que ao Governo está vedado estabelecer, sem autorização, o regime geral das contribuições financeiras. Significa sobretudo que a criação e a fixação do regime, por via governamental, de cada um dos tributos desta espécie deverá ter em linha de conta e amoldar-se às regras gerais de enquadramento previamente definidas, a nível parlamentar.

A disposição constitucional não pode ser interpretada como contendo um "programa condicional" (para utilizar um conceito de Luhmann), no sentido de que não obrigaria à emissão de um ato legislativo parlamentar, como condicionante da posterior criação de contribuições financeiras, apenas prevendo que, se houver intenção de estabelecer um regime geral, deverá ter-se em conta a reserva de competência. Não pode ser assim, pois o que está unitariamente em causa, em ambos os segmentos da norma constitucional, é a projeção habilitante de um prévio controlo parlamentar sobre os atos concretos de tributação. O que muda é apenas a forma de realização e a intensidade, não o objetivo tutelador.

Deste modo, pretender que a persistência da omissão legislativa em editar o regime geral faculta a criação livre e incondicionada de contribuições financeiras, por meio de diploma governamental, subverte inteiramente o alcance garantístico que a reserva iniludivelmente possui.

Não ignoro que atribuir efeito inibitório à inércia da assembleia legislativa em promulgar o regime geral destes tributos pode, em certos domínios regulatórios, causar sérias dificuldades a um aparelho administrativo moderno e eficaz. Mas, por um lado, isso deve valer como um incentivo suplementar à atuação legislativa, em conformidade com a reserva, não podendo exclusivas razões pragmáticas sobrepor-se a claras determinações constitucionais. Por outro, uma tal interpretação não importa necessariamente a transformação de uma reserva de regime geral numa reserva integral. Uma jurisprudência dúctil e flexível deste Tribunal, constante dos Acórdãos n.os 365/2008, 613/2008, 152/2013 e, com particular evidência, 80/2014, prova que assim não é. Essa jurisprudência tem considerado que a ratio da disposição constitucional é satisfeita, mesmo na ausência de um regime geral, quando é possível identificar uma normação primária, de fonte parlamentar, que dê suporte mínimo habilitante à criação da contribuição financeira em causa e aos seus elementos essenciais.

Mas essa é uma exigência inultrapassável de intervenção parlamentar, um ponto-limite para além do qual o intérprete não poderá ir. Ora, como o próprio Acórdão reconhece, quanto à taxa de segurança alimentar mais", "não se descortina qualquer intervenção da Assembleia da República que habilitasse minimamente o Governo a proceder à sua criação".

Em conformidade, pronunciei-me pela inconstitucionalidade da norma do artigo 9.º do Decreto-Lei 119/2012, de 15 de junho e, consequencialmente, das normas dos artigos 3.º e 4.º da Portaria 215/2012, de 17 de julho, por violação do disposto no artigo 165.º, n.º 1, alínea i) da Constituição da República. - Joaquim de Sousa Ribeiro.

209108801

Anexos

  • Extracto do Diário da República original: https://dre.tretas.org/dre/2043725.dre.pdf .

Ligações deste documento

Este documento liga aos seguintes documentos (apenas ligações para documentos da Serie I do DR):

  • Tem documento Em vigor 1998-06-25 - Decreto-Lei 168/98 - Ministério da Agricultura, do Desenvolvimento Rural e das Pescas

    Estabelece o regime de classificação marcação e identificação de carcaças de bovinos, ovinos e suínos, bem como dos recursos a interpor no âmbito desta matéria. Atribui à Direcção-Geral de Veterinária e às direcções regionais de agricultura competências de fiscalização, tipificando as contra-ordenações ao disposto neste diploma e estabelecendo a aplicação de coimas e sanções para o seu incumprimento. Publica em anexo a Regulamentação Comunitária em Vigor relativamente à classificação de carcaças.

  • Tem documento Em vigor 2002-05-03 - Decreto-Lei 121/2002 - Ministério da Saúde

    Estabelece o regime jurídico da colocação no mercado dos produtos biocidas. Transpõe para a ordem jurídica interna o disposto na Directiva nº 98/8/CE (EUR-Lex), do Parlamento Europeu e do Conselho, de 16 de Fevereiro (relativa à colocação no mercado de produtos biocidas).

  • Tem documento Em vigor 2003-10-07 - Decreto-Lei 244/2003 - Ministério da Agricultura, Desenvolvimento Rural e Pescas

    Estabelece o regime a que ficam sujeitas as entidades geradoras de subprodutos animais relativamente à sua recolha, transporte, armazenagem, manuseamento, transformação e utilização ou eliminação, bem como as regras de financiamento do sistema de recolha de cadáveres de animais mortos na exploração (SIRCA).

  • Tem documento Em vigor 2005-08-30 - Decreto-Lei 151/2005 - Ministério da Agricultura, do Desenvolvimento Rural e das Pescas

    Transpõe para a ordem jurídica interna a Directiva n.º 90/167/CEE (EUR-Lex), do Conselho, de 26 de Março, que estabelece o regime jurídico do fabrico, colocação no mercado e utilização de alimentos medicamentosos para animais.

  • Tem documento Em vigor 2006-06-27 - Decreto-Lei 122/2006 - Ministério da Agricultura, do Desenvolvimento Rural e das Pescas

    Estabelece as medidas que visam assegurar a execução e garantir o cumprimento no ordenamento jurídico nacional das obrigações decorrentes do Regulamento (CE) n.º 1774/2002 (EUR-Lex), do Parlamento Europeu e do Conselho, de 3 de Outubro, que estabelece regras sanitárias relativas aos subprodutos animais não destinados ao consumo humano.

  • Tem documento Em vigor 2007-11-06 - Decreto-Lei 372/2007 - Ministério da Economia e da Inovação

    Cria a certificação electrónica do estatuto de micro, pequena e média empresas (PME).

  • Tem documento Em vigor 2008-08-26 - Decreto-Lei 178/2008 - Ministério da Agricultura, do Desenvolvimento Rural e das Pescas

    Define os critérios de aplicação e montantes de taxas a cobrar nos termos do Regulamento (CE) n.º 882/2004 (EUR-Lex), do Parlamento Europeu e do Conselho, de 29 de Abril, relativo à inspecção sanitária dos produtos de origem animal.

  • Tem documento Em vigor 2008-09-22 - Portaria 1073/2008 - Ministério da Agricultura, do Desenvolvimento Rural e das Pescas

    Fixa a forma de cálculo das taxas devidas pela realização de actividades de inspecção hígio-sanitária, verificação e auditoria no âmbito do controlo oficial nos estabelecimentos ou operadores que desenvolvam actividades relativas aos alimentos e aos géneros alimentícios para animais.

  • Tem documento Em vigor 2008-10-29 - Decreto-Lei 209/2008 - Presidência do Conselho de Ministros

    Estabelece o regime de exercício da actividade industrial (REAI).

  • Tem documento Em vigor 2008-12-09 - Portaria 1419/2008 - Ministérios das Finanças e da Administração Pública e da Agricultura, do Desenvolvimento Rural e das Pescas

    Fixa as taxas a cobrar pela classificação de carcaças de suínos realizada pelos classificadores que desempenhem funções na Direcção-Geral de Veterinária.

  • Tem documento Em vigor 2009-01-19 - Decreto-Lei 21/2009 - Ministério da Economia e da Inovação

    No uso da autorização legislativa concedida pela Lei n.º 42/2008, de 27 de Agosto, estabelece o regime jurídico de instalação e de modificação dos estabelecimentos de comércio a retalho e dos conjuntos comerciais.

  • Tem documento Em vigor 2009-05-20 - Lei 21/2009 - Assembleia da República

    Revoga o Decreto n.º 35106, de 6 de Novembro de 1945, que insere várias disposições relativas à ocupação e atribuição de casas destinadas a famílias pobres.

  • Tem documento Em vigor 2009-08-11 - Decreto-Lei 184/2009 - Ministério da Agricultura, do Desenvolvimento Rural e das Pescas

    Estabelece o regime jurídico aplicável ao exercício da actividade dos centros de atendimento médico-veterinários (CAMV) e os respectivos requisitos quanto a instalações, organização e funcionamento.

  • Tem documento Em vigor 2009-10-28 - Decreto-Lei 314/2009 - Ministério da Agricultura, do Desenvolvimento Rural e das Pescas

    Transpõe para a ordem jurídica nacional a Directiva n.º 2009/9/CE (EUR-Lex), da Comissão, de 10 de Fevereiro, que altera a Directiva n.º 2001/82/CE (EUR-Lex), do Parlamento Europeu e do Conselho, de 6 de Novembro, que estabelece um código comunitário relativo aos medicamentos veterinários, altera ( primeira alteração) o Decreto-Lei n.º 148/2008, de 29 de Julho, que estabeleceu o regime jurídico a que obedece a autorização de introdução no mercado e as suas alterações e renovações, o fabrico, a importação, a (...)

  • Tem documento Em vigor 2009-12-28 - Portaria 1450/2009 - Ministério da Agricultura, do Desenvolvimento Rural e das Pescas

    Altera a Portaria n.º 1073/2008, de 22 de Setembro, que fixa a forma de cálculo das taxas devidas pela realização de actividades de inspecção hígio-sanitária, verificação e auditoria no âmbito do controlo oficial nos estabelecimentos ou operadores que desenvolvam actividades relativas aos alimentos e aos géneros alimentícios para animais.

  • Tem documento Em vigor 2011-02-07 - Decreto-Lei 19/2011 - Ministério da Agricultura, do Desenvolvimento Rural e das Pescas

    Define as regras de financiamento do sistema de recolha de cadáveres de animais mortos nas explorações (SIRCA).

  • Tem documento Em vigor 2012-02-16 - Decreto-Lei 38/2012 - Ministério da Agricultura, do Mar, do Ambiente e do Ordenamento do Território

    Altera (terceira alteração) o Decreto-Lei 244/2003, de 7 de outubro, que estabelece as regras de financiamento do sistema de recolha de animais mortos na exploração (SIRCA), e altera (primeira alteração) o Decreto-Lei 19/2011, de 7 de fevereiro, que define as regras de financiamento do SIRCA.

  • Tem documento Em vigor 2012-06-15 - Decreto-Lei 119/2012 - Ministério da Agricultura, do Mar, do Ambiente e do Ordenamento do Território

    Cria, no âmbito do Ministério da Agricultura, do Mar, do Ambiente e do Ordenamento do Território, o Fundo Sanitário e de Segurança Alimentar Mais, bem como a taxa de segurança alimentar mais.

  • Tem documento Em vigor 2013-09-03 - Lei 73/2013 - Assembleia da República

    Estabelece o regime financeiro das autarquias locais e das entidades intermunicipais.

Ligações para este documento

Este documento é referido nos seguintes documentos (apenas ligações a partir de documentos da Série I do DR):

  • Tem documento Em vigor 2018-01-22 - Acórdão do Tribunal Constitucional 848/2017 - Tribunal Constitucional

    Declara a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, das normas constantes dos n.os 1 e 2 do artigo 59.º, dos n.os 1 e 2 do artigo 60.º, da primeira parte do artigo 61.º, dos n.os 1 e 2 do artigo 63.º e do n.º 1 do artigo 64.º, todos do Regulamento Geral de Taxas, Preços e outras Receitas do Município de Lisboa, republicado pelo Aviso n.º 2926/2016, publicado no Diário da República, 2.ª série, n.º 45, de 4 de março de 2016 - normas essas respeitantes à Taxa Municipal de Proteção Civil

  • Tem documento Em vigor 2018-10-17 - Acórdão do Tribunal Constitucional 367/2018 - Tribunal Constitucional

    Declara a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, das normas constantes dos artigos 2.º, n.º 1, 3.º, n.º 2, e 4.º, n.º 2, do Regulamento da Taxa Municipal de Proteção Civil de Vila Nova de Gaia, por violação do disposto no n.º 2 do artigo 103.º e na alínea i) do n.º 1 do artigo 165.º da Constituição da República Portuguesa

  • Tem documento Em vigor 2019-05-20 - Acórdão do Tribunal Constitucional 181/2019 - Tribunal Constitucional

    Declara a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, da norma do n.º 4 do artigo 21.º da Tabela de Taxas, Licenças e Outras Receitas Municipais que consta do Anexo I ao Regulamento n.º 364/2012, de 11 de junho, do Município de Oeiras, com o sentido de que o metro cúbico de «armazenamento de produtos de petróleo (depósitos subterrâneos)» situado em propriedade privada é tributado no valor mensal de 5,09 euros

  • Tem documento Em vigor 2020-02-04 - Acórdão do Tribunal Constitucional 775/2019 - Tribunal Constitucional

    Declara a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, das normas constantes dos artigos 2.º, n.º 1, 4.º, n.º 2, e 5.º, n.º 1, do Regulamento da Taxa Municipal de Proteção Civil de Aveiro

  • Tem documento Em vigor 2020-02-05 - Acórdão do Tribunal Constitucional 4/2020 - Tribunal Constitucional

    Declara, com força obrigatória geral, a inconstitucionalidade da norma que determina o «pagamento da taxa municipal de proteção civil devida pela prestação de serviços no domínio da prevenção de riscos e da proteção civil» pelas «entidades gestoras de infraestruturas instaladas, total ou parcialmente, no Município de Odemira, designadamente as rodoviárias, ferroviárias e de eletricidade» que «pode ser agravada até 50% face ao valor base, por deliberação fundamentada da Assembleia Municipal de Odemira, sob p (...)

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