Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 477/2025
Acordam, em Plenário, no Tribunal Constitucional I-Relatório 1-O representante do Ministério Público junto do Tribunal Constitucional requereu, ao abrigo do disposto no artigo 82.º da Lei de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional (Lei 28/82, de 15 de novembro, na redação em vigor; doravante, “LTC”), a organização de um processo, a tramitar nos termos do processo de fiscalização abstrata e sucessiva da constitucionalidade, com vista à apreciação, pelo Plenário, e declaração, com força obrigatória geral, da inconstitucionalidade da norma contida no artigo 21.º, n.º 1, alínea a), da Lei 27-A/2020, de 24 de julho, no segmento que se refere ao cálculo do Adicional Sobre o Setor Bancário (doravante, “ASSB”) relativo ao primeiro semestre de 2020.
2-De forma a legitimar o seu pedido, alega o Requerente ter tal norma sido julgada inconstitucional em três casos concretos pelo Tribunal Constitucional, decisões todas elas transitadas em julgado, da 1.ª Secção deste Tribunal. Com efeito, o Acórdão 469/2024 julgou inconstitucional
a norma contida no artigo 21.º, n.º 1, alínea a), da Lei 27-A/2020, de 24 de julho, no segmento que se refere ao cálculo do imposto relativo ao primeiro semestre de 2020
», decisão que foi posteriormente reafirmada pelo Acórdão 529/2024 e pela Decisão Sumária n.º 436/2024. Já depois de o pedido ter sido submetido pelo requerente, o mesmo juízo foi repetido pela Decisão Sumária n.º 618/2024.
3-Por despacho do Presidente do Tribunal Constitucional, datado de 07/10/2024, o requerimento foi admitido, tendo sido determinada a notificação do Presidente da Assembleia da República, nos termos do disposto nos artigos 54.º, 55.º, n.º 3 e 56.º, n.º 1, todos da LTC, para, querendo, se pronunciar sobre o pedido.
4-Em 28/10/2024, o Presidente da Assembleia da República veio oferecer o merecimento dos autos e remeter uma nota técnica sobre os trabalhos preparatórios do diploma que aprovou a norma objeto de fiscalização, elaborada pelos serviços de apoio à Comissão de Orçamento e Finanças.
5-Discutido o memorando elaborado pelo Presidente do Tribunal, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 63.º, n.º 1 da LTC, e tendo este sido submetido a debate, de acordo com o n.º 2 do referido preceito, cumpre agora decidir em conformidade com a orientação então fixada.
Cumpre apreciar e decidir. IIFundamentação 6-O Requerente tem legitimidade para deduzir o pedido (nos termos do artigo 281.º, n.º 3, da Constituição da República Portuguesa [“CRP”], e do artigo 82.º da LTC).
7-A norma objeto de controlo de constitucionalidade, em todos os Acórdãos e Decisões Sumárias que estão na base do pedido nos presentes autos (cf. supra, § 2), é a que emerge do artigo 21.º, n.º 1, alínea a), da Lei 27-A/2020, de 24 de julho, no segmento que se refere ao cálculo do Adicional de Solidariedade sobre o Setor Bancário (“ASSB”) relativo ao primeiro semestre de 2020, e cuja redação atual é a seguinte (na sua inserção sistemática):
Artigo 18.º
Adicional de solidariedade sobre o setor bancário É aprovado, no anexo VI à presente lei e da qual faz parte integrante, o regime que cria o adicional de solidariedade sobre o setor bancário.
(...)
Artigo 21.º
Disposição transitória 1-Em 2020 e 2021, a liquidação e o pagamento do adicional de solidariedade sobre o setor bancário previsto no regime que consta do anexo VI à presente lei efetua-se de acordo com as seguintes regras:
a) A base de incidência apurada nos termos dos artigos 3.º e 4.º do regime é calculada por referência à média semestral dos saldos finais de cada mês, que tenham correspondência nas contas relativas ao primeiro semestre de 2020, no caso do adicional de solidariedade devido em 2020, e nas contas relativas ao segundo semestre de 2020, no caso do adicional de solidariedade devido em 2021, publicadas em cumprimento da obrigação estabelecida no Aviso do Banco de Portugal n.º 1/2019, de 31 de janeiro, que atualiza o enquadramento normativo do Banco de Portugal sobre os elementos de prestação de contas;
b) A liquidação é efetuada pelo próprio sujeito passivo, através de declaração de modelo oficial aprovada por portaria do membro do Governo responsável pela área das finanças, que deve ser enviada até ao dia 15 de dezembro de 2020 e 2021, respetivamente;
c) O adicional de solidariedade sobre o setor bancário deve ser pago até ao último dia do prazo estabelecido na alínea anterior, nos termos previstos no n.º 1 do artigo 40.º da lei geral tributária, aprovada em anexo ao Decreto Lei 398/98, de 17 de dezembro.
2-Na ausência da publicação das contas relativas ao primeiro e segundo semestres de 2020, conforme referido na alínea a) do número anterior, a base de incidência é calculada por referência à média semestral dos saldos finais de cada mês, que tenham correspondência nas contas relativas ao primeiro semestre de 2020, no caso do adicional de solidariedade devido em 2020, e nas contas relativas ao segundo semestre de 2020, no caso do adicional de solidariedade devido em 2021, a comunicar pelo sujeito passivo à Autoridade Tributária e Aduaneira até ao dia 15 de dezembro de 2020 e 2021, respetivamente.
3-Na falta de liquidação do adicional nos termos da alínea b) do n.º 1, a mesma tem por base os elementos de que a administração fiscal disponha.
4-Não sendo efetuado o pagamento do adicional até ao termo do prazo indicado na alínea c) do n.º 1, começam a correr imediatamente juros de mora e a cobrança da dívida é promovida pela administração fiscal, nos termos do Código de Procedimento e de Processo Tributário.
»(sublinhados acrescentados).
8-Todos os Acórdãos e Decisões Sumárias que sustentam o pedido fundamentaram-se na qualificação do ASSB como imposto, vindo a
julgar inconstitucional a norma contida nos artigos 21.º, n.º 1, alínea a), da Lei 27-A/2020, de 24 de julho, no segmento que se refere ao cálculo do imposto relativo ao primeiro semestre de 2020, por violação do princípio da proibição da retroatividade dos impostos, decorrente do artigo 103.º, n.º 3 da Constituição da República Portuguesa
». É precisamente este o dispositivo do primeiro daqueles arestos, o Acórdão 469/2024 (retificado pelo Acórdão 507/2024), cuja fundamentação importa recordar, na parte relevante para os presentes autos:
2.3-No que respeita à norma contida nos artigos 21.º, n.º 1, alínea a), da Lei 27-A/2020, de 24 de julho, no segmento que se refere ao cálculo do imposto relativo ao primeiro semestre de 2020, importa notar que esta 1.ª Secção teve oportunidade de se pronunciar recentemente sobre norma substancialmente equivalente. Fêlo no Acórdão 149/2024 (1.ª secção), no qual se decidiu julgar inconstitucional a norma contida nos artigos 18.º e 21.º, n.º 1, alíneas a), b) e c), da Lei 27-A/2020, de 24 de julho, no segmento em que se estabelecem as regras de liquidação e pagamento do adicional de solidariedade sobre o setor bancário, previsto no regime que consta do Anexo VI à referida lei, relativo ao ano 2020. Assentou tal decisão nos fundamentos seguintes:
“[...]
2.2-Para melhor compreender a questão que constitui objeto do presente recurso, há que ter presente, designadamente, o seguinte:
(a) o ASSB foi criado pela Lei 27-A/2020, de 24 de julho, que procedeu à segunda alteração à Lei 2/2020, de 31 de março (Orçamento do Estado para 2020), e à alteração de diversos diplomas (cf. o respetivo artigo 18.º e o Anexo VI nela indicado);
(b) a Lei 27-A/2020, de 24 de julho, entrou em vigor no dia 25/07/2020 (cf. o respetivo artigo 26.º);
(c) sem prejuízo da norma transitória sub judice, o ASSB incide sobre:
i) o passivo apurado e aprovado pelos sujeitos passivos deduzido, quando aplicável, dos elementos do passivo que integram os fundos próprios, dos depósitos abrangidos pela garantia do Fundo de Garantia de Depósitos, pelo Fundo de Garantia do Crédito Agrícola Mútuo ou por um sistema de garantia de depósitos oficialmente reconhecido nos termos do artigo 4.º da Diretiva 2014/49/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 16 de abril de 2014, relativa aos sistemas de garantia de depósitos ou considerado equivalente nos termos do disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 156.º do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras, dentro dos limites previstos nas legislações aplicáveis, e dos depósitos na Caixa Central constituídos por caixas de crédito agrícola mútuo pertencentes ao sistema integrado do crédito agrícola mútuo, ao abrigo do artigo 72.º do Regime Jurídico do Crédito Agrícola Mútuo e das Cooperativas de Crédito Agrícola, aprovado em anexo ao Decreto Lei 24/91, de 11 de janeiro; e ii) o valor nocional dos instrumentos financeiros derivados fora do balanço apurado pelos sujeitos passivos (cf. o artigo 3.º constante do Anexo VI à Lei 27-A/2020, de 24 de julho);
(d) desviando da regra de incidência acabada de descrever, a norma transitória sub judice prevê que a base de incidência prevista no Regime do ASSB, no caso do adicional de solidariedade devido em 2020, é calculada por referência à média semestral dos saldos finais de cada mês, que tenham correspondência nas contas relativas ao primeiro semestre de 2020 publicadas em cumprimento da obrigação estabelecida no Aviso do Banco de Portugal n.º 1/2019, de 31 de janeiro, que atualiza o enquadramento normativo do Banco de Portugal sobre os elementos de prestação de contas.
2.3-É extensa a jurisprudência constitucional acerca da proibição da retroatividade fiscal a que se refere o artigo 103.º, n.º 3, da Constituição. Na síntese do Acórdão 175/2018:
“[...]
Até à explicitação no texto da Constituição da proibição da retroatividade em matéria fiscal, levada a cabo no âmbito da revisão no âmbito da revisão constitucional de 1997, o Tribunal Constitucional vinha aferindo a constitucionalidade das leis fiscais retroativas com recurso ao método de ponderação inerente ao controlo da constitucionalidade das leis baseado no princípio da proteção da confiança. No desenvolvimento da orientação fixada no Parecer da Comissão Constitucional n.º 25/81 (Pareceres da Comissão Constitucional, 16.º Vol., p.257), firmou-se na jurisprudência constitucional o entendimento segundo o qual a retroatividade das leis fiscais seria constitucionalmente legítima sempre que não ferisse
de forma inadmissível ou intolerável, a certeza e a confiança na ordem jurídica dos cidadãos por ela afetados; de forma inadmissível ou intolerável, a certeza e a confiança na ordem jurídica dos cidadãos por ela afetados; ou que não trai[sse], de forma arbitrária e injustificada, as expectativas juridicamente tuteladas e criadas na esfera jurídica dos cidadãos ao abrigo das disposições vigentes à data da ocorrência dos factos que as geraram
»(cf. Acórdãos n.os 41/90 e 1006/96).
Procurando lançar luz sobre a ambiguidade e a incerteza que, em razão dos critérios necessariamente fluídos de controlo, vinha caracterizando a jurisprudência constitucional em matéria de leis fiscais retroativas (neste sentido, cf. Acórdão 128/2009), o legislador constituinte optou por consagrar, em termos tão enfáticos quanto precisos, a proibição de cobrança de impostos retractivos, objetivando-a no n.º 3 do artigo 103.º da Constituição.
Após tal alteração, o Tribunal passou a interpretar a proibição de leis fiscais retroativas não já na base ponderativa em que o vinha fazendo até 1997-isto é, em função das circunstâncias informadoras da relação jurídicotributária afetada pela aplicação da nova lei-, mas antes em termos objetivos, informados pela contraposição entre retroatividade autêntica (ou pura) e retroatividade inautêntica (ou impura) ou retrospetividade:
de acordo com o entendimento desde então reiteradamente expresso na jurisprudência do Tribunal, a proibição de retroatividade em matéria de impostos consagrada no artigo 103.º, n.º 3, da Constituição, apenas abrange as situações de retroatividade autêntica, mas não já as de retroatividade inautêntica e de retrospetividade (cf., a título de exemplo, os Acórdãos n.º 128/2009, n.º 85/2010, n.º 399/2010).
Reproduzindo a formulação já anteriormente seguida no Acórdão 67/2012, tal entendimento foi sintetizado no Acórdão 85/2013, tirado em Plenário, nos termos seguintes:
2-Conforme se disse, o tribunal recorrido recusou a aplicação da norma do artigo 5.º, n.º 1, da Lei 64/2008, de 5 de dezembro, por violação do princípio da proibição da retroatividade fiscal consagrado no artigo 103.º, n.º 3, da Constituição.
Esta norma constitucional dispõe que
Ninguém pode ser obrigado a pagar impostos que não hajam sido criados nos termos da Constituição, que tenham natureza retroativa ou cuja liquidação e cobrança se não façam nos termos da lei
».
Sendo o poder de lançar impostos inerente à noção de Estado, como manifestação da sua soberania, perante um longo passado de abusos e arbitrariedades, a introdução do princípio da legalidade nesta matéria veio conferirlhe um estatuto de cidadania no mundo do Direito.
Assim, para que o Estado possa cobrar um imposto ele terá que ser previamente aprovado pelos representantes do povo e terá que estar perfeitamente determinado em lei geral e abstrata, só assim se evitando que esse poder possa ser exercido de forma abusiva e arbitrária, indigna de um verdadeiro Estado de direito.
Por outro lado, o mesmo princípio da legalidade não poderá deixar de impedir que a lei tributária disponha para o passado, com efeitos retroativos, prevendo a tributação de atos praticados quando ela ainda não existia, sob pena de se permitir que o Estado imponha determinadas consequências a uma realidade posteriormente a ela se ter verificado, sem que os seus atores tivessem podido adequar a sua atuação de acordo com as novas regras.
Esta exigência revela as preocupações do princípio da proteção da confiança dos cidadãos, também ele princípio estruturante do Estado de direito democrático, refletidas na vertente do princípio da legalidade, segundo o qual, a lei, numa atitude de lealdade com os seus destinatários, só deve reger para o futuro, só assim se garantindo uma relação íntegra e leal entre o cidadão e o Estado.
É neste sentido que deve ser entendida a opção do legislador constituinte de, na revisão constitucional de 1997, consagrar no artigo 103.º, n.º 3, a regra da proibição da retroatividade da lei fiscal desfavorável. Com esta alteração constitucional não se visou explicitar uma simples refração do princípio geral da proteção da confiança dos cidadãos, inerente a toda a atividade do Estado de direito democrático, mas sim expressar uma regra absoluta de definição do âmbito de validade temporal das leis criadoras ou agravadoras de impostos, prevenindo, assim, a existência de um perigo abstrato de grave violação daquela confiança.
O Tribunal Constitucional tem vindo a seguir o entendimento que esta proibição da retroatividade, no domínio da lei fiscal, apenas se dirige à retroatividade autêntica, abrangendo apenas os casos em que o facto tributário que a lei nova pretende regular já tenha produzido todos os seus efeitos ao abrigo da lei antiga, excluindo do seu âmbito aplicativo as situações de retrospetividade ou de retroatividade imprópria, ou seja, aquelas situações em que a lei é aplicada a factos passados mas cujos efeitos ainda perduram no presente, como sucede quando as normas fiscais que produziram um agravamento da posição fiscal dos contribuintes em relação a factos tributários que não ocorreram totalmente no domínio da lei antiga e continuam a formar-se, ainda no decurso do mesmo ano fiscal, na vigência da nova lei (v.g. acórdãos n.º 128/2009, 85/2010 e 399/2010, todos acessíveis em www.tribunalconstitucional.pt)
».
Pese embora o entendimento recentemente preconizado no Acórdão 171/2017-de acordo com o qual
o n.º 3 do artigo 103.º da Constituição deve ser interpretado como estabelecendo um princípio [...] de nãoretroatividade da lei fiscal
», sujeito ao
método de ponderação que tem sido reservado para os casos de retroatividade dita inautêntica
»-, continua a poder retirar-se da orientação desde há muito sufragada na jurisprudência deste Tribunal que a proibição da retroatividade fiscal consagrada no n.º 3 do artigo 103.º da Constituição, para além de
sancionar, de forma automática
»,
a mera natureza retroativa de uma lei fiscal desvantajosa para os particulares
»(Acórdão 128/2009), apenas se dirige à retroatividade autêntica, abrangendo somente os casos em que o facto tributário que a lei nova pretende regular produziu já todos os seus efeitos ao abrigo da lei antiga; excluídas do âmbito de aplicação do artigo 103.º, n.º 3, da Constituição, encontram-se, por isso, as situações de retrospetividade ou de retroatividade imprópria, isto é, aquelas em que a lei nova é aplicada a factos passados mas cujos efeitos ainda perduram no presente, como sucede com as normas fiscais que produzem um agravamento da posição fiscal dos contribuintes em relação a factos tributários que não ocorreram totalmente no domínio da lei antiga, continuando a formar-se sob a vigência da nova lei (cf. Acórdão 267/2017, bem como os Acórdãos n.os 617/2012 e 85/2013, que, por sua vez, remetem para os Acórdãos n.os 128/2009, 85/2010 e 399/2010).
[...]”.
Pela evidente afinidadequer quanto às regras de incidência objetiva, quer quanto às regras de incidência subjetivaentre o ASSB e a Contribuição sobre o Setor Bancário (CSB), importa também recordar os termos em que o Tribunal equacionou a questão da retroatividade dessa Contribuição (que tinha por pressuposto a sua natureza financeira paracomutativa), designadamente, no Acórdão 505/2021:
“[...]
9-Das conclusões alcançadas quanto à natureza jurídica da CSB retiram-se, desde logo, consequências relevantes para a apreciação da alegada inconstitucionalidade, por violação do princípio da não retroatividade da lei fiscal, do artigo 3.º do RJCSBque determina que o tributo incide sobre o
passivo apurado e aprovado pelos sujeitos passivos deduzido dos fundos próprios de base (Tier 1) e complementares (Tier 2) e dos depósitos abrangidos pelo Fundo de Garantia de Depósitos
» e sobre ovalor nocional dos instrumentos financeiros derivados fora do balanço apurado pelos sujeitos passivos
»-tal como regulamentado, em especial, pelos artigos 3.º, 4.º e n.º 2 do artigo 6.º da Portaria 121/2011. Entende a recorrente que estas normas ofendem o n.º 3 do artigo 103.º da Constituição, na medida em que determinam que o tributo
incid[a] sobre o passivo e o valor nocional dos instrumentos financeiros ambos apurados no período de 1 de janeiro a 31 de dezembro de 2010
».
Todavia, este Tribunal tem entendido que do n.º 3 do artigo 103.º da Constituição não pode extrair-se a proibição da retroatividade da lei que estabeleça o regime jurídico de outros tributos, que não detenham a natureza jurídica de imposto (v. os Acórdãos n.os 135/2012, 399/2017, 639/2017 e 770/2017). A respeito da
taxa de segurança alimentar mais
», que se concluiu ser uma contribuição financeira (cf. o Acórdão 539/2015), afirmou-se no Acórdão 399/2017 o seguinte:
9-Contrariamente ao que sucede no âmbito da reserva relativa de competência legislativa constante da alínea i) do n.º 1 do artigo 165.º-relativamente à qual o legislador constituinte procedeu à diferenciação entre as figuras do imposto, taxa e contribuições financeiras-, a proibição da retroatividade da lei fiscal constante do n.º 3 do artigo 103.º da Constituição surge desacompanhada de idêntica particularização.
Na medida em que do n.º 3 do artigo 103.º da Constituição consta apenas a referência a “impostos”, sem qualquer alusão às duas outras aludidas categorias de tributos, a questão que cumpre resolver consiste em saber se, enquanto contribuição especial, a denominada “taxa de segurança alimentar mais” deverá reconduzir-se à categoria de “impostos”, merecendo idêntico tratamento no que respeita à proibição de retroatividade. Por outras palavras, trata-se de perceber se a proibição da retroatividade consagrada no artigo 103.º, n.º 3, da Constituição, vale apenas quanto às leis definidoras de impostos ou também quanto às leis que disciplinem contribuições financeiras.
Tal como a referente à qualificação da taxa de segurança alimentar mais, também a questão relativa à determinação do âmbito de aplicação do princípio da proibição de retroatividade fiscal consagrado no n.º 3 do artigo 103.º da Constituição foi já apreciada na jurisprudência deste Tribunal.
Estando então igualmente em causa a aplicação retroativa de normas relativas a determinada contribuição especial, escreveu-se no Acórdão 135/2012 a tal propósito o seguinte:
“Nada indica, nomeadamente os trabalhos preparatórios da Revisão Constitucional, que, ao estabelecer esta proibição de retroatividade, o legislador constitucional não tenha tido em mente apenas o conceito de imposto, tendo em conta a distinção estabelecida, no artigo 165.º, n.º 1, alínea i), entre as diferentes categorias de imposto, taxa e contribuições financeiras a favor das entidades públicas. Mas isso não significa que os princípios estruturantes que fundamentam a proibição constante do artigo 103.º, n.º 3, da Constituição, não tenham uma palavra a dizer quanto à aplicação retroativa das taxas e das contribuições financeiras.”
Na medida em que a respetiva previsão apenas compreende a categoria de “impostos”-e não também a das “taxas” e/ou “contribuições especiais”-, a norma que estabelece a proibição da retroatividade das leis fiscais, constante do n.º 3 do artigo 103.º da Constituição, não é aplicável ao caso dos presentes autos.
Da inaplicabilidade da norma constante do n.º 3 do artigo 103.º da Constituição à hipótese sub judice não resulta, todavia, pelo menos necessariamente, a conclusão de que a norma sob sindicância [...] não é inconstitucional.
Conforme expressamente notado no aresto acima referido, a aplicação retroativa das normas que dispõem sobre o regime jurídico das taxas e das contribuições financeiras, apesar de se não encontrar sujeita à proibição estabelecida n.º 3 do artigo 103.º da Constituição, apenas será constitucionalmente conforme se for compatível com os princípios estruturantes que fundamentam aquela proibição, em particular com os princípios da segurança jurídica e da tutela da confiança, ambos decorrentes do artigo 2.º da Constituição.
»Resta assim, apreciar se as contestadas normas contendem com os princípios da segurança jurídica e da proteção da confiança, a respeito dos quais a jurisprudência constitucional tem constantemente entendido, tal como no Acórdão 135/2012 (n.º 4), que:
O princípio da proteção da confiança, ínsito na ideia de Estado de Direito democrático (artigo 2.º, da Constituição), só exclui a possibilidade de leis retroativas, quando se esteja perante uma retroatividade intolerável, que afete de forma inadmissível e arbitrária os direitos e expectativas legitimamente fundados dos cidadãos contribuintes.
O Tribunal Constitucional tem firmado jurisprudência no sentido de que a inadmissibilidade da retroatividade poderá ser aferida pela aplicação cumulativa, dos seguintes critérios:
a) A afetação de expectativas, em sentido desfavorável, será inadmissível, quando constitua uma mutação da ordem jurídica com que, razoavelmente, os destinatários das normas dela constantes não possam contar;
b) e quando não for ditada pela necessidade de salvaguardar direitos ou interesses constitucionalmente protegidos que devam considerar-se prevalecentes sobre os interesses particulares afetados.
»Ora, tal como resulta dos artigos 3.º do RJCSB e 3.º e 4.º da Portaria 121/2011, bem como do disposto no n.º 2 do artigo 6.º da Portaria 121/2011-segundo o qual
a base de incidência apurada nos termos dos artigos 3.º e 4.º é calculada por referência à média anual dos saldos finais de cada mês, que tenham correspondência nas contas aprovadas no próprio ano em que é devida a contribuição
»-, a quantificação da base de incidência da CSB é uma operação complexa, que embora mostrando um nexo evidente a factos ocorridos antes da entrada em vigor do RJCSB, se torna possível apenas no momento de aprovação das contas e não se cinge necessariamente aos elementos constantes do balanço, tal como definidos no dia do encerramento do exercício. Não se mostra, pois, possível acompanhar a recorrente quando afirma que
o facto tributário da CSB é a assunção/manutenção dos passivos e instrumentos financeiros derivados, num determinado exercício, e que esse facto tributário se cristaliza na ordem jurídica no momento do encerramento do exercício, i.e. a 31 de dezembro
»(cf. conclusão 57.ª, transcrita supra em 5). Diversamente, e tal como se afirmou no Acórdão 268/2021 (v. o n.º 12):
[...] [E]m primeiro lugar, importa sublinhar que o balanço, enquanto documento contabilístico, configura um registo da situação patrimonial e financeira da empresa reportado a um dado momento, mas nem por isso deixa de implicar complexas operações de avaliaçãodaí a necessidade de um “apuramento” ou reconhecimento, a realizar segundo métodos contabilísticos adequados e com a análise da informação contabilística disponível (e disponibilizada).
Acresce que o valor do passivo apurado e aprovado, designadamente nos termos do artigo 4.º da Portaria CSB, não pode deixar de ter em conta a totalidade de sentido que decorre do conjunto de elementos que integram a prestação de contas anuais, incluindo a demonstração de resultados e as notas explicativas, onde podem ser refletidos ajustamentos posteriores à data de balanço. Salienta-se, neste quadro, o disposto no artigo 3.º do Decreto Lei 35/2005, de 17 de fevereiro, que estabelece que para efeitos de observância do “princípio da prudência” consagrado no Plano de Contas para o Sistema Bancário:
devem ser reconhecidas todas as responsabilidades incorridas no exercício financeiro em causa ou num exercício anterior, ainda que tais responsabilidades apenas se tornem patentes entre a data a que se reporta o balanço e a data em que é elaborado
», bem como
todas as responsabilidades previsíveis e perdas potenciais incorridas no exercício financeiro em causa ou em exercício anterior, ainda que tais responsabilidades ou perdas apenas se tornem patentes entre a data a que se reporta o balanço e a data em que é elaborado
».
De resto, é por ser assim que a norma de incidência objetiva da CSB se reporta literalmente ao apuramento e à aprovação do passivo a realizar pelos próprios sujeitos passivos; e não por quaisquer terceiros.
»Em face do exposto, forçoso é concluir que, no momento em que entrou em vigor o RJCSB, ainda não se poderia dar como cristalizado, na expressão da recorrente, o facto que determina o pagamento do tributo. Não pode, assim, dar-se por verificado que o RJCSB pretendeu aplicar-se a factos tributários simples e inteiramente ocorridos em momento anterior à sua entrada em vigor.
Importa, ademais, ter presente que, no momento em que esta medida foi adotada, era já evidente, a nível global, que a crise do setor bancário iria traduzir-se em elevados custos de regulação, reestruturação e estabilização do setor financeiro, até então suportados largamente por fundos públicos. Várias entidades e organizações internacionais (tais como o chamado
Comité de Basileia
», a Comissão Europeia ou o
Grupo dos 20
» em articulação com o Fundo Monetário Internacional) propunham ou debatiam a adoção de novas regras. Em setembro de 2009, na sequência da cimeira de Pittsburgh, oGrupo dos 20
» requereu ao Fundo Monetário Internacional que preparasse um relatório sobre as medidas a adotar com vista a obter do setor financeiro umajusta e substancial contribuição
» para suportar os custos da intervenção pública no setor (v. Claessens, S./ Keen, M./ Pazarbasioglu, C. (Eds.), Financial Setor Taxation:The IMF’s Report to the G-20 and Background Material, setembro de 2010, disponível em https:
//www.imf.org/external/np/seminars/eng/2010/paris/pdf/090110.pdf). Em maio de 2010, na Comunicação da Comissão ao Parlamento Europeu, ao Conselho, ao Comité Económico e Social Europeu e ao Banco Central Europeu sobre fundos de resolução de crises nos bancos (COM/2010/0254 finaldisponível em eur-lex.europa.eu/), a Comissão manifestava o seu apoio à
criação de fundos de resolução de crises ex ante, financiados por uma taxa sobre os bancos
», principalmente se modeladas em termos adequados a prevenir o risco.
Neste contexto, a criação de uma contribuição com as características da CSB não pode ser considerada uma mutação da ordem jurídica com a qual os respetivos sujeitos passivos não podiam, à data em que a contribuição foi aprovada, razoavelmente contar. Em qualquer caso, a necessidade de prover rapidamente à angariação das receitas necessárias para suportar as medidas de estabilização do setormedidas, refira-se, de que o recorrente notoriamente beneficiou-sempre constituiria um fundamento atendível, à luz da Constituição, para sacrificar quaisquer expetativas de que um tributo como a CSB não viesse a ser adotado, também, em Portugal.
[...]”.
2.4-Dos fundamentos do Acórdão 505/2021 retira-se, desde logo, a relevância da qualificação do tributo para determinação do parâmetro relevante, visto que, tratando-se de um imposto, a regra da proibição da retroatividade será aferida à luz do disposto no artigo 103.º, n.º 3, da Constituição; tratando-se de outro tributo, o parâmetro relevante será o do artigo 2.º da Lei Fundamental.
Atentemos, antes de mais, nos fundamentos que levaram à qualificação da CSB como contribuição financeira:
“[...]
14. [...] O Tribunal Constitucional reconhece [...] a existência de contribuições financeiras, enquanto categoria tributária autónoma, dotada de relevo no sistema fiscal português. As contribuições financeiras são, neste plano, globalmente entendidas como prestações pecuniárias coativas, bilaterais, exigidas por uma entidade pública, em contrapartida de uma prestação administrativa dirigida a um grupo, e apenas presumivelmente provocada ou aproveitada pelo sujeito passivo singular.
Refira-se que, sem prejuízo da aparente simplicidade do conceito, esta é uma categoria de contornos muito heterogéneos, em especial na ausência da aprovação pela Assembleia da República do regime geral para as demais contribuições financeiras a favor das entidades públicas, previsto no artigo 165.º, n.º 1, alínea i), da Constituição. Na verdade, uma visão abrangente do sistema fiscal português revela que esta categoria integra um conjunto extenso e variado de tributos paracomutativos, com características nem sempre inteiramente coincidentes, sendo evidentes as especiais dificuldades experimentadas pela doutrina na sua delimitação precisa-v., a título de exemplo, entre outros, Ana Paula Dourado, que imputa à categoria das contribuições financeiras um caráter residual, enquadrando neste conceito todos os tributos que não apresentem as características dos impostos e das taxas e os tributos a favor de entidades públicas de base não territorial com características de sinalagma difuso (em Direito FiscalLições, Almedina, Coimbra, 2015, p. 67);
Sérgio Vasques, que reconhece às contribuições uma natureza fugidia, sediada num lugar intermédio entre as taxas e os impostos, integrando nesta figuras tributárias tão díspares como as contribuições para a segurança social, as taxas de regulação económica, os tributos associativos devidos às ordens profissionais e ainda os modernos tributos ambientais e impostos especiais pelo consumo (em Manual de Direito Fiscal, Almedina, Coimbra, 2018, pp. 257 e 274); ou F. Vasconcelos Fernandes, para quem a categoria das contribuições financeiras integra uma ampla e diferenciada panóplia de tributos de base bilateral e grupal (em As Contribuições Financeiras no Sistema Fiscal Português, Uma Introdução, Coimbra, 2020, p. 43). A razão de ser desta heterogeneidade prende-se, em parte, com a circunstância de não se tratar aqui de um conceito classificatório, mas antes de um quadro tipológico caracterizador, podendo variar o grau e modo da correspondência entre a realidade concreta e o tipo.
Concorrendo para a tipificação do tributo em apreço, afirmou-se no Acórdão 539/2015 (que analisou a conformidade constitucional da “Taxa de Segurança Alimentar Mais”, aí considerada como contribuição financeira) o seguinte (n.º 2 da fundamentação):
As contribuições financeiras constituem um tertium genus de receitas fiscais, que poderão ser qualificadas como taxas coletivas, na medida em que compartilham em parte da natureza dos impostos (porque não têm necessariamente uma contrapartida individualizada para cada contribuinte) e em parte da natureza das taxas (porque visam retribuir o serviço prestado por uma instituição pública a certo círculo ou certa categoria de pessoas ou entidades que beneficiam coletivamente de um atividade administrativa) (Gomes Canotilho/Vital Moreira, em “Constituição da República Portuguesa Anotada,” I vol., pág. 1095, 4.ª ed., Coimbra Editora).
As contribuições distinguem-se especialmente das taxas porque não se dirigem à compensação de prestações efetivamente provocadas ou aproveitadas pelo sujeito passivo, mas à compensação de prestações que apenas presumivelmente são provocadas ou aproveitadas pelo sujeito passivo, correspondendo a uma relação de bilateralidade genérica. Preenchem esse requisito as situações em que a prestação poderá beneficiar potencialmente um grupo homogéneo ou um conjunto diferenciável de destinatários e aquelas em que a responsabilidade pelo financiamento de uma tarefa administrativa é imputável a um determinado grupo que mantém alguma proximidade com as finalidades que através dessa atividade se pretendem atingir (sobre estes aspetos, Sérgio Vasques, ob. cit., pág. 221, e Suzana Tavares da Silva, em “As taxas e a coerência do sistema tributário”, pág. 89-91, 2.ª edição, Coimbra Editora).
»Assim, na síntese do Acórdão 255/2020 (n.º 9):
[O] Tribunal reconhece que a criação de tributos dirigidos à compensação de prestações presumidas e a admissibilidade de um quadro amplo de incidência das taxas torna mais diluída a fronteira entre as diferentes categorias de tributos e muito mais delicada a respetiva qualificação. Daí a determinação de um critério estrutural para demarcar a “linha de fronteira” entre as diferentes categorias de tributos públicos (a natureza da prestação do ente público):
“se o pressuposto de facto gerador do tributo é alheio a qualquer prestação administrativa ou se traduz numa prestação meramente eventual, estamos perante um imposto; se o facto gerador do tributo consubstancia uma prestação administrativa presumivelmente provocada ou aproveitada por um grupo em que o sujeito passivo se integra, estamos perante uma contribuição; se o facto gerador do tributo é constituído por uma prestação administrativa de que o sujeito passivo seja efetivo causador ou beneficiário, ou por um facto que, de acordo com as regras da experiência, constitui um indicador seguro da existência daquela prestação, estamos perante uma taxa.” (ibidem) [Acórdão 344/2019].
»O critério de distinção das contribuições financeiras em relação às demais categorias tributárias assenta, portanto, no tipo de relação jurídica que se estabelece entre o sujeito passivo e os benefícios ou utilidades que para este decorrem do tributo (critério estrutural, pressuposto), com especial destaque para a incidência e a natureza do aproveitamento esperado (geral, difuso, concreto, efetivo ou presumido). A contribuição financeira emerge, deste modo, como um tributo coletivo, fixado em função do grupo, pela utilização ou utilidade singular meramente presumida, numa relação de bilateralidade genérica. O mesmo é dizer que a qualidade de sujeito passivo de uma contribuição financeira não pressupõe a compensação de prestações efetivamente provocadas ou aproveitadas pelo sujeito, sendo a pertença ao grupo identificado pelo legislador condição necessária e suficiente para tal. Concretizando esta ideia, F. Vasconcelos Fernandes refere, a propósito da autonomização das contribuições financeiras, face aos demais tributos, no sistema fiscal português:
[A mesma prende-se] com o facto de corresponderem a tributos que servem de financiamento a entidades públicas cuja atividade beneficia grupos tendencialmente homogéneos de destinatários, estabelecendo-se assim uma estrutura de incidência ancorada numa prestação de acordo com a qual da atividade daquela mesma entidade decorre um benefício igualmente imputável aos indivíduos ou empresas inseridos nesse mesmo grupo. Como tal, pode mesmo dizer-se que o tipo particular de aproveitamento de que os membros dos referidos grupos usufruem é, nestes casos, determinantemente condicionado pela sua condição grupal, sendo totalmente distinto caso estivessem numa relação direta ou imediata com o ente público que lhes oferece a prestação, como sucede nas taxas, ou se não houvesse qualquer tipo de relação de benefício identificável, como sucede nos impostos.
»(em “As
demais contribuições financeiras a favor das entidades públicas
» no sistema fiscal portuguêsconceito, pressupostos e regime jurídicoconstitucional (incluindo a analogia com as Sonderabgaben alemãs)”, in Revista de Finanças Públicas e Direito Fiscal, ano XII, 1/4, 2019, p. 82)[...] a condição de sujeito passivo de uma dada contribuição financeira, quer esta respeite ao perímetro regulatório, associativo ou qualquer outro, apenas poderá despoletar-se na medida em que estejam reunidas as condições de pertença a um dado grupo homogéneo de interesses, entendendo-se por este último um conjunto institucionalmente ordenado para a expressão de objetivos de índole material e que se concretizam em benefícios concretos ao nível do referido grupo e, como tal, em benefícios presumidos para os seus membros.
»(ob. cit., p. 84)
Sublinha-se, ainda quanto a este ponto, no Acórdão 344/2019, que:
Nos tributos comutativos, o ponto de referência para a fixação do custo provocado e do benefício aproveitado não é o mesmo em todos eles:
nas taxas, porque se dirigem à compensação de prestações efetivamente provocadas ou aproveitadas pelo sujeito passivo, o custo e o benefício são reportados ao contribuinte individual (equivalência individual); nas taxas, porque se dirigem à compensação de prestações efetivamente provocadas ou aproveitadas pelo sujeito passivo, o custo e o benefício são reportados ao contribuinte individual (equivalência individual); nas contribuições, porque voltadas à compensação de prestações de que o sujeito passivo apenas é presumido causador ou beneficiário, o custo ou benefício é reportado ao grupo em que o sujeito passivo se integra (equivalência de grupo). (...) Nesta última espécie de tributos-contribuições-o princípio da equivalência vincula o legislador a definir o universo de sujeitos passivos que se presume provocar ou aproveitar a prestação administrativa. Não podendo dar-se por seguro que cada um dos concretos sujeitos passivos provoca ou aproveita a prestação pública-como ocorre nas taxas-exige-se que o legislador isole os grupos de pessoas às quais estejam presumivelmente associados custos e benefícios comuns. Assim, o princípio da equivalência projeta-se na estruturação subjetiva do tributo através do recorte de um grupo de pessoas que tem interesses e qualidades em comum, que tem responsabilidades na concretização dos objetivos a que o tributo se dirige, e que a prestação tributária seja empregue no interesse dos membros grupo.
»O Tribunal Constitucional deixou, assim, claro que a delimitação da base de incidência das contribuições financeiras não decorre apenas da homogeneidade de interesses, mas, bem assim, de uma autêntica responsabilidade de grupo,
que se deve ao facto de os sujeitos passivos deste tipo de tributo partilharem um ónus ou responsabilidade de custeamento ou suporte da atividade pública que não pode atribuir-se isoladamente mas apenas em face daquela que é a respetiva inserção no grupo a que efetivamente pertencem
»(F. Vasconcelos Fernandes, ob. cit., p. 85).
Em linha com a conclusão que antecede, tem sido sublinhada pela jurisprudência do Tribunal a importância de atender, ainda, ao elemento teleológico do tributo (critério finalístico), na medida em que este pode constituir um indicador determinante no esclarecimento da sua natureza. Conforme esclarece Sérgio Vasques, ao contrário dos impostos,
a finalidade típica das contribuições não está na mera angariação de receitas, mas em angariála para compensar as prestações presumivelmente provocadas ou aproveitadas pelo sujeito passivo
»(em “A Contribuição Extraordinária... cit., p. 226). Importa, por este motivo, conhecer o destino da receita obtida com o tributo em análise, designadamente, se está em causa o financiamento de prestações públicas indeterminadas ou de despesas gerais da comunidade, ou antes a compensação de custos incorridos por uma atividade pública determinada.
Nesta perspetiva, a consignação de receitas à entidade pública competente para financiar as prestações subjacentes aos tributos que as geram constitui, por regra,
uma qualidade reveladora da natureza comutativa destes tributos, por tal consignação significar que a receita não pode ser desviada para o financiamento de despesas públicas gerais
»(Acórdãos n.os 539/2015, 320/2016, 7/2019, 255/2020). Todavia, o Tribunal Constitucional reconhece que a consignação da receita do tributo não constitui, por si só, um elemento determinante na qualificação de um tributonão é uma condição nem necessária nem suficiente (v. Acórdãos n.os 344/2019 e 255/2020). Na verdade,
dependendo do modo como seja feita, a consignação da receita tanto pode atestar a natureza comutativa de um tributo público quanto desmentila categoricamente. Se, por hipótese, o legislador consignar a receita do imposto sobre o tabaco ao investimento no parque escolar, a afetação da receita nega uma qualquer relação de troca entre o estado e aquele grupo, que não se pode dizer presumível causador e beneficiário das prestações administrativas a financiar, estando-se perante verdadeiro imposto. A qualificação de um tributo público como contribuição exige correspondência entre pressuposto e finalidadenalguns casos a consignação comprova-a, noutros casos desmente-a.
»(cf. Sérgio Vasques, “A Contribuição Extraordinária...”, cit., p. 231.)
15-Tendo presente o enquadramento já realizado (cf. supra os n.os 6 a 9), verifica-se que a CSB tem como sujeitos passivos as instituições de crédito com sede principal e efetiva da administração em território português, as filiais em Portugal de instituições de crédito que não tenham cá a sua sede principal e efetiva da administração e as sucursais em Portugal de instituições de crédito com sede principal e efetiva fora da União Europeia (cf. artigo 2.º do RJCB). O mesmo é dizer, apelando às noções do RGICSF (vide supra), que através desta contribuição o legislador visa atingir os sujeitos cuja atividade consiste em receber do público depósitos ou outros fundos reembolsáveis e em conceder crédito por conta própria (i.e., o setor bancário). Visa, bem assim, abarcar todos aqueles que, prosseguindo a atividade enunciada, operam no sistema bancário nacional, independentemente de terem no território português a sua sede principal e efetiva ou uma filial ou sucursal (universalidade subjetiva).
Em termos objetivos, aquela Contribuição incide sobre os passivos dos bancos, concretamente sobre o passivo apurado e aprovado pelos sujeitos passivos deduzido dos fundos próprios de base (tier 1) e complementares (tier 2) e dos depósitos abrangidos pelo Fundo de Garantia de Depósitos e pelo Fundo de Garantia do Crédito Agrícola Mútuo, e os depósitos na Caixa Central constituídos por Caixas de Crédito Agrícola Mútuo pertences ao Sistema Integrado do Crédito Agrícola Mútuo e, bem assim, sobre o valor nocional dos instrumentos financeiros derivados fora do balanço apurado pelos sujeitos passivos (cf. artigo 3.º RJCSB), ambos calculados nos termos do artigo 4.º da Portaria CSB.
Ora, conforme resulta do contexto histórico em que é criada a CSB e da leitura das justificações políticolegislativas que forem sendo apresentadas pelo legislador ao longo do tempo, as opções vertidas na delimitação das bases de incidência subjetiva e objetiva da CSB estão estreitamente relacionadas com as finalidades visadas com a criação deste tributo.
Neste quadro, começa-se por afirmar, no Relatório do Orçamento de Estado para 2011, que se
procede [...] à criação de uma contribuição sobre o setor bancário na linha daquelas que foram já introduzidas noutros Estados Membros, com o propósito de aproximar a carga fiscal suportada pelo setor financeiro da que onera o resto da economia e de o fazer contribuir de forma mais intensa para o esforço de consolidação das contas públicas e de prevenção de riscos sistémicos, protegendo também, assim, os trabalhadores do setor e os mecanismos de segurança social.
». Esclarece-se ainda no mesmo Relatório que
[o] impacto da recente crise económica e financeira internacional sobre a estabilidade financeira e o papel que o setor financeiro teve na criação do risco sistémico justificaram a introdução desta contribuição, cujo objetivo geral é o de garantir um contributo deste setor que reflita os riscos que o próprio setor gera, à semelhança do que tem vindo a acontecer em outros Estadosmembros da União Europeia.
».
Ressalta, deste modo, um duplo propósito originário na criação do novo tributo:
reforçar o esforço fiscal feito pelo setor financeiro e mitigar de modo mais eficaz os riscos sistémicos, em linha com aqueles que haviam sido os objetivos traçados ao nível europeu, pela Comissão, na sequência da Cimeira de Pittsburghgarantir que é o setor bancário que suporta os encargos que ele próprio gera (
limitar os encargos para os contribuintes e minimizarou melhor ainda, eliminar-a futura dependência de fundos provenientes das contribuintes para salvar um determinado banco
»); mobilizar os montantes necessários para cobrir os custos expectáveis dos fundos de resolução (
que facilitem a resolução de crises nos bancos em dificuldades de formas que evitem o contágio e que permitam a liquidação de um banco de forma ordeira e num prazo que evite a venda urgente dos ativos (‘princípio da previdência’)
»,
contribuir para o financiamento da resolução ordeira das dificuldades em que se encontra uma entidade financeira
»); e criar incentivos à adoção de comportamentos adequados pelo setor da banca, reduzindo o risco de recurso aos mecanismos de resolução de crises (
aplicação, também no setor financeiro, do chamado
princípio do poluidor-pagador’
»).
Salientando a conexão existente entre a incidência objetiva da CSB e o segundo propósito traçado pelo legislador nacional, relativo à mitigação dos riscos sistémicos gerados pela atividade do setor bancário, os quais se tornaram evidentes com a crise económica e financeira, explicita-se no preâmbulo da Portaria CSB, o seguinte:
[P]ara efeitos da aplicação da contribuição sobre o setor bancário qualificam[-se] por regra como passivo todos os elementos reconhecidos em balanço que representem dívida para com terceiros, independentemente da sua forma ou modalidade. Excluído para este efeito do passivo fica um conjunto de realidades muito circunscrito, tal como os capitais próprios ou os passivos associados ao reconhecimento de responsabilidades por planos de benefício definido, os passivos resultantes da reavaliação de instrumentos financeiros derivados e os passivos por ativos não reconhecidos em operações de titularização, ou os passivos por provisões, atento o objetivo da mitigação de riscos sistémicos que subjaz largamente à criação desta contribuição. É também o objetivo da mitigação de riscos sistémicos que dita a desconsideração, para efeitos da base tributável, dos depósitos abrangidos pelo Fundo de Garantia de Depósitos na parcela do respetivo valor que seja objeto de cobertura por esse mesmo fundo. Idêntica razão explica que não se integrem na base tributável os instrumentos financeiros derivados de cobertura de risco, bem como aqueles cujas posições em risco se compensem mutuamente (back to back derivatives).
»O risco sistémico em apreço está, numa larga medida, associado à avaliação das dificuldades para superar uma crise de confiança do público quanto à solvabilidade da instituição, ou seja, quanto à sua capacidade para enfrentar uma eventual “corrida aos depósitos” recebido de terceiros, e às consequências daí advenientes para outras instituições financeiras, nomeadamente o ‘contágio’. O ponto de partida da análise é, por isso, a estrutura financeira da própria instituição e, muito em especial, as interdependências das várias instituições de crédito ao nível de tal estrutura.
Deste modo, e pondo igualmente a tónica no objetivo de mitigar de modo mais eficaz os riscos sistémicos, o qual está na base do regime de resolução, no seu todo, e bem assim na origem da CSB, enquanto mecanismo de financiamento do mesmo (ainda que não o único), refere-se no preâmbulo do Decreto Lei 24/2013, de 19 de fevereiro, que estabeleceu o método de determinação das contribuições iniciais, periódicas e especiais para o Fundo de Resolução (tal diploma foi, entretanto, revogado pelo artigo 13.º, alínea d) da Lei 23-A/2015, de 26 de março), que:
O regime jurídico da resolução tem por finalidade a prevenção, a mitigação e a contenção do risco sistémico que, no limite, pode decorrer do colapso de uma instituição de crédito, ainda que provocado por choques externos, poder produzir um efeito de contágio sobre as restantes instituições do sistema. Tal risco agrava-se em função da dimensão, complexidade e interconexãocom outras entidadesque a instituição que entrou em grave desequilíbrio financeiro apresente. Perante este tipo de risco e as inerentes consequências, considerou-se necessário criar novos tipos de instrumentos de intervenção que assegurem a estabilidade financeira, bem como mecanismos de financiamento sem cuja existência aqueles instrumentos perderiam grande parte da sua eficácia.
O regime instituído no RGICSF pelo Decreto Lei 31-A/2012, de 10 de fevereiro, estabelece que as necessidades de financiamento das medidas de resolução são asseguradas pelo Fundo de Resolução, o qual, por sua vez, é financiado essencialmente, nos termos do artigo 153.º-F do RGICSF, por via de contribuições das instituições nele participantes, a par da afetação das receitas da contribuição sobre o setor bancário.
[...]
No plano jurídico, as contribuições, embora obrigatórias, assumem natureza análoga à de um prémio de seguro destinado a cobrir o risco de uma instituição participante deixar de cumprir, ou ficar em risco sério de deixar de cumprir, os requisitos para a manutenção da autorização para o exercício da atividade, por força da ocorrência de uma ou de várias das situações referidas no n.º 3 do artigo 145.º-C do RGICSF e, por via desse facto, contagiar outras instituições. As contribuições para o Fundo de Resolução constituem, neste contexto, a expressão de uma mutualização daquele risco.
Em caso de ocorrência do evento contra o qual as instituições participantes se querem premunir, a intervenção do Fundo de Resolução protege o conjunto das entidades nele participantes, evitando que a situação verificada numa delas alastre às restantes e as contamine. Assim, as instituições pagam as suas contribuições como forma de se protegerem contra um eventual risco sistémico originado numa delas, mas que poderia, por seu turno, induzir o colapso financeiro das restantes instituições participantes, caso não existisse um sistema de financiamento do Fundo de Resolução.
[...]
Os custos da adoção de medidas de resolução advêm essencialmente da necessidade de apoiar o financiamento da eventual diferença que se verifique entre os passivos e os ativos transferidos para outra instituição de crédito ou, eventualmente, para um banco de transição. Ou seja, é da eventual insuficiência do valor efetivo, à data da aplicação da medida, dos ativos alienados ou transferidos face ao valor dos passivos a preservar, mediante aquela transferência, que emerge a necessidade de uma entrada de fundos para apoiar a aplicação de uma medida de resolução e, portanto, de uma adequada capitalização do Fundo de Resolução para fazer face, no futuro, a este tipo de necessidades.
Por esta razão, a base de incidência das contribuições periódicas e das contribuições iniciais das instituições participantes no Fundo desde o início da sua atividade é composta por determinados elementos do passivo das instituições participantes, com dedução de certas responsabilidades incluídas no balanço que não merecem proteção em sede de resolução, como é o caso das responsabilidades perante acionistas e credores subordinados. Existem também responsabilidades que já beneficiam de outras formas de proteção, nomeadamente os depósitos cobertos pela garantia proporcionada pelo Fundo de Garantia de Depósitos ou pelo Fundo de Garantia do Crédito Agrícola Mútuo, que podem, a esse título, ser chamados a comparticipar no financiamento de uma medida de resolução. Por isso não se considera apropriado que sejam cobradas contribuições sobre estes elementos do balanço, embora se entenda que a definição da base de incidência deve ser o mais ampla possível, limitando a possibilidade de arbitragem na captação dos vários tipos de recursos e evitando induzir distorções artificiais na estrutura do balanço das instituições.
A utilização, como referência, da base de incidência para a contribuição sobre o setor bancário, que se encontra estabelecida na Portaria 121/2011, de 30 de março, alterada pela Portaria 77/2012, de 26 de março, concretiza os princípios enunciados. [...]
»Resulta, assim, patente da motivação aduzida pelo legislador nacional nos diplomas que desenvolvem e concretizam o regime da CSB, que daquele duplo propósito originariamente identificado no Relatório do Orçamento de Estado para 2011, é o segundo objetivo enunciadode mitigar de modo mais eficaz os riscos sistémicosaquele que assume preponderância e que influi na estrutura do tributo. Já a referência ao objetivo de reforço do esforço fiscal feito pelo setor financeiro, parece assumir, neste quadro, um relevo subsidiário, na medida em que ao fazer o setor bancário contribuir de forma mais intensa, custeando os encargos que ele próprio gera, reduz-se proporcionalmente a participação dos contribuintes no esforço de consolidação das contas públicas.
16-Retira-se da análise que antecede que a CSB tem a natureza de contribuição financeira. Com efeito, estão reunidas as principais notas características desta categoria tributária:
é uma prestação pecuniária (i), coativa (ii), cujas receitas são consignadas subjetiva e materialmente a um ente público (iii), que assenta numa relação de bilateralidade genérica ou difusavisando compensar uma prestação administrativa presumivelmente provocada ou aproveitada (iv) por um grupo homogéneo de contribuintes em que o sujeito passivo se integra (v).
Acompanha-se, por isso, o entendimento adotado pelos tribunais tributários e pelo Supremo Tribunal Administrativo, que consideram ter a CSB inquestionável natureza de contribuição financeira, devido a ter na sua base
uma contraprestação de natureza grupal
». De resto, a mesma qualificação tem sido assumida pela jurisprudência arbitral no âmbito do CAAD, destacando-se pela profundidade da análise realizadaainda que com referência particular à CSB aplicável em 2016-o acórdão de 14 de junho de 2018, proferido no Processo 347/2017-T (acessível a partir da ligação https:
//caad.org.pt/tributario/decisoes/; cf., em especial, os n.os 77, 79, 82, 85 e 87).
A prevenção, mitigação e contenção dos riscos sistémicos (que podem advir do desequilíbrio financeiro de uma instituição de crédito), assoma como pedra angular do regime, seja com vista a produzir um efeito disciplinador do mercado, na medida em que o maior ou menor valor da contribuição devida depende, pela sua incidência objetiva, da maior ou menor exposição do sujeito passivo ao risco, seja pela criação de um mecanismo de financiamento do sistema de resolução, que resulta num reforço das garantias de intervenção pública, em caso de necessidade, assegurando a estabilidade financeira e contendo o efeito de contágio.
A CSB não pode ser qualificada como imposto porque a sua finalidade não é satisfazer os gastos gerais da comunidade; nem como taxa, porque não é contrapartida de uma prestação administrativa efetivamente provocada ou aproveitada pelo sujeito passivovisando, unicamente, contribuir para o financiamento das medidas de resolução a adotar pelo Banco de Portugal, obviando à formação de um risco sistémico no sistema bancário nacional, o que faz mediante consignação das receitas ao Fundo de Resolução que tem por missão custear esta intervenção (cf. artigo 153.º-C, do RGICSF). Trata-se, sim, de um tertium genus, na medida em que o tributo visa a cobertura de despesas e a satisfação de necessidades especiais do setor bancário, face a situações que, em regra, gerariam custos, oferecendo condições de estabilidade financeira ao setor, de que cada instituição (filial e sucursal) há de a título singular presumivelmente beneficiar.
O Fundo de Resolução pode, para estes efeitos, disponibilizar apoio financeiro para:
subscrever e realizar, total ou parcialmente, o capital social de uma instituição de transição ou de um veículo de gestão de ativos criados no âmbito da aplicação de medidas de resolução; subscrever e realizar, total ou parcialmente, o capital social de uma instituição de transição ou de um veículo de gestão de ativos criados no âmbito da aplicação de medidas de resolução; garantir os ativos ou os passivos da instituição de crédito objeto de resolução, das suas filiais, de uma instituição de transição ou de um veículo de gestão de ativos; subscrever e realizar, total ou parcialmente, o capital social de uma instituição de transição ou de um veículo de gestão de ativos criados no âmbito da aplicação de medidas de resolução; subscrever e realizar, total ou parcialmente, o capital social de uma instituição de transição ou de um veículo de gestão de ativos criados no âmbito da aplicação de medidas de resolução; garantir os ativos ou os passivos da instituição de crédito objeto de resolução, das suas filiais, de uma instituição de transição ou de um veículo de gestão de ativos; conceder empréstimos à instituição de crédito objeto de resolução, às suas filiais, a uma instituição de transição ou a um veículo de gestão de ativos; subscrever e realizar, total ou parcialmente, o capital social de uma instituição de transição ou de um veículo de gestão de ativos criados no âmbito da aplicação de medidas de resolução; subscrever e realizar, total ou parcialmente, o capital social de uma instituição de transição ou de um veículo de gestão de ativos criados no âmbito da aplicação de medidas de resolução; garantir os ativos ou os passivos da instituição de crédito objeto de resolução, das suas filiais, de uma instituição de transição ou de um veículo de gestão de ativos; subscrever e realizar, total ou parcialmente, o capital social de uma instituição de transição ou de um veículo de gestão de ativos criados no âmbito da aplicação de medidas de resolução; subscrever e realizar, total ou parcialmente, o capital social de uma instituição de transição ou de um veículo de gestão de ativos criados no âmbito da aplicação de medidas de resolução; garantir os ativos ou os passivos da instituição de crédito objeto de resolução, das suas filiais, de uma instituição de transição ou de um veículo de gestão de ativos; conceder empréstimos à instituição de crédito objeto de resolução, às suas filiais, a uma instituição de transição ou a um veículo de gestão de ativos; adquirir ativos da instituição de crédito objeto de resolução; subscrever e realizar, total ou parcialmente, o capital social de uma instituição de transição ou de um veículo de gestão de ativos criados no âmbito da aplicação de medidas de resolução; subscrever e realizar, total ou parcialmente, o capital social de uma instituição de transição ou de um veículo de gestão de ativos criados no âmbito da aplicação de medidas de resolução; garantir os ativos ou os passivos da instituição de crédito objeto de resolução, das suas filiais, de uma instituição de transição ou de um veículo de gestão de ativos; subscrever e realizar, total ou parcialmente, o capital social de uma instituição de transição ou de um veículo de gestão de ativos criados no âmbito da aplicação de medidas de resolução; subscrever e realizar, total ou parcialmente, o capital social de uma instituição de transição ou de um veículo de gestão de ativos criados no âmbito da aplicação de medidas de resolução; garantir os ativos ou os passivos da instituição de crédito objeto de resolução, das suas filiais, de uma instituição de transição ou de um veículo de gestão de ativos; conceder empréstimos à instituição de crédito objeto de resolução, às suas filiais, a uma instituição de transição ou a um veículo de gestão de ativos; subscrever e realizar, total ou parcialmente, o capital social de uma instituição de transição ou de um veículo de gestão de ativos criados no âmbito da aplicação de medidas de resolução; subscrever e realizar, total ou parcialmente, o capital social de uma instituição de transição ou de um veículo de gestão de ativos criados no âmbito da aplicação de medidas de resolução; garantir os ativos ou os passivos da instituição de crédito objeto de resolução, das suas filiais, de uma instituição de transição ou de um veículo de gestão de ativos; subscrever e realizar, total ou parcialmente, o capital social de uma instituição de transição ou de um veículo de gestão de ativos criados no âmbito da aplicação de medidas de resolução; subscrever e realizar, total ou parcialmente, o capital social de uma instituição de transição ou de um veículo de gestão de ativos criados no âmbito da aplicação de medidas de resolução; garantir os ativos ou os passivos da instituição de crédito objeto de resolução, das suas filiais, de uma instituição de transição ou de um veículo de gestão de ativos; conceder empréstimos à instituição de crédito objeto de resolução, às suas filiais, a uma instituição de transição ou a um veículo de gestão de ativos; adquirir ativos da instituição de crédito objeto de resolução; ou pagar uma indemnização aos acionistas ou aos credores da instituição de crédito objeto de resolução caso seja determinado que os mesmos suportaram um prejuízo superior ao que suportariam caso não tivesse sido aplicada uma medida de resolução e a instituição de crédito objeto de resolução entrasse em liquidação no momento em que aquela foi aplicada (cf. artigo 145.º-AA do RGICSF). Ou seja, tal Fundo destina-se quer ao financiamento dos custos inerentes ao serviço público de apoio à aplicação e de execução de medidas de resolução (cf. artigo 145.º-E do RGICSF), quer à satisfação das finalidades de interesse público que, com tais medidas de resolução, se visam prosseguir (cf. o disposto no artigo 139.º e no artigo 145.º-D do RGICSF).
Importa ainda sublinhar que a circunstância da receita fiscal da CSB ser paga diretamente ao Estado e só depois transferida por este para o Fundo de Resolução (sendo aí contabilizada como recursos próprios, conforme resulta da leitura do Relatório e Contas dos anos 2014 e 2015) em nada afeta a conclusão que antecede, na medida em que a materialidade da relação subjacente ao tributo em apreço (pressuposto e finalidade) não sai prejudicada por esta configuração regulativa, de índole meramente formal ou de contabilidade orçamental.
Pelos mesmos motivos, e pese embora se reconheça que a consignação da receita da CSB ao Fundo de Resolução constitui um indício forte da sua natureza de contribuição, cumpre referir que a circunstância de só em 2012 ter sido criado o Fundo de Resolução não compromete a posição seguida neste acórdão, pelo facto de se manter globalmente a materialidade da relação tributária, atentos os elementos constitutivos do tributo (base de incidência, base de cálculo e afetação da receita), não podendo ser a receita obtida desviada para o financiamento de despesas públicas gerais. Como refere o tribunal a quo:
[…A] CSB visou, em primeiro lugar e desde o início, atenuar as consequências resultantes das intervenções públicas no setor financeiro, face à situação de crise financeira então desencadeada no âmbito desse mesmo setor, reconduzindo-se a um instrumento de apoio na prevenção dos inerentes riscos sistémicos que ali então se identificaram, e não se destinando, assim, a colmatar necessidades genéricas de financiamento do Estado.
»Acha-se, pois, aqui, uma relação de bilateralidade genérica ou difusa, que se estabelece na ordem jurídica por referência a um grupo delimitado e homogéneo de contribuintesas instituições de crédito que operam em Portugal (o setor bancário) e que, pela sua integração e interligação, contribuem para e enfrentam um risco de contágio em caso de desequilíbrio financeiro de uma outra instituição de crédito parte do mesmo sistema. Doutro modo, a CSB foi criada para fazer face a situações de crise financeira, das quais os seus sujeitos passivos são simultaneamente potenciais causadores e potenciais beneficiários dos valores arrecadados, seja pela possibilidade de se virem a constituir como presumíveis destinatários diretos de medidas de resolução, seja por presumivelmente beneficiarem, enquanto parte do grupo, da adoção de tais medidas e da contenção do efeito de contágio que daí poderia advir para a sua própria esfera. Contexto que justifica, aliás, que a Comissão tenha invocado na já citada Comunicação COM/2010/254-final, também no setor financeiro, o conhecido princípio do poluidorpagador, e o legislador tenha, por seu turno, recorrido à imagem da mutualização do risco sistémico para elucidar a natureza das contribuições para o Fundo de Resolução (cf. Decreto Lei 24/2013). A CSB destina-se a compensar uma contraprestação concreta, ainda que potencial e futura, oferecida a um grupo homogéneo (v., a este propósito, Suzana Tavares da Silva, ob. cit., pp. 89 e 90).
Em sentido próximo, reconhecendo expressamente a natureza de contribuição financeira da CSB, escreve Sérgio Vasques:
A cobertura desses riscos [sistémicos] e as medidas de reação perante o colapso das instituições financeiras têm custos que não podem com justiça ser exigidos da generalidade dos contribuintes, servindo esta contribuição para exigilos dos presumíveis beneficiários. A contribuição sobre o setor bancário opera, pois, à semelhança de um prémio de seguro, e por essa precisa razão a sua base de incidência é formada pelo passivo das instituições de crédito, indicador do risco que geram. Existe nisto, em suma, o mesmo fundo comutativo que encontramos em figuras mais recuadas como as contribuições para o Fundo de Garantia de Depósitos ou para o Fundo de Garantia do Crédito Agrícola Mútuo, criadas ainda nos anos 90.
»(cf. ob. cit., p. 231.)
»Posicionando-se igualmente em sentido favorável à aproximação da CSB às contribuições financeiras, pelo menos desde a criação do Fundo de Resolução, distinguem-se Suzana Tavares da Silva (ob. cit., p. 89) e Casalta Nabais e Matilde Lavouras (em “O imposto sobre as transações financeiras”, in Boletim de Ciências Económicas, Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, Volume LVII, Tomo II, 2014, pp. 2493, 2494 e 2495), para quem a configuração deste tributo como contribuição está, aliás,
em consonância com contribuições semelhantes criadas em outros EstadosMembros da União Europeia com o duplo propósito de reforçar o esforço fiscal feito pelo setor financeiro e de mitigar de modo mais eficaz os riscos sistémicos que lhe estão associados
»(ob. cit., p. 2495).
17-O tributo em apreciação nos presentes autos revela, em suma, uma natureza financeira paracomutativa, enquanto contrapartida das prestações públicas de vocação grupal (medidas de resolução e finalidades globais por estas visadas:
salvaguarda da solidez financeira da instituição de crédito intervencionada e estabilidade do sistema financeiro). As medidas de resolução também visam salvaguardar os interesses dos depositantes, mas estes são in limine financeiramente assegurados pelo Fundo de Garantia de Depósitos (cf. artigo 154.º e ss do RGICSF); salvaguarda da solidez financeira da instituição de crédito intervencionada e estabilidade do sistema financeiro). As medidas de resolução também visam salvaguardar os interesses dos depositantes, mas estes são in limine financeiramente assegurados pelo Fundo de Garantia de Depósitos (cf. artigo 154.º e ss do RGICSF); são aproveitadas e/ou provocadas, presumivelmente, por cada instituição de crédito (filiais e sucursais) que integram o leque de sujeitos passivos (cf. artigos 139.º, 145.º-C, 145.º-E, 145.º-AB 153.º-C do RGICSF). A arrecadação de receitas visada pelo tributo surge, deste modo, subordinada à prossecução da finalidade material específica de prevenção e contenção dos riscos sistémicos, daí advindo um benefício concreto imputável a um conjunto diferenciável de destinatários.
Paralelamente é ainda possível encontrar neste tributo um fito extrafiscal, de orientação de comportamentos (ainda que em sentido impróprio, sem total autonomia e como mero efeito lateral, face à natureza comutativa do tributo, como explica Sérgio Vasques, O Princípio da Equivalência…, cit., pp. 584 e 585), na medida em que, ao incidir sobre o passivo e sobre o valor nocional dos instrumentos financeiros derivados fora do balanço, o legislador parece ter igualmente pretendido incentivar as instituições de crédito a moderar a adoção adequada e prudente de riscos no endividamento, evitando comportamentos de endividamento excessivo, que estão na base das situações de desequilíbrio financeiro das instituições, com risco de insolvência e riscos sistémicos que a manutenção da estabilidade do sistema financeiro impõe contrariar.
Em face de tudo o que antecede quanto à estrutura e finalidade da CSB, dúvidas não restam relativamente à sua natureza de contribuição financeira:
tributo exigido por uma entidade pública em contrapartida de uma prestação administrativa presumivelmente provocada ou aproveitada pelo sujeito passivo, nos termos acima mais bem explanados no n.º 14 do presente acórdão.
[...]” (sublinhados acrescentados).
À luz dos fundamentos agora transcritos, sublinhe-se que, nos termos do artigo 1.º, n.º 2, do regime constante do Anexo VI à Lei 27-A/2020, de 24 de julho, o ASSB “[...] tem por objetivo reforçar os mecanismos de financiamento do sistema de segurança social, como forma de compensação pela isenção de imposto sobre o valor acrescentado (IVA) aplicável à generalidade dos serviços e operações financeiras, aproximando a carga fiscal suportada pelo setor financeiro à que onera os demais setores”. Prevê o artigo 9.º do mesmo regime que a receita do ASSB “[...] constitui receita geral do Estado, sendo integralmente [consignada] ao Fundo de Estabilização Financeira da Segurança Social”.
A mera consideração destas duas normas basta para concluir que o ASSB não tem-e não tem manifestamenteas características de uma contribuição financeira (qualificação que, de resto, a recorrente AT também não lhe atribui).
Não obstante as evidentes afinidades com a CSB, designadamente quanto às respetivas regras de incidência objetiva e subjetiva, o ASSB não comunga das finalidades da primeira.
Efetivamente, não é possível fazer assentar uma presunção de prestação administrativa provocada ou aproveitada pela recorrente (ou pelo grupo homogéneo de contribuintes em que esta se integra) que o ASSB se destinasse a compensar em torno de uma finalidade como “[...] reforçar os mecanismos de financiamento do sistema de segurança social, como forma de compensação pela isenção de imposto sobre o valor acrescentado (IVA) aplicável à generalidade dos serviços e operações financeiras, aproximando a carga fiscal suportada pelo setor financeiro à que onera os demais setores”.
O estabelecimento da necessária conexão entre uma realidade e outra não é possível, desde logo, porque não há uma relação de contornos suficientemente definidos entre o regime do IVA no setor financeiro e o sistema de financiamento da Segurança Social.
Ainda que essa conexão pudesse ser estabelecida-e não se vê como-, seria impossível presumir uma qualquer prestação administrativa (ainda que presumida) que suportasse a bilateralidade do tributo.
Assim é, em primeiro lugar, porque muitas das operações financeiras não sujeitas a IVA são sujeitas a Imposto do Selo, existindo, inclusivamente, uma regra de incidência alternativa no artigo 1.º, n.º 2, do Código do Imposto do Selo. Assim, o “benefício” da isenção em sede de IVA não corresponde linearmente a uma isenção de tributação.
Em segundo lugar, e independentemente da incidência de Imposto do Selo, a “isenção de IVA aplicável à generalidade dos serviços e operações financeiras” dificilmente pode ser vista como um benefício para as entidades do setor financeiro, uma vez que, na generalidade das hipóteses contempladas, se trata de uma isenção incompleta, que, como tal, não confere direito à dedução (“[...] no caso das isenções incompletas (que limitam o direito à dedução), a despesa fiscal apenas se traduz no valor acrescentado da última operação da cadeia de valor, por contraposição às isenções completas (que conferem o direito à dedução), em que a despesa contempla todo o valor acrescentado gerado ao longo da respetiva cadeia”-cf. o relatório do Grupo de Trabalho para o Estudo dos Benefícios Fiscais, Os Benefícios Fiscais em Portugal, 2019, disponível em https:
//www.portugal.gov.pt/, p. 51). Como refere Raquel Machado Lopes Moreira da Costa, Tributação indireta dos serviços e operações financeiras-a Reforma da Diretiva do IVA, disponível em https:
//www.isg.pt/, p. 1:
‘[...]
Atualmente assiste-se, a nível europeu, a uma grande necessidade de definição do regime de tributação indireta dos serviços financeiros, o qual tem sido objeto de diversas e sucessivas propostas de alteração, sem que se tenha alcançado uma versão verdadeiramente satisfatória para todos os interessados.
A nível nacional, estes serviços sofrem de um ‘síndrome multilateral’-são objeto de Imposto sobre o Valor Acrescentado, sendo no entanto, em grande parte, deste isentos. Esta isenção, sendo incompleta, não possibilita a dedução do IVA pago a montante. Assim, verifica-se o pagamento de imposto oculto que, acrescido ao Imposto do Selo a que é sujeito pela não tributação em sede de IVA, se revela um custo. Dado o caráter complementar que o primeiro tem face ao segundo, gera um aumento significativo dos custos para o operador económico e naturalmente do preço do serviço para o consumidor.
[...]’.
Acresce que o regime fiscal das operações financeiras é complexo e cobre um conjunto heterogéneo de atos dificilmente reconduzíveis a características comuns que permitam o reconhecimento da tal prestação presumida.
Por fim, a modelação de isenções de operações financeiras não está na total disponibilidade do legislador nacional (cf., designadamente, os artigos 135.º e ss. da Diretiva 2006/112/CE do Conselho de 28 de novembro de 2006 relativa ao sistema comum do Imposto sobre o Valor Acrescentado).
Não pode falar-se, enfim, de bilateralidade genérica ou difusa-a bilateralidade é simplesmente inexistente, por falta absoluta de elementos objetivos de conexão que a sustentem.
Em sentido aproximado, também Filipe de Vasconcelos Fernandes, O (imposto) adicional de solidariedade sobre o setor bancário, Lisboa, 2020, pp. 90/93, após sublinhar a discutível homogeneidade de grupo, a ausência de responsabilidade de grupo e a ausência de utilidade de grupo, conclui:
‘[...]
Pese embora se possa admitir que entre os diferentes sujeitos passivos do ASSB exista alguma homogeneidade de grupo, afigura-se necessário concluir que, em momento algum, se poderá reconhecer a existência de responsabilidade de grupomuito em particular sob a forma de responsabilidade pelo risco, como é próprio de tributos vinculados ao risco sistémico bancárionem tão pouco de qualquer utilidade de grupo.
Efetivamente, no que concerne à responsabilidade de grupo, não existe qualquer conexão entre os fundamentos que presidem à criação do ASSB-seja, como vimos, a despesa fiscal de IVA associada às isenções para o setor financeiro ou até mesmo a sustentabilidade do FEFSS-e uma qualquer responsabilidade acrescida do setor bancário, enquanto grupo tendencialmente homogéneo, de suportar um ónus tributário acrescido.
Conforme vem sendo salientando na doutrina fiscal nacional e comparada, o critério da responsabilidade de grupo pretende justamente onerar um grupo homogéneo de indivíduos ou entidades quando, a respeito de um certo evento com dimensão creditícia ou financeira, aquele se deva diferenciar da sociedade em geral, requerendo-se “uma relação específica de proximidade entre um grupo homogéneo de sujeitos passivos e o evento ou a finalidade creditícia em presença”.
Tal não sucede no caso do ASSB, uma vez que, mesmo que se admita que integram um grupo relativamente homogéneo, os respetivos sujeitos passivos não têm qualquer responsabilidade de grupo, entendida como um ónus no custeamento ou suporte de uma atividade pública.
E assim sucede na medida em que a tipologia de atividades exercidas pelas entidades do setor bancário ou a composição do respetivo balanço patrimonial não é, por si só, suscetível de gerar um ónus contributivo adicional à luz de um tributo cuja conexão ao risco sistémico bancário se encontra totalmente ausente, conforme é inequivocamente demonstrado pela total afetação da respetiva receita ao FEFSS.
Por seu turno, no que concerne à utilidade de grupo, está em causa a ausência de um qualquer benefício para o setor bancáriomais uma vez enquanto grupo tendencialmente homogéneoque possa, por si só, justificar a imposição de um ónus tributário diferenciado.
Tal apenas se poderia verificar caso as entidades do setor tivessem, no hiato temporal associado à vigência do regime que criou o ASSB, beneficiado diferencialmente de qualquer tipo de prestação ou utilidade, ainda que abstratamente projetada sobre o grupo homogéneo dos seus sujeitos passivos.
Os dados evidenciam, todavia, um cenário completamente distinto, não sendo minimamente discernível que tipo eventual de prestação ou benefício possa ter sido grupalmente projetado sobre o setor bancário, ao ponto de permitir a imposição de um ónus contributivo adicional às entidades que integram o setor bancário.
Verifica-se, por isso, que o ASSB não pode configurar-se como uma contribuição financeira, dado que não reúne, inequivocamente, os carateres tipológicos desta categoria de tributo bilateral ou comutativo.
[...]’.
Em suma, o ASSB só pode qualificar-se como imposto, pelo que a regra da proibição da retroatividade será aferida à luz do disposto no artigo 103.º, n.º 3, da Constituição.
2.5-Recordemos, antes de mais, que a norma transitória sub judice prevê que a base de incidência prevista no Regime do ASSB, no caso do adicional de solidariedade devido em 2020, é calculada por referência à média semestral dos saldos finais de cada mês, que tenham correspondência nas contas relativas ao primeiro semestre de 2020 publicadas em cumprimento da obrigação estabelecida no Aviso do Banco de Portugal n.º 1/2019, de 31 de janeiro, que atualiza o enquadramento normativo do Banco de Portugal sobre os elementos de prestação de contas.
Considerando que o ASSB foi criado pela Lei 27-A/2020, de 24 de julho, que entrou em vigor em 25/07/2020, salta à vista que os factos tributários principais se situam no passado relativamente à publicação e entrada em vigor daquele diploma.
A recorrida AT invoca que ‘[...] o que releva na formação do facto tributário sujeito a ASSB é o momento do apuramento e aprovação das contas e não o
facto material de contabilisticamente ser apurada a existência de passivo
»’ e que ‘[...] a formação do facto tributário no ASSB só se verifica com o apuramento e aprovação das contas’. O argumento, porém, não convence. Poderia, eventualmente, relevar se o imposto não tivesse de ser pago ainda no ano 2020, até 15 de dezembro (artigo 21.º, n.º 1, alínea b), da Lei 27-A/2020, de 24 de julho), o que implica, naturalmente, que o facto tributário se encontre totalmente verificado. Não vale, pois, para esta hipótese, designadamente, a jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo (referida no Acórdão 268/2021, ao apreciar a questão prévia da utilidade do recurso), relativa à Contribuição sobre o Setor Bancário.
Afirmar, como faz a AT, que a ‘formação do facto tributário do ASSB relativo ao primeiro semestre de 2020, não se prescinde dessas ‘complexas operações de avaliação’ nem se pode deixar de ter em conta os ‘ajustamentos posteriores à data de balanço’, que se verificam com o apuramento e aprovação das contas’, quando essas contas apenas podem ser aprovadas em 2021, após o encerramento do exercício anual (cf. artigo 65.º do Código das Sociedades Comerciais), e o imposto tem de ser liquidado em dezembro de 2020 é um contrassenso. Ao situar a liquidação ainda em 2020, o legislador não pode invocar um facto tributário ainda em formação, porque a liquidação, enquanto ao final que determina o montante de imposto a pagar, pressupõe necessariamente um facto tributário já formado. De todo o modo, é impossível ao contribuinte certificar as contas mediante um ato que ainda não praticou. Na verdade, a norma transitória contida no artigo 21.º, n.º 1, alínea a), Lei 27-A/2020, de 24 de julho, é incompatível com a previsão do regime do ASSB que a AT usa na sua argumentação, porque o artigo 4.º, n.º 4, daquele regime estabelece a base de incidência ‘[...] por referência à média anual dos saldos finais de cada mês, que tenham correspondência nas contas anuais do próprio ano a que respeita o adicional, tal como aprovadas no ano seguinte’, o que se mostra simplesmente inconciliável com os prazos previstos na norma transitória. Aliás, se assim não fosse, a norma transitória seria inútil.
Sublinhe-se, ainda, que não está em causa, nos presentes autos, a recusa da norma prevista no n.º 2 do artigo 21.º da Lei 27-A/2020, de 24 de julho, que disciplina a obrigação de pagamento na ausência da publicação das contas semestrais nos termos do Aviso do Banco de Portugal n.º 1/2019, de 31 de janeiro. Assim sendo, só releva a obrigação de publicação de contas semestrais, que existe para instituições de crédito, empresas de investimento e instituições financeiras nos termos do referido aviso, que remete para os termos previstos no Código dos Valores Mobiliários (artigos 2.º, alínea a), e 7.º, n.º 2, do Aviso do Banco de Portugal n.º 1/2019, de 31 de janeiro). Essa obrigação, quando existente (cf. artigos 246.º, n.º 1, e 244.º, n.º 1, do Código dos Valores Mobiliários, na redação, aqui relevante, decorrente do Decreto Lei 22/2016, de 3 de junho), devia ser cumprida tão cedo quanto possível e decorridos, no máximo, três meses após o termo do primeiro semestre do exercício, relativamente à atividade desse período (artigo 246.º, n.º 1, do Código dos Valores Mobiliários, na aludida redação, correspondente ao atual artigo 29.º-J, n.º 1, do referido código), o que significa que a publicação das contas semestrais ‘tão cedo quanto possível’ podia ter ocorrido antes de 25/07/2020, data de entrada em vigor da Lei 27-A/2020, de 24 de julho.
Em suma, é apenas o apuramento contabilístico do saldo médio do primeiro semestre de 2020-e não o seu reflexo nas contas anuaisque releva para a incidência do imposto, pelo que a respetiva tributação por lei entrada em vigor em 25/07/2020 só pode ter-se como irremediavelmente retroativa e, consequentemente, violadora do disposto no artigo 103.º, n.º 3, da Constituição.
[...]”.
Valem estas considerações, no essencial, para a norma contida no artigo 21.º, n.º 1, alínea a), da Lei 27-A/2020, de 24 de julho, no segmento que se refere ao cálculo do imposto relativo ao primeiro semestre de 2020, que corresponde apenas a uma enunciação formalmente distinta, mas substancialmente equivalente, à que foi apreciada no Acórdão 149/2024.
Importa, todavia, ressalvar que a fonte da obrigação de prestar contas merece uma revisão corretiva, uma vez que, para a generalidade das instituições de crédito, empresas de investimento e instituições financeiras, essa obrigação decorre do artigo 4.º, n.º 3, do Aviso do Banco de Portugal n.º 1/2019, correção que, ademais, não só não implica qualquer alteração da conclusão alcançada no Acórdão 149/2024, como aprofunda as razões de censura jurídicoconstitucional. Não altera, na medida em que, à semelhança do artigo 7.º, n.º 2, do Aviso do Banco de Portugal n.º 1/2019, conjugado com os artigos 246.º, n.º 1 e 244.º, n.º 1 do Código dos Valores Mobiliários, na redação decorrente do Decreto Lei 22/2016, de 3 de Junho (que previa um prazo de três meses após o termo do primeiro semestre para apresentação de contas), o artigo 4.º, n.º 3, do referido Aviso prevê um prazo de 90 dias após o termo do 2.º trimestre para apresentação de contasou seja, em ambos os casos o prazo estava em curso quando entrou em vigor a Lei 27-A/2020, de 24 de julho, tornando-a potencialmente aplicável a sujeitos que já tivessem apresentado as suas contas (é este um resultado abstrato da norma), contas essas que não constituem, sequer, as contas finais anuais. Razões de censura que se agravam porque uma parte desses saldos médios (os do 1.º trimestre) já se encontrariam, então, há muito consolidados porque as contas respetivas já haviam sido apresentadas até ao final de maio de 2020 (cf. artigo 4.º, n.º 3, do Aviso do Banco de Portugal n.º 1/2019).
Assim, aderindo aos fundamentos transcritos (com a correção assinalada no parágrafo anterior), resta, pois, concluir pela improcedência do recurso quanto ao juízo de inconstitucionalidade da norma contida nos artigos 21.º, n.º 1, alínea a), da Lei 27-A/2020, de 24 de julho, no segmento que se refere ao cálculo do imposto relativo ao primeiro semestre de 2020.
»9-O juízo de inconstitucionalidade patente nos arestos de decisões sumárias já mencionados foi entretanto reafirmado, com os mesmos fundamentos, nos Acórdãos n.os 19/2025 e 188/2025; e nas Decisões Sumárias n.os 549/2024, 551/2024, 618/2024 e 36/2025.
10-Resta, pois, declarar a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, da norma contida no artigo 21.º, n.º 1, alínea a), da Lei 27-A/2020, de 24 de julho, no segmento que se refere ao cálculo do imposto relativo ao primeiro semestre de 2020, por violação do princípio da proibição da retroatividade dos impostos, decorrente do artigo 103.º, n.º 3 da Constituição da República Portuguesa. IIIDecisão Nestes termos, pelos fundamentos expostos, decide-se declarar a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, da norma contida no artigo 21.º, n.º 1, alínea a), da Lei 27-A/2020, de 24 de julho, no segmento que se refere ao cálculo do imposto relativo ao primeiro semestre de 2020, por violação do princípio da proibição da retroatividade dos impostos, decorrente do artigo 103.º, n.º 3 da Constituição da República Portuguesa.
Sem custas.
O Relator atesta o voto de conformidade da Senhora Conselheira Joana Fernandes Costa, que não assina por não estar presente. Rui Guerra da Fonseca.
Lisboa, 3 de junho de 2025.-Rui Guerra da FonsecaMaria Benedita UrbanoDora Lucas NetoAfonso Patrão-João Carlos LoureiroCarlos Medeiros de CarvalhoJosé Teles PereiraGonçalo Almeida RibeiroJosé Eduardo Figueiredo DiasMariana Canotilho-António José da Ascensão Ramos (Vencido, conforme declaração anexa)-José João Abrantes.
DECLARAÇÃO DE VOTO
Votei vencido o acórdão que antecede pelos motivos que a seguir se apresentam.
1-Concordo que o ASSB será caracterizado como uma prestação de natureza pecuniária, unilateral, coativa e definitiva que, do ponto de vista subjetivo, é devida a entidade pública e vincula titulares de capacidade contributiva:
é, como tal, associável à categoria dogmática do imposto, com incidência sobre o património em balanço do sujeito de imposto financiado por dívida. Trata-se de um modelo de tributação sobre instituições de crédito conhecido (bank levy on leverage) também adotado em ordenamentos próximos do nosso, seja o caso de Bélgica e Holanda.
Existem, porém, dois outros atributos essenciais do ASSB que importa assinalar.
1.1-Em primeiro lugar, do ponto de vista funcional e para além da captação de receita, o ASSB encontra-se dirigido ao desempenho de funções extrafiscais pelo tratamento de benefício que confere a instituições de crédito que estruturem o seu financiamento através de instrumentos de capitais próprios, por dívida subordinada ou por esquemas financeiros de baixo risco (i. e., depósitos), promovendo o reforço da capacidade do setor para absorver perdas e prevenindo riscos sistémicos, aptos a alastrar a outros setores da economia.
Na verdade, se o ASSB é lançado sobre o stock patrimonial da instituição de crédito, apenas sujeita a carga fiscal o que esteja financiado por dívida e, de entre esta, exclui da incidência a que esteja alocada à absorção de perdas do operador (dívida subordinadaartigo 4.º, n.º 1, alínea a), e 2, alínea a), do RJASSB), já que estes passivos participam no reforço da sua situação de fundos próprios. Exclui-se também da incidência os derivados de cobertura (cf. artigo 4.º, n.º 3, do RJASSB) por se tratarem de esquemas financeiros de segurança.
Também com o escopo de encorajar a adoção de políticas financeiras de baixo risco, são excluídos os passivos relativos a depósitos cobertos por Fundos de Garantia, porque estes veículos são financiados pela banca (artigo 3.º, alínea a), 2.ª parte e 4, n.º 1, alínea b), do RJASSB) e porque a captação de aforro em depósitos e a colocação de empréstimos por modelos tradicionais constituem atividades de risco reduzido.
Tratando-se de uma medida fiscal orientada para a estimulação de dado comportamento económico e dissuasão de um outro, falamos de um imposto cuja receita tende a regredir na medida da sua eficácia:
pela proporção que uma instituição de crédito mitigue o seu recurso a dívida e, dentro desta, promova a utilização de instrumentos de maior estabilidade e de caráter subordinado, limitando a utilização de esquemas financeiros com maior risco de perdas (v. g., derivados especulativos), aliviará a carga fiscal em ASSB.
Isto significa que estamos perante uma medida fiscal com desempenho como instrumento de regulação económica, importando por isso certa medida de retração na aplicabilidade de princípios de Direito fiscal tout court. Significa também que estamos perante uma ingerência na liberdade de empresa (artigo 62.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa), mas veja-se que, de forma paralela à colocada pelo ASSB, as instituições de crédito estão obrigadas a manter a sua estrutura financeira e a sua direção de política económica em conformidade com um vasto catálogo de imposições prudenciais sujeitas a supervisão pública, de fonte internacional (Basileia III e IV) e europeia (Reg. (UE) n.º 575/2013 do Parlamento Europeu e do Conselho de 26 de junho de 2013, Reg. (UE) n.º 2017/2401 do Parlamento Europeu e do Conselho de 12 de dezembro de 2017 e Diretiva n.º 2013/36/UE do Parlamento Europeu e do Conselho de 26 de junho de 2013). A regulação sobre as condições de capitalização da banca abrange, entre muitas outras, a necessidade de manter reservas aptas a absorver perdas (fundos Tier 1 e 2) e a diposição de garantias de liquidez (rácio de cobertura de outflows por disponibilidades), vinculando as entidades com operação no mercado a manter uma forma especial de equilíbrio financeiro. A inobservância destas exigências é fundamento da revogação da autorização para o desempenho da atividade (cf. artigo 22.º, n.º 1, alínea l), do RGIC).
O programa normativo em causa converge com este desenho de Direito público referente ao setor bancário, constitui uma medida moderadora da alavancagem e participa também na defesa da estabilidade das empresas e do setor. A função dissuasora não tem por instrumento a ameaça de interdição da atividade, bastando-se com a geração de um sobrecusto de natureza fiscal, assim representando uma medida de ingerência moderada na gestão e estruturação do financiamento das instituições de crédito (Acórdão do TC n.º 178/2023).
1.2-Em segundo lugar, é importante assinalar que, na ótica de política fiscal, o ASSB mostra-se definido tendo em vista eliminar benefícios comparativos conferidos pelo quadro fiscal de IVA a empresas do setor financeiro, maximizando a justiça global do sistema.
Na impossibilidade de apresentar uma exposição mais desenvolvida, serve aqui dizer que, por contrapartida da perda de receita fiscal pública inerente à isenção do IVA em transações financeiras, as instituições de crédito obtêm as seguintes vantagens:
(i) em caso de aumento da taxa do imposto, existirá menor impacto na sua política de fixação de preço, tornando relativizáveis variáveis de gestão que poderiam representar perdas de rentabilidade, seja pela necessidade de redução de margem de ganho em proveitos, seja por perdas de volume de negócio;
(ii) os operadores financeiros encontram-se aliviados do importante leque de encargos inerente à organização dos procedimentos de liquidação e cobrança do imposto, que representaria um problema acrescido para as instituições na inovação de produtos e serviços financeiros; de maior significado na sua atividade, (iii) caso tivessem de suportar IVA em operações passivas de captação de recursos junto de terceiros (obtenção de crédito) para o desenvolvimento da sua atividade (concessão de crédito), se seria permitido aos operadores abatêlo ao imposto liquidado, isso importaria maior esforço de investimento, maior despesa, maiores custos financeiros correntes, maior pressão na tesouraria e agravaria as consequências de problemas de cobrança e de imparidades em ativos correntes.
Sem descurar a relevância e impacto das demais, é nesta última distorção da equidade tributária (face aos agentes económicos nãoisentos do imposto) que o ASSB lança carga fiscal:
a norma de incidência contabiliza o stock patrimonial financiado com recurso a operações de dívida, em que os sujeitos passivos beneficiam de tratamento preferencial por via de isenção e que corporiza uma importante perda de receita para os cofres públicos.
2-Posto isto, vejamos agora que o facto tributário do ASSB, que no regime ordinário se identifica com a aprovação de passivos em contas anuais nos termos do artigo 65.º do CSC, no regime do ano de 2020 é substituído pela publicação de passivos em contas relativas ao primeiro semestre do exercício nos termos do dever de publicitação intercalar de posições financeiras estabelecida no artigo 4.º, n.º 3, do Aviso do Banco de Portugal n.º 1/2019, de 31 de janeiro (cf. artigo 21.º, n.º 1, da Lei 27-A/2020 de 24 de julho).
Esta modelação do facto gerador explica-se por a definição da base de incidência e a sinalização de capacidade contributiva no ASSB reportarem à especial relação entre os ativos do sujeito passivo e a sua forma de financiamento, que por isso assenta no balanço e na exposição de posições complementares (derivados offsheet) que relevam. O facto tributário do ASSB no exercício de 2020-os passivos apurados em contas publicadas referentes ao 1.º semestreintegra no facto gerador, pois, dois atos materiais:
a publicação de contas relativa ao 1.º trimestre de 2020 e a publicação de contas relativa ao 2.º trimestre de 2020 (cf. artigo 4.º, n.º 3, alíneas a) e b), do Aviso 1/2019, de 31 de janeiro), apurando-se em função delas a correspondente média mensal das verbas publicadas, sobre a qual será lançada a taxa e apurado o imposto relativo a todo o período considerado pela norma (1.º semestre).
Considerando a estrutura diárquica do facto gerador de imposto, este apenas se pode entender completo com o segundo ato de publicitação trimestral de posições passivas pelo operador, razão por que será em função deste último marco que se avaliará se estamos perante retroatividade autêntica e, por inerência, se existe invasão do espaço de proibição constitucional definido no artigo 103.º, n.º 3, da Constituição da República Portuguesa.
Na verdade, a a proibição de retroação contida no artigo 103.º, n.º 3, da CRP respeita exclusivamente aos casos em que, a um facto anterior à data de entrada em vigor da Lei nova, esta vem associar novas consequências jurídicas, agravativas da situação contributiva do particular (retroatividade autêntica-v. g., introdução de um novo imposto de obrigação única cujo facto gerador se verificou antes da chegada da nova disciplina legal ao ordenamento jurídico) (F. V. FERNANDES, Direito Fiscal Constitucional, AAFDL, 2020, pp. 278-279;
Acórdãos do TC n.º 617/2012; v., também, n.os 128/2009, 85/2010, e 377/2010).
Ora, o programa normativo sob sindicância entrou em vigor em 25 de julho de 2020 e integra na sua norma de incidência dois factos materiais cuja verificação deveria ocorrer, nos termos do artigo 4.º, n.º 3, alíneas a) e b), do Aviso 1/2019, de 31 de janeiro, o primeiro num intervalo entre 31 de março e 31 de maio de 2020 (1.ª publicação de posições passivas) e, o segundo, entre 30 de junho e 28 de setembro de 2020 (2.ª publicação de posições passivas). O regime fiscal novo adquiriu vigência no ordenamento, por conseguinte, quando o segundo dos dois prazos se encontrava ainda em curso, tal como se assinala no Acórdão.
No entanto, porque o facto gerador de imposto respeita a factos e não a prazos, apenas haverá retroatividade do imposto quando a norma se entenda aplicável a situações em que o sujeito passivo haja publicado as contas relativas ao 1.º e 2.º trimestre antes de 25 de julho de 2020, já que apenas nessas condições se poderá entender que o novo quadro legal estabelece uma nova disciplina jurídicotributária sobre um facto verificado e completado integralmente antes da sua aquisição de vigência na ordem jurídica.
Contra esta conclusão não milita o facto de as contas do 1.º trimestre presumivelmente se encontrarem apresentadas por todas as instituições de crédito à data da entrada em vigor da norma fiscalizada, desde que observados os prazos regulamentares. Desde que a publicação das contas do 2.º trimestre seja efetuada depois de 25 de julho, este é o tipo de situação em que o facto a que a nova norma associa novos efeitos fiscais se verifica em parte antes da sua entrada em vigor e, noutra, já depois de esta adquirir vigência. Quando é assim, porque o facto tributário se encontra em fase de formação na altura da chegada da Lei nova ao ordenamento, não se pode dizer verificado e esgotado antes do surgimento do novo quadro legal, pelo que a retroatividade autêntica fica descaracterizada. Um outro exemplo será a alteração (agravativa) de regras de IRS aplicáveis a ano fiscal em curso:
tratando-se de imposto cujo facto gerador agrega um período anual de angariação de rendimentos e da introdução de uma nova disciplina antes do seu terminus, estaremos perante “factos tributários que não ocorreram totalmente no domínio da lei antiga, continuando a formar-se sob a vigência da nova lei” e que, como tal, não importam juízo de retroatividade (Acórdão do TC n.º 617/2012).
Em face do exposto, é seguro que a norma não se pode entender dotada de eficácia retroativa se apenas aplicável a situações em que a publicação de contas relativas ao 2.º trimestre de 2020 ocorreu depois de 25 de julho. Da mesma forma, a aplicação da nova Lei nas situações em que as contas de ambos os trimestres hajam sido publicadas depois de 25 de julho (em violação dos prazos regulamentares) não importa efeito retroativo, já que, nesses casos, será de aplicar o artigo 21.º, n.º 2, da Lei 27-A/2020, de 24 de julho, estatutivo de um dever de específico de computação e comunicação à Autoridade Tributária da situação financeira que importa à base de incidência tendo em vista suprimir a falta de apresentação de contas em tempo e que necessariamente será posterior à aquisição de vigência da Lei nova.
A posição que obteve a maioria não levou devidamente em conta a natureza do facto tributário (que respeita a atos materiais, não a prazos para a sua prática), como resolveu ignorar o problema suscitado pelo concurso de normas no tempo colocado. Apenas na medida em que importasse um lançamento retroativo do imposto seria possível entender a norma inconstitucional por violação do artigo 103.º, n.º 3, da Constituição da República Portuguesa, pelo que a decisão da maioria excede em muito o que a fundamenta.
Mesmo levando em conta a argumentação expendida no acórdão, o artigo 21.º, n.º 1, alíneas a) e b), da Lei 27-A/2020, de 24 de julho, só pode entender-se inconstitucional por violação do artigo 103.º, n.º 3, da Constituição da República Portuguesa, no segmento normativo em que sujeita a ASSB relativo ao 1.º semestre de 2020 as instituições de crédito que hajam publicado as contas referentes a todo esse período (em cumprimento do artigo 4.º, n.º 3, alíneas a) e b), do Aviso 1/2019, de 31 de janeiro) em data anterior a 25 de julho de 2020. No demais do lançamento do imposto, estamos perante a atribuição de efeitos meramente retrospetivos ao novo corpo normativo de Direito tributário, deixando-o a resguardo do vício de inconstitucionalidade material ora sinalizado.
Impunha-se, como tal, cingir o juízo positivo de inconstitucionalidade material ao disposto no artigo 21.º, n.º 1, alíneas a) e b), da Lei 27-A/2020, de 24 de julho, na parte em que se refere ao cálculo do imposto no 1.º semestre de 2020 sobre instituições de crédito que hajam publicado as contas relativas a esse período antes de 25 de julho de 2020, por apenas quanto a essa componente disciplinadora se verificar o fenómeno de retroatividade autêntica da norma fiscal proibido pela Lei Fundamental, julgando-se o recurso improcedente quanto ao mais. António José da Ascensão Ramos 119199159