2. Entre nós, o problema tem sido denunciado com frequência e por vozes autorizadas. Para lhe encontrar solução, abriu caminho o Decreto-Lei 42800, de 11 de Janeiro de 1960, ao estabelecer ou permitir diversas delegações de competências dos Ministros para os directores-gerais e destes para os directores de serviços e chefes de repartição. São do preâmbulo desse documento as seguintes considerações, que vem a propósito recordar:
No seguimento do propósito já expresso pelo Conselho de Ministros de simplificar os métodos do trabalho burocrático e melhorar a eficiência dos serviços públicos, tem natural cabimento a preocupação de dispensar do despacho dos membros do Governo todos os assuntos que possam sem inconveniente ser resolvidos em outro nível.
Na verdade, frequentemente se sentem os efeitos de uma organização administrativa com aspectos ou pormenores de excessiva centralização, que coloca na dependência da decisão ministerial numerosas questões cuja resolução pode ser confiada aos directores-gerais. E também estes deixarão com vantagem aos seus subordinados imediatos a prática de alguns actos que cabem com maior propriedade nas atribuições dos responsáveis directos pelos serviços.
Interessa, pois, atenuar uma concentração de competências nem sempre justificada e conferir aos funcionários de chefia, nos vários graus hierárquicos, maior autoridade e maior responsabilidade.
3. As realidades e perspectivas da nossa vida administrativa aconselham a prosseguir na linha de desconcentração e simplificação iniciada por aquele diploma, através da adopção de novas providências que, aligeirando o peso da burocracia estadual, ajudem simultâneamente a criar um condicionalismo favorável à reforma administrativa a que alude o Decreto-Lei 48059, desta data.
Com o presente diploma procura-se, por um lado, aliviar a tarefa administrativa dos Ministros e dos dirigentes dos serviços e, por outro, chamar os funcionários menos categorizados dos sectores de chefia a participar mais activa e solidàriamente na vida da Administração e a manter contacto mais estreito com os administrados.
4. Nesta ordem de ideias, o diploma agora publicado na folha oficial:
a) Transfere dos Ministros para os directores-gerais a competência para a prática dos actos enunciados no artigo 1.º;
b) Transfere dos directores-gerais para os directores de serviço, chefes de repartição e determinados chefes de serviços externos a competência para a prática dos actos referidos no artigo 2.º;
c) Estabelece novas delegações de competências (artigo 3.º e n.º 2 do artigo 7.º), do tipo das já admitidas pelo Decreto-Lei 42800;
d) Prevê delegações de competências, já não apenas em matéria administrativa de ordem geral, mas ainda em assuntos relativos às funções específicas dos serviços [artigo 5.º e alínea b) do artigo 6.º];
e) Admite, em certos casos, a subdelegação de competências [artigo 4.º e alínea a) do artigo 6.º];
f) Permite a chamada «delegação de assinatura» (artigo 10.º).
A estas providências se faz em seguida breve comentário, que ajudará a determinar-lhes o seu exacto significado.
5. São conhecidas as vantagens da desconcentração de competências, operada quer por via de transferência, quer de delegação e subdelegação de poderes.
Esquemàticamente, podem assim enunciar-se:
Libertação dos escalões e categorias superiores da Administração para o exercício de funções de maior monta e responsabilidade;
Desobstrução dos canais administrativos, com a consequente simplificação e aceleração dos circuitos;
Acréscimo de rapidez e eficiência na actividade administrativa;
Maior responsabilização nos vários níveis de chefia;
Mais fácil contacto dos interessados nas decisões com os órgãos donde emanam essas mesmas decisões.
Em contrapartida, uma política de desconcentração que não fosse levada a efeito criteriosa e cautelosamente poderia conduzir como que a uma «subversão» de competências susceptível de afectar as garantias dos particulares e aquele grau de certeza e segurança que tem de exigir-se nas relações entre a Administração e os administrados.
Crê-se que o diploma adopta soluções de justa medida e são critério, quer no doseamento entre transferências e delegações (bem como subdelegações) de competências, quer nas cautelas de que estas são rodeadas.
Assim é que as mais significativas delegações e subdelegações de poderes a efectuar pelos directores-gerais terão de ser autorizadas pelos Ministros respectivos, o que permitirá a estes assegurar uma desejável uniformidade de orientação, tanto quanto é possível consegui-la neste domínio, em que não pode deixar de haver interferência de juízos de ordem subjectiva.
Por outro lado, o artigo 8.º, n.º 1, consagra os princípios, já com expressão na nossa ordem jurídica, de que as delegações são pessoais, revogáveis e não prejudicam o direito de avocação, nem, de modo geral, o exercício de outras faculdades abrangidas no poder hierárquico.
A segurança dos particulares é ainda acautelada através do que se dispõe no n.º 2 do mesmo artigo 8.º e no artigo 9.º: menção da qualidade respectiva quando o acto seja praticado no uso de delegação ou subdelegação; especificação das matérias ou poderes abrangidos nos despachos que estabelecerem as delegações ou subdelegações; publicação no Diário do Governo dos despachos de delegação ou subdelegação quando se trate de poderes da competência originária dos Ministros.
6. As delegações e subdelegações de competências para a prática de actos relativos às funções específicas dos serviços previstas nos artigos 5.º e 6.º merecem referência especial, dada a inovação que representam.
As delegações autorizadas pelo Decreto-Lei 42800 e pelo artigo 3.º do presente diploma, bem como a subdelegação admitida no artigo 4.º, respeitam a assuntos administrativos de carácter geral, na sua maioria pertinentes ao regime do pessoal.
Trata-se, pois, de matérias comuns à generalidade dos serviços.
Os artigos 5.º e 6.º, porém, aludem à delegação e subdelegação de competências para a prática de certos actos relativos às funções específicas dos respectivos serviços. Quer dizer que a faculdade prevista se situa agora no domínio não já de funções auxiliares ou adjectivas, mas antes no da competência «substantiva» de cada serviço (ou no das suas funções de line, se se quiser empregar a expressão inglesa de uso generalizado).
Trata-se de disposições cuja relevância se torna desnecessário encarecer e para as quais só é possível encontrar antecedentes, embora com alcance mais limitado, em preceitos incluídos na reorganização das administrações-gerais dos Correios, Telégrafos e Telefones e do Porto de Lisboa, levadas a efeito no início do ano em curso.
Dados o carácter e a novidade da experiência, não será de estranhar que se tenha limitado a possibilidade de delegação e subdelegação à «prática dos actos mais correntes ou repetidos», fórmula que alcança em maleabilidade e possibilidades de adaptação a situações diversificadas aquilo que pode faltar-lhe em precisão conceitual e técnica. Trata-se, aliás, de matéria em que o prudente arbítrio das entidades delegantes e o uso ponderado das funções delegadas valerão sempre mais do que quaisquer critérios rígidos que só muito difìcilmente poderiam ser consagrados na lei.
7. Finalmente, importa considerar a «delegação de assinatura» prevista no artigo 10.º Embora, por vezes, se confundam as duas figuras, a doutrina distingue entre «delegação de poderes» e «delegação de assinatura».
Na primeira há uma efectiva alteração de competência, uma modificação concreta da repartição normal da competência no interior da Administração, visto uma entidade, por via da delegação, passar a poder exercer, como acto próprio, um acto que, antes dela, só podia ser praticado pela entidade delegante.
Neste caso, pois, a entidade delegada, sem embargo de poder estar vinculada a orientações genéricas marcadas pela delegante, procede com independência e autonomia, exercendo, sob sua responsabilidade, poderes que legalmente passaram a pertencer-lhe.
Diferentemente, a delegação de assinatura já entre nós foi definida como «autorização dada a um funcionário subordinado para assinar os títulos que consubstanciam certos actos sob o contrôle e responsabilidade da autoridade legalmente competente para tomar a decisão consubstanciada no título».
Nesta delegação, portanto, não há modificação da reartição normal da competência no interior da Administração, actuando o delegado em nome do delegante.
O acto praticado é do delegante, é produto da sua vontade, actuando o delegado apenas na sua tradução material.
A função do delegado, nestes casos, pode dizer-se que é apenas a de intervir materialmente na expressão formal de um acto jurídico da autoria do delegante.
Do uso desta delegação, que naturalmente terá largo campo de aplicação na assinatura de correspondência e mais expediente burocrático, resultarão por certo apreciáveis vantagens para o desembaraço processual e para o objectivo de aliviar o trabalho corrente dos funcionários superiores.
8. As matérias versadas neste decreto-lei virão a ser, eventualmente, objecto de revisão e aprofundamento, na sequência dos trabalhos da reforma administrativa. A urgência da situação não se compadece, porém, com a demora inerente a esses trabalhos, e por isso se adoptam desde já as providências de mais instante necessidade, que se espera proporcionem sensível progresso no sentido da celeridade e eficiência da Administração.
Nestes termos:
Usando da faculdade conferida pela primeira parte do n.º 2.º do artigo 109.º da Constituição, o Governo decreta e eu promulgo, para valer como lei, e seguinte:
Artigo 1.º - 1. É atribuída aos directores-gerais competência para a prática dos seguintes actos:
a) Concessão de licenças a funcionários por período superior a 30 dias, com excepção da licença ilimitada;
b) Concessão de licenças interpoladas;
c) Concessão ou revogação da autorização de residência em localidade diversa daquela onde os servidores do Estado exerçam as suas funções ou que esteja fixada para centro da sua actividade profissional;
d) Autorização para os funcionários tomarem posse em local diferente daquele em que foram colocados;
e) Concessão aos funcionários dos serviços externos do direito ao vencimento a partir da data da posse, independentemente da entrada em exercício das novas funções.
2. A licença interpolada, salvo casos excepcionais, devidamente justificados, só poderá ser concedida no interesse do serviço.
Art. 2.º - 1. É atribuída aos directores de serviços, chefes de repartição e chefes de serviços externos de categoria igual ou superior à letra H competência para a prática dos seguintes actos:
a) Concessão de licenças a funcionários por período não superior a 30 dias;
b) Assinatura dos diplomas de funções públicas, salvo os relativos a funcionários que devam tomar posse perante os Ministros ou directores-gerais.
2. Nos serviços em que exista mais de uma das categorias referidas no n.º 1, cabe aos directores-gerais definir o âmbito da respectiva competência.
Art. 3.º Mediante permissão do Ministro respectivo, poderá ser delegada nos funcionários indicados no artigo anterior a competência atribuída aos directores-gerais pelo artigo 1.º do presente diploma, com excepção da prevista na sua alínea e), e bem assim a competência para:
a) Autorizar os funcionários a transporem as fronteiras do território português;
b) Autorizar a passagem de certidões a que se refere o artigo 15.º do Decreto-Lei 42800, de 11 de Janeiro de 1960.
Art. 4.º Os directores-gerais poderão subdelegar nos funcionários a que se refere o artigo 2.º a competência que, nos termos do artigo 13.º do Decreto-Lei 42800, lhes haja sido delegada:
a) Para exarar nos processos de movimento do pessoal os despachos exigidos pelo seu desenvolvimento normal, subsequentes às decisões ministeriais de abertura de concursos, admissão, nomeação, promoção ou transferência;
b) Para executar os despachos que ordenem a colocação e deslocação de funcionários dentro dos quadros a que pertencerem, bem como a prorrogação ou renovação anual dos contratos de pessoal e a concessão de diuturnidades.
Art. 5.º Os Ministros poderão delegar nos directores-gerais a competência para a prática dos actos mais correntes ou repetidos relativos às funções específicas dos respectivos serviços.
Art. 6.º Os Ministros poderão autorizar os directores-gerais:
a) A subdelegar nos adjuntos, directores de serviços, chefes de repartição e chefes de serviços externos de categoria igual ou superior à letra H a competência para a prática de actos abrangidos na delegação prevista no artigo anterior;
b) A delegar nos funcionários mencionados na alínea anterior a competência dos mesmos directores-gerais para a prática de actos relativos às funções específicas dos serviços.
Art. 7.º - 1. Para efeitos da obtenção de todos os elementos que julguem necessários à instrução dos processos, podem os directores-gerais dirigir-se aos vários departamentos do respectivo Ministério, aos serviços de outros departamentos do Estado e ainda a quaisquer entidades públicas ou particulares.
2. Esta competência poderá ser delegada nos directores de serviços e nos demais funcionários indicados no artigo 2.º do presente diploma; quanto a estes últimos, será, porém, restrita à consulta de serviços do Ministério respectivo e de entidades particulares.
3. O pedido de pareceres aos órgãos consultivos dependerá de despacho ministerial, quando a lei não estabeleça regime diverso.
Art. 8.º - 1. As delegações e subdelegações de competências são revogáveis a todo o tempo, caducam com a substituição do delegante ou do delegado, salvos os casos de falta ou impedimento temporário, e não prejudicam o direito de avocação nem o poder de definir orientações gerais e emitir instruções de serviço.
2. A entidade delegada ou subdelegada deverá mencionar essa qualidade nos actos que pratique no uso da delegação ou subdelegação.
Art. 9.º - 1. Os despachos que estabeleçam as delegações ou subdelegações deverão especificar as matérias ou os poderes nelas abrangidos.
2. Quando se trate de poderes da competência originária dos Ministros, os despachos de delegação ou subdelegação serão sempre publicados no Diário do Governo.
Art. 10.º A delegação de assinatura de correspondência ou do expediente necessário à execução das decisões proferidas nos processos é sempre possível a todos os níveis de chefia e sem dependência de autorização superior.
Art. 11.º A competência conferida, directamente ou por delegação, aos directores-gerais e aos funcionários referidos no n.º 1 do artigo 2.º, nos termos deste decreto-lei, abrange os funcionários equiparados e poderá tornar-se extensiva, mediante despacho ministerial, aos dirigentes superiores dos serviços dotados de autonomia administrativa ou financeira, sem prejuízo de mais larga competência que lhes seja atribuída por lei.
Art. 12.º As dúvidas suscitadas na aplicação deste diploma serão resolvidas por decisão do Conselho de Ministros, a publicar no Diário do Governo.
Art. 13.º Ficam revogados os artigos 1.º, 2.º, 9.º, 10.º e 11.º do Decreto-Lei 42800, de 11 de Janeiro de 1960.
Publique-se e cumpra-se como nele se contém.
Paços do Governo da República, 23 de Novembro de 1967. - AMÉRICO DEUS RODRIGUES THOMAZ - António de Oliveira Salazar - António Jorge Martins da Mota Veiga - Manuel Gomes de Araújo - Alfredo Rodrigues dos Santos Júnior - Mário Júlio de Almeida Costa - Ulisses Cruz de Aguiar Cortês - Joaquim da Luz Cunha - Fernando Quintanilha Mendonça Dias - Alberto Marciano Gorjão Franco Nogueira - José Albino Machado Vaz - Joaquim Moreira da Silva Cunha - Inocêncio Galvão Teles - José Gonçalo da Cunha Sottomayor Correia de Oliveira - Carlos Gomes da Silva Ribeiro - José João Gonçalves de Proença - Francisco Pereira Neto de Carvalho.
Para ser presente à Assembleia Nacional.