Acordam, na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional:
A - Relatório. - 1 - O Ministério Público, junto do Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga, recorre para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do disposto nos artigos 70.º, n.º 1, alínea a), e 72.º, n.º 3, da Lei 28/82, de 15 de Novembro, na sua actual versão (LTC), da sentença do mesmo Tribunal, de 11 de Dezembro de 2006, que denegou a aplicação das normas contidas nos n.os 1 e 2 do artigo 39.º do Decreto-Lei 67/97, "na parte em que as mesmas admitem a responsabilidade pessoal, ilimitada e solidária, pelo pagamento das dívidas fiscais ao credor tributário das pessoas aí mencionadas, por violação do princípio de reserva de lei sobre a criação e determinação da incidência tributária, ou seja, na medida em que determinam a incidência de todo e qualquer imposto sobre as pessoas nelas referidas, sem que, para o efeito, o Governo estivesse autorizado a legislar pela Assembleia da República".
2 - A decisão recorrida julgou procedente, com base em tal fundamento, a oposição deduzida por Manuel da Fonseca Loureiro contra a execução fiscal que fora instaurada, originariamente, contra o Futebol Clube de Felgueiras, para a cobrança de dívidas fiscais provenientes de IRS e de IVA, relativas a diversos períodos, e que, posteriormente, foi revertida contra o oponente, com base no facto de este figurar no "Livro de tomadas de posse das direcções" como presidente da comissão administrativa para a época 2002-2003.
3 - Na parte relevante para o juízo de inconstitucionalidade, então emitido, a sentença recorrida discorreu do seguinte jeito:
"Alega o oponente que o n.º 2 artigo 39.º do Decreto-Lei 67/97, de 3 de Abril, é inconstitucional por ser uma verdadeira norma de incidência fiscal e não ter sido aprovado por Lei da Assembleia da República, nos termos dos artigos 103.º, n.º 3, e 165.º, n.º 1, alínea i), da Constituição, bem assim como por violação do princípio da igualdade tributária, uma vez que estabelece um regime de responsabilidade por dívidas de outrem diverso do regime geral, declaradamente excepcional.
Para apreciação desta alegação em sede de constitucionalidade, em primeiro lugar deve-se indagar se o regime da responsabilidade solidária se encontra ou não incluída no elenco de matérias que sejam objecto de reserva de lei da Assembleia da República.
Sobre as matérias tributárias existe reserva de lei, conforme é pacificamente aceite, no que se reporta à criação de impostos, sua incidência, taxa, benefícios fiscais e garantias dos contribuintes, conforme dispõe o n.º 2 do artigo 103.º da Constituição da República Portuguesa (CRP).
Embora já não tão pacificamente, mas aceite quase unanimemente, também se consideram ao abrigo da reserva de lei a liquidação e a cobrança dos impostos (regime previsto no n.º 2 do citado preceito constitucional).
Desta forma, cumpre averiguar se, nalguns daqueles aspectos, não foi cumprido o princípio de reserva de lei, segundo o qual apenas a Assembleia da República pode legislar ou o Governo após autorização desta - vide alínea i) do n.º 1 do artigo 165.º da Constituição.
No que respeita à incidência (segundo requisito previsto no n.º 2 do artigo 103.º da CRP), tal aspecto deve ser analisado apenas no âmbito da questão aqui em apreço, ou seja, sobre a possibilidade de o pagamento do imposto incidir sobre alguém que não é o próprio contribuinte a quem o imposto foi liquidado (ou, se se quiser, ao devedor originário), mas a terceiro na primitiva relação jurídico-tributária, que no caso serão os responsáveis solidários.
Antes de continuarmos cumpre referir que as normas de incidência determinam quem são os sujeitos na relação jurídico-fiscal, quer pelo lado activo, quer pelo lado passivo.
'A incidência do imposto é subjectiva, pessoal, quando respeita aos sujeitos, e objectiva, real, quando respeita à matéria colectável e às taxas.' (Direito Fiscal, Soares Martinez, Almedina, 10.ª ed., 2003, p. 126).
No caso dos autos, o que nos interessa será a incidência do lado do sujeito passivo.
Pois bem, tem sido entendimento unânime que o regime de responsabilidade (seja ela solidária ou seja subsidiária), coloca o responsável no 'lado' passivo da obrigação do imposto. Veja-se a obra e autor acima citados (p. 126), bem assim como Casalta Nabais, in Direito Fiscal, Almedina, 2.ª ed., 2003, pp. 136 e 137.
Desta forma, a responsabilidade solidária mais não é do que uma norma de incidência tributária, segundo a qual o sujeito passivo fica 'responsabilizado' pelo pagamento do imposto que esteja em causa, ao nível subjectivo, pessoal e patrimonial.
Devendo as normas de incidência declarar quem sejam os responsáveis (solidários ou substitutos, conforme já se referiu), verifica-se que tal regime deve ser estabelecido por lei da Assembleia da República ou decreto-lei autorizado ao Governo por aquele primeiro órgão de soberania.
É assim que na lei de autorização de aprovação, por parte do Governo, da lei geral tributária (que na realidade é um decreto-lei), se atribui expressamente ao executivo a competência para legislar em matéria de responsabilidade e reversão.
Assim, a Lei 41/98, de 4 de Agosto, na alínea 15) do seu artigo 2.º, autoriza o Governo a legislar em matéria de responsabilidade tributária solidária e subsidiária, definindo o âmbito e extensão dessa autorização.
Por sua vez, o Decreto-Lei 67/97, de 3 de Abril, refere no seu preâmbulo que: 'No uso da autorização legislativa concedida pela alínea d) do n.º 4 do artigo 30.º da Lei 52-C/96, de 27 de Dezembro, e no desenvolvimento do regime jurídico estabelecido pela Lei 1/90, de 13 de Janeiro, na redacção que lhe foi dada pela Lei 19/96, de 25 de Junho [...], o Governo decreta o seguinte:'.
No que respeita às duas últimas citadas leis, cumpre dizer que as mesmas correspondem à Lei de Bases do Sistema Desportivo, a qual sobre o assunto em apreço nada dispunha, pelo que não conferia ao Governo qualquer autorização legislativa em matéria de responsabilidade tributária solidária.
No que concerne à Lei 53-C/96, de 27 de Dezembro (que aprovou o Orçamento de Estado para o ano de 1997), a mencionada alínea d) do n.º 4 do artigo 30.º autorizava o Governo a legislar relativamente ao imposto sobre o rendimento de pessoas colectivas (IRC), nos seguintes termos: 'Harmonizar, em sede de IRC, os regimes aplicáveis aos clubes desportivos e às sociedades desportivas nos termos da legislação aplicável.'
Ora bem, harmonizar o regime aplicável de IRC relativamente aos clubes e às sociedades anónimas desportivas não é norma habilitante para que o Governo possa determinar a incidência dos impostos sobre os responsáveis solidários pelo pagamento de qualquer tributo.
Na realidade, aquela autorização legislativa de harmonização do IRC nunca foi utilizada, sendo que apenas se vislumbra que a mesma possa querer dizer respeito à alteração ou revogação da isenção de IRC conferida aos clubes pelo artigo 11.º do CIRC, ou pela eventual alteração ou revogação do benefício fiscal que os mesmos detenham em sede de IRC, por força do disposto no artigo 52.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais (à data então artigo 48.º).
Assim se compreendia a autorização legislativa de harmonização de IRC entre clubes e sociedades anónimas desportivas, uma vez que ambos se encontravam (e encontrarão) a disputar o mesmo 'mercado' (campeonato), com regimes fiscais diferentes, aparentemente disso beneficiando os clubes, mas já não as sociedades anónimas desportivas. (Dizemos aparentemente, uma vez que o n.º 3 do artigo 11.º do CIRC faz com que a isenção de IRC se torne mais gravosa para os clubes, uma vez que, como sujeitos isentos, não podem deduzir custos obtidos no exercício da sua actividade, mas podem ser tributados em IRC, quando exercem actividades comerciais, tenham rendimentos provenientes de publicidade e outros).
Devendo ser as normas de incidência definidas por lei da Assembleia da República ou, mediante autorização desta, por decreto-lei emanado pelo Governo e, verificando-se que nem uma nem outra coisa sucede, resulta para a norma em crise uma inconstitucionalidade material.
Conforme refere o professor Casalta Nabais (pp. 136 e 137 da citada obra), a incidência encontra-se ao abrigo do princípio de reserva de lei formal e de reserva de lei material (veja-se, ainda, Soares Martinez, pp. 106 e 107, da supracitada obra).
Sendo o regime de responsabilidade tributária uma forma de incidência pessoal ou subjectiva que abrange os responsáveis solidários ou subsidiários e não contendo o Decreto-Lei 67/97, de 3 de Abril, qualquer autorização legislativa para criar novos tipos de incidência fiscal, verifica-se que o seu artigo 39.º se revela manifestamente inconstitucional, por violação do princípio de reserva de lei estabelecido no n.º 2 do artigo 103.º e na alínea i) do n.º 1 do artigo 165.º, ambos da Constituição da República Portuguesa.
Com a determinação da incidência sobre os dirigentes mencionados no artigo 39.º do Decreto-Lei 67/97, de 3 de Abril, em especial no seu n.º 2, sem que tal tivesse cumprido o princípio constitucional de reserva de lei, verifica-se as pessoas designadas naquele preceito não podem ser responsabilizadas (solidariamente, ou ainda que fosse subsidiariamente, com base naquela norma) pelo pagamento de quaisquer impostos que o contribuinte originário tivesse deixado de pagar.
Fazendo aqui um parêntesis, refira-se que para a situação do artigo 39.º do Decreto-Lei 67/97, de 3 de Abril, vale o mesmo princípio no que respeita às contribuições para a segurança social, na medida em que a estas lhes são aplicáveis o regime da Constituição 'fiscal' (veja-se Casalta Nabais, obra citada, p. 603 - muito embora não estejam aqui em causa essas contribuições).
Face ao exposto, declaram-se materialmente inconstitucionais os n.os 1 e 2 do artigo 39.º do Decreto-Lei 67/97, de 3 de Abril, por violação do princípio de reserva de lei, uma vez que determinam a incidência de todo e qualquer imposto sobre as pessoas neles referidos, sem que para o efeito o Governo estivesse autorizado a legislar pela Assembleia da República."
4 - Alegando sobre o objecto do recurso, o procurador-geral-adjunto, no Tribunal Constitucional, concluiu do seguinte modo:
"1.º
Insere-se no âmbito da reserva de lei fiscal, prevista no n.º 2 do artigo 103.º da Constituição da República Portuguesa, a definição dos pressupostos da responsabilidade solidária ou subsidiária dos membros de órgãos de uma pessoa colectiva pelo pagamento dos débitos fiscais, originariamente a cargo desta, já que tal matéria releva decisivamente, quer para a definição da incidência do imposto em causa, quer para a delimitação das garantias dos cidadãos face à Administração Fiscal.
2.º
A previsão de um inovatório e agravado regime de responsabilidade solidária dos membros da direcção dos clubes desportivos pelos débitos a cargo de tais entidades - inovatório relativamente ao que decorria do Código de Processo Tributário, estão em vigor - constante da norma que integra o objecto do presente recurso não encontra suporte bastante nos diplomas legais à sombra dos quais foi editado o Decreto-Lei 67/97, pelo que está afectado de inconstitucionalidade orgânica.
3.º
Termos em que deverá confirmar-se o juízo de inconstitucionalidade formulado pela decisão recorrida."
5 - O recorrido não contra-alegou.
B - Fundamentação. - 6.1 - Os preceitos legais constitucionalmente impugnados, na dimensão acima recortada pelo recorrente, constantes do Decreto-Lei 67/97, de 3 de Abril (Decreto-Lei 67/97), dispõem assim:
"Artigo 39.º
Regime de responsabilidade
1 - Para efeitos do presente diploma, são considerados responsáveis pela gestão efectuada, relativamente às secções profissionais dos clubes desportivos referidos no artigo 37.º, o presidente da direcção, o presidente do conselho fiscal ou o fiscal único, o director responsável pela área financeira e os directores encarregados da gestão daquelas secções profissionais.
2 - Sem prejuízo de outras sanções aplicáveis, nos casos referidos nos artigos 24.º do Decreto-Lei 20-A/90, de 15 de Janeiro, com a redacção dada pelo Decreto-Lei 394/93, de 24 de Novembro, e 27.º-B, também do Decreto-Lei 20-A/90, de 15 de Janeiro, aditado pelo artigo 2.º do Decreto-Lei 140/95, de 14 de Junho, os membros da direcção dos clubes desportivos mencionados no número anterior são responsáveis, pessoal, ilimitada e solidariamente, pelo pagamento ao credor tributário ou às instituições de segurança social das quantias que, no respectivo período de gestão, deixaram de entregar para pagamento de impostos ou da segurança social.
3 - ..."
6.2 - As normas sub judicio inserem-se em diploma que "estabelece o regime jurídico das sociedades desportivas, bem como o regime especial de gestão, a que ficam sujeitos os clubes desportivos que não optarem pela constituição destas sociedades" - artigo 1.º, n.º 1, do Decreto-Lei 67/97.
Com a entrada em vigor de tal diploma, os clubes desportivos, desde que participantes em competições de natureza profissional, passaram a ter de optar, obrigatoriamente, por um de dois regimes de gestão nele previstos - o regime de sociedades desportivas ou o regime especial de gestão nele previsto.
As sociedades desportivas devem constituir-se sob a forma de sociedade anónima (artigo 2.º do Decreto-Lei 67/97), devendo a respectiva firma e denominação conter a indicação da respectiva modalidade de competições desportivas de carácter profissional em que participa, concluindo pela abreviatura "SAD" (artigo 6.º, n.º 1, do mesmo diploma), e regem-se pelas disposições constantes do Decreto-Lei 67/97 e, subsidiariamente, pelas normas que regulam as sociedades anónimas.
Em contraponto, os clubes desportivos participantes em competições de natureza profissional que não optem por constituir sociedades desportivas "devem estruturar-se de forma que as suas secções profissionais sejam autónomas em relação às restantes, nomeadamente organizando uma contabilidade própria para cada uma dessas secções, com clara discriminação das receitas e despesas imputáveis a cada uma (artigo 37.º)", exigindo-se, ainda, que da "constituição dos corpos gerentes dos [deste tipo de] clubes desportivos [...] deverão constar os directores responsáveis pela gestão de cada uma das secções profissionais desses clubes" (artigo 38.º).
Além do regime de responsabilidade definido nos n.os 1 e 2 do artigo 39.º do mesmo diploma, já atrás transcritos, o mesmo artigo sujeitou, ainda (n.º 3), os membros da direcção das secções profissionais desses clubes desportivos às exigências e proibições constantes dos artigos 396.º a 398.º e 519.º do Código das Sociedades para os administradores das sociedades anónimas (prestação de caução pelo exercício da administração, proibição de negócios com a sociedade e de outras actividades na sociedade, ou em sociedades que com ela estejam em relação de domínio ou de grupo, e de proibição do exercício de direitos relativos à aquisição de participações sociais).
Por último, o diploma obriga, também, a direcção desses clubes desportivos a "apresentar à respectiva liga profissional de clubes uma garantia bancária, seguro de caução ou outra garantia equivalente que cubra a respectiva responsabilidade perante aqueles clubes, nos mesmos termos que os administradores respondem perante as sociedades anónimas", sendo que "o montante da garantia é fixado pela liga profissional de clubes, não podendo ser inferior a 10% do orçamento do departamento profissional do clube" (artigo 40.º), bem como a sujeitar o balanço e demais contas a prévio parecer de um revisor oficial de contas (artigo 41.º) e a cumprir determinadas regras no que concerne à elaboração dos orçamentos (que têm de ser equilibrados) e à convocação das assembleias gerais (artigos 42.º e 43.º).
A participação dos clubes desportivos, em competições de natureza profissional, foi, deste modo, perspectivada pelo legislador como um fenómeno económico-jurídico equivalente à prossecução e realização da respectiva modalidade desportiva em verdadeiro regime de empresa, em sentido objectivo.
A opção legislativa expressa claramente a ideia de que, em tal situação, não deixa de estar-se perante o exercício, por banda do clube desportivo, de uma actividade concretizada, essencialmente, pela prestação de determinados serviços, imanente à prática de certa modalidade desportiva, feita profissionalmente e através de uma organização económica estruturada para possibilitar essa realização de utilidades, como é próprio da noção de empresa, ou de "uma unidade jurídica fundada em organização de meios que constitui um instrumento de exercício relativamente estável e autónomo de uma actividade de produção para a troca" (cf., entre outros, Fernando Olavo, Direito Comercial, I, 2.ª ed., pp. 253 e 254; Jorge Manuel Coutinho de Abreu, Da Empresarialidade, As Empresas no Direito, 1996, p. 304., e Curso de Direito Comercial, vol. II, 2001, pp. 22 e segs., e António Menezes Cordeiro, Manual de Direito Comercial, I vol., 2001, pp. 224 e segs.), sem, todavia, a fazer comungar da natureza de um sujeito jurídico autónomo ou de uma pessoa jurídica diferente da do clube desportivo.
Usando a linguagem do artigo 2.º do Código dos Processos Especiais de Recuperação da Empresa e de Falência, aprovado pelo Decreto-Lei 132/93, de 23 de Abril, e do artigo 5.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, aprovado pelo Decreto-Lei 53/2004, de 18 de Março, para definir o conceito de empresa, embora apenas para efeitos desses códigos, a situação ajusta-se a uma "organização dos factores de produção destinada ao exercício de [...] [uma] actividade [...] de prestação de serviços" ou uma "organização de capital e de trabalho destinada ao exercício de [uma] [...] actividade económica" (sem embargo do primeiro código excluir as associações, em cujo tipo de pessoas colectivas os clubes a quem essas "empresas" pertencem se incluem, da declaração de falência, própria de sujeitos jurídicos singulares ou colectivos - artigo 125.º, n.º 1, do CPEREF -, o que já não passa no segundo - artigo 2.º).
Ora, porque a "empresa", representada pelo exercício de modo profissional da modalidade desportiva, neste último caso, não abarca toda a actividade que é prosseguida pelo sujeito jurídico que dela é titular (clube desportivo), pois estão fora do seu âmbito as modalidades desportivas exercidas a título não profissional, ao contrário do que se passa relativamente às sociedades desportivas; porque as actividades em que aquela se concretiza constituem expressão de outros diferentes e singulares interesses dos clubes desportivos cuja definição é efectuada, por regra, por órgãos específicos da mesma pessoa colectiva e, porque os respectivos actos de gestão são susceptíveis de importar especiais efeitos jurídicos, mormente, ao nível do direito comercial, laboral e tributário, sentiu o legislador a necessidade de instituir, dentro de cada uma das modalidades desportivas exercidas em termos profissionais, um centro "autónomo" de imputação das responsabilidades previstas no diploma, advenientes de tais actos de gestão, bem como de contabilização das receitas e despesas derivadas da respectiva actividade.
O legislador como que fez equivaler a uma "empresa", com um sentido subjectivo restringido às obrigações de responsabilidade expressamente contempladas no diploma, e com um sentido objectivo correspondente a cada uma das diferentes modalidades desportivas, a participação dos cubes desportivos em competições de natureza profissional, quando optem por não constituir sociedades desportivas.
É dentro desta teleologia que surge a norma constitucionalmente impugnada.
Através dela, o legislador define, no caso de sujeição ao referido regime especial, de não opção dos clubes desportivos, que participem em competições de natureza profissional de constituição de sociedades desportivas, o regime de responsabilidade tributária "pelo pagamento ao credor tributário ou às instituições de segurança social das quantias que, no respectivo período de gestão", os titulares dos órgãos nele referidos, "deixaram de entregar para pagamento de impostos ou da segurança social".
É claro que, constando já da lei, então em vigor, o regime da responsabilidade tributária dos "administradores, gerentes e outras pessoas que exerçam, ainda que somente de facto, funções de administração nas empresas de responsabilidade limitada" (artigo 13.º do Código de Processo Tributário, aprovado pelo Decreto-Lei 154/91, de 23 de Abril), não se impunha ao legislador do mesmo DL n.º 67/97 a tarefa de definir esse regime para o caso de os clubes optarem pela constituição de sociedades desportivas: no silêncio da lei, "às sociedades desportivas são aplicáveis, subsidiariamente, as normas que regulam as sociedades anónimas".
6.3 - A responsabilidade pessoal e solidária dos administradores e gerentes das sociedades de responsabilidade limitada foi prevista, pela primeira vez, em Portugal, pela mão do artigo 1.º do Decreto 17 730, de 7 de Dezembro de 1929.
Ela pretendeu assumir uma função inibidora dos comportamentos tidos como correntes dos administradores de tais tipos de sociedades, cuja responsabilidade pelas dívidas se cinge às forças do respectivo património social, de preterirem o pagamento das dívidas de impostos em favor do pagamento aos demais credores da sociedade, com uma relação mais pessoal e próxima dos titulares desses órgãos sociais, como os trabalhadores e fornecedores de bens e serviços, postergando o cumprimento das obrigações públicas, sendo que, então, se vivia uma época de sufoco de equilíbrio orçamental e de défice das nossas contas externas.
O Código de Processo das Contribuições e Impostos, aprovado pelo Decreto-Lei 45 005, de 27 de Abril de 1963, que veio substituir o Código das Execuções Fiscais de 1913, manteve, no seu artigo 16.º, nos precisos termos antes definidos, a responsabilidade tributária daqueles titulares de órgãos sociais, prevendo, todavia, no seu artigo 146.º, que essa responsabilidade, apenas, poderia ser efectivada a título subsidiário, ou seja, após a prévia excussão dos bens da empresa ou sociedade, por eles administrada.
Este regime foi, depois, estendido às contribuições para a segurança social, primeiro através do Decreto-Lei 512/76, de 3 de Julho, e, posteriormente, pelo Decreto-Lei 103/80, de 9 de Maio.
Com o Decreto-Lei 68/87, de 9 de Fevereiro, equipararam-se os créditos fiscais do Estado aos créditos dos demais credores sociais, no que importa à responsabilidade dos administradores e gerentes de sociedades de responsabilidade limitada pelo seu pagamento, tendo-se determinado, no seu artigo único, que a mesma se regia pelo disposto no artigo 78.º do Código das Sociedades Comerciais. No que diz respeito à responsabilidade pelas dívidas fiscais, os gerentes e administradores passaram a responder, perante o Estado, apenas quando o património social se tenha tornado insuficiente para a satisfação desses créditos por virtude da inobservância culposa, por parte dos mesmos, das disposições legais ou contratuais destinadas à protecção dos credores, cabendo ao credor Estado demonstrar a existência dessa culpa.
Todavia, este figurino de responsabilidade pelo pagamento de dívidas fiscais veio logo a ser abandonado pelo Código de Processo Tributário (CPT), aprovado pelo Decreto-Lei 154/91, de 23 de Abril, o qual, sobre a matéria, passou a dispor no artigo 13.º, sob a epígrafe "Responsabilidade dos administradores ou gerentes das empresas e sociedades de responsabilidade limitada", do seguinte jeito:
"1 - Os administradores, gerentes e outras pessoas que exerçam, ainda que somente de facto, funções de administração nas empresas e sociedades de responsabilidade limitada são subsidiariamente responsáveis em relação àquelas e solidariamente entre si por todas as contribuições e impostos relativos ao período de exercício do seu cargo, salvo se provarem que não foi por culpa sua que o património da empresa ou sociedade de responsabilidade limitada se tornou insuficiente para a satisfação dos créditos fiscais.
2 - A responsabilidade prevista neste artigo aplica-se aos membros dos órgãos de fiscalização e revisores oficiais de contas, nas sociedades em que os houver, desde que se demonstre que a violação dos deveres tributários das sociedades resultou do incumprimento das suas funções de fiscalização."
Era este o regime jurídico de responsabilidade tributária subsidiária em relação ao devedor originário e solidário que vigorava à data da publicação do DL n.º 67/97.
6.4 - Do cotejo entre a norma impugnada e a constante deste artigo 13.º do CPT resulta que os regimes de responsabilidade das pessoas neles referidas não se sobrepõem e que, nesta perspectiva, não pode deixar de considerar-se inovatório o regime constante do Decreto-Lei 67/97.
É certo que à face deste diploma se torna possível sustentar uma equiparação das secções de clubes participantes em competições de natureza profissional com a figura jurídica das empresas. Todavia, não detendo elas personalidade jurídica autónoma da dos clubes nem estando a sua responsabilidade limitada às forças do seu património, nunca poderiam ou poderão ser tidas como empresas de responsabilidade limitada.
Empresa de responsabilidade limitada, ao tempo da edição do preceito, era apenas o estabelecimento individual de responsabilidade limitada, introduzido na ordem jurídica portuguesa, através do Decreto-Lei 248/86, de 25 de Agosto, sendo certo que este não corresponde a qualquer personificação jurídica da empresa individual através da atribuição de personalidade jurídica à empresa, antes o configurou como "um mero património autónomo ou de afectação do empresário em nome individual, mediante a segregação ou destacamento, no seio do património geral deste, de um acervo de bens exclusivamente afecto à exploração da actividade económica da sua empresa" [cf. José Engrácia Antunes, "O estabelecimento individual de responsabilidade limitada: crónica de uma morte anunciada", in Revista da Faculdade de Direito da Universidade do Porto, FDUP, ano III (2006), pp. 405 e 406].
Por outro lado, não podendo ver-se os clubes desportivos, na identidade total das actividades prosseguidas, também como empresas, nem cabendo os mesmos, seguramente, no conceito de sociedades de responsabilidade limitada, não poderiam os titulares dos órgãos referidos no n.º 1 do artigo 39.º do Decreto-Lei 67/97 ser havidos como correspondendo a qualquer dos titulares dos órgãos referidos no artigo 13.º do CPT.
Tem-se, deste modo, de concluir que o legislador do Decreto-Lei 67/97 não repetiu o regime jurídico constante do artigo 13.º do CPT.
E, sendo assim, importa saber se a norma impugnada foi emitida por órgão constitucionalmente competente ou autorizado para o efeito.
A sentença recorrida deu uma resposta negativa a tal questão. Entendeu ela, brevitatis causa, que a responsabilidade tributária, subsidiária ou solidária, respeita a matéria de incidência pessoal ou subjectiva tributária, que é abrangida pelas normas de incidência, e, como tal, está sujeita ao princípio da legalidade tributária, de reserva de lei formal da Assembleia da República ou de decreto-lei, emitido pelo Governo, a coberto de autorização parlamentar, mas que nenhum dos preceitos invocados pela norma impugnada para escudar a existência de autorização a prevê.
O princípio da legalidade tributária tem sido densificado, por diversas vezes, pelo Tribunal Constitucional (cf., a título de exemplo, os Acórdãos n.os 233/94, 220/97, 127/2004, 271/2005 e 252/2005, disponíveis em www.tribunalconstitucional.pt).
Discorrendo sobre ele em termos que expressam o entendimento seguido pelo Tribunal, e que, aqui, se renova, disse-se no Acórdão 127/2004:
"O princípio da legalidade tributária, que a Constituição de 1976 vem afirmando em todas as suas versões, consta hoje do seu artigo 103.º, n.º 2.
Segundo este, 'os impostos são criados por lei, que determina a incidência, a taxa, os benefícios fiscais e as garantias dos contribuintes'. O princípio tem duas dimensões jurídicas, ambas enfeudadas à sua matriz histórica de não tributação sem a autorização do Parlamento, enquanto representante do povo (princípio da autotributação): uma traduzida na regra constitucional de reserva de lei da Assembleia da República ou de decreto-lei do Governo emitido a coberto de autorização do Parlamento a que tem de obedecer a criação dos impostos, constante actualmente do artigo 165.º, n.º 1, alínea i), da CRP; outra, consubstanciada na exigência de conformação, por parte da lei, dos elementos modeladores do tipo tributário, abrangendo, assim, a incidência objectiva e subjectiva, a taxa, os benefícios fiscais e as garantias dos contribuintes.
É esta segunda dimensão que densifica os fundamentos axiológicos da nossa Constituição Fiscal e que se materializa nos princípios da universalidade, da igualdade tributária e da capacidade contributiva.
Ora, a prossecução de um tal desiderato ético-político demanda que a função de definição dos elementos de cuja operacionalidade jurídica emerge a obrigação tributária esteja reservada à lei.
Deste modo, o princípio da legalidade tributária, na sua acepção material ou substancial, postula a sujeição ao subprincípio da tipicidade legal dos elementos de cujo concurso resulte a modelação dos tipos tributários ou dos impostos ou, dito de outro modo, dos elementos essenciais dos impostos, e que são, segundo os próprios termos adquiridos da ciência fiscal pela nossa lei fundamental, a incidência, a taxa, os benefícios fiscais e as garantias dos contribuintes."
Sendo assim, coloca-se a questão de saber se a obrigação de responsabilidade tributária solidária, tal qual se apresenta definida na norma impugnada, integra o elemento essencial dos impostos da incidência ou o das garantias dos contribuintes.
6.5 - É muito controvertida, na doutrina, a natureza da obrigação de responsabilidade tributária solidária ou subsidiária dos sujeitos em relação aos quais se não verificam os factos tributários que constituem a causa jurígena da obrigação de imposto, como são os sujeitos passivos originários da obrigação de imposto, mas que ficam obrigados ao seu pagamento por virtude do preenchimento de um pressuposto que os responsabiliza, precisamente, por esse pagamento.
No dizer de Diogo Leite de Campos e Mónica Horta Neves Leite de Campos (Direito Tributário, 2.ª ed., p. 377), que se acompanha, "A responsabilidade tributária deriva do preenchimento de um pressuposto de facto de uma norma. É necessário, mais precisamente, que se preencha um pressuposto de facto, em virtude do qual fica obrigado o sujeito passivo. E, além disso, é necessário que se preencha o pressuposto de facto em virtude do qual fica obrigado o responsável. Nesta medida pode dizer-se que o pressuposto de facto da obrigação do responsável está dependente do preenchimento do pressuposto de facto que origina a obrigação tributária. Ou seja, para que haja responsabilidade, é necessário que se preencham dois pressupostos legais", ou, dito de forma mais omnicompreensiva, dois diferentes quadros de pressupostos legais, também, diferentes.
No caso de responsabilidade subsidiária, o responsável subsidiário apenas responde depois de excutido o património do devedor originário.
Tratando-se, porém, de responsabilidade originariamente solidária, o responsável responde ao mesmo tempo que o credor em relação ao qual se verificam os pressupostos materiais previstos na norma de tributação como fonte da obrigação jurídica do imposto.
A responsabilidade tributária pelas dívidas tributárias constituídas em relação a outrem corresponde, de qualquer modo, a um instrumento jurídico de garantia de cobrança dos créditos fiscais, de natureza pessoal. À sua conformação é, totalmente, alheio o princípio constitucional da capacidade contributiva que subjaz à eleição dos factos tributários materiais por banda do legislador e à sua conexão com determinado sujeito (o sujeito passivo originário da obrigação de imposto). A responsabilidade solidária ou subsidiária tributárias assenta, essencialmente, na consideração de que o responsável tributário é quem, à face do direito e das circunstâncias de facto, se encontra na posição jurídico-factual de poder cumprir a obrigação de imposto pelo sujeito passivo originário, por ser através dele que este "actua a sua própria capacidade de exercício de direitos" (cf. Isabel Marques da Silva, "Noção e fundamento genérico das situações de responsabilidade tributária", Problemas Fundamentais do Direito Tributário, Vislis, 1999, p. 123) ou pode, jurídico-factualmente, expressar e executar a sua vontade de cumprimento da obrigação e de disposição dos necessários meios financeiros que o mesmo demanda.
Nesta medida, enquanto garantia pelo pagamento de dívidas tributárias de outrem, imposta pela lei, em favor do credor tributário, um tal tipo de responsabilidade não pode deixar de ser tida como excepcional, principalmente quando solidária.
É que assente, embora, sobre a circunstância da existência de deveres de gestão e administração, por banda do responsável em relação ao sujeito passivo originário, não deixa importar uma valoração sobre a correcção do exercício de tais deveres que ocorre num quadro complexo de ponderação das circunstâncias de mercado e outras em que se desenvolve a actividade do sujeito passivo e da possibilidade de tomar as opções de política comercial tidas como adequadas e de, assim, assumir um certo carácter sancionatório pelas posições assumidas, importando, em alguma medida, uma limitação à autonomia jurídica (cf. José A. Costa Alves, "A responsabilidade tributária dos corpos sociais e dos responsáveis técnicos", in Revista da Faculdade de Direito do Porto, FDUP, III, 2006, p. 379).
Por outro lado, não poderá esquecer-se que essa responsabilidade se concretiza na disposição de património do responsável para pagamento de obrigações de imposto de outrem que emergem de factos que se reflectem, economicamente, não na esfera do responsável, mas na do devedor originário cuja vontade expressa, afectando, em alguma medida, o direito à propriedade privada e a liberdade de iniciativa económica e empresarial (cf. José Casalta Nabais, Direito Fiscal, 2.ª ed., 2003, pp. 269 e 270).
Para muitos autores, que olham o fenómeno do ponto de vista do momento e das condições em que, relativamente ao responsável, está prevista a exigência dos efeitos próprios que decorrem da obrigação de responsabilidade de pagamento de tributos de outrem, está em causa uma fiança ex lege (cf., por exemplo, Cardoso da Costa, Curso de Direito Fiscal, 2.ª ed. actualizada, 1972, pp. 299 e 301; Alberto Xavier, Manual de Direito Fiscal, I, pp. 387 e segs.; Braz Teixeira, Princípios de Direito Fiscal, vol. I, 3.ª ed., 1985, pp. 312 e segs.; Diogo Leite de Campos e Mónica Horta Neves Leite de Campos, op. cit., p. 391; Sofia Casimiro, A Responsabilidade dos Gerentes, Administradores e Directores pelas Dívidas Tributárias das Sociedades Comerciais, 2000, p. 161).
Outros autores qualificam essa responsabilidade com uma responsabilidade civil delitual (cf. Ruy de Albuquerque e António Menezes Cordeiro, "Da responsabilidade fiscal subsidiária: a imputação aos gestores dos débitos das empresas à Previdência e o artigo 16.º do Código de Processo das Contribuições e Impostos", CTF, 335/336, 1986, p. 174).
Por seu lado, ainda, outros vêem essa responsabilidade, essencialmente, como uma figura própria do direito tributário, mas em cuja modelação não deixam de intervir requisitos que conformam a obrigação de responsabilidade civil, na medida em que, também, ela apela aos pressupostos da verificação de um comportamento ilícito, culposo e danoso (cf., entre outros, Pedro Soares Martinez, Direito Fiscal, 7.ª ed., 1993, pp. 387 e segs.; Pitta Cunha e Jorge Costa Santos, Responsabilidade Tributária dos Administradores ou Gerentes, 1999, p. 28; Tânia Cunha, "A culpa dos gerentes, administradores e directores na responsabilidade por dívidas de impostos", BFD, vol. LXXVIII, Coimbra, 2001, pp. 810-812).
A lei geral tributária, aprovada pelo Decreto-Lei 398/98, de 17 de Dezembro, considera o responsável tributário como um sujeito passivo da relação tributária, do mesmo modo que o contribuinte directo e o substituto tributário, enquanto "pessoa que, nos termos da lei, está vinculada ao cumprimento da prestação tributária" (artigo 18.º).
Como quer, porém, que se qualifique a obrigação de responsabilidade tributária, subsidiária ou solidária, é inquestionável que o sujeito passivo dessa obrigação de responsabilidade cumpre uma obrigação de pagamento de imposto cujos pressupostos de facto da obrigação tributária ocorreram relativamente a outro devedor, o devedor originário, desempenhando ele uma função de garante legal desse pagamento.
Conquanto sendo alheio à conexão especial com certa pessoa dos factos materiais que concretizam a incidência objectiva do tributo, assumida pela norma tributária como seu critério de incidência subjectiva, o responsável tributário não deixa, por virtude da concretização de outros pressupostos elegidos pela lei para o investir na titularidade passiva da obrigação de responsabilidade, de ficar constituído na obrigação de pagamento de imposto gerada, originariamente, em relação a outrem.
Desde que, preenchidos estes outros pressupostos, o responsável tributário cumpre a prestação tributária nos termos em que a mesma se constituiu em relação ao devedor originário.
Assim sendo, há-de entender-se que a definição destes outros pressupostos legais, por virtude de cuja ocorrência o responsável fica, igualmente, obrigado ao cumprimento da prestação tributária, tornando-o "sujeito passivo da relação tributária", integram, ainda, o conceito de incidência, relevado pela nossa lei fundamental como elemento essencial dos impostos para efeitos de sujeição ao princípio da legalidade tributária, de reserva de lei formal, na acepção já precisada.
Mas, independentemente de um tal entendimento, poderá ainda ver-se o estabelecimento de um regime de responsabilidade tributária solidária ou subsidiária pelas dívidas tributárias de outrem como implicando com as "garantias dos contribuintes", elevadas, igualmente, à categoria de elemento essencial dos impostos pela norma constitucional e sujeitas ao mesmo princípio da legalidade tributária.
Na verdade, a obrigação de responsabilidade tributária não deixa de corresponder à imposição, sobre certo sujeito jurídico, de uma obrigação de cumprimento de imposto a título solidário e subsidiário, afectando, pela via da constituição de uma tal garantia patrimonial solidária ou subsidiária, o seu património, em favor do credor tributário.
6.6 - O DL n.º 67/97, de 3 de Abril, em que se contém a norma constitucionalmente impugnada, foi editado, segundo consta do mesmo, "no uso da autorização legislativa concedida pela alínea d) do n.º 4 do artigo 30.º da Lei 52-C/96, de 27 de Dezembro, e no desenvolvimento do regime jurídico estabelecido pela Lei 1/90, de 13 de Janeiro, na redacção que lhe foi dada pela Lei 19/96, de 25 de Junho".
Dispõe o n.º 2 do artigo 165.º da Constituição que "as leis de autorização legislativa devem definir o objecto, o sentido, a extensão e a duração da autorização, a qual não pode ser prorrogada".
A problemática dos condicionamentos constitucionalmente estabelecidos para as leis de autorização legislativa tem sido abordada, pelo Tribunal Constitucional, por diversas vezes, a propósito dos mais variados diplomas emitidos no uso dela.
Sobre tal matéria se debruçou profundamente, mesmo em termos de direito comparado, o Acórdão 358/92, publicado no Diário da República, 1.ª série, de 26 de Janeiro de 1993.
Afirmou-se, então, aí:
"Quanto ao objecto da autorização, ele consiste na enunciação da matéria sobre a qual a autorização vai incidir, enunciação essa que, sem prejuízo das garantias de segurança do sistema jurídico, pode ser feita por remissão e abranger inclusive mais do que um tema ou assunto. Como já se escreveu, 'a determinação do objecto definido pode ser feita de forma indirecta ou até implícita, quer por referência a actos legislativos preexistentes (que a delegação pretenda coordenar, refundir ou pôr em execução), quer por natural decorrência dos princípios e critérios directivos aplicados a uma matéria genericamente enunciada ou a matérias complexas' (cf. António Vitorino, As Autorizações Legislativas na Constituição Portuguesa, ed. pol., Lisboa, 1985, p. 231).
Por seu turno, a extensão da autorização especifica quais os aspectos da disciplina jurídica da matéria em causa sobre que vão incidir as alterações a introduzir por força do exercício dos poderes delegados.
O sentido da autorização legislativa, sendo algo mais do que a mera conjugação dos elementos objecto (matéria ou matérias da reserva relativa de competência legislativa da Assembleia da República sobre que incidirão os poderes delegados) e extensão (aspectos da disciplina jurídica daquelas matérias que integram o objecto da autorização que vão ser modificados), não constitui, contudo, exigência especificada de princípios e critérios orientadores [...], mas algo mais modesto ou de âmbito mais restrito, que deve constituir essencialmente um pano de fundo orientador da acção do Governo numa tripla vertente:
Por um lado, o sentido de uma autorização deve permitir a expressão pelo Parlamento da finalidade da concessão dos poderes delegados na perspectiva dinâmica da intenção das transformações a introduzir na ordem jurídica vigente (é o sentido da óptica do delegante);
Por outro lado, o sentido deve constituir indicação genérica dos fins que o Governo deve prosseguir no uso dos poderes delegados, conformando, assim, a lei delegada aos ditames do órgão delegante (e o sentido na óptica do delegado); e
Finalmente, o sentido da autorização deverá permitir dar a conhecer aos cidadãos, em termos públicos, qual a perspectiva genérica das transformações que vão ser introduzidas no ordenamento jurídico em função da outorga da autorização (é o sentido da óptica dos direitos dos particulares, numa zona revestida de especiais cuidados no texto constitucional - as matérias que incluem a reserva relativa de competência legislativa da Assembleia da República).
Temos, deste modo, que na definição do sentido da autorização legislativa, a Assembleia da República pode ir mais ou menos longe, vinculando o legislador delegado a adoptar soluções que podem transportar uma maior ou menor predefinição do regime jurídico adoptando e que, deste modo, podem, assim, ser enunciadas por uma forma mais ou menos precisa, mais ou menos minuciosa e mais ou menos completa - 'já que resta sempre a possibilidade de apreciar ulteriormente e corrigir, se necessário, a legislação governamental (artigo 169.º da CRP); e com isso fica também (sem que haja violação da Constituição) uma margem maior ou menor para o Governo modelar, em definitivo, as soluções normativas'."
Como é evidente, a resposta a dar à questão de saber se o legislador delegado se acha constitucionalmente habilitado a legislar nos termos em que o fez não dispensa a interpretação da lei de autorização.
A alínea d) do n.º 4 do artigo 30.º da referida Lei 52-C/96 dispõe que o Governo fica autorizado a "harmonizar, em sede de IRC, os regimes aplicáveis aos clubes desportivos e às sociedades desportivas nos termos da legislação aplicável".
Ora, sabido que, na interpretação deste preceito, se tem de partir do princípio de que o legislador soube exprimir o seu pensamento em termos adequados (cf. o artigo 9.º, n.º 3, do Código Civil), como é postulado pelo princípio material do Estado de direito democrático, maxime, nas dimensões dos seus subprincípios da segurança jurídica, da tutela da confiança e da boa fé, não pode deixar de concluir-se, perante o respectivo discurso legislativo, que dele não dimana qualquer autorização ao Governo no sentido de este poder legislar, embora, por adaptação de institutos previstos na ordem jurídica para outros sujeitos, sobre a obrigação de responsabilidade tributária pessoal, ilimitada e solidária, dos referidos titulares dos órgãos dos clubes desportivos que intervenham em competições profissionais e que não optem por constituir sociedades desportivas.
A matéria a que se reporta a autorização parlamentar concedida ao Governo - "harmonização do IRC devido por clubes desportivos e sociedades desportivas" - é, totalmente, estranha ao estabelecimento do referido regime de responsabilidade tributária pessoal dos dirigentes dos clubes desportivos pelas dívidas de impostos, incluindo derivadas de IRC, ou pelas contribuições para a segurança social.
Mas, como se referiu, o legislador do Decreto-Lei 67/97 fundamenta ainda a sua competência para legislar "no desenvolvimento do regime jurídico estabelecido pela Lei 1/90, de 13 de Janeiro, na redacção que lhe foi dada pela Lei 19/96, de 25 de Junho".
Verifica-se, porém, que o único preceito desta Lei de Bases do Desporto que dispõe sobre matéria susceptível de ter alguma conexão com a matéria fiscal em causa é o n.º 4 do artigo 20.º que assim reza (transcreve-se todo o artigo, acentuando-se a itálico o n.º 4 para efeitos de melhor compreensão):
"Artigo 20.º
Clubes desportivos
1 - São clubes desportivos, para efeitos desta lei, as pessoas colectivas de direito privado que tenham como escopo o fomento e a prática directa de actividades desportivas.
2 - Os clubes desportivos que não participem em competições desportivas profissionais constituir-se-ão, nos termos gerais de direito, sob forma associativa e sem intuitos lucrativos.
3 - Por diploma legal adequado serão estabelecidos os termos em que os clubes desportivos, ou as suas equipas profissionais, que participem em competições desportivas de natureza profissional poderão adoptar a forma de sociedade desportiva com fins lucrativos, ou o regime de gestão a que ficarão sujeitos se não optarem por tal estatuto.
4 - O diploma referido no número anterior salvaguardará, entre outros objectivos, a defesa dos direitos dos associados e dos credores de interesse público e a protecção do património imobiliário, bem como o estabelecimento de um regime fiscal adequado à especificidade destas sociedades.
5 - Mediante diploma legal adequado poderão ser isentos de IRC os lucros das sociedades desportivas que sejam investidos em instalações ou em formação desportiva no clube originário.
6 - Os clubes desportivos e sociedades desportivas que disputem competições desportivas de carácter profissional terão obrigatoriamente de possuir contabilidade organizada segundo as normas do Plano Oficial de Contabilidade, com as adaptações constantes de regulamentação adequada."
Poderia, desde logo, questionar-se se o n.º 4 do artigo 20.º da Lei de Bases do Desporto, na redacção dada pela referida Lei 19/96, cumpre a função de lei de autorização legislativa que resulta do corpo e do n.º 2 do artigo 165.º da Constituição (de concessão ao Governo de poderes para legislar em matéria de reserva relativa da Assembleia da República) e, a entender-se como tal, se ela não ofenderia o último preceito constitucional, por falta do estabelecimento da duração da autorização legislativa.
Não se afigura, porém, necessário resolver esse problema.
Embora a "Assembleia da República [possa] ir mais ou menos longe, vinculando o legislador delegado a adoptar soluções que podem transportar uma maior ou menor predefinição do regime jurídico adoptando e que, deste modo, podem, assim, ser enunciadas por uma forma mais ou menos precisa, mais ou menos minuciosa e mais ou menos completa" as soluções normativas, há-de, todavia, convir-se ser manifestamente excessivo inferir do referido preceito - no segmento em que prevê que, "entre outros objectivos", o legislador delegado deva salvaguardar a "defesa dos direitos dos credores de interesse público" - o sentido de este legislador ficar habilitado a estabelecer, de forma inovatória, um tal regime de responsabilidade subsidiária pessoal, relativamente aos titulares dos referidos órgãos sociais de clubes desportivos que participem em competições profissionais quando optem por não constituir sociedades desportivas, e, mormente, de adoptar um modelo de regime de incidência subjectiva específica fiscal diverso do previsto no citado artigo 13.º do Código de Processo Tributário.
De resto, cumpre notar que a permissão de "estabelecimento de um regime fiscal adequado", constante da parte final do preceito, cuja relevação poderia de algum modo servir de elemento potenciador da admissibilidade de uma autorização com o sentido de abranger também essa hipótese, se refere apenas às sociedades desportivas e não também à outra forma de gestão a que os clubes estão sujeitos quando optem por não constituir sociedades desportivas.
Temos, pois, de concluir que a norma constitucionalmente impugnada não encontra suporte bastante em precedente autorização legislativa e que versa sobre matéria de incidência subjectiva específica fiscal, sofrendo, por isso, de inconstitucionalidade orgânica.
C - Decisão. - 7 - Destarte, atento tudo o exposto, o Tribunal Constitucional decide:
a) Julgar inconstitucionais, por violação das disposições conjugadas dos artigos 103.º, n.º 2, e 165.º, n.º 1, alínea i), da Constituição da República Portuguesa, as normas constantes dos n.os 1 e 2 do artigo 39.º do Decreto-Lei 67/97, na parte em que as mesmas admitem a responsabilidade pessoal, ilimitada e solidária, pelo pagamento das dívidas fiscais ao credor tributário das pessoas aí mencionadas;
b) Confirmar o juízo de inconstitucionalidade feito pela decisão recorrida e, consequentemente, negar provimento ao recurso.
Lisboa, 16 de Maio de 2007. - Benjamim Rodrigues - João Cura Mariano - Rui Pereira - Mário José de Araújo Torres - Rui Manuel Moura Ramos.