Clínica Internacional de Campo de Ourique
Pub

Outros Sites

Visite os nossos laboratórios, onde desenvolvemos pequenas aplicações que podem ser úteis:


Simulador de Parlamento


Desvalorização da Moeda

Acórdão 15/2009, de 17 de Fevereiro

Partilhar:

Sumário

Não julga inconstitucional a interpretação normativa segundo a qual a pensão de aposentação atribuída pelo artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 362/78, de 28 de Novembro, só pode ser concedida a quem tenha efectuado durante o período mínimo de serviço (cinco anos) os correspondentes descontos para efeito de aposentação, não sendo possível a regularização retroactiva desses descontos ao abrigo do disposto no Estatuto da Aposentação

Texto do documento

Acórdão 15/2009

Processo 586/08

Acordam na 2ª Secção do Tribunal Constitucional

Relatório. - No âmbito da acção administrativa especial proposta por Sérgio Mário Antunes contra a Caixa Geral de Aposentações, que correu os seus termos sob o n.º 342/04.6 BELSB no Tribunal Administrativo e Fiscal de Lisboa, foi proferido acórdão que julgou improcedente o pedido de anulação da decisão da demandada que não reconheceu ao demandante o direito à aposentação requerido ao abrigo do Decreto-Lei 362/78, de 28 de Novembro.

A referida decisão judicial viria a ser integralmente confirmada por acórdão do Tribunal Central Administrativo do Sul, proferido em 24 de Abril de 2008, com a seguinte fundamentação, na parte que ora releva:

"[...] Salvo o devido respeito não assiste razão ao recorrente, tendo sido feita correcta interpretação do disposto no artigo 1.º/1 do DL n.º 362/78, de 28/9, na redacção introduzida pelo DL n.º 23/80, de 29/2, resultando dessa disposição legal que quem não tenha efectuado no momento da prestação de actividade à ex-Administração Pública ultramarina os correspondentes descontos para aposentação não tem direito a este regime especial de aposentação, não podendo os descontos para a compensação de aposentação ser efectuados ao abrigo do disposto nos artigos 13.º, 16.º e 18.º do EA, que constitui regime geral não aplicável às pensões dos ex-funcionários ultramarinos.

Conclusão que não importa qualquer violação dos princípios constitucionais invocados, não demonstrando o recorrente as razões da sua verificação, decorrendo tal conclusão da própria lei que faz depender a concessão da aposentação da prestação de pelo menos cinco anos de serviço à ex-Administração Pública ultramarina e da realização dos descontos para efeitos de aposentação. Não se demonstra que ao recorrente tivesse sido negada a possibilidade de efectuar tais descontos, que no momento em que prestou serviço tivesse qualquer expectativa que iria ser consagrado o regime especial de aposentação constante do DL n.º 362/78, de 28/11, e legislação complementar, para salvaguarda do serviço prestado no ex-Ultramar, ou que a não concessão de tal aposentação nos termos referidos pelo acórdão recorrido, importe, sem mais, violação do direito à segurança social ou implique violação do princípio da igualdade, pois que poderão existir razões para que o legislador de 1978 tivesse distinguido entre os funcionários ou agentes que tinham efectuado descontos para a compensação de aposentação e aqueles que não o fizeram, concedendo apenas aos primeiros a possibilidade de beneficiarem desse regime especial de aposentação."

O A. interpôs então recurso desta última decisão para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do disposto na alínea b), do n.º 1, do artigo 70.º, da Lei da Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional (LTC), pedindo a fiscalização da constitucionalidade concreta "dos requisitos legais da pensão previstos pelo artigo 1.º do Dec.-Lei 362/78, de 28.11 e sucessivas alterações (Dec.-Lei 363/86, de 31.10.1986 e Dec.-Lei 210/90), na parte em que esta norma foi interpretada e aplicada não só com o sentido de que são obrigatórios descontos para compensação de aposentação mas também com o sentido de que é obrigatória a efectuação de descontos correspondentes no mínimo a 5 anos de serviço", por alegada violação dos princípios constitucionais consagrados nos artigos 13.º, 15.º e 63.º da Constituição."

Posteriormente, o Recorrente apresentou as respectivas alegações, culminando as mesmas com a formulação das seguintes conclusões:

"[...] 1) O acórdão recorrido, do T. C. A. S., na peugada da C. G. A., fez uma interpretação subvertida do n.º 1 do artigo 1.º do Dec.-Lei 362/78, que, além de ultrapassar o seu próprio texto, desafia a ratio dessa disposição legal, a teleologia acautelada pelo instituto da previdência social em geral;

2) Segundo tal interpretação, o legislador, mais do que exigir 5 anos como tempo de serviço, teria querido também exigir 5 anos como medida de descontos processados sobre o vencimento, para compensação de aposentação no momento legalmente previsto como apropriado para tal processamento.

3) Tal interpretação da supradita disposição do Decreto-Lei 362/78 consagra uma solução arbitrária e discriminatória, que se traduz em violação do princípio constitucional do direito à segurança social, previsto no artigo 63.º, n.os 1 e 3, da CRP, do princípio constitucional da igualdade, previsto no artigo 13.º da CRP, e, ainda, do princípio constitucional da tutela da confiança, previsto no artigo 2.º da CRP.

4) Porque o legislador não exigiu nem quis exigir 5 anos de descontos como requisito para reconhecimento do direito à pensão de aposentação, mas apenas exigiu o processamento oportuno desses descontos, sem prejuízo do pagamento posterior dos mesmos por compensação com as prestações vencidas ou vincendas da pensão de aposentação nada autoriza o julgador ou decisor administrativo a exigir que estejam processados descontos correspondentes no mínimo a 5 anos de serviço e a precludir, assim, a faculdade de o servidor público devedor de descontos os pagar retroactivamente por compensação.

5) A falta de processamento dos descontos sobre o vencimento pela entidade pública servida, onerada com a operação de tal processamento, constitui "mora accipiendi" em sede de Direito Administrativo, sendo a falta de processamento (contemporâneo do vencimento) imputável ao aparelho do Estado, como omissão deste, nunca ao servidor público.

6) O artigo 431.º e § 1.º do E. F. U. previa para os funcionários ultramarinos a faculdade de virem a pagar a pensão de aposentação em data posterior à do normal processamento dos descontos sobre o vencimento.

7) Os artigos 13.º, 16.º e 18.º do E. A. fazem que a C. G. A. deva efectuar os descontos nos retroactivos em dívida aquando do pagamento destes.

8) A jurisprudência da C. G. A. foi pacificamente, durante pelo menos 26 anos, no sentido de os descontos em dívida poderem ser feitos nos retroactivos da pensão de aposentação, só tendo mudado nos últimos anos por razões de estratégia financeira que são totalmente estranhas à hermenêutica.

9) O Acórdão do T. C. A. S., recorrido, porque violou o princípio constitucional do direito à segurança social previsto no artigo 63.º, n.os 1 e 3 da CRP e o princípio constitucional da tutela da confiança, previsto no artigo 13.º da CRP e o princípio da igualdade, previsto no artigo 2.º da C. R. P., incorreu em ilegalidades, que são também inconstitucionalidades materiais.

10) No plano supranacional, aliás, o acórdão recorrido violou a garantia do julgamento equitativo, prevista no artigo 6.º, n.º 1, da Convenção Europeia dos Direitos do Homem.

Nestes termos, deverá o douto acórdão recorrido ser julgado inconstitucional, sendo no seu lugar proferido acórdão que anule o despacho de 29.12.2003 da C. G. A., proferido no âmbito do procedimento administrativo n.º GAC-3/VF/1704665,da C. G. A., assim se fazendo a esperada Justiça».

A Recorrida concluiu as suas contra-alegações do seguinte modo:

«(...) 1ª. As condições ou pressupostos de atribuição da pensão e o conteúdo exacto da prestação, são definidos pelo legislador ordinário, o que foi feito no âmbito do Decreto-Lei 362/78, de 28/11, e legislação complementar.

2ª. O n.º 1 do artigo 1.º do Decreto-Lei 362/78, de 28/11, exige cumulativamente, de acordo com a vastíssima jurisprudência dos Tribunais Superiores, para efeitos de concessão de uma pensão de aposentação, que os interessados tenham prestado, pelo menos, cinco anos de serviço efectivo à ex-Administração Pública ultramarina e tenham efectuado descontos para a compensação de aposentação.

3ª. Tais condições não violam o artigo 63.º da CRP, nem o princípio da igualdade, nem da protecção da confiança, já que, por um lado, à semelhança do que sucedeu com muitos outros assalariados eventuais, o agravante teve a possibilidade de optar pela realização dos descontos para a compensação de aposentação em altura própria, iniciando assim o direito à formação da pensão, não o tendo feito só de si se pode queixar e não da Administração ou do Estado, e por outro, a exigência do cumprimento de um prazo de garantia com tempo de serviço efectivo prestado ou de contribuições efectivamente efectuadas é algo que o legislador exige em qualquer sistema de segurança social.

4.ª Neste momento não pode o recorrente efectuar tais descontos por impossibilidade - inexistência do fundo de compensação para aposentação, sendo certo que não os poderá fazer ao abrigo dos artigos 13.º, 16.º e 18.º do Estatuto da Aposentação, já que a especialidade do regime previsto no Decreto-Lei 362/78, de 28/11, afasta a sua aplicação (assim como afastou, de acordo com a interpretação jurisprudencial do diploma em causa os requisitos de idade ou de incapacidade absoluta e permanente para o exercício de funções previstos no Estatuto da Aposentação para o acesso a uma pensão de aposentação, exigível para a generalidade dos subscritores da CGA).

5.ª Acresce que o recorrente conta apenas 4 anos e 7 meses de tempo de serviço efectivo como agente eventual da ex-Administração Pública ultramarina, não podendo ser considerado para efeitos de atribuição de pensão o tempo de serviço militar prestado debaixo da bandeira portuguesa que é contado por acréscimo ao tempo de serviço efectivo, nem as eventuais bonificações a que aquele teria direito.

6.ª Pelo que, por este prisma, o presente recurso não tem, sequer, qualquer utilidade.

7.ª Não se percebe, nem o recorrente demonstra, em que sentido foi a garantia do direito a um processo judicial equitativo violada.

8.ª O douto Acórdão recorrido não violou qualquer norma ou princípio legal ou constitucional, devendo, por isso, manter-se, com as legais consequências.

Termos em que, com o douto suprimento de V.ª Ex.ª, deve o presente recurso ser julgado improcedente, com as legais consequências."

Fundamentação. - 1 - Da delimitação do objecto do recurso

No requerimento de interposição do recurso o recorrente disse pretender a fiscalização da constitucionalidade "dos requisitos legais da pensão previstos pelo artigo 1.º do Decreto-Lei 362/78, de 28.11 e sucessivas alterações (Decreto-Lei 363/86, de 31.10.1986 e Dec.-Lei 210/90), na parte em que esta norma foi interpretada e aplicada não só com o sentido de que são obrigatórios descontos para compensação de aposentação mas também com o sentido de que é obrigatória a efectuação de descontos correspondentes no mínimo a 5 anos de serviço".

Nos termos do disposto no artigo 280.º, n.º 1, alínea b), da Constituição da República Portuguesa (CRP), e do artigo 70.º, n.º 1, b), da LTC, cabe recurso para o Tribunal Constitucional das decisões dos tribunais que "apliquem norma cuja inconstitucionalidade haja sido suscitada durante o processo".

No sistema português de fiscalização de constitucionalidade, a competência atribuída ao Tribunal Constitucional cinge-se ao controlo da inconstitucionalidade normativa, ou seja, das questões de desconformidade constitucional imputada a normas jurídicas ou a interpretações normativas aplicadas pela decisão recorrida como sua ratio decidendi.

Perante os termos da suscitação da questão de constitucionalidade efectuada pelo recorrente nas alegações de recurso apresentadas perante o Tribunal Central Administrativo do Sul, a redacção das alegações de recurso apresentadas neste Tribunal e o conteúdo da decisão recorrida, constata-se que a fórmula adoptada no requerimento de interposição do recurso para exprimir a interpretação normativa cuja constitucionalidade se pretendia ver apreciada não foi a mais feliz quando se refere que "...esta norma foi interpretada não só com o sentido de que são obrigatórios os descontos para compensação da aposentação...".

Como resulta, com evidência, da suscitação da questão de constitucionalidade perante o tribunal recorrido e das alegações do recurso apresentadas neste Tribunal, o recorrente não pretende pôr em crise a obrigação de realização dos descontos propriamente dita, mas sim o prazo de cumprimento dessa obrigação, na interpretação sustentada na decisão recorrida.

Esta interpretou e aplicou o disposto no n.º 1, do artigo 1.º, do Decreto-Lei 362/78, de 28 de Novembro, na redacção introduzida pelo Decreto-Lei 23/80, de 29 de Fevereiro, no sentido de que a pensão de aposentação atribuída por aquele dispositivo só pode ser concedida a quem tenha efectuado durante o período mínimo de serviço (5 anos) os correspondentes descontos para efeito de aposentação, não sendo possível a regularização retroactiva desses descontos ao abrigo do disposto no Estatuto da Aposentação.

Foi esta a interpretação que constituiu a ratio decidendi do acórdão recorrido e foi esta a interpretação cuja constitucionalidade o recorrente revelou pretender ver fiscalizada pelo Tribunal Constitucional, apesar da deficiente formulação adoptada no requerimento de interposição de recurso, pelo que deve tal interpretação constituir o objecto do presente recurso.

A recorrida entende que o conhecimento do presente recurso de constitucionalidade não tem qualquer utilidade, alegadamente porque o regime especial de aposentação, de cuja aplicação o recorrente pretende beneficiar exige pelo menos a prestação de 5 anos de serviço como funcionário ultramarino e ficou provado que o recorrente apenas prestou 4 anos e 7 meses de serviço nessa qualidade, sem que lhe seja possível cumular esse tempo de serviço com o tempo de serviço militar prestado ou até mesmo beneficiar de eventuais bonificações na contagem do tempo de serviço.

Ora, não obstante esta posição assumida pela recorrida poder ainda vir a ser acolhida pelo tribunal recorrido, impõe-se frisar que o conhecimento do presente recurso de constitucionalidade reveste utilidade na medida em que o tribunal a quo não chegou a pronunciar-se, positiva ou negativamente, relativamente à suficiência do tempo de serviço prestado pelo recorrente como funcionário do serviço ultramarino, nem sequer relativamente à possibilidade de acumulação desse tempo de serviço com o tempo de serviço militar, sendo evidente que não cabe ao Tribunal Constitucional proferir qualquer decisão nessa matéria específica em substituição ou por antecipação ao tribunal recorrido.

Nada obsta, pois, ao conhecimento do mérito do recurso interposto.

2 - Do mérito do recurso

2.1 - Do regime especial de aposentação instituído pelo Decreto-Lei 362/78 e seu enquadramento legislativo

O presente recurso de constitucionalidade versa a matéria do direito à segurança social, mais concretamente o direito à pensão de aposentação atribuído pelo Estado português a determinados funcionários da antiga Administração Pública ultramarina.

O n.º 1, do artigo 1.º, do Decreto-Lei 362/78, de 28 de Novembro, na redacção introduzida pelo Decreto-Lei 23/80, de 29 de Fevereiro, dispõe que "os funcionários e agentes das ex-províncias ultramarinas poderão requerer a pensão de aposentação desde que contem cinco anos de serviço e hajam efectuado descontos para aquele efeito, ainda que não fossem já subscritores na data da independência do território em que estavam colocados".

Esta norma foi aplicada pelo tribunal a quo na interpretação segundo a qual a pensão de aposentação em questão só pode ser concedida a quem tenha efectuado durante o período mínimo de serviço os correspondentes descontos para efeito de aposentação, não sendo possível a regularização retroactiva desses descontos ao abrigo do disposto no Estatuto da Aposentação.

O recorrente, além de discordar do sentido desta interpretação, entende que ela viola normas e princípios constitucionais, nomeadamente o direito à segurança social, o princípio da igualdade e o princípio da protecção da confiança, e ainda o princípio de direito internacional de garantia de um julgamento equitativo.

Não compete a este tribunal sindicar a correcção perante o direito infra-constitucional desta interpretação.

O conhecimento da concreta questão de constitucionalidade, em especial o conhecimento de cada um dos fundamentos de inconstitucionalidade invocados pelo recorrente, pressupõe necessariamente que sejam recuperados e situados no tempo alguns dos factos dados como provados respeitantes às funções desenvolvidas pelo recorrente na antiga província ultramarina de Angola, bem como que seja sucintamente enunciada a evolução verificada no regime jurídico de aposentação dos funcionários da antiga Administração Pública ultramarina com relevância para o caso em apreço.

Na antiga província ultramarina de Angola, o recorrente exerceu, como eventual, as funções de professor de posto escolar nos períodos compreendidos entre 21-11-1967 e 30-6-1968, entre 1-10-1968 e 30-6-1969 e entre 4-9-1969 e 30-6-1970, sem ter sofrido quaisquer descontos para compensação de aposentação.

Para além disso, o recorrente exerceu as funções de factor na extinta Direcção-Geral dos Serviços de Postos e Caminhos de Ferro e Transportes de Angola, no período compreendido entre 26-5-1973 e 10-11-1975, mais uma vez sem ter sofrido quaisquer descontos para compensação de aposentação.

No intervalo de tempo que separou o exercício das referidas funções, o recorrente prestou ainda serviço militar pelo tempo total de 2 anos e 217 dias.

Quando o recorrente iniciou as suas funções na antiga Administração Pública ultramarina, encontrava-se então em vigor o Estatuto do Funcionalismo Ultramarino (EFU), aprovado pelo Decreto 46 982, de 27 de Abril de 1966, aplicável a todos os serviços públicos civis da administração provincial no ultramar.

De acordo com a redacção originária desse diploma legal, o funcionário ultramarino, mesmo eventual, tinha direito à aposentação desde que, para além de ter completado 60 anos de idade e 40 de serviço, tivesse satisfeito ou viesse a satisfazer determinados encargos, nomeadamente o pagamento de uma determinada percentagem da totalidade da remuneração que competisse ao cargo que exercia para compensação de aposentação (artigos 144.º, 430.º e 437.º do EFU).

Satisfazendo esses encargos, tinha igualmente direito à aposentação o funcionário ultramarino que, tendo, pelo menos, 40 anos de idade e 15 de serviço, fosse julgado absolutamente incapaz (artigo 430.º do EFU).

O tempo de serviço prestado nas províncias ultramarinas tinha a particularidade de ser sempre aumentado de um quinto para efeitos de aposentação qualquer que fosse o número de anos de serviço e ainda que o funcionário viesse a transitar para os quadros do Ministério do Ultramar e a aposentar-se nessa situação pela legislação ultramarina, sem que houvesse lugar ao pagamento de quotas (proémio do artigo 435.º do EFU).

O encargo para aposentação era normalmente satisfeito por meio de desconto efectuado nas remunerações dos funcionários (artigo 437.º, § 3.º, do EFU).

Tratando-se de funcionários eventuais, a aposentação só seria concedida se os interessados viessem a reunir os requisitos necessários para ela e declarassem expressamente que desejavam fazer o desconto para compensação de aposentação (artigo 430.º, § 4.º, do EFU).

Os encargos correspondentes a tempo de serviço que, por qualquer motivo, não tivesse sido oportunamente contado, podiam ser satisfeitos directamente e a pronto pelos interessados ou por meio de descontos nas remunerações ou pensões que auferissem no momento do pedido da contagem, não podendo, neste caso, o fraccionamento ser superior a 96 prestações (artigo 437.º, § 5.º, do EFU).

Não obstante as alterações pontuais introduzidas no EFU pelo Decreto 49 165, de 2 de Agosto de 1969, e pelo Decreto 52/75, de 8 de Fevereiro, tal regime de aposentação manteve-se inalterado nos seus traços essenciais até sobrevir a independência dos territórios ultramarinos, exceptuando a dispensa de uma idade mínima em caso de incapacidade absoluta e o aumento do número máximo de prestações mensais exigíveis a título de descontos retroactivos para compensação de aposentação que podiam ser realizados nas próprias pensões a ser abonadas.

Importa notar que até à emergência das independências das províncias ultramarinas, a situação dos funcionários ultramarinos não era muito distinta da dos funcionários metropolitanos em matéria de aposentação.

Os funcionários metropolitanos estavam sujeitos ao Estatuto da Aposentação (EA), aprovado pelo Decreto-Lei 498/72, de 9 de Dezembro.

De acordo com a redacção originária desse diploma legal, o servidor do Estado, obrigatoriamente inscrito na Caixa Geral de Aposentações, tinha direito à aposentação ordinária, independentemente de qualquer outro requisito, desde que contasse pelo menos 60 anos de idade e 40 de serviço (artigos 1.º, n.º 1, 35.º e 37.º, n.º 1, do EA).

O servidor do Estado também tinha direito à aposentação ordinária quando, tendo, pelo menos, 40 anos de idade e 15 de serviço: a) fosse declarado absoluta e permanentemente incapaz para o exercício das suas funções; b) atingisse o limite de idade legalmente fixado para o exercício das suas funções; c) fosse punido com a pena de aposentação compulsiva (artigo 37.º, n.º 2, do EA).

A idade máxima para a inscrição na Caixa era a que correspondia à possibilidade de o subscritor perfazer o mínimo de quinze anos de serviço até atingir o limite de idade fixado para o exercício do respectivo cargo (artigo 4.º, n.º 1, do EA).

O subscritor contribuía mensalmente para a CGA com a quota para a aposentação mediante o pertinente desconto a realizar pelos serviços (artigos 5.º, 7.º e 8.º do EA).

Nos casos de contagem de tempo de serviço relevante para efeito de aposentação, as quotas que não houvessem sido pagas podiam ser liquidadas com ou sem acréscimo de juros de mora, consoante, respectivamente, a falta de oportuna inscrição fosse ou não imputável ao subscritor (artigos 13.º e 16.º do EA).

Apenas era contado o tempo de serviço em relação ao qual tivessem sido ou viessem a ser pagas as quotas correspondentes (artigo 28.º do EA).

O recorrente cessou as respectivas funções ao serviço da administração portuguesa ultramarina em 10 de Novembro de 1975, precisamente na véspera da independência da República Popular de Angola ocorrida em 11 de Novembro de 1975.

Quando o recorrente deixou de ser funcionário da Administração Pública da ex-província ultramarina de Angola, é manifesto que o mesmo não reunia os requisitos necessários para a respectiva aposentação à luz de qualquer dos regimes jurídicos acabados de enunciar, sendo que ainda estava longe a entrada em vigor da nova redacção do artigo 1.º, do DL 362/78, de 28 de Novembro, introduzida pelo DL 23/80, de 29 de Fevereiro, ao abrigo da qual o recorrente veio requerer a atribuição da pensão de aposentação.

Aliás, quando o recorrente deixou de ser funcionário público ultramarino, estava já em vigor o Decreto-Lei 23/75, de 22 de Janeiro, ao abrigo do qual tinha sido criado o quadro geral de adidos (I) destinado a integrar os funcionários públicos portugueses em serviço nas antigas províncias ultramarinas, à medida que estas fossem ascendendo à independência, com vista à respectiva transição para os correspondentes quadros do funcionalismo metropolitano, desde que contassem, pelo menos, dois anos de serviço efectivo e ininterrupto, com manutenção dos direitos em matéria de segurança social.

Posteriormente, com a entrada em vigor do Decreto-Lei 294/76, de 24 de Abril, no âmbito de um processo mais amplo de gestão dos recursos humanos do sector público, esses funcionários - desde que vinculados ao Estado e corpos administrativos da Administração Pública ultramarina em 22 de Janeiro de 1975 e contassem nessa data, pelo menos, um ano de serviço ininterrupto - vieram a ser considerados excedentes de pessoal em virtude do processo de descolonização com garantia de ingresso no quadro geral de adidos (II) com vista à respectiva integração noutros serviços ou organismos da Administração Pública, com salvaguarda de todos os direitos relativos à segurança social.

Este novo quadro geral de adidos absorvia não só os excedentes de pessoal em virtude do processo de descolonização, como ainda integrava os agentes que estivessem desocupados ou sem pleno aproveitamento no sector público em virtude da extinção, reconversão ou reorganização de serviços e organismos da Administração Pública.

As regras gerais de aposentação, decorrentes do EA, começaram a sofrer algumas alterações importantes, com a entrada em vigor do Decreto-Lei 294/76, das quais também beneficiavam os antigos funcionários ultramarinos integrados no quadro geral de adidos.

Na verdade, passaram a ser aposentáveis:

a) A pedido dos próprios interessados, os adidos que contassem o tempo mínimo de serviço, nos termos da lei geral (15 anos), independentemente da idade que possuíssem (artigo 49.º, n.º 1);

b) Oficiosamente, os adidos que contassem um mínimo de vinte anos de serviço, tivessem permanecido dois anos na situação de disponibilidade no quadro geral de adidos e relativamente aos quais se considerasse inviável a passagem à actividade por razões ponderosas (artigo 49.º, n.º 2);

c) E, também, oficiosamente, os adidos com idade igual ou superior a 60 anos que tivessem permanecido dois anos na situação de disponibilidade no quadro geral de adidos e relativamente aos quais se considerasse inviável a passagem à actividade por razões ponderosas (artigo 49.º, n.º 3).

O quadro geral de adidos criado pelo Decreto-Lei 294/76 foi considerado legalmente extinto em 30 de Junho de 1984 (artigo 1.º, do Decreto-Lei 42/84, de 3 de Fevereiro).

Consoante as situações em que se encontrassem, os adidos foram: a) integrados nos serviços e organismos públicos e nas empresas públicas e nacionalizadas; b) aposentados obrigatoriamente; c) ou integrados num quadro de efectivos interdepartamentais (artigo 2.º do Decreto-Lei 42/84, de 3 de Fevereiro).

Os adidos que se encontravam na situação de disponibilidade em 31 de Dezembro de 1983 e cujo tempo de inactividade atingisse nessa data 2 anos seguidos ou 3 interpolados, foram considerados desligados do serviço, para efeito de aposentação, a partir de 1 de Março de 1984 (artigos 3.º e 5.º, do Decreto-Lei 42/84, de 3 de Fevereiro).

Com ressalva dos agentes que prestaram serviço nos territórios de Macau e Timor, a possibilidade dos funcionários ultramarinos que não continuaram a prestar serviço para além da independência nos novos países requererem o ingresso no referido quadro geral de adidos terminou em 30 de Novembro de 1977 (artigo 1.º, n.º 2, d), do Decreto-Lei 356/77, de 31 de Agosto).

Todavia, o Estado português foi sensível à existência de agentes da antiga Administração Pública ultramarina que tinham completado o tempo de serviço necessário para a aposentação dos adidos nos termos do Decreto-Lei 294/76 (artigo 49.º), mas que não haviam ingressado no quadro geral de adidos, designadamente por haverem perdido a nacionalidade portuguesa ou por já não serem funcionários da Administração Pública ultramarina à data da independência dos territórios onde haviam exercido as suas funções.

Em conformidade com essa preocupação, foi aprovado e entrou em vigor o Decreto-Lei 362/78, de 28 de Novembro, cujo artigo 1.º, n.º 1, dispunha que "os funcionários e agentes da Administração Pública das ex-províncias ultramarinas poderão requerer a pensão de aposentação desde que contem quinze anos de serviço e hajam efectuado os descontos para aquele efeito, ainda que não fossem já subscritores na data da independência do território em que estavam colocados".

Posteriormente, sob a influência da Constituição de 1976, o EA sofre alterações relevantes introduzidas pelo Decreto-Lei 191-A/79, de 25 de Janeiro, que visam a respectiva aproximação de regras já vigentes na previdência social do sector privado, entre as quais avulta a redução do prazo de garantia de 15 para 5 anos (artigos 4.º e 37.º, n.º 2, b), do EA).

Esta alteração legislativa - automaticamente aplicável, por força do disposto no artigo 49.º, n.º 1, do Decreto-Lei 294/76, aos ex-funcionários ultramarinos integrados no quadro geral de adidos - foi estendida igualmente aos ex-funcionários ultramarinos não integrados no quadro geral de adidos, passando o n.º 1, do artigo 1.º, do Decreto-Lei 362/78, na redacção introduzida pelo Decreto-Lei 23/80, de 29 de Fevereiro, a dispor que "os funcionários e agentes da Administração Pública das ex-províncias ultramarinas poderão requerer a pensão de aposentação desde que contem cinco anos de serviço e hajam efectuado os descontos para aquele efeito, ainda que não fossem já subscritores na data da independência do território em que estavam colocados".

O prazo para requerer as pensões de aposentação ao abrigo do Decreto-Lei 362/78 foi sendo sucessivamente prorrogado pelos Decretos-Lei 23/80, de 29 de Fevereiro, 118/81, de 18 de Maio, e 263/86, de 30 de Outubro, até que o Decreto-Lei 210/90, de 27 de Junho, extinguiu este direito.

Da análise deste panorama legislativo resulta que o direito a uma pensão de aposentação atribuído pelo artigo 1.º, do Decreto-Lei 362/78, de 28 de Novembro, a funcionários e agentes da Administração Pública das ex-províncias ultramarinas, se enquadrou numa política de justiça relativamente a todos aqueles que haviam servido a Administração Pública ultramarina durante um período de tempo igual àquele que havia permitido aos adidos aposentarem-se, não tendo, contudo, podido ingressar no quadro geral de adidos, com vista à sua transição para os quadros do funcionalismo metropolitano.

Apesar destes funcionários não terem atingido a idade ou o tempo de serviço necessários à aposentação ordinária, excepcionalmente, entendeu-se conceder-lhes o direito a receberem uma pensão proporcional ao período de tempo em que trabalharam na Administração Pública ultramarina.

Não estamos, pois, perante uma verdadeira pensão de aposentação, enquanto prestação pecuniária mensal vitalícia atribuível aos funcionários da Administração Pública, por motivo da cessação do exercício de funções, nos termos previstos na legislação sobre aposentação (EA), mas sim perante uma pensão especial, equivalente à pensão de aposentação, mas cuja atribuição não resultou da cessação do exercício de funções por aposentação, mas sim de legislação específica, ditada por razões de justiça, que visou compensar quem havia trabalhado durante um período de tempo na Administração Pública ultramarina, igual àquele que havia permitido aos adidos aposentarem-se.

O recorrente requereu o pagamento desta pensão, ao abrigo do referido diploma, em 30 de Dezembro de 1988 mas, após várias vicissitudes, tal pretensão não lhe foi reconhecida porque o tribunal recorrido interpretou aquele dispositivo no sentido de que essa pensão de aposentação só pode ser concedida a quem tenha efectuado durante o período mínimo de serviço (5 anos) os correspondentes descontos para efeito de aposentação, não sendo possível a regularização retroactiva desses descontos ao abrigo do disposto no Estatuto da Aposentação", e o recorrente não havia efectuado tais descontos.

2.2 - Do direito à segurança social

O recorrente invoca, em primeiro lugar, que esta interpretação viola o direito à segurança social previsto no artigo 63.º, da C. R. P.

As situações de carência ou de insegurança necessariamente cobertas pelo sistema público de segurança social não obedecem a um numerus clausus, dispondo o n.º 3, do artigo 63.º, da C. R. P., que os cidadãos deverão ser protegidos na doença, velhice, invalidez, viuvez e orfandade, bem como no desemprego e em todas as outras situações de falta ou diminuição de meios de subsistência ou de capacidade para o trabalho.

Como já acima se constatou a pensão aqui em causa não visou acorrer a qualquer situação de velhice ou invalidez do funcionário público, nem a uma situação de desemprego, nem a qualquer outra situação de falta ou diminuição de meios de subsistência ou de capacidade para o trabalho. Pretendeu-se apenas, por razões de justiça, recompensar quem havia dado o seu esforço e dedicação à Administração Pública ultramarina durante um período de tempo igual àquele que havia permitido aos adidos aposentarem-se.

Está-se, pois, para além das situações de carência e insegurança previstas no n.º 3, do artigo 63.º, da C. R. P., e num domínio de livre previsão e conformação político-legislativo, em que o legislador ordinário entendeu intervir "voluntariamente", num sinal de justiça para funcionários públicos que haviam servido o Estado português nos territórios ultramarinos, mas que não haviam podido ingressar no quadro de adidos.

Neste domínio, tem o legislador uma ampla liberdade para fixar os requisitos e critérios de atribuição das pensões por si previstas, desde que sejam observados os princípios constitucionais inerentes à ideia de Estado de Direito, como o da igualdade e o da confiança dos cidadãos.

Não sendo esta uma pensão de velhice ou invalidez, não tem aqui aplicação a imposição do critério de cálculo das pensões do n.º 4, do artigo 63.º, da CRP, pelo que também não pode a interpretação normativa sindicada contrariá-lo.

2.3 Do princípio da igualdade

O recorrente alega também que a interpretação sob fiscalização viola o princípio da igualdade ao não permitir a regularização retroactiva dos descontos para a Segurança Social, diferentemente do que se dispõe no regime geral da aposentação na função pública.

O princípio da igualdade, como limite externo da liberdade de conformação do legislador, exige que realidades fundamentalmente iguais não sejam tratadas arbitrariamente pela lei de forma desigual.

Se é verdade que o Estatuto de Aposentação permitia a regularização retroactiva de descontos (quotas) em dívida, para efeitos de contagem de tempo de serviço para aposentação (artigo 13.º), nomeadamente através de descontos na respectiva pensão (artigos 16.º e 18.º), não é possível, contudo, equiparar as pensões de aposentação do regime geral, com a pensão atribuída excepcionalmente pelo Decreto-Lei 362/78, de 28 de Novembro (vide, neste sentido, a fundamentação dos acórdãos do Tribunal Constitucional n.º 467/2003, em "Acórdãos do Tribunal Constitucional", 57.º vol., pág. 563, e 554/2003, em "Acórdãos do Tribunal Constitucional", 57.º vol., pág. 923).

Como já acima se referiu, enquanto aquelas resultam da cessação do exercício de funções públicas, nos termos previstos na legislação sobre aposentação, a atribuição excepcional da pensão prevista pelo artigo 1.º, do Decreto-Lei 362/78, de 28 de Novembro, visou apenas, por razões de justiça, compensar quem apesar de já ter cessado há algum tempo o exercício de funções na Administração Pública ultramarina, sem reunir as condições para beneficiar do estatuto da aposentação, havia aí trabalhado, durante um período igual àquele que havia permitido aos adidos aposentarem-se.

Estando nós perante a atribuição excepcional duma pensão de aposentação a pessoas que se encontram numa posição diferente daquelas que se aposentam nos termos do regime geral da função pública, em que, aliás, os requisitos de idade e permanência na função são bem mais rigorosas, não é exigível uma identidade de regimes quanto ao prazo de cumprimento das obrigações contributivas para o sistema de segurança social, em nome do princípio da igualdade.

Realidades diferentes podem, como muitas vezes devem, ser tratadas de forma diferente.

E a igual conclusão se chega quando se coloca como termo de comparação as pensões de aposentação dos funcionários e agentes da Administração Pública das ex-províncias ultramarinas que ingressaram no quadro geral de adidos, os quais tinham a faculdade de utilizar o regime previsto no EA, para regularizarem o pagamento das contribuições para aposentação não efectuadas, por conservarem as prerrogativas comuns a todo o funcionalismo público, nos termos dos artigos 25.º e 26.º, n.º 1, a) e n.º 5, do Decreto-Lei 294/76, de 24 de Abril.

Se, neste caso, os requisitos de permanência na função pública são idênticos, não se pode esquecer que estes funcionários públicos ao ingressarem no quadro geral de adidos, apesar de se encontrarem numa situação transitória, mantiveram a qualidade de funcionários públicos, com a generalidade dos direitos e deveres correspondentes, pelo que a atribuição da pensão de aposentação resultou da cessação do exercício de funções públicas, nos termos especialmente previstos na lei (Decreto-Lei 294/76, de 24 de Abril), que tiveram o objectivo de favorecer a redução do excedente de funcionários públicos resultante do processo de descolonização.

Sendo diferente a posição dos adidos e dos ex-funcionários públicos ultramarinos que já haviam cessado o seu vínculo à função pública, também aqui o princípio da igualdade não exige uma equiparação total dos requisitos necessários à atribuição de pensões, podendo o legislador exigir apenas aos últimos, como condição da atribuição da pensão, que tivessem efectuado durante o período mínimo de serviço os correspondentes descontos para efeito de aposentação.

Finalmente, também não viola o princípio da igualdade a distinção, para efeitos de atribuição da pensão em análise, entre os ex-funcionários públicos ultramarinos que exerceram funções durante o período mínimo de serviço exigido pelo Decreto-Lei 362/78, de 28 de Novembro, e que efectuaram aqueles descontos e os que, contando também esse tempo de permanência mínimo na função pública, não os efectuaram.

A circunstância dos primeiros terem contribuído para a manutenção de um sistema de segurança social público, relativamente ao qual tinham a expectativa de poder vir a dele beneficiar, tem o peso suficiente para que a distinção efectuada não possa ser qualificada como arbitrária, o que afasta a possibilidade dela violar o princípio constitucional da igualdade.

2.4 - Do princípio da confiança

Do princípio do Estado de Direito, a doutrina deduz os seus subprincípios concretizadores e essenciais da segurança jurídica e da protecção da confiança dos cidadãos (vide Gomes Canotilho, em "Direito constitucional e teoria da Constituição", pág. 257 e seg., da 7.ª Edição, da Almedina, e Jorge Reis Novais, em "Os princípios constitucionais estruturantes da República Portuguesa", pág. 261 e seg., da ed. de 2004, da Coimbra Editora).

Conforme sintetiza Jorge Reis Novais "(...)a protecção da confiança dos cidadãos relativamente à acção dos órgãos do Estado é um elemento essencial, não apenas da segurança da ordem jurídica, mas também da própria estruturação do relacionamento entre Estado e cidadãos em Estado de Direito. Sem a possibilidade, juridicamente garantida, de poder calcular e prever os possíveis desenvolvimentos da actuação dos poderes públicos susceptíveis de repercutirem na sua esfera jurídica, o indivíduo converter-se-ia, em última análise com violação do princípio fundamental da dignidade da pessoa humana, em mero objecto do acontecer estatal." (na ob. cit., pp. 261-262).

Não oferece dúvidas que a alteração frequente das leis pode perturbar a confiança das pessoas, sobretudo quando as suas situações jurídicas sejam objectivamente lesadas pela entrada em vigor de uma nova lei que pretenda dispor sobre elas de forma retroactiva.

Contudo, no presente caso, o artigo 1.º, do Decreto-Lei 362/78, de 28 de Novembro, dispôs retroactivamente não de forma a lesar qualquer situação jurídica já constituída ou com uma legítima expectativa de constituição, mas sim de forma a valorar positivamente uma situação anterior, atribuindo uma pensão a quem dela não beneficiava segundo os regimes anteriores.

Na verdade, em 10 de Novembro de 1975, quando o recorrente cessou as suas funções na Administração Pública ultramarina não reunia, à luz da legislação vigente, os pressupostos de facto necessários à atribuição de qualquer pensão de aposentação, ainda que reportada ao tempo de serviço mínimo.

E esta situação manteve-se inalterável até ser aprovado o Decreto-Lei 362/78, de 28 de Novembro, pelo que este diploma ao atribuir uma pensão a quem, segundo a interpretação impugnada, tenha efectuado durante o período mínimo de serviço os correspondentes descontos para efeito de aposentação, não sendo possível a regularização retroactiva desses descontos ao abrigo do disposto no Estatuto da Aposentação, não lesou qualquer situação jurídica anteriormente constituída, nem qualquer expectativa objectivamente fundada, ao não abranger os funcionários que não tivessem efectuados esses descontos, como era o caso do recorrente.

Não existia, pois, à data da aprovação daquele diploma, qualquer situação de confiança objectiva na atribuição desta pensão especial, por parte dos ex-funcionários públicos ultramarinos que apesar de contarem o período mínimo de serviço exigido por aquele diploma, não tinham efectuado durante esse período os descontos para efeitos de aposentação que justificassem uma protecção em nome do princípio estruturante do Estado de Direito.

Por este motivo constata-se que a interpretação analisada também não viola o subprincípio da protecção da confiança dos cidadãos.

2.5 - Da exigência do processo equitativo

O recorrente ainda alega que a interpretação normativa questionada atenta contra a garantia do julgamento equitativo, prevista no artigo 6.º, n.º 1, da Convenção Europeia dos Direitos do Homem.

A garantia do processo equitativo é também uma exigência da nossa Constituição (artigo 20.º, n.º 4).

Contudo, a interpretação normativa questionada não respeita a qualquer regra processual, pelo que não está em causa o mencionado imperativo constitucional.

O facto do recorrente entender que o tribunal recorrido efectuou uma interpretação incorrecta do disposto no artigo 1.º, do Decreto-Lei 362/78, de 28 de Novembro, não suscita a sua avaliação perante aquele parâmetro constitucional, reclamando apenas um controle infra-constitucional dessa interpretação que não compete ao Tribunal Constitucional.

2.6 - Conclusão. - Não se tendo constatado que a interpretação normativa fiscalizada, segundo a qual a pensão de aposentação atribuída pelo artigo 1.º, do Decreto-Lei 362/78, de 28 de Novembro, só pode ser concedida a quem tenha efectuado durante o período mínimo de serviço (5 anos) os correspondentes descontos para efeito de aposentação, não sendo possível a regularização retroactiva desses descontos ao abrigo do disposto no Estatuto da Aposentação, viole qualquer parâmetro constitucional, deve o recurso ser julgado improcedente.

Decisão. - Pelo exposto, julga-se improcedente o recurso interposto por Sérgio Mário Antunes, para o Tribunal Constitucional, do acórdão do Tribunal Central Administrativo do Sul, proferido nestes autos em 24 de Abril de 2008.

Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 25 unidades de conta, ponderados os critérios referidos no artigo 9.º, n.º 1, do Decreto-Lei 303/98, de 7 de Outubro (artigo 6.º, n.º 1, do mesmo diploma).

Lisboa, 13 de Janeiro de 2009. - João Cura Mariano - Benjamim Rodrigues - Mário José de Araújo Torres - Joaquim de Sousa Ribeiro - Rui Manuel Moura Ramos.

Anexos

  • Extracto do Diário da República original: https://dre.tretas.org/dre/1384580.dre.pdf .

Ligações deste documento

Este documento liga aos seguintes documentos (apenas ligações para documentos da Serie I do DR):

  • Tem documento Em vigor 1966-04-27 - Decreto 46982 - Ministério do Ultramar - Gabinete do Ministro

    Aprova o novo texto do Estatuto do Funcionalismo Ultramarino.

  • Tem documento Em vigor 1969-08-02 - Decreto 49165 - Ministério do Ultramar - Direcção-Geral de Administração Civil

    Dá nova redacção a várias disposições do Estatuto do Funcionalismo Ultramarino, aprovado pelo Decreto n.º 46982, com vista a tornar extensivos aos funcionários e assalariados dos serviços ultramarinos os benefícios concedidos pelo Decreto-Lei n.º 49031.

  • Tem documento Em vigor 1972-12-09 - Decreto-Lei 498/72 - Ministério das Finanças - Secretaria de Estado do Tesouro - Caixa Geral de Depósitos, Crédito e Previdência

    Promulga o Estatuto da Aposentação.

  • Tem documento Em vigor 1975-01-22 - Decreto-Lei 23/75 - Ministério da Coordenação Interterritorial - Gabinete do Ministro

    Regula a situação dos servidores do Estado ou dos corpos administrativos dos territórios ultramarinos quando estes ascenderem à independência (futuro estatuto dos funcionários portugueses nos Estados de expressão portuguesa). Cria o quadro geral de adidos no Ministério da Coordenação Interterritorial.

  • Tem documento Em vigor 1975-02-08 - Decreto 52/75 - Ministério da Coordenação Interterritorial - Gabinete do Ministro

    Harmoniza, em determinados aspectos, os regimes da aposentação e da pensão de sobrevivência dos servidores civis do Estado em serviço nos territórios ultramarinos com os vigentes no continente e ilhas.

  • Tem documento Em vigor 1976-04-24 - Decreto-Lei 294/76 - Ministérios da Cooperação, da Administração Interna e das Finanças

    Cria o quadro geral de adidos e redefine a composição e funcionamento da Comissão Interministerial de Gestão de Pessoal. Aplica-se a todos os organismos e serviço da administração pública, o serviço central de pessoal e a comissão interministerial de gestão de excedentes de pessoal, cujas atribuições são definidas.

  • Tem documento Em vigor 1977-08-31 - Decreto-Lei 356/77 - Presidência do Conselho de Ministros e Ministérios da Administração Interna, das Finanças e dos Transportes e Comunicações

    Estabelece disposições relativas à gestão do quadro geral de adidos.

  • Tem documento Em vigor 1978-11-28 - Decreto-Lei 362/78 - Presidência do Conselho de Ministros e Ministério das Finanças e do Plano

    Estabelece normas relativas a pensões de aposentação dos funcionários e agentes da administração pública das ex-províncias ultramarinas.

  • Tem documento Em vigor 1979-06-25 - Decreto-Lei 191-A/79 - Presidência do Conselho de Ministros e Ministério das Finanças e do Plano

    Revê o estatuto da aposentação dos funcionários e agentes do estado e de outras entidades públicas, aprovado pelo Decreto Lei nº 498/72, de 9 de Dezembro, introduzindo diversas alterações, nomeadamente no que se refere ao direito de inscrição e idade máxima para esse efeito, à regularização e pagamento de quotas, ao cálculo, deduções, actualização e pagamento de pensões, a contagem do tempo de serviço e as diferentes formas de aposentação: aposentação ordinária, extraordinária, voluntária e compulsiva.

  • Tem documento Em vigor 1980-02-29 - Decreto-Lei 23/80 - Ministério das Finanças e do Plano

    Introduz alterações ao Decreto-Lei n.º 362/78, de 28 de Novembro, que estabelece normas relativas a pensões de aposentação dos funcionários e agentes da administração pública das ex-províncias ultramarinas.

  • Tem documento Em vigor 1980-07-26 - Lei 23/80 - Assembleia da República

    Ratifica a Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Mulheres.

  • Tem documento Em vigor 1984-02-03 - Decreto-Lei 42/84 - Presidência do Conselho de Ministros

    Extingue o quadro geral de adidos e dispõe sobre o destino a dar aos adidos. Cria, junto da Direcção Geral de Emprego e Formação da Administração Pública, o quadro de efectivos interdepartamentais.

  • Tem documento Em vigor 1986-10-30 - Decreto-Lei 363/86 - Ministério das Finanças

    Prorroga o prazo estabelecido no Decreto-Lei n.º 362/78, de 28 de Novembro, para requerer a pensão de aposentação.

  • Tem documento Em vigor 1990-06-27 - Decreto-Lei 210/90 - Ministério das Finanças

    Procede à revogação do Decreto-Lei nº 363/86 de 30 de Outubro, que permitia o requerimento a todo o tempo das pensões de aposentação previstas no Decreto-Lei nº 362/78 de 28 de Novembro.

  • Tem documento Em vigor 1998-10-07 - Decreto-Lei 303/98 - Ministério da Justiça

    Dispõe sobre o regime de custas no Tribunal Constitucional.

Aviso

NOTA IMPORTANTE - a consulta deste documento não substitui a leitura do Diário da República correspondente. Não nos responsabilizamos por quaisquer incorrecções produzidas na transcrição do original para este formato.

O URL desta página é:

Clínica Internacional de Campo de Ourique
Pub

Outros Sites

Visite os nossos laboratórios, onde desenvolvemos pequenas aplicações que podem ser úteis:


Simulador de Parlamento


Desvalorização da Moeda