Decreto-Lei 293/92
de 30 de Dezembro
A existência da dupla tutela no que respeita ao regime organizativo, inserção profissional e enquadramento operacional não foi nem é a responsável pela desactualização do conjunto de normas dispersas que se aplicaram ao bombeiro profissional.
As dificuldades parecem ter advindo da aplicação prática de dois regimes: um, proveniente de adaptações do Código Administrativo e da transição imperfeita dos regimentos de sapadores bombeiros para o âmbito municipal, outro, da insuficiência dos normativos aplicáveis à administração local.
Daí que o estatuto do bombeiro profissional pretenda esclarecer a natureza destes corpos de bombeiros, oferecer um esquema claro de constituição, organização e enquadramento no âmbito autárquico e prover sobre a sua subordinação aos princípios de formação e actuação operacional que se encontram sob a alçada do Serviço Nacional de Bombeiros.
Os bombeiros profissionais são funcionários da autarquia, com todas as implicações que desta qualidade decorrem, e a ligação que se mantém ao Serviço Nacional de Bombeiros justifica-se pela necessidade de harmonização de formação e coordenação no terreno, tendo em vista a existência das inúmeras corporações de bombeiros voluntários e a eficaz articulação entre todas.
O presente estatuto é, pois, um compromisso que envolve, para além da prossecução dos objectivos inerentes ao interesse público, a estrutura dos bombeiros em Portugal, os interesses das autarquias e os legítimos anseios dos profissionais envolvidos.
Foram ouvidas a Associação Nacional de Municípios Portugueses e as associações representativas dos trabalhadores da administração local, nos termos legais.
Assim:
Nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 201.º da Constituição, o Governo decreta o seguinte:
CAPÍTULO I
Disposições gerais
Artigo 1.º
Objecto
O presente diploma estabelece o regime jurídico dos corpos de bombeiros profissionais da administração local.
Artigo 2.º
Legislação aplicável
Os corpos de bombeiros profissionais regem-se pela legislação geral em vigor para o pessoal da administração local e pela demais legislação especial aplicável, em tudo o que se não encontre especialmente regulado no presente diploma.
Artigo 3.º
Natureza
1 - Os corpos de bombeiros profissionais são corpos especiais de funcionários especializados de protecção civil integrados nos quadros de pessoal das câmaras municipais.
2 - Para efeitos do presente diploma, entende-se por bombeiros profissionais os bombeiros municipais que desempenham funções com carácter profissionalizado e a tempo inteiro e os bombeiros sapadores.
Artigo 4.º
Dependência administrativa e operacional
1 - Os corpos de bombeiros profissionais dependem, para efeitos funcionais, administrativos e disciplinares, da respectiva autarquia local, cabendo ao Serviço Nacional de Bombeiros a coordenação técnico-operacional da sua actividade.
2 - A componente operacional da coordenação a que se refere o número anterior é objecto de protocolo a celebrar entre o município e o Serviço Nacional de Bombeiros.
Artigo 5.º
Conteúdo funcional
Aos corpos de bombeiros profissionais compete, no exercício das suas funções:
a) O combate a incêndios;
b) Prestar socorro às populações em caso de incêndios, inundações, desabamentos e abalroamentos, e em todos os acidentes, catástrofes ou calamidades;
c) Prestar socorro a náufragos;
d) Exercer actividades de socorrismo na área da saúde;
e) Proteger contra incêndios os edifícios públicos, casas de espectáculos e outros recintos, mediante solicitação e de acordo com as normas em vigor, nomeadamente prestando serviço de vigilância durante a realização de eventos públicos;
f) Colaborar na actividade de protecção civil, no âmbito do exercício das funções específicas que lhes forem cometidas;
g) Emitir pareceres técnicos em matéria de protecção contra incêndios e outros sinistros, nos termos da lei.
Artigo 6.º
Área geográfica de actuação
1 - Os corpos de bombeiros profissionais devem ser instituídos e mantidos nos municípios onde não existam associações ou outras organizações de bombeiros voluntários ou nos quais estas, só por si, não preencham em toda a área da autarquia as funções a que se destinam.
2 - Nos municípios podem coexistir corpos de bombeiros sapadores com corpos de bombeiros municipais.
3 - Os corpos de bombeiros profissionais têm a sua área de intervenção própria, correspondente à área do respectivo município, sem prejuízo dos mecanismos de colaboração ou de intervenção operacional conjuntamente com outros tipos de corpos de bombeiros, sempre que as circunstâncias o justifiquem.
4 - Nos municípios onde coexistam corpos de bombeiros profissionais e de associação voluntária, cabe àqueles a responsabilidade de intervenção prioritária, sem prejuízo da actuação destes como apoio complementar.
Artigo 7.º
Corpos de bombeiros sapadores
1 - Os municípios podem constituir companhias de bombeiros sapadores, quando o número de efectivos do respectivo quadro de pessoal seja igual ou superior a 100 elementos.
2 - Os corpos de bombeiros sapadores podem ser constituídos em batalhão em municípios com sede em cidade com mais de 200000 habitantes, quando o número de efectivos do respectivo quadro de pessoal seja igual ou superior a 250 elementos.
3 - Podem ainda ser constituídos em regimentos de bombeiros sapadores em municípios cujo agregado populacional seja igual ou superior a 600000 habitantes.
Artigo 8.º
Princípio de comando
Os bombeiros profissionais organizam-se de acordo com o princípio de comando, no sentido de se possibilitar a máxima eficiência de coordenação técnico-operacional no desempenho das suas funções.
CAPÍTULO II
Recrutamento e carreiras dos bombeiros
Artigo 9.º
Provimento dos cargos de comando
1 - O provimento dos cargos de comando dos corpos de bombeiros sapadores é feito nos termos da legislação em vigor para o pessoal dirigente da administração local, devendo, preferencialmente, ser providos por oficiais das Forças Armadas na situação de reserva ou por indivíduos licenciados de reconhecido mérito no exercício de funções de comando, cumulativamente com experiência profissional na área da protecção civil.
2 - O cargo de comandante de regimento ou de batalhão de bombeiros sapadores é equiparado, para efeitos remuneratórios, ao de director municipal.
3 - A remuneração do cargo de 2.º comandante de regimento ou batalhão de bombeiros sapadores é fixada em 85% do vencimento base do cargo de director municipal.
4 - O cargo de comandante de companhia de bombeiros sapadores é equiparado, para efeitos remuneratórios, ao de director de departamento municipal.
5 - O cargo de adjunto técnico do comandante de regimento ou batalhão de bombeiros sapadores é equiparado, para efeitos remuneratórios, a chefe de divisão municipal.
6 - Os oficiais das Forças Armadas na reserva chamados a desempenhar funções nos corpos de bombeiros sapadores ficam sujeitos ao disposto no artigo 79.º do Decreto-Lei 498/72, de 9 de Dezembro, no artigo 125.º, n.º 4, do Estatuto dos Militares das Forças Armadas e no artigo 17.º do Decreto-Lei 57/90, de 14 de Fevereiro.
Artigo 10.º
Ingresso e acesso
O ingresso, o acesso e o provimento dos lugares das carreiras dos bombeiros profissionais são feitos nos termos da lei e do regulamento de concursos aprovado pela respectiva autarquia local.
Artigo 11.º
Carreira de bombeiro sapador
1 - A carreira de bombeiro sapador desenvolve-se pelas categorias de chefe-ajudante, chefe de 1.ª classe, chefe de 2.ª classe, subchefe-ajudante, subchefe, cabo e bombeiro.
2 - O recrutamento para as categorias da carreira de bombeiro sapador obedece às seguintes regras:
a) Chefe-ajudante de entre chefes de 1.ª classe com, pelo menos, três anos na categoria, com classificação de Bom e aproveitamento em curso de promoção;
b) Chefe de 1.ª classe de entre chefes de 2.ª classe com, pelo menos, três anos na categoria, com classificação de Bom e aproveitamento em curso de promoção;
c) Chefe de 2.ª classe de entre subchefes-ajudantes com, pelo menos, três anos na categoria, com classificação de Bom e aproveitamento em curso de promoção;
d) Subchefe-ajudante de entre subchefes com, pelo menos, três anos na categoria, com classificação de Bom e aprovação em curso de promoção;
e) Subchefe de entre cabos com, pelo menos, três anos na categoria, com classificação de Bom;
f) Cabo de entre bombeiros sapadores com, pelo menos, oito anos na categoria, com classificação de Bom e aprovação em curso de promoção;
g) Bombeiro sapador de entre indivíduos habilitados com o 9.º ano de escolaridade, aprovados em estágio com classificação não inferior a 14 valores.
Artigo 12.º
Carreira de bombeiro municipal
1 - A carreira de bombeiro municipal desenvolve-se pelas categorias de chefe, subchefe, bombeiro de 1.ª classe, de 2.ª classe e de 3.ª classe.
2 - O recrutamento para as categorias da carreira de bombeiro municipal obedece às seguintes regras:
a) Chefe de entre subchefes com, pelo menos, três anos na categoria, com classificação de Bom e aproveitamento em curso de promoção;
b) Subchefe de entre bombeiros de 1.ª classe com, pelo menos, três anos na categoria, com classificação de Bom e aproveitamento em curso de formação adequado;
c) Bombeiro de 1.ª classe e de 2.ª classe de entre bombeiros de 2.ª classe e de 3.ª classe, respectivamente, com, pelo menos, três anos de serviço na categoria, com classificação de Bom;
d) Bombeiro de 3.ª classe de entre indivíduos habilitados com a escolaridade obrigatória, aprovados em estágio com classificação não inferior a 14 valores.
Artigo 13.º
Cursos de promoção
1 - Quando o provimento de lugares depender de aprovação em curso de promoção, os candidatos são graduados de acordo com a classificação final obtida, resultante da média aritmética da classificação do respectivo curso e da avaliação curricular.
2 - A admissão aos cursos de promoção a que se refere o número anterior é feita mediante prestação de provas, que podem revestir a forma de provas de conhecimentos específicos e provas físicas, devendo o conteúdo e as regras processuais ser fixados, de acordo com a lei geral, no respectivo regulamento de concursos.
3 - A admissão aos cursos de promoção é precedida de inspecção médica para avaliar da robustez física dos candidatos e do estado geral de saúde, tendo em vista o desempenho das funções correspondentes à categoria superior.
4 - A desistência ou a exclusão da admissão a concurso ou da frequência do curso de promoção por duas vezes impede a admissão a novo curso de promoção.
5 - A duração, o conteúdo programático e o sistema de funcionamento e avaliação dos cursos de promoção são aprovados por despacho conjunto dos Ministros da Administração Interna e do Planeamento e da Administração do Território, ouvida a Associação Nacional de Municípios Portugueses e o Serviço Nacional de Bombeiros.
Artigo 14.º
Estágio
1 - O estágio a que se referem a alínea g) do n.º 2 do artigo 11.º e a alínea d) do n.º 2 do artigo 12.º tem carácter probatório e visa a formação e adaptação do candidato às funções para que foi recrutado, devendo integrar a frequência de cursos de formação directamente relacionados com as funções a exercer.
2 - O recrutamento dos candidatos ao estágio faz-se mediante concurso de prestação de provas práticas, precedidas de inspecção médica para avaliar da robustez física dos candidatos e do estado geral de saúde, tendo em vista avaliar a aptidão para o exercício das funções a que se candidatam.
3 - A frequência do estágio é feita como bombeiro recruta, sendo a remuneração de 50% e de 80% do valor da remuneração base mensal correspondente ao escalão 1 da categoria de ingresso, respectivamente da carreira de bombeiro sapador e de bombeiro municipal.
4 - A frequência do estágio é feita em regime de contrato administrativo de provimento, nos casos de indivíduos não vinculados à função pública e em regime de comissão de serviço extraordinária nos restantes casos, nos termos da lei geral.
5 - O estágio tem a duração de um ano, findo o qual os bombeiros recrutas são ordenados em função da classificação obtida.
6 - Os estagiários aprovados com classificação não inferior a Bom são providos nos lugares, respectivamente de bombeiro sapador e de bombeiro de 3.ª classe, por nomeação definitiva, de acordo com o ordenamento referido no número anterior.
7 - O sistema de funcionamento, avaliação e classificação final do estágio consta de regulamento interno, a aprovar pela câmara municipal.
CAPÍTULO III
Direitos e deveres dos bombeiros profissionais
Artigo 15.º
Direitos e deveres
1 - Os bombeiros profissionais gozam dos direitos e estão sujeitos aos deveres previstos na lei geral para os demais funcionários da Administração Pública.
2 - Os bombeiros profissionais asseguram obrigatoriamente, em qualquer caso, os serviços mínimos indispensáveis para satisfazer as necessidades sociais impreteríveis no âmbito das suas funções de agentes especializados de protecção civil.
Artigo 16.º
Formação profissional
1 - É assegurada aos bombeiros profissionais a adequada formação profissional com vista à eficácia do desempenho da sua acção, bem como ao seu desenvolvimento e promoção na carreira.
2 - A formação profissional nas vertentes técnicas é prioritariamente assegurada pelos respectivos municípios, bem como pelas seguintes entidades:
a) O Serviço Nacional de Bombeiros;
b) O Serviço Nacional de Protecção Civil;
c) O Instituto Nacional de Emergência Médica;
d) O Instituto de Socorros a Náufragos.
3 - Para efeitos do disposto nos números anteriores, será elaborado, anualmente, pelos diferentes comandos, um plano de formação profissional com base nas necessidades dos serviços e nas expectativas profissionais dos seus efectivos.
Artigo 17.º
Acumulação de funções
A autorização referida no n.º 1 do artigo 32.º do Decreto-Lei 427/89, de 7 de Dezembro, conjugado com o artigo 8.º do Decreto-Lei 409/91, de 17 de Outubro, só pode ser concedida, sem prejuízo do disposto no n.º 3 daquele artigo, desde que seja assegurada a disponibilidade permanente nos termos do artigo 20.º do presente diploma.
Artigo 18.º
Residência
1 - Os bombeiros profissionais devem residir na localidade onde habitualmente exercem funções.
2 - Quando especiais circunstâncias o justifiquem e não haja prejuízo para a total disponibilidade no exercício de funções, podem os funcionários ser autorizados a residir em localidade diferente, desde que não diste da localidade onde habitualmente exercem funções mais de 30 km.
Artigo 19.º
Duração e horário de trabalho
1 - Os corpos de bombeiros profissionais estão sujeitos ao regime geral da duração e horário de trabalho em vigor para a função pública, sendo a duração semanal de trabalho de quarenta horas e o limite máximo diário de oito horas.
2 - Os períodos de funcionamento, horários de trabalho e respectiva regulamentação são obrigatoriamente aprovados pelo órgão autárquico competente.
3 - Nos casos em que a prática actualmente seguida se não conforme ao disposto nos números anteriores, a câmara municipal promoverá as diligências tendentes às necessárias adequações, que se concretizarão no prazo máximo de um ano após a publicação do presente diploma.
Artigo 20.º
Disponibilidade permanente
O serviço do pessoal dos corpos de bombeiros profissionais é de carácter permanente e obrigatório.
Artigo 21.º
Regime disciplinar
Aos bombeiros profissionais aplica-se o Decreto-Lei 24/84, de 16 de Janeiro, e demais legislação aplicável aos corpos de bombeiros.
Artigo 22.º
Classificação de serviço
1 - Aos corpos de bombeiros profissionais aplica-se o sistema de classificação de serviço em vigor para o pessoal da administração local.
2 - Para efeitos do disposto no número anterior são utilizados os modelos n.os 4 e 5 da Portaria 642-A/83, de 1 de Junho.
Artigo 23.º
Reclassificação profissional
1 - Os bombeiros profissionais considerados incapazes, por decisão de junta médica, para o exercício das suas funções podem ser reclassificados, por deliberação da câmara, em categoria compatível com as suas habilitações literárias, mantendo-se o vencimento de origem no caso de ser favorável.
2 - Consideram-se, para efeitos do número anterior, as juntas médicas previstas no Decreto-Lei 497/88, de 30 de Dezembro, e no Decreto-Lei 38523, de 23 de Novembro de 1951.
3 - Para efeitos de vencimento, aplica-se o artigo 18.º do Decreto-Lei 353-A/89, de 16 de Outubro.
Artigo 24.º
Estatuto remuneratório
O estatuto remuneratório dos bombeiros profissionais é aprovado por decreto regulamentar.
CAPÍTULO IV
Disposições transitórias e finais
Artigo 25.º
Concursos
Nos primeiros concursos que forem abertos no prazo de um ano a partir da data de entrada em vigor do presente diploma para categorias para as quais passa a ser exigida a frequência de curso de promoção é dispensado o referido requisito, sendo este substituído por concurso de prestação de provas teóricas e práticas.
Artigo 26.º
Pessoal
1 - O pessoal que exerce actualmente as funções de comando dos bombeiros sapadores mantém-se nos respectivos cargos até ao fim da comissão de serviço.
2 - O pessoal provido nos lugares das carreiras de bombeiro sapador e de bombeiro municipal é integrado nas novas carreiras, respectivamente, de bombeiro sapador e de bombeiro municipal, na mesma categoria que actualmente detém.
Artigo 27.º
Autorização para a acumulação de funções
Os bombeiros profissionais que se encontrem a exercer em acumulação funções públicas ou privadas sem a autorização prevista no artigo 17.º devem solicitá-la no prazo de 30 dias a contar da data da entrada em vigor do presente diploma.
Artigo 28.º
Norma revogatória
É revogado o § 3.º do artigo 163.º do Código Administrativo na parte em que remete para o regime disciplinar dos bombeiros sapadores.
Artigo 29.º
Entrada em vigor
O presente diploma entra em vigor no prazo de 60 dias a contar da data da sua publicação.
Visto e aprovado em Conselho de Ministros de 22 de Outubro de 1992. - Aníbal António Cavaco Silva - Manuel Dias Loureiro - Luís Francisco Valente de Oliveira.
Promulgado em 10 de Dezembro de 1992.
Publique-se.
O Presidente da República, MÁRIO SOARES.
Referendado em 15 de Dezembro de 1992.
O Primeiro-Ministro, Aníbal António Cavaco Silva.