de 8 de Janeiro
A existência nas grandes cidades de sectores urbanos insalubres vem constituindo motivo de grande preocupação para os corpos administrativos e para o próprio Governo.A demonstrá-lo está a importância que a Lei 2030, de 22 de Junho de 1948, conferia já ao problema, possibilitando a expropriação por utilidade pública, face à inércia dos respectivos proprietários daquelas «casas que reconhecidamente devam ser reconstruídas ou remodeladas em razão das suas pequenas dimensões, posição fora do alinhamento ou más condições de higiene ou estética».
Em torno de tal possibilidade a lei tece todo um regime jurídico em que se prevê expressamente a fixação de planos gerais de reconstrução sempre que as casas a renovar constituam um conjunto; se admite o financiamento pelo Estado das obras de renovação; se regula a desocupação dos prédios por via administrativa e finalmente se determina, para as hipóteses de expropriação, que a entidade expropriante providencie no sentido de ser proporcionada nova habitação aos moradores em comprovada situação de carência.
Anos mais tarde, o Governo, com a publicação do Decreto-Lei 40616, de 28 de Maio de 1956, através do qual foram conferidos à Câmara Municipal do Porto os meios jurídicos e financeiros necessários à resolução do chamado problema das «ilhas», veio impulsionar a primeira iniciativa de vulto no domínio da renovação urbana tal como fora concebida pela Lei 2030.
A execução do Decreto-Lei 40616 permitiu, na verdade, colher uma experiência muito útil, no que se refere, designadamente, à eficácia dos instrumentos jurídicos por ele postos em vigor e ao seu confronto com os institutos consagrados pela Lei 2030.
Fruto em boa parte dessa experiência são já as normas que, no diploma definidor das bases jurídicas indispensáveis à prossecução de uma política de solos adequada às novas necessidades do desenvolvimento urbanístico, se referem expressamente ao problema da renovação urbana, estruturando os meios indispensáveis a uma actuação mais eficaz da Administração.
Reconhece-se, porém, que há aspectos importantes no desenvolvimento de qualquer plano de renovação que não foram ainda objecto de adequada previsão normativa, nomeadamente os que respeitam ao realojamento dos ocupantes dos conjuntos a renovar, ao estabelecimento de um direito de reocupação dos primitivos fogos depois de renovados, bem como aos reflexos nos contratos de arrendamento das obras de beneficiação quando a cargo dos senhorios.
Por isso se tomou a iniciativa da publicação do presente diploma, que mais não pretende que aperfeiçoar e completar os meios existentes, por forma a tornar possível a realização sistemática de obras de renovação onde venham a mostrar-se mais necessárias.
Espera-se, assim, com os resultados apurados na sua aplicação, a acrescentar aos das experiências já levadas a cabo, tornar possível a estruturação conveniente do instituto da renovação de sectores urbanos no futuro diploma básico do urbanismo, actualmente em preparação.
Nestes termos:
Usando da faculdade conferida pela 1.ª parte do n.º 2.º do artigo 109.º da Constituição, o Governo decreta e eu promulgo, para valer como lei, o seguinte:
Artigo 1.º - 1. A elaboração e execução de planos de urbanização de pormenor visando a renovação de sectores urbanos sobreocupados ou com más condições de salubridade, solidez, estética ou segurança contra risco de incêndio cabe ao Fundo de Fomento da Habitação ou às câmaras municipais e obedecerá ao disposto no presente diploma.
2. Compete ao Ministro das Obras Públicas a aprovação dos planos de urbanização referidos no número anterior, sempre que a iniciativa da sua elaboração pertença ao Fundo de Fomento da Habitação, ou quando se verifique uma das hipóteses previstas no n.º 2 do artigo 7.º do Decreto-Lei 560/71, de 17 de Dezembro.
Art. 2.º - 1. Para execução dos planos referidos no artigo anterior o Fundo de Fomento da Habitação ou as câmaras municipais determinarão, precedendo vistoria realizada nos termos do § 1.º do artigo 51.º do Código Administrativo, a demolição total ou parcial das construções e a execução das obras necessárias à renovação dos sectores abrangidos.
2. Sempre que a desocupação dos prédios abrangidos seja necessária à execução das obras referidas no número anterior, o Fundo de Fomento da Habitação ou as câmaras municipais ordenarão o respectivo despejo sumário, que deverá executar-se no prazo de trinta dias.
3. No caso de as operações de renovação abrangerem construções pertencentes a várias pessoas, as entidades competentes procederão à sua expropriação, total ou parcial, sempre que os interessados não apresentem, no prazo fixado, acordo sobre os encargos com a realização das obras e o exercício do direito de propriedade sobre as construções que vierem a substituir as primitivas.
4. As expropriações referidas nos números anteriores regem-se, além de outra legislação, pelo disposto na Lei 2142, de 14 de Maio de 1969, e no Decreto-Lei 278/71, de 23 de Junho, na parte aplicável.
Art. 3.º - 1. A execução de quaisquer obras, bem como o prazo para a sua conclusão, serão notificados aos proprietários por carta registada com aviso de recepção e constarão de edital a afixar nos paços do concelho e de anúncio a publicar num jornal da sede do concelho ou num dos jornais mais lidos na localidade.
2. Sempre que não seja possível proceder à notificação referida no número anterior, o prazo para a conclusão das obras conta-se a partir da publicação do último anúncio.
Art. 4.º - 1. Quando os trabalhos referidos no artigo 2.º não sejam executados no prazo fixado, as entidades competentes poderão ocupar os respectivos prédios a fim de mandar proceder à imediata execução das obras por conta dos proprietários.
2. A cobrança das importâncias despendidas por força do disposto no número anterior compete, na falta de pagamento voluntário, aos tribunais das contribuições e impostos, constituindo título executivo a certidão passada pelos serviços do Fundo de Fomento da Habitação ou das câmaras municipais donde constem todos os requisitos referidos no artigo 156.º do Código de Processo das Contribuições e Impostos e demais legislação aplicável.
Art. 5.º - 1. O Fundo de Fomento da Habitação ou as câmaras municipais poderão, a requerimento dos interessados, elaborar os projectos e executar os trabalhos de renovação urbana.
2. As quantias devidas pela realização das actividades referidas no número anterior, acrescidas dos juros legais, poderão ser pagas em anuidades mediante prévia deliberação das câmaras municipais ou despacho do Ministro das Obras Públicas.
Art. 6.º Os créditos a que se referem os artigos 4.º e 5.º gozam de privilégio imobiliário, graduado a seguir à alínea b) do artigo 748.º do Código Civil.
Art. 7.º - 1. Os trabalhos previstos neste diploma serão precedidos de realojamento dos ocupantes, sempre que a desocupação se revele indispensável à sua execução ou se mostre excedida a capacidade habitacional das edificações.
2. Os ocupantes desalojados, nos termos do número anterior, terão direito a reocupar os fogos que habitavam, em conformidade com o disposto no presente diploma.
3. Para efeitos do disposto no n.º 1, o Fundo de Fomento da Habitação ou as câmaras municipais criarão novos núcleos habitacionais, devidamente localizados e equipados, os quais se destinarão prioritàriamente aos moradores desalojados nos termos que vierem a ser fixados em despacho do Ministro das Obras Públicas.
4. O Governo incentivará a promoção económico-social das populações das áreas sujeitas a operações de renovação.
Art. 8.º - 1. A utilização das edificações situadas em áreas sujeitas a operações de renovação urbana depende de licença municipal, na qual se fixará a sua capacidade habitacional.
2. À licença de utilização é aplicável o disposto no artigo 17.º do Decreto-Lei 166/70, de 15 de Abril.
3. A reocupação de prédios sem prévia licença municipal ou em desconformidade com ela será punida com a multa de 10000$00.
Art. 9.º - 1. Os fogos das edificações situadas em áreas sujeitas a operações de renovação não podem ser locados ou sublocados de forma que neles fique residindo mais de um agregado familiar ou seja excedida a sua capacidade habitacional.
2. A infracção ao disposto no número anterior implica a aplicação da multa de 10000$00 aos locadores ou sublocadores e o despejo sumário dos ocupantes até se assegurar o seu cumprimento, pela ordem seguinte:
a) Os que não se integrem em agregado familiar residente no fogo;
b) Os agregados familiares que excedam a capacidade habitacional do fogo;
c) Os agregados familiares que residam há menos tempo no fogo.
3. Os ocupantes despejados nos termos do número anterior terão direito a uma indemnização correspondente a cinco anos de renda, salvo se o senhorio lhes facultar habitação satisfatória, no prazo de dez dias, por igual renda mensal e dentro da mesma localidade.
Art. 10.º - 1. O direito de permanência ou reocupação das edificações situadas em áreas sujeitas a operações de renovação será atribuído prioritàriamente, aos agregados familiares, pela ordem seguinte:
a) Aos que residam há mais tempo no prédio e na zona;
b) Aos que tenham maior número de filhos a seu cargo;
c) Aos que sejam constituídos por maior número de pessoas;
d) Aos que tenham menor rendimento per capita.
2. Os ocupantes que não se integrem em qualquer agregado familiar residente na área serão realojados em conformidade com os seguintes factores de prioridade:
a) Maior permanência na zona;
b) Maior número de anos de idade;
c) Menor rendimento;
d) Maior proximidade dos locais de trabalho.
3. As ordens de prioridade referidas nos números anteriores são estabelecidas sem prejuízo da preferência sempre dada aos ocupantes que sejam simultaneamente titulares do direito de propriedade de superfície ou de usufruto sobre o respectivo prédio ou parte dele.
Art. 11.º Os contratos de locação ou sublocação celebrados com violação do disposto nos artigos anteriores são nulos, podendo o Fundo de Fomento da Habitação ou as câmaras municipais ordenar o despejo sumário dos ocupantes.
Art. 12.º - 1. A atribuição de novos fogos, construídos ao abrigo do disposto no n.º 3 do artigo 7.º, será feita a título precário, mediante licença passada de acordo com o regime estabelecido no Decreto 35106, de 6 de Novembro de 1945, na parte aplicável.
2. Os valores médios das taxas a cobrar serão fixados em face do estudo económico a elaborar para cada núcleo, segundo directrizes gerais a fixar em portaria do Ministro das Obras Públicas em que se atenda à situação financeira dos agregados a que se destina cada habitação.
Art. 13.º - 1. Quando a extensão e complexidade das operações de renovação urbana a efectuar o justifiquem, o Governo pode autorizar a constituição, a título eventual, de gabinetes técnicos por onde correrão todos os assuntos com ela relacionados.
2. No âmbito dos trabalhos de renovação e quando nisso houver conveniência o Fundo de Fomento da Habitação ou as câmaras municipais podem autorizar, com dispensa de quaisquer formalidades, a elaboração de projectos, fiscalização de obras ou quaisquer trabalhos urgentes ou especializados em regime de prestação de serviços ou de empreitada.
Art. 14.º - 1. Os senhorios das edificações remodeladas, beneficiadas ou reconstruídas parcialmente nos termos do presente diploma terão direito a um aumento de renda até ao limite correspondente a um juro de 8 por cento sobre a importância despendida.
2. Nos casos em que seja determinada a construção ou reconstrução, total da edificação, o senhorio poderá exigir dos inquilinos beneficiados pelas obras a renda que for fixada por avaliação fiscal.
3. Aos inquilinos que se encontrem em qualquer das situações previstas no artigo 256.º do Código Administrativo poderão ser concedidos subsídios não reembolsáveis que não excedam a diferença entre a renda paga antes da realização das obras e a fixada posteriormente.
Art. 15.º Os registos de transmissão das construções e terrenos adquiridos pelo Fundo de Fomento de Habitação ou pelas câmaras municipais para a execução das operações de renovação urbana, bem como os que se mostrem necessários para as tornar possíveis, serão efectuados nas conservatórias de registo predial, com preterição dos demais, dentro dos vinte dias imediatos ao da apresentação do respectivo requerimento.
Art. 16.º O financiamento das operações de renovação urbana previstas neste diploma, bem como a aquisição dos terrenos necessários à sua realização, incluindo a construção dos núcleos habitacionais referidos no n.º 3 do artigo 7.º, terão lugar nos termos do Decreto-Lei 576/70, de 24 de Novembro.
Visto e aprovado em Conselho de Ministros. - Marcello Caetano - António Manuel Gonçalves Rapazote - Manuel Artur Cotta Agostinho Dias - Rui Alves da Silva Sanches.
Promulgado em 29 de Dezembro de 1972.
Publique-se.O Presidente da República, AMÉRICO DEUS RODRIGUES THOMAZ.