de 26 de Setembro
A crescente procura e ocupação do litoral e, de uma forma geral, da faixa costeira tem originado, por toda a parte, situações de desequilíbrio.Tomando consciência deste problema, a reunião plenária da Conferência das Regiões Periféricas Marítimas da CEE, reunida em Creta, em 1981, aprovou a Carta Europeia do Litoral, que procura conciliar as exigências do desenvolvimento com os imperativos da protecção. Entre os objectivos então enunciados, figuram os de organização e gestão do litoral, ou seja, o ordenamento do território desta zona através da fixação de uma disciplina que impeça a sua degradação.
Em Portugal, o que se verifica ao longo da faixa costeira suscita sérias e justificadas preocupações, havendo áreas que não poderão suportar as múltiplas pressões a que têm estado sujeitas sem atingir um estado de degradação irreversível e outras em que, inclusivamente, se chegou a uma situação de rotura.
A solução adequada para obstar aos desequilíbrios que se vêm registando e às suas graves consequências passa necessariamente pela definição de um enquadramento legal que estabeleça, com clareza e rigor, as regras a que deve obedecer a ocupação dos solos da faixa costeira, designadamente através da elaboração de planos municipais de ordenamento do território que tenham em conta os princípios estabelecidos pelo presente diploma.
Na ausência de planos que contemplem estes aspectos e enquanto eles não existirem, tem o Governo o dever de estabelecer tais regras, sempre que o considere justificado, sem prejuízo do respeito que as autarquias locais devem sempre assegurar, no exercício das suas atribuições, em relação aos princípios atrás referidos.
Foi ouvida a Associação Nacional de Municípios Portugueses.
Assim:
Nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 201.º da Constituição, o Governo decreta o seguinte:
Artigo 1.º
1 - O presente diploma estabelece os princípios a que deve obedecer a ocupação, uso e transformação da faixa costeira.2 - Para efeitos do presente diploma, entende-se por faixa costeira a banda ao longo da costa marítima, cuja largura é limitada pela linha de máxima praia-mar de águas vivas equinociais e pela linha situada a 2 km daquela para o interior.
Artigo 2.º
1 - As entidades que intervenham na elaboração, apreciação e aprovação de plano ou projecto, bem como no licenciamento de quaisquer obras ou empreendimentos que impliquem a ocupação, uso e transformação da faixa costeira, devem obedecer expressamente aos princípios definidos no anexo ao presente diploma, adiante designado por anexo, que dele faz parte integrante.2 - Sem prejuízo das competências próprias das autoridades marítimas e portuárias, compete a tais entidades dar cumprimento ao disposto no número anterior na área do domínio público marítimo.
3 - Excluem-se do âmbito do presente diploma:
a) O licenciamento e a instalação de estabelecimentos de culturas marinhas;
b) A aprovação da localização dos anteprojectos e projectos de estabelecimentos hoteleiros que não sejam aldeamentos turísticos.
4 - As entidades competentes para aprovação dos empreendimentos do número anterior deverão assegurar, no exercício da sua competência, o respeito pelos princípios definidos no anexo.
Artigo 3.º
1 - Os planos municipais de ordenamento do território, bem como as respectivas normas provisórias, as áreas de desenvolvimento urbano prioritário, as áreas de construção prioritária, os planos de ordenamento e expansão dos portos e os planos de ordenamento das áreas protegidas classificadas ao abrigo do Decreto-Lei 613/76, de 27 de Julho, que abranjam a faixa costeira, devem estabelecer as regras a que obedece a ocupação, uso e transformação da referida faixa.2 - Os instrumentos referidos no número anterior só poderão ser aprovados ou ratificados se observarem os princípios definidos no anexo, salvo quando a câmara municipal, ou a autoridade portuária, fundamentadamente justificar que, nomeadamente, a situação urbanística existente no território já não permite sujeitar tais instrumentos ao disposto no anexo.
Artigo 4.º
O Governo, ouvidas as entidades interessadas, estabelecerá, por decreto regulamentar, regras para a ocupação, uso e transformação de áreas da faixa costeira que concretizem os princípios definidos no anexo e onde não exista qualquer dos instrumentos de planeamento referidos no n.º 1 do artigo anterior.
Artigo 5.º
Compete às câmaras municipais, às comissões de coordenação regional, às autoridades marítimas e portuárias e ao Serviço Nacional de Parques, Reservas e Conservação da Natureza, no interior das áreas protegidas classificadas ao abrigo do Decreto-Lei 613/76, de 27 de Julho, com a colaboração das entidades policiais, a fiscalização do cumprimento do disposto no presente diploma, bem como no decreto regulamentar referido no artigo anterior.
Artigo 6.º
1 - A violação das regras constantes dos instrumentos de planeamento referidos no n.º 1 do artigo 3.º e do decreto regulamentar previsto no artigo 4.º que consagrem os princípios enunciados no anexo constitui contra-ordenação punível com coima de montante entre 200000$00 e o limite máximo estabelecido no regime geral.2 - A tentativa e a negligência são sempre puníveis.
3 - O presidente da câmara municipal, o presidente da comissão da coordenação regional, as autoridades marítimas e portuárias, na área da sua jurisdição, e o Serviço Nacional de Parques, Reservas e Conservação da Natureza, no interior das áreas protegidas, são competentes para a instrução do processo de contra-ordenação e aplicação de coima.
4 - O montante da coima reverte em 60% para os cofres do Estado e no restante para as entidades responsáveis pelo processo.
Artigo 7.º
São competentes para ordenar o embargo de quaisquer obras executadas em violação do disposto no decreto regulamentar referido no artigo 4.º as entidades mencionadas no artigo 5.ºArtigo 8.º
1 - As entidades referidas no artigo 5.º podem ainda, quando for caso disso, ordenar a demolição ou a reposição do terreno nas condições em que se encontrava antes da data do início das obras mencionadas no artigo anterior, fixando para o efeito o respectivo prazo, que nunca poderá ser inferior a 90 dias.2 - Decorrido o prazo referido no número anterior sem que a ordem se mostre cumprida, a entidade ordenante procede à demolição ou à reposição do terreno no seu estado anterior, por conta do infractor.
3 - A demolição e a reposição referidas no número anterior não carecem de licença municipal.
4 - As despesas relativas à demolição e reposição a que se refere o n.º 2, quando não pagas voluntariamente no prazo de 20 dias a contar da notificação para o efeito, são cobradas coercivamente nos termos previstos no Código de Processo das Contribuições e Impostos, servindo de título executivo a certidão, passada pelos serviços competentes, extraída de livros ou documentos, donde conste a importância e os demais requisitos exigidos no artigo 156.º do referido Código.
Artigo 9.º
A ordem de embargo ou de demolição bem como a sua revogação ou anulação são objecto de registo, mediante comunicação à conservatória do registo predial competente pela entidade que tiver ordenado o embargo ou a demolição.
Artigo 10.º
O desrespeito à ordem de embargo, de demolição ou de reposição do terreno é considerado crime de desobediência, nos termos do artigo 388.º do Código Penal.
Artigo 11.º
1 - Na ausência de plano municipal do ordenamento do território ou das respectivas normas provisórias, de plano de urbanização regional, de áreas de desenvolvimento urbano prioritário ou de áreas de construção prioritária, de planos de ordenamento e expansão de portos e de planos de ordenamento das áreas protegidas classificadas ao abrigo do Decreto-Lei 613/76, de 27 de Julho, plenamente eficazes, ou do decreto regulamentar a que se refere o artigo 4.º, os projectos de loteamentos ou de obras que se localizem total ou parcialmente na faixa costeira só podem ser aprovados ou licenciados se observarem os princípios definidos no anexo ou justificarem adequadamente a sua inobservância, quando, nomeadamente:a) A situação urbanística existente no território já não permita sujeitar os novos projectos de loteamentos ou de obras ao previsto no anexo;
b) Se, fora dos aglomerados, se verificar a necessidade de implantação de empreendimentos turísticos ou de interesse público nos quais as edificações tenham mais de dois pisos, desde que fique assegurada a sua integração na paisagem envolvente.
2 - A Inspecção-Geral da Administração do Território participa ao representante do Ministério Público junto do tribunal administrativo de círculo competente os actos das câmaras municipais que não respeitarem o disposto no número anterior, para efeitos de interposição do competente recurso contencioso e meios processuais acessórios.
Artigo 12.º
1 - Nas situações descritas no n.º 1 do artigo anterior, e em casos de relevante interesse público, podem determinar o embargo de trabalhos ou de demolição de obras que não respeitem os princípios definidos no anexo:a) O Ministro do Planeamento e da Administração do Território, em toda a faixa definida no n.º 2 do artigo 1.º, com as excepções das alíneas seguintes;
b) Os Ministros da Defesa Nacional e das Obras Públicas, Transportes e Comunicações, na área do domínio público marítimo;
c) O Ministro do Ambiente e Recursos Naturais, nas áreas protegidas classificadas ao abrigo do Decreto-Lei 613/76, de 27 de Julho.
2 - A execução do embargo de trabalhos ou a demolição de obras determinadas nos termos da alínea b) do número anterior compete às comissões de coordenação regional, que, para o efeito, coadjuvarão os membros do Governo aí referidos.
3 - É aplicável às ordens de embargo e demolição previstas no número anterior o disposto nos artigos 8.º, 9.º e 10.º
Artigo 13.º
O presente diploma não é aplicável:a) Aos planos municipais de ordenamento do território cuja elaboração tenha sido expressamente determinada pelas câmaras municipais nos seis meses anteriores à data da sua entrada em vigor;
b) Aos planos de ordenamento e expansão dos portos e estudos de ordenamento de ocupação do domínio público marítimo em curso à data da sua entrada em vigor.
Artigo 14.º
Aplicação às regiões autónomas
A aplicação do presente decreto-lei às Regiões Autónomas dos Açores e da Madeira depende de diploma da respectiva assembleia legislativa regional que adapte os seus princípios às condições locais.Visto e aprovado em Conselho de Ministros de 5 de Julho de 1990. - Aníbal António Cavaco Silva - Joaquim Fernando Nogueira - Luís Francisco Valente de Oliveira - Manuel Pereira - Álvaro José Brilhante Laborinho Lúcio - Joaquim Martins Ferreira do Amaral - Fernando Manuel Barbosa Faria de Oliveira - Fernando Nunes Ferreira Real.
Promulgado em 6 de Setembro de 1990.
Publique-se.O Presidente da República, MÁRIO SOARES.
Referendado em 12 de Setembro de 1990.
O Primeiro-Ministro, Aníbal António Cavaco Silva.
ANEXO
Princípios a observar na ocupação, uso e transformação da faixa
costeira
I - Ocupação do solo
1 - As edificações devem ser afastadas, tanto quanto possível, da linha da costa.2 - O desenvolvimento linear das edificações ao longo da costa deve ser evitado.
3 - As novas ocupações do solo devem localizar-se preferencialmente nos aglomerados existentes, devendo os instrumentos de planeamento prever, sempre que se justifiquem, zonas destinadas a habitação secundária, bem como aos necessários equipamentos de apoio, reservando-se espaço rural para as actividades que lhe são próprias.
4 - A ocupação urbana próxima do litoral deve ser desenvolvida preferencialmente em forma de «cunha», ou seja, estreitar na proximidade da costa e alargar para o interior do território.
5 - Entre as zonas já urbanizadas, deve ser acautelada a existência de zonas naturais ou agrícolas suficientemente vastas.
6 - Não deve ser permitida qualquer construção em zonas de elevados riscos naturais, tais como:
Zonas de drenagem natural;
Zonas com risco de erosão intensa;
Zonas sujeitas a abatimento, escorregamento, avalanches ou outras situações de instabilidade.
II - Acesso ao litoral
7 - Deve evitar-se a abertura de estradas paralelas à costa.8 - O acesso ao litoral deve ser promovido através de ramais perpendiculares à linha da costa localizados em pontos criteriosamente escolhidos para o efeito.
9 - Os parques de estacionamento de apoio à utilização das praias devem ser pavimentados com matérias permeáveis e dimensionados de forma adequada à capacidade de acolhimento destas e implantados, sempre que possível, em clareiras existentes.
10 - A transposição das dunas costeiras deve ser limitada à circulação pedonal, a efectuar através de passadeiras-estrados sobrelevados e colocados perpendicularmente à direcção dos ventos dominantes, aproveitando, tanto quanto possível, as passagens naturais.
III - Infra-estruturas
11 - As redes de distribuição de água, de electricidade, de saneamento e de telecomunicações, fora dos aglomerados, deve ser, sempre que possível, subterrânea e limitada às necessidades dos serviços públicos das explorações agrícolas ou florestais, de pesca e aquacultura e à serventia das edificações já existentes ou autorizadas.
IV - Construções e espaços verdes
12 - As edificações devem integrar-se na paisagem, respeitando o carácter das construções existentes e dos sítios naturais.13 - A densidade de ocupação deve ter em conta as características das áreas urbanas existentes e decrescer com a aproximação da linha da costa.
14 - Nos aglomerados urbanos existentes, a altura das novas edificações não deve ultrapassar a cércea mais corrente na rua ou quarteirão, de modo a não criar situações dissonantes.
15 - Fora dos aglomerados urbanos, não devem ser autorizadas edificações com mais de dois pisos, admitindo-se excepções, devidamente fundamentadas, no caso de empreendimentos de interesse público ou turístico, desde que fique assegurada a sua integração na paisagem envolvente. O conceito de aglomerado urbano é o constante do Decreto-Lei 794/76, de 5 de Novembro.
16 - O aspecto exterior das construções (cor, materiais, coberturas) deve harmonizar-se com as características das construções tradicionais da região onde se inserem.
17 - As superfícies impermeabilizadas das novas áreas urbanas devem restringir-se ao mínimo indispensável, de modo a permitir a infiltração máxima das águas pluviais.
18 - A vegetação a utilizar nos espaços livres deve ser seleccionada entre espécies características da área.
V - Estaleiros
19 - A dimensão e localização dos estaleiros de obras devem ser criteriosamente fixadas, de forma a reduzir ao mínimo o seu impacte na paisagem.20 - A área de localização dos estaleiros deve ser obrigatoriamente recuperada por parte do dono da obra.
21 - Deverá evitar-se a autorização de colocação de depósitos de materiais, permanentes ou temporários, que não sejam indispensáveis ao exercício das actividades económicas locais.