de 25 de Outubro
1. Constitui a liberdade contratual um dos princípios básicos do direito privado. Na sua plena acepção, ela postula negociações preliminares íntegras, ao fim das quais as partes, tendo ponderado os respectivos interesses e os diversos meios de os prosseguir, assumem, com discernimento e liberdade, determinadas estipulações.A essa luz, uma boa medida do direito dos contratos possui natureza supletiva: as normas legais apenas se aplicam quando os intervenientes, no exercício legítimo da sua autonomia privada, as não tenham afastado. Por expressivo, recorde-se que o artigo 405.º, n.º 1, do Código Civil reconhece às partes a faculdade de fixar livremente o conteúdo dos contratos, celebrar contratos diferentes dos previstos na lei ou incluir nestes as cláusulas que lhes aprouver.
2. Dentro da visão clássica da autonomia contratual, os grandes obstáculos à sua efectivação residiam na ausência concreta de discernimento ou de liberdade, a respeito da celebração, ou, ainda, na presença de divergências entre a vontade real e a vontade declarada. Encararam-se tais aspectos com recurso aos institutos do erro, do dolo, da falta de consciência da declaração, da coacção, da incapacidade acidental, da simulação, da reserva mental ou da não seriedade da declaração.
Uma experiência jurídica antiga também demonstrou que certas cláusulas, quando inseridas em contratos, se tornavam nocivas ou injustas. Deste modo, apareceram proibições relativas, entre outros, aos negócios usurários, aos pactos leoninos, aos pactos comissórios e, em termos mais genéricos, aos actos contrários à lei, à ordem pública ou aos bons costumes.
Assim acautelada, a liberdade contratual assumiu uma importância marcante, com dimensões jurídicas, económicas, sociais e culturais. Importância que se conserva nos nossos dias.
3. As sociedades técnicas e industrializadas da actualidade introduziram, contudo, alterações de vulto nos parâmetros tradicionais da liberdade contratual. A negociação privada, assente no postulado da igualdade formal das partes, não corresponde muitas vezes, ou mesmo via de regra, ao concreto da vida. Para além do seu nível atomístico, a contratação reveste-se de vectores colectivos que o direito deve tomar em conta. O comércio jurídico massificou-se: continuamente, as pessoas celebram contratos não precedidos de qualquer fase negociatória. A prática jurídico-económica racionalizou-se e especializou-se: as grandes empresas uniformizam os seus contratos, de modo a acelerar as operações necessárias à colocação dos produtos e a planificar, nos diferentes aspectos, as vantagens e as adscrições que lhes advêm do tráfico jurídico.
O fenómeno das cláusulas contratuais gerais fez, em suma, a sua aparição, estendendo-se aos domínios mais diversos. São elaborados, com graus de minúcia variáveis, modelos negociais a que pessoas indeterminadas se limitam a aderir, sem possibilidade de discussão ou de introdução de modificações. Daí que a liberdade contratual se cinja, de facto, ao dilema da aceitação ou rejeição desses esquemas predispostos unilateralmente por entidades sem autoridade pública, mas que desempenham na vida dos particulares um papel do maior relevo.
4. As cláusulas contratuais gerais surgem como um instituto à sombra da liberdade contratual. Numa perspectiva jurídica, ninguém é obrigado a aderir a esquemas negociais de antemão fixados para uma série indefinida de relações concretas. E, fazendo-o, exerce uma autonomia que o direito reconhece e tutela.
A realidade pode, todavia, ser diversa. Motivos de celeridade e de precisão, a existência de monopólios, oligopólios, e outras formas de concertação entre as empresas, aliados à mera impossibilidade, por parte dos destinatários, de um conhecimento rigoroso de todas as implicações dos textos a que adiram, ou as hipóteses alternativas que tal adesão comporte, tornam viáveis situações abusivas e inconvenientes. O problema da correcção das cláusulas contratuais gerais adquiriu, pois, uma flagrante premência. Convirá, no entanto, reconduzi-lo às suas autênticas dimensões.
5. Apresentam-se as cláusulas contratuais gerais como algo de necessário, que resulta das características e amplitude das sociedades modernas. Em última análise, as padronizações negociais favorecem o dinamismo do tráfico jurídico, conduzindo a uma racionalização ou normalização e a uma eficácia benéficas aos próprios consumidores. Mas não deve esquecer-se que o predisponente pode derivar do sistema certas vantagens que signifiquem restrições, despesas ou encargos menos razoáveis ou iníquos para os particulares.
Ora, nesse quadro, as garantias clássicas da liberdade contratual mostram-se actuantes apenas em casos extremos: o postulado da igualdade formal dos contratantes não raro dificulta, ou até impede, uma verdadeira ponderação judicial do conteúdo do contrato, em ordem a restabelecer, sendo caso disso, a sua justiça e a sua idoneidade. A prática revela que a transposição da igualdade formal para a material unicamente se realiza quando se forneçam ao julgador referências exactas, que ele possa concretizar.
6. O Código Civil vigente consagra em múltiplas disposições o princípio da boa-fé.
Deu-se um passo decisivo no sentido de estimular ou habilitar os tribunais a intervenções relativas ao conteúdo dos contratos, com vista à salvaguarda dos interesses da parte negocialmente mais fraca. Através da boa-fé, o intérprete dispõe de legitimidade para a efectivação de coordenadas fundamentais do direito. O apelo ao conceito de ordem pública é um outro alicerce.
Sabe-se, contudo, que o problema das cláusulas contratuais gerais oferece aspectos peculiares. De tal maneira que sem normas expressas dificilmente se consegue uma sua fiscalização judicial eficaz. Logo, a criação de instrumentos legislativos apropriados à matéria reconduz-se à observância dos imperativos constitucionais de combate aos abusos do poder económico e de defesa do consumidor. Acresce a recomendação que, vai para nove anos, o Conselho da Europa fez, nesse sentido, aos Estados Membros.
7. Na elaboração deste diploma atendeu-se aos precedentes estrangeiros, que se multiplicam, assim como aos ensinamentos colhidos da aplicação e da crítica de tais experiências. Também se ponderaram as directrizes dimanadas do Conselho da Europa. Mas houve a preocupação de evitar um reformismo abstracto, quer dizer, que desconhecesse as facetas da realidade portuguesa.
É certo que o problema não tem, entre nós, tradições assinaláveis. Apenas se detectam alguns raros preceitos, mais ou menos vagos e dispersos, mormente voltados para uma fiscalização prévia de índole administrativa. Os arestos dos tribunais, quanto se apurou, são escassos e pouco expressivos. A prática dos contratos nada revela de específico.
Entretanto, a nossa doutrina mais recente põe em destaque inequívoco a acuidade do tema. Aí se encontrou estímulo para um articulado desenvolto, inclusive, abrangendo situações que ultrapassam os meros consumidores ou utentes finais de bens e serviços. Encarou-se a questão das cláusulas contratuais gerais com abertura. À jurisprudência e à dogmática jurídica pertence extrair todas as virtualidades dos dispositivos legais agora sancionados. Aquelas não ficam, de resto, como se impõe, encerradas num sistema rígido que tolha a consideração de novas situações e valorações de interesses, resultantes da natural evolução da vida.
Face aos resultados apurados com base na efectiva aplicação do presente diploma, encarar-se-á a hipótese de ser criado um serviço de registo das cláusulas contratuais gerais. Destinar-se-á esse serviço a assegurar a publicidade das que forem elaboradas, alteradas ou proibidas por decisão transitada em julgado.
A importância, a novidade e a complexidade do presente diploma são óbvias. Em decorrência consagra-se um período de vacatio mais longo do que o geralmente previsto.
Assim:
O Governo decreta, nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 201.º da Constituição, o seguinte
CAPÍTULO I
Disposições gerais
Artigo 1.º
(Cláusulas contratuais gerais)
As cláusulas contratuais gerais elaboradas de antemão, que proponentes ou destinatários indeterminados se limitem, respectivamente, a subscrever ou aceitar, regem-se pelo presente diploma.
Artigo 2.º
(Forma, extensão, conteúdo e autoria)
O artigo anterior abrange, salvo disposição em contrário, todas as cláusulas contratuais gerais, independentemente da forma da sua comunicação ao público, da extensão que assumam ou que venham a apresentar nos contratos a que se destinem, do conteúdo que as informe ou de terem sido elaboradas pelo proponente, pelo destinatário ou por terceiros.
Artigo 3.º
(Excepções)
1 - O presente diploma não se aplica:a) A cláusulas típicas aprovadas pelo legislador;
b) A cláusulas que resultem de tratados ou convenções internacionais vigentes em Portugal;
c) A cláusulas impostas ou expressamente aprovadas por entidades públicas com competência para limitar a autonomia privada;
d) A contratos submetidos a normas de direito público;
e) A actos do direito da família ou do direito das sucessões;
f) A cláusulas de instrumentos de regulamentação colectiva de trabalho.
2 - Quando, por força da alínea c) do número anterior, funcionem cláusulas contratuais gerais do tipo das que neste diploma são proibidas, podem as associações de defesa do consumidor dotadas de representatividade, as associações sindicais, profissionais ou de interesses económicos legalmente constituídas, actuando no âmbito das atribuições respectivas, ou o Provedor de Justiça, solicitar aos órgãos competentes as alterações necessárias.
CAPÍTULO II
Inclusão de cláusulas contratuais gerais em contratos singulares
Artigo 4.º
(Inclusão em contratos singulares)
As cláusulas contratuais gerais inseridas em propostas de contratos singulares incluem-se nos mesmos, para todos os efeitos, pela aceitação, com observância do disposto neste capítulo.
Artigo 5.º
(Comunicação)
1 - As cláusulas contratuais gerais devem ser comunicadas na íntegra aos aderentes que se limitem a subscrevê-las ou a aceitá-las.2 - A comunicação deve ser realizada de modo adequado e com a antecedência necessária para que, tendo em conta a importância do contrato e a extensão e complexidade das cláusulas, se torne possível o seu conhecimento completo e efectivo por quem use de comum diligência.
3 - O ónus da prova da comunicação adequada e efectiva cabe ao contratante determinado que submeta a outrem as cláusulas contratuais gerais.
Artigo 6.º
(Dever de informação)
1 - O contratante determinado que recorra a cláusulas contratuais gerais deve informar, de acordo com as circunstâncias, a outra parte dos aspectos nelas compreendidos cuja aclaração se justifique.2 - Devem ainda ser prestados todos os esclarecimentos razoáveis solicitados.
Artigo 7.º
(Cláusulas prevalentes)
As cláusulas especificamente acordadas prevalecem sobre quaisquer cláusulas contratuais gerais, mesmo quando constantes de formulários assinados pelas partes.
Artigo 8.º
(Cláusulas excluídas dos contratos singulares)
Consideram-se excluídas dos contratos singulares:
a) As cláusulas que não tenham sido comunicadas nos termos do artigo 5.º;
b) As cláusulas comunicadas com violação do dever de informação, de molde que não seja de esperar o seu conhecimento efectivo;
c) As cláusulas que, pelo contexto em que surjam, pela epígrafe que as precede ou pela sua apresentação gráfica, passem despercebidas a um contratante normal, colocado na posição do contratante real;
d) As cláusulas inseridas em formulários, depois da assinatura de algum dos contratantes.
Artigo 9.º
(Subsistência dos contratos singulares)
1 - Nos casos previstos no artigo anterior os contratos singulares mantêm-se, vigorando na parte afectada as normas supletivas aplicáveis, com recurso, se necessário, às regras de integração. dos negócios jurídicos.
2 - Os referidos contratos são, todavia, nulos quando, não obstante a utilização dos elementos indicados no número anterior, ocorra uma indeterminação insuprível de aspectos essenciais ou um desequilíbrio nas prestações gravemente atentatório da boa-fé.
CAPÍTULO III
Interpretação e integração das cláusulas contratuais gerais
Artigo 10.º
(Princípio geral)
As cláusulas contratuais gerais são interpretadas e integradas de harmonia com as regras relativas à interpretação e integração dos negócios jurídicos, mas sempre dentro do contexto de cada contrato singular em que se incluam.
Artigo 11.º
(Cláusulas ambíguas)
1 - As cláusulas contratuais gerais ambíguas têm o sentido que lhes daria o contratante indeterminado normal que se limitasse a subscrevê-las ou a aceitá-las, quando colocado na posição de aderente real.2 - Na dúvida, prevalece o sentido mais favorável ao aderente.
CAPÍTULO IV
Nulidade das cláusulas contratuais gerais
Artigo 12.º
(Cláusulas proibidas)
As cláusulas contratuais gerais proibidas por disposição deste diploma são nulas nos termos nele previstos.
(Subsistência dos contratos singulares)
1 - O aderente que subscreva ou aceite cláusulas contratuais gerais pode optar pela manutenção dos contratos singulares quando algumas dessas cláusulas sejam nulas.
2 - A manutenção de tais contratos implica a vigência, na parte afectada, das normas supletivas aplicáveis, com recurso, se necessário, às regras de integração dos negócios jurídicos.
Artigo 14.º
(Redução)
Se a faculdade prevista no artigo anterior não for exercida ou, sendo-o, conduzir a um desequilíbrio de prestações gravemente atentatório da boa-fé, vigora o regime da redução dos negócios jurídicos.
CAPÍTULO V
Cláusulas contratuais gerais proibidas
SECÇÃO 1
Relações entre empresários ou entidades equiparadas
Artigo 15.º
(Âmbito das proibições)
Nas relações entre empresários ou os que exerçam profissões liberais, singulares ou colectivos, ou entre uns e outros, quando intervenham apenas nessa qualidade e no âmbito da sua actividade específica, aplicam-se as proibições constantes desta secção.
Artigo 16.º
(Princípio geral)
São proibidas as cláusulas contratuais gerais contrárias à boa-fé.
Artigo 17.º
(Concretização)
Na aplicação da norma anterior devem ponderar-se os valores fundamentais do direito, relevantes em face da situação considerada, e, especialmente:a) A confiança suscitada, nas partes, pelo sentido global das cláusulas contratuais em causa, pelo processo de formação do contrato singular celebrado, pelo teor deste e ainda por quaisquer outros elementos atendíveis;
b) O objectivo que as partes visam atingir negocialmente, procurando-se a sua efectivação à luz do tipo de contrato utilizado.
Artigo 18.º
(Cláusulas absolutamente proibidas)
São em absoluto proibidas, designadamente, as cláusulas contratuais gerais que:a) Excluam ou limitem, de modo directo ou indirecto, a responsabilidade por danos causados à vida, à integridade moral ou física, ou à saúde das pessoas;
b) Excluam ou limitem, de modo directo ou indirecto, a responsabilidade por danos patrimoniais extracontratuais, causados na esfera da contraparte ou de terceiros;
c) Excluam ou limitem, de modo directo ou indirecto, a responsabilidade por não cumprimento definitivo, mora ou cumprimento defeituoso, em caso de dolo ou de culpa grave;
d) Excluam ou limitem, de modo directo ou indirecto, a responsabilidade por actos de representantes ou auxiliares, em caso de dolo ou de culpa grave;
e) Confiram, de modo directo ou indirecto, a quem as predisponha, a faculdade exclusiva de interpretar qualquer cláusula do contrato;
f) Excluam a excepção de não cumprimento do contrato ou a resolução por incumprimento;
g) Excluam ou limitem o direito de retenção;
h) Excluam a faculdade de compensação, quando admitida na lei;
i) Limitem, a qualquer título, a faculdade de consignação em depósito, nos casos e condições legalmente previstos;
j) Estabeleçam obrigações duradouras perpétuas ou cujo tempo de vigência dependa, apenas, da vontade de quem as predisponha;
l) Consagrem, a favor de quem as predisponha, a possibilidade de cessão da posição contratual, de transmissão de dívidas ou de subcontratar, sem o acordo da contraparte, salvo se a identidade do terceiro constar do contrato inicial.
Artigo 19.º
(Cláusulas relativamente proibidas)
São proibidas, consoante o quadro negocial padronizado, designadamente, as cláusulas contratuais gerais que:a) Estabeleçam, a favor de quem as predisponha, prazos excessivos para a aceitação ou rejeição de propostas;
b) Estabeleçam, a favor de quem as predisponha, prazos excessivos para o cumprimento, sem mora, das obrigações assumidas;
c) Consagrem cláusulas penais desproporcionadas aos danos a ressarcir;
d) Imponham ficções de recepção, de aceitação ou de outras manifestações de vontade com base em factos para tal insuficientes;
e) Façam depender a garantia das qualidades da coisa cedida ou dos serviços prestados, injustificadamente, do não recurso a terceiros;
f) Coloquem na disponibilidade de uma das partes a possibilidade de denúncia, imediata ou com pré-aviso insuficiente, sem compensação adequada, do contrato quando este tenha exigido à contraparte investimentos ou outros dispêndios consideráveis;
g) Estabeleçam um foro competente que envolva graves inconvenientes para uma das partes, sem que os interesses da outra o justifiquem;
h) Remetam para o direito estrangeiro, quando os inconvenientes causados a uma das partes não sejam compensados por interesses sérios e objectivos da outra;
i) Consagrem, a favor de quem as predisponha, a faculdade de modificar as prestações, sem compensação correspondente às alterações de valor verificadas;
j) Limitem, sem justificação, a faculdade de interpelar.
SECÇÃO II
Relações com consumidores finais
Artigo 20.º
(Âmbito das proibições)
Nas relações com consumidores finais e, genericamente, em todas as não abrangidas pelo artigo 15.º aplicam-se as proibições da secção anterior e as constantes desta secção.
Artigo 21.º
(Cláusulas absolutamente proibidas)
São em absoluto proibidas, designadamente, as cláusulas contratuais gerais que:a) Limitem ou de qualquer modo alterem obrigações assumidas, na contratação, directamente por quem as predisponha ou pelo seu representante;
b) Confiram, de modo directo ou indirecto, a quem as predisponha, a faculdade exclusiva de verificar e estabelecer a qualidade das coisas ou serviços fornecidos;
c) Permitam a não correspondência entre as prestações a efectuar e as indicações, especificações ou amostras feitas ou exibidas na contratação;
d) Atestem conhecimentos das partes relativos ao contrato quer em aspectos jurídicos quer em questões materiais;
e) Alterem as regras respeitantes ao ónus da prova;
f) Alterem as regras respeitantes à distribuição do risco.
(Cláusulas relativamente proibidas)
São proibidas, consoante o quadro negocial padronizado, designadamente, as cláusulas contratuais gerais que:a) Prevejam prazos excessivos para a vigência do contrato ou para a sua denúncia;
b) Permitam, a quem as predisponha, denunciar livremente o contrato, sem pré-aviso adequado, ou resolvê-lo sem motivo justificativo, fundado na lei ou em convenção;
c) Limitem a responsabilidade de quem as predisponha, por vício da prestação, a reparações ou a indemnizações pecuniárias predeterminadas;
d) Permitam elevações de preços, em contratos de prestações sucessivas, dentro de prazos manifestamente curtos, ou, para além desse limite, elevações exageradas, sem prejuízo do que dispõe o artigo 437.º do Código Civil;
e) Impeçam a denúncia imediata do contrato quando as elevações dos preços a justifiquem;
f) Afastem, injustificadamente, as regras relativas ao cumprimento defeituoso ou aos prazos para denúncia dos vícios da prestação;
g) Impeçam, injustificadamente, reparações ou fornecimentos por terceiros;
h) Imponham antecipações de cumprimento exageradas;
i) Estabeleçam garantias demasiado elevadas ou excessivamente onerosas em face do valor a assegurar;
j) Fixem locais, horários ou modos de cumprimento despropositados ou inconvenientes;
l) Exijam, para a prática de actos na vigência do contrato, formalidades que a lei não prevê ou vinculem as partes a comportamentos supérfluos, para o exercício dos seus direitos contratuais.
CAPÍTULO VI
Disposições processuais
Artigo 23.º
(Declaração de nulidade)
As nulidades previstas neste diploma são invocáveis nos termos gerais.
Artigo 24.º
(Acção inibitória)
As cláusulas contratuais gerais, elaboradas para utilização futura, quando contrariem o disposto nos artigos 18.º, 19.º, 21.º e 22.º podem ser proibidas por decisão judicial, independentemente da sua inclusão efectiva em contratos singulares.
Artigo 25.º
(Legitimidade activa)
1 - A acção destinada a obter a condenação na abstenção do uso ou da recomendação de cláusulas contratuais gerais só pode ser intentada:a) Por associações de defesa do consumidor dotadas de representatividade, no âmbito previsto na legislação respectiva;
b) Por associações sindicais, profissionais ou de interesses económicos legalmente constituídas, actuando no âmbito das suas atribuições;
c) Pelo Ministério Público, oficiosamente, por indicação do Provedor de Justiça ou quando o entenda, mediante solicitação de qualquer interessado.
2 - As entidades referidas no número anterior actuam no processo em nome próprio, embora façam valer um direito alheio pertencente, em conjunto, aos consumidores susceptíveis de virem a ser atingidos pelas cláusulas cuja proibição é solicitada.
Artigo 26.º
(Legitimidade passiva)
1 - A acção referida no artigo anterior pode ser intentada:a) Contra quem, predispondo cláusulas contratuais gerais, proponha contratos que as incluam ou aceite propostas feitas nos seus termos;
b) Contra quem, independentemente da sua predisposição e utilização em concreto, as recomende a terceiros.
2 - A acção pode ser intentada, em conjunto, contra várias entidades que predisponham e utilizem ou recomendem as mesmas cláusulas contratuais gerais, ou cláusulas substancialmente idênticas, ainda que a coligação importe ofensa do disposto no artigo 27.º
Artigo 27.º
(Tribunal competente)
Para a acção inibitória é competente o tribunal da comarca onde se localiza o centro da actividade principal do demandado ou, não se situando ele em território nacional, o da comarca da sua residência ou sede; se estas se localizarem no estrangeiro, será competente o tribunal do lugar em que as cláusulas contratuais gerais foram propostas ou recomendadas.
Artigo 28.º
(Forma de processo e isenções)
1 - A acção de proibição de cláusulas contratuais gerais segue os termos do processo sumário de declaração e está isenta de custas.2 - O valor da acção excede 1$00 ao fixado para a alçada da Relação.
Artigo 29.º
(Parte decisória da sentença)
1 - A decisão que proíba as cláusulas contratuais gerais especificará o âmbito da proibição, designadamente através da referência concreta do seu teor e a indicação do tipo de contratos a que a proibição se reporta.2 - A pedido do autor, pode ainda o vencido ser condenado a dar publicidade à proibição, pelo modo e durante o tempo que o tribunal determine.
Artigo 30.º
(Proibição provisória)
1 - Quando haja receio fundado de virem a ser incluídas em contratos singulares cláusulas gerais incompatíveis com o disposto no presente diploma, podem as entidades referidas no artigo 25.º requerer provisoriamente a sua proibição.2 - A proibição provisória segue, com as devidas adaptações, os termos fixados pela lei processual para os procedimentos cautelares não especificados.
Artigo 31.º
(Consequências da proibição definitiva)
1 - As cláusulas contratuais gerais objecto de proibição definitiva por decisão transitada em julgado, ou outras cláusulas que se lhes equiparem substancialmente, não podem ser incluídas em contratos que o demandado venha a celebrar, nem continuar a ser recomendadas.
2 - Aquele que seja parte, juntamente com o demandado vencido na acção inibitória, em contratos onde se incluam cláusulas gerais proibidas, nos termos referidos no número anterior, pode invocar a todo o tempo, em seu benefício, a declaração incidental de nulidade contida na decisão inibitória.
3 - A inobservância do preceituado no n.º 1 tem como consequência a aplicação do artigo 9.º
Artigo 32.º
(Sanção pecuniária compulsória)
1 - Se o demandado, vencido na acção inibitória, infringir a obrigação de se abster de utilizar ou de recomendar cláusulas contratuais gerais que foram objecto de proibição definitiva por decisão transitada em julgado, incorre numa sanção pecuniária compulsória que não pode ultrapassar o valor de 1000000$00 por cada infracção.2 - A sanção prevista no número anterior é aplicada pelo tribunal que apreciar a causa em primeira instância, a requerimento de quem possa prevalecer-se da decisão proferida, devendo facultar-se ao infractor a oportunidade de ser previamente ouvido.
3 - O montante da sanção pecuniária compulsória destina-se, em partes iguais, ao requerente e ao Estado.
CAPÍTULO VII
Normas de conflitos
Artigo 33.º
(Aplicação no espaço)
O presente diploma aplica-se:a) Aos contratos regidos pela lei portuguesa;
b) Aos demais contratos celebrados a partir de propostas ou solicitações feitas ao público em Portugal, quando o aderente resida habitualmente no País e nele tenha emitido a sua declaração de vontade.
Artigo 34.º
(Aplicação no tempo)
O presente diploma aplica-se também às cláusulas contratuais gerais existentes à data da sua entrada em vigor, exceptuando-se, todavia, os contratos singulares já celebrados com base nelas.
CAPÍTULO VIII
Disposições finais e transitórias
Artigo 35.º
(Direito ressalvado)
Ficam ressalvadas todas as disposições legais que, em concreto, se mostrem mais favoráveis ao aderente que subscreva ou aceite propostas que contenham cláusulas contratuais gerais.
Artigo 36.º
(Vigência)
Este diploma entra em vigor 120 dias após a sua publicação.Visto e aprovado em Conselho de Ministros de 20 de Setembro de 1985. - Mário Soares - Rui Manuel Parente Chancerelle de Machete - Mário Ferreira Bastos Raposo.
Promulgado em 14 de Outubro de 1985.
Publique-se.O Presidente da República, ANTÓNIO RAMALHO EANES.
Referendado em 16 de Outubro de 1985.
O Primeiro-Ministro, Mário Soares.