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Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça 3/2008, de 3 de Abril

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Sumário

Fixa a jurisprudência seguinte: a cláusula de atribuição de jurisdição inserida num contrato de agência mantém-se em vigor para todas as questões de natureza cível, mesmo que relativas ao respectivo regime de cessação. ( Agravo nº 1321/2007-2ª Secção )

Texto do documento

Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça n.º 3/2008

Agravo n.º 1321/2007 - 2.ª Secção

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:

1 - Na 11.ª Vara Cível da Comarca de Lisboa, Lamartine, Soares & Rodrigues, S. A., propôs acção declarativa de condenação, com processo ordinário, contra Allesi, S. P.

A., alegando que celebrou com a ré, em 2 de Dezembro de 1997, um contrato de agência, que vigorou até 31 de Dezembro de 1998, mas que se renovou anualmente, na falta de rescisão, que, no entanto, veio a ocorrer em 22 de Setembro de 2004, sem que a ré tenha respeitado a antecedência de três meses relativamente à renovação do contrato.

Mais alega que, com tal conduta, a ré causou grande prejuízo à autora, tanto a nível de danos patrimoniais, danos emergentes e lucros cessantes, como a nível de danos não patrimoniais de imagem, devendo-lhe, deste modo, (euro) 17 934,28 (construção de um comer), (euro) 50 000 (produto modelo, inútil para venda), (euro) 77 000 (publicidade autorizada e não recebida), (euro) 125 158,19 (indemnização de clientela), (euro) 130 000 (lucros cessantes) e (euro) 100 000 (danos de imagem), o que perfaz o total de (euro) 500 092,47.

Alega, ainda, que, devendo à ré o valor de (euro) 200 127,23 de encomendas de produtos recebidos, fazendo-se a devida compensação, resulta um saldo favorável à autora de (euro) 299 965,24. Conclui, assim, que deve a acção ser julgada procedente e, em consequência, ser:

a) Reconhecida a ilegalidade da denúncia contratual da ré;

b) A ré condenada a receber, a título de devolução, os produtos que a autora não conseguir vender por efeito da ilegal denúncia contratual;

c) Condenada a ré a indemnizar a autora pelos prejuízos causados por via da denúncia da agência, sem observância de pré-aviso e perca de quota de mercado (lucros cessantes);

d) Condenada a ré a indemnizar a autora por danos emergentes (comer ou «espaço dedicado», produto modelo, inútil para venda) e danos de imagem, que lhe foram provocados com a denúncia inadvertida do contrato;

e) Condenada a ré a indemnizar a autora pela clientela angariada por esta no âmbito da agência;

f) Condenada a ré a pagar à autora as despesas de publicidade por esta efectuada no âmbito da vigência do contrato de agência;

g) Admitida a compensação de créditos da ré sobre a autora, cujo saldo será a liquidar em «execução de sentença», com a liquidação efectiva de todos os valores em referência nas alíneas.

A ré contestou, por excepção, alegando que o Tribunal de Lisboa é incompetente para julgar a presente questão, já que as partes decidiram, livre e conscientemente, na cláusula 28.ª do contrato invocado, reservar exclusivamente à jurisdição italiana a competência para a dirimir, com atribuição exclusiva ao Tribunal da Comarca de Verbania, inserindo-se o caso no âmbito de aplicação da Convenção de Bruxelas, conforme o seu artigo 17.º, n.º 1.º, pelo que, deve a ré ser absolvida da instância.

Contestou, ainda, por impugnação, alegando que a denúncia do contrato, com pré-aviso e justa causa, resulta dos graves incumprimentos do contrato pela autora, pelo que carecem de fundamento os pedidos de indemnização de clientela e de ressarcimento dos prejuízos feitos pela autora.

Em sede de reconvenção, alega que aqueles incumprimentos lhe causaram prejuízos, que deverão ser reparados pela autora.

Conclui, deste modo, que deve ser absolvida dos pedidos formulados pela autora, devendo esta ser condenada a reconhecer que a denúncia do contrato de agência é legítima e eficaz, porque feita três meses antes da data do seu termo (31 de Dezembro de 2004) e por justa causa, ou, se assim não for entendido, a reconhecer que a resolução do referido contrato foi por justa causa imputável à autora, e, de todo o modo, a pagar à ré a dívida já reconhecida de (euro) 200 127,23 e a indemnização para ressarcimento dos danos emergentes e lucros cessantes, cuja liquidação remete para «execução de sentença.» A autora replicou, alegando que a causa de pedir se prende com o incumprimento de um contrato totalmente executado em território português e que, encontrando-se a autora domiciliada em território nacional, é manifesta a dificuldade da sua deslocação ao estrangeiro para propositura e acompanhamento desta acção, o que confere competência ao presente Tribunal para o julgamento da causa, nos termos do disposto nos artigos 65.º, n.º 1, alíneas c) e d), do Código de Processo Civil.

Contestou, ainda, a autora o pedido reconvencional, concluindo que o mesmo deve ser julgado improcedente.

A ré treplicou, concluindo como na reconvenção.

Seguidamente, conhecendo-se da excepção da incompetência do tribunal, foi proferida decisão do seguinte teor:

«Por tudo o exposto, julga-se procedente a excepção dilatória de incompetência relativa por preterição do pacto privativo de jurisdição, declarando-se a jurisdição portuguesa, e esta Vara em concreto, incompetente para o presente pleito, pelo que, ao abrigo do disposto nos artigos 111.º, n.º 3, 494.º, alínea a), e 493.º, n.º 2, todos do Código de Processo Civil, absolvo a ré, Alessi, S. P. A., da instância.» Inconformada, a autora agravou para o Tribunal da Relação de Lisboa, e com êxito, já que aquele tribunal decidiu conceder provimento ao agravo, revogando a decisão recorrida e declarando competente para conhecer do objecto da acção a 11.ª Vara Cível de Lisboa.

Inconformada, desta vez a ré, agravou em 2.ª instância.

Alegou e concluiu:

Não existe no caso sub judice qualquer dúvida que nos encontramos perante um litígio privado internacional.

As ora recorrente e recorrida decidiram livre e conscientemente na cláusula 28.ª do contrato invocado reservar exclusivamente à jurisdição italiana a competência para dirimir a presente questão, com atribuição exclusiva, dentro da jurisdição italiana, ao Tribunal da Comarca de Verbania.

O pacto atributivo de jurisdição que está expresso naquela cláusula 28.ª, mostra-se celebrado com confirmação escrita por ambas as partes, de boa fé e livremente, aliás, com aceitação expressa dessa cláusula 28.ª O pacto atributivo de jurisdição estipulado pelas partes tem pois, de considerar-se válido «para qualquer controvérsia relativa ao presente contrato» (cláusula 28.ª).

O n.º 1 do artigo 23.º do Regulamento, a que correspondia o § 1.º do artigo 17.º da Convenção, prevê que os pactos atributivos conferem competência exclusiva, a menos que as partes convencionem em contrário.

Convencionada a competência pelas partes, como é o caso, é irrelevante que uma delas, contra a vontade da outra, venha, posteriormente, denunciar unilateralmente o estipulado.

É exclusiva, a competência resultante de pactos atributivos de jurisdição, previstos pelo artigo 23.º, n.º 1, com as limitações dos n.os 3 e 5 do Regulamento 44/2001, do Conselho, de 22 de Dezembro de 2000, que corresponde ao artigo 17.º, § 1.º, com as limitações do § 2.º e do § 4.º, da Convenção de Bruxelas, de 27 de Setembro de 1968, relativa à competência judiciária, reconhecimento e execução de decisões, em matéria civil e comercial.

O acórdão da Relação na sua conclusão, itens de folha penúltima do acórdão, e identificados nestas alegações por itens 1 e 2, entra em contradição, pois no item 1 - refere que os pedidos de indemnização formulados pela autora são externos à relação contratual, afastando, por isso, a aplicação do pacto de jurisdição constante da cláusula 28.ª e de seguida, no item 2 - , diz que se trata de matéria contratual.

Ora sendo matéria contratual, como é, e como muito bem o qualificou o juiz da 1.ª instância, ter-se-á de aplicar o estipulado pelas partes relativo ao pacto de jurisdição, constante da cláusula 28.ª, em aplicação do artigo 1.º («Matéria civil e comercial») e artigo 23.º («Competência») do Regulamento (CE) n.º 44/2001.

A denúncia unilateral não invalidou a escolha, sob pena de frustrar o fim comum visado pelas partes, quanto à eleição do foro.

A denúncia, ou qualquer outra forma de fazer extinguir unilateralmente obrigações contratuais, levada a cabo por qualquer das partes, seria uma forma tortuosa de subtracção ao negociado, máxime, à cláusula de eleição do foro, depois de se haver acordado na escolha do Tribunal. Os efeitos não são exteriores ao contrato, mas derivam e são parte incindível do próprio contrato.

Consequentemente, uma parte, sem consentimento da outra, mudaria as regras do jogo, quando este estava a ser jogado.

Fugia-se da razão da escolha comum, numa ocasião em que ela mais se faria sentir;

ora, exactamente para tanto - para evitar a fuga - é que houve escolha.

A causa de pedir assenta fundamentalmente no contrato de agência, tratando-se de um litígio (controvérsia) ainda relacionado (relativo) com o mesmo contrato.

A Directiva Comunitária n.º 86/653, transposta obrigatoriamente para a nossa ordem jurídica pelo Decreto-Lei 118/93, de 13 de Abril, e para a ordem jurídica italiana tem por vista harmonizar o contrato de agência na União Europeia relativamente às relações - direitos e deveres - de agente e comitente, em pleno pé de igualdade, clarificando e uniformizando essas relações em toda a UE.

Tal transposição implica igual tratamento em todos os Estados membros. E estes não tratam de forma mais ou menos vantajosa o agente, mas todos o tratam de igual forma, por imposição da directiva, nos termos do artigo 249.º do Tratado de Roma.

A directiva e o decreto-lei que a transpõe não impõem qualquer norma relativa à escolha do foro, deixando à liberdade das partes tal escolha. E foi o que aconteceu no caso sub judice. As partes estipularam na cláusula 28.ª do contrato que o Tribunal de Verbania - Itália seria o competente.

As convenções internacionais subscritas por Portugal, caso da Convenção de Bruxelas de 1968, têm valor superior ao das próprias leis nacionais.

O Regulamento Comunitário (CE) n.º 44/2001, como todos os regulamentos comunitários, têm primazia sobre as leis nacionais.

O Regulamento tem carácter geral. É obrigatório em todos os seus elementos e directamente aplicável em todos os Estados membros, nos termos do artigo 249.º do Tratado de Roma.

O acórdão da Relação, ao não aplicar, no caso sub judice, nomeadamente o artigo 23.º do Regulamento (CE) n.º 44/2001, proferiu uma decisão inconstitucional.

Se houver dúvidas sobre se o acordo relativo ao pacto de jurisdição estipulado pelas partes na cláusula 28.ª do contrato de agência, deve prevalecer e ser aplicada nos termos do artigo 23.º do Regulamento (CE) n.º 44/2001, o Supremo Tribunal de Justiça terá de reenviar ao Tribunal de Justiça da Comunidade Europeia, conforme o artigo 234.º, alínea b), do Tratado de Roma.

Em matéria de cláusula relativa a pacto de jurisdição constante do contrato denunciado, tem havido na jurisprudência portuguesa contradições.

Pelo menos há quatro acórdãos desse Tribunal, com decisões contraditórias: dois Acórdãos no sentido da decisão de que ora se recorre, de 5 de Novembro de 1998, Colectânea de Jurisprudência, ano vi, t. iii, p. 97, de 20 de Junho de 2006, do processo 1659/06, e dois Acórdãos no sentido da decisão da 1.ª instância, isto é, no sentido do provimento que se pretende deste recurso, admitindo válido o pacto de jurisdição subscrito pelas partes constante de contrato entretanto denunciado: o de 16 de Dezembro de 2004, relativo ao processo 268/04, e de 16 de Fevereiro de 2006, relativo ao processo 3565/05.

Pelo que, nos termos do artigo 732.º-A do Código de Processo Civil, deve assegurar-se a uniformidade da jurisprudência, procedendo-se a julgamento de recurso com intervenção do plenário das secções cíveis.

Ao decidir como decidiu o douto Acórdão da Relação, ora recorrido, violou o disposto:

Nos artigos 65.º, n.º 1, alínea a), 74.º, n.º 2, 85.º, n.º 3, 99.º, 493.º, 664.º e 668.º, n.º 1, alínea d), todos do Código de Processo Civil;

Nos artigos 224.º, n.º 1, 228.º, 239.º e 762.º, n.º 2, todos do Código Civil;

Nos artigos 28.º, 29.º e 33.º, n.º 3, do Decreto-Lei 178/86, de 3 de Julho;

No artigo 17.º da Convenção de Bruxelas, hoje substituído pelo artigo 23.º do Regulamento (CE) n.º 44/2001;

Nos artigos 1.º, 3.º, 5.º, 23.º e 68.º do Regulamento (CE) n.º 44/2001;

No artigo 8.º da Constituição da República Portuguesa.

Deverá conceder-se provimento ao recurso, revogando-se o acórdão recorrido, declarando a incompetência absoluta da 11.ª Vara Cível de Lisboa em razão da nacionalidade para conhecer da presente acção, absolvendo a ré da instância, determinando-se o julgamento do recurso com intervenção do plenário das secções cíveis, de forma a assegurar a uniformidade da jurisprudência em matéria de aplicação da cláusula de pacto de jurisdição.

Subsidiariamente requer-se ainda, se houver dúvidas sobre a cláusula relativa ao pacto de jurisdição estipulado pelas partes na cláusula 28.ª do contrato de agência e nas normas comunitárias relativas a esse contrato e entretanto transposta para a ordem jurídica portuguesa pelo Decreto-Lei 178/86, de 3 de Julho, o reenvio do processo por esse Tribunal a título prejudicial, ao Tribunal de Justiça da Comunidade Europeia para apreciação deste Tribunal.

Não houve contra-alegações.

O Presidente do Supremo Tribunal de Justiça determinou o julgamento alargado do recurso e o magistrado do Ministério Público emitiu parecer no sentido de que o presente conflito seja resolvido com a prolação de acórdão uniformizador de jurisprudência com a seguinte formulação:

«O pedido de indemnização fundado em prejuízo causado por violação do prazo de pré-aviso de denúncia de contrato, bem como por clientela angariada, formulado no pressuposto da cessação desse contrato por denúncia, configura responsabilidade contratual não afectando o pacto privativo e atributivo de jurisdição, nele convencionado.»

2 - Cumpre decidir

Os factos a ter em conta são os constantes do antecedente relatório.

Como é sabido, o thema decidendum dos recursos é definido pelas questões postas nas conclusões das alegações dos recorrentes, sendo certo que, como é jurisprudência firme, por questões a resolver não devem tomar-se as considerações, argumentos, motivações e juízos de valor produzidos pelas partes, porquanto o tribunal apenas tem de dar resposta especificada ou individualizada às questões que directamente se reportam à substanciação da causa de pedir e do pedidos (artigos 684.º, n.º 3, 690.º n.º 1, e 660.º, n.º 2, todos do Código de Processo Civil).

Questões a resolver.

As questões são duas:

I) Se a cláusula 28.ª constitui um pacto atributivo de jurisdição.

II) Caso afirmativo, se o pacto é aplicável no julgamento do presente pleito.

A tese do acórdão recorrido (e do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 5 de Novembro de 1998, que serviu de fundamento) é a seguinte:

a) O tribunal português é internacionalmente competente e essa competência resulta do disposto no artigo 5.º, n.º 1, alíneas a) e b), do Regulamento (CE) n.º 44/2001 e do Decreto-Lei 178/86;

b) O pacto de jurisdição, ínsito na cláusula 28.ª não é aplicável ao presente litígio, pois que não está em causa qualquer controvérsia relativa ao contrato em questão, que se encontra findo, apenas subsistindo efeitos posteriores e externos relativamente à relação contratual.

Desenvolvendo, daremos os seguintes passos:

I) Data do contrato; sua natureza jurídica; teor da cláusula 28.ª;

II) Lei aplicável no direito interno e no direito comunitário;

III) Oposição de decisões, considerando a recorrida;

IV) Posição adoptada.

Vejamos, então.

I - O contrato de agência é regulado pelo Decreto-Lei 178/86, de 3 de Julho, alterado, depois, pelo Decreto-Lei 118/93, de 13 de Abril de 2004, que transpôs para a ordem jurídica interna a Directiva Comunitária n.º 86/653/CEE, do Conselho, de 18 de Dezembro.

Trata-se de um contrato bilateral e oneroso de que resultam para o agente e para o agenciado (principal) obrigações recíprocas:

O primeiro assume a obrigação de promover por conta da outra parte a celebração de contratos que «envolve toda uma complexa e variada actividade material, de prospecção do mercado, de angariação de clientes, de difusão dos produtos e serviços, de negociação, etc., que antecede e prepara a conclusão dos contratos, mas na qual o agente já não tem de intervir»;

O segundo obriga-se a pagar a retribuição convencionada, que se «determina, fundamentalmente, com base no volume de negócios conseguido pelo agente, revestindo assim um carácter variável, sob a forma de comissão ou percentagem calculada sobre o valor dos negócios, podendo cumular-se, no entanto, com qualquer importância fixa acordada entre as partes» (António Pinto Monteiro, Contratos de Distribuição Comercial, Coimbra, 2001, pp. 84, 85 e 96).

Decorrente do termo do contrato de agência, surge, como sua principal consequência a indemnização de clientela, caracterizada, com largo consenso da doutrina e da jurisprudência como uma compensação a favor do agente, pelos benefícios que o principal continua a auferir com a clientela que o agente angariou ou desenvolveu (Menezes Leitão, A Indemnização de Clientela no Contrato de Agência, p. 100 - fala em «indemnização por prestação»).

A indemnização de clientela só pode ser exigida após a cessação do contrato, embora tenha neste a sua génese, pressupondo que seja adquirida em resultado da prestação do agente (prestação que a lei não impõe que seja exclusiva, durante a vigência do contrato).

A indemnização de clientela é, apenas, um crédito futuro, na vigência do contrato, durante a qual a lei não permite renúncia a mesma.

Este tipo de indemnização, que é extensível, por analogia, ao contrato de concessão, uma vez verificados os necessários pressupostos; acresce a qualquer outra indemnização a que haja lugar por outro tipo de consequências ou mesmo, por falta ou insuficiência de pré-aviso por violação do contrato, pelo principal (António Pinto Monteiro, ob. cit., Luís Menezes Leitão, A Indemnização de Clientela no Contrato de Agência, p. 46, e Carlos Lacerda Barata, Anotações ao Novo Regime do Contrato de Agência, p. 83.) O contrato em apreço nos autos, em vista dos termos que o integram, é, seguramente, um contrato de agência.

Circunstancialmente, interessa-nos mais, agora, o teor da cláusula 28.ª que diz: «para qualquer controvérsia relativa ao presente contrato será exclusivamente competente o foro de Verbania (Itália)».

II - Na nossa ordem interna como na internacional e na comunitária, em matéria de litígios são as respectivas fontes que ditam a competência internacional, para o julgamento, sem prejuízo de, naturalmente, as fontes comunitárias poderem determinar que tribunais de outra ordem jurídica assumam competência que, por princípio, pertenceria aos nacionais de cada Estado membro.

No direito português, em matéria de competência internacional, regem os artigos 65.º, 65.º-A e 99.º do Código de Processo Civil.

No artigo 65.º têm a sua sede os pressupostos da competência internacional dos nossos tribunais, cuja competência exclusiva vem definida no artigo 65.º-A; enquanto que no artigo 99.º se prevê e regula a faculdade de se estabelecerem pactos privativos e atributivos de jurisdição e se contêm, ainda, os requisitos a que aqueles devem obedecer, para assegurar a sua validade substancial e formal.

Como é sabido, a redacção actual dos artigos 65.º e 65.º-A resulta do artigo 1.º do Decreto-Lei 38/2003 que neles introduziu um inciso, que antecede o texto de cada um deles, inciso cujo teor, pela sua importância e significado, se transcreve:

«Sem prejuízo do que se ache estabelecido em tratados, convenções, regulamentos comunitários leis especiais.» É, manifestamente, uma afirmação do primado do direito comunitário e da sua clara prevalência sobre o direito português.

Aliás, já o artigo 8.º, n.º 3, da Constituição da República Portuguesa afirma, inequivocamente, que: «As normas emanadas dos órgãos competentes das organizações internacionais de que Portugal seja parte vigoram, directamente na ordem interna, desde que tal se encontre estabelecido nos respectivos tratados constitutivos.» Lebre de Freitas (Código de Processo Civil Anotado, vol. i, p. 124), acompanhado, aliás, por tantos outros autores - v. g. Ferrer Correia, Teixeira de Sousa, Moura Vicente, Sofia Henriques), refere que «as normas de competência internacional definem a susceptibilidade de exercício da função jurisdicional pelos tribunais portugueses, tomados no seu conjunto, relativamente a situações jurídicas que apresentam elementos de conexão com uma ou mais ordens jurídicas estrangeiras e que, além de receberem competência do artigo 65.º, os tribunais portugueses recebem - na, também, de convenções internacionais, sucedendo que estas, no seu campo específico de aplicação, prevalecem sobre as normas processuais portuguesas, nomeadamente as reguladoras da competência internacional constantes do Código».

Considerando as regras comuns de competência internacional, Mota Campos refere que as ditas regras comuns de competência internacional são regras de competência directa, porque designam directamente o tribunal ou tribunais dos Estados contratantes aos quais, em cada caso concreto, é atribuída competência para julgar.

Tais regras integram-se no ordenamento jurídico de cada Estado, pelo que o tribunal chamado a conhecer de uma causa em que haja um elemento de conexão com a ordem jurídica de outro ou outros Estados contratantes deverá ignorar as regras de competência internacional da lex fori para aplicar, antes, as regras uniformes da Convenção de Bruxelas, Revista de Documentação e Direito Comparado, n.º 22, 1986, p. 144.

No caso dos autos, estamos ante um litígio privado internacional ligado com as ordens jurídicas de Portugal e de Itália.

Ambos os Estados são contratantes da Convenção de Lugano, da Convenção de Bruxelas, a que sucedeu o Regulamento (CE) n.º 44/2001, do Conselho, de 22 de Dezembro de 2000, relativo à competência judiciária, ao reconhecimento e execução das decisões em matéria civil e comercial.

Existe identidade de conteúdos destes três instrumentos e será um deles, necessariamente, que se aplicará à situação presente.

Ora, quanto ao âmbito de aplicação do Regulamento (CE) n.º 44/2001, rege o seu artigo 15.º onde se estabelece:

«1 - As disposições do presente regulamento só são aplicáveis às acções judiciais intentadas [...] posteriormente à entrada em vigor do presente regulamento.» O n.º 2 do mesmo artigo faz uma ressalva a esse princípio, mas que tem, apenas, a ver com o capítulo iii (execução das decisões).

Porém, no caso em análise, a génese de todas as questões situa-se na cláusula 28.ª incluída num contrato celebrado em 2 de Dezembro de 1997.

Parece-nos irrecusável que a sua interpretação tem de ser feita, apurando-se a vontade negocial das partes, designadamente, tendo em conta o quadro legislativo vigente, à data do surgimento do contrato, ou seja, a Convenção de Bruxelas de 24 de Setembro de 1968, a qual foi completada por um protocolo relativo à interpretação pelo Tribunal de Justiça da Comunidade Europeias a que Portugal aderiu, por ratificação da Assembleia da República de 24 de Abril de 2001 e por decreto do Presidente da República de Outubro do mesmo ano.

Regem, então, os artigos 2.º, n.º 1 (estabelece como competência - regra o domicílio do réu), e 5.º que prescreve uma das derrogações ao regime-regra - no que ora interessa, o requerido com domicílio no território de um Estado Contratante pode ser demandado noutro Estado Contratante - em matéria contratual, perante o tribunal do lugar onde a obrigação que serve de fundamento ao pedido deva ser cumprida.

O artigo 17.º que, sob a epígrafe «Extensão da competência», preceitua: «Se as partes, das quais pelo menos uma se encontre domiciliada no território de um Estado Contratante, tiverem convencionado que um tribunal ou os tribunais de um Estado Contratante têm competência para decidir quaisquer litígios que tenham surgido ou que possam surgir de um determinada relação jurídica esse tribunal ou esses tribunais terão competência exclusiva.» O referido normativo estabelece, depois, os requisitos formais para a validade do pacto atributivo de jurisdição.

As exigências de forma respondem ao desejo de não entravar as relações comerciais, neutralizando, no entanto, o efeito das cláusulas que poderiam passar despercebidas nos contratos [...] tendo, ainda, o artigo 17.º a previsão das condições de forma que devem reunir as cláusulas atributivas de competência para garantir a segurança jurídica e para assegurar que o consentimento das partes foi prestado «Acórdão do Tribunal de Justiça da Comunidade Europeia Elefanten Schuh de 24 de Junho de 1981 - Colec., 1961-1687».

No acórdão MSG c, Les Graviéres Rhenanes, S. A. R. L., de 20 de Fevereiro de 1997, o Tribunal de Justiça decidiu que o juiz deve aferir se a cláusula atributiva de competência constitui, efectivamente, objecto do consenso das partes, consenso que deve manifestar-se de forma clara e precisa e que os requisitos de forma previstos no artigo 17.º da Convenção de Bruxelas «têm o fim de garantir que o consenso das partes seja, efectivamente provado».

Ainda, noutro caso (Soc. Elefanten Schuh, G. m. b. H., contra Jacqmain de 24/0681, processo 150/80) o mesmo Tribunal afirma, a propósito do artigo 17.º, que: «Os Estados Contratantes não têm a liberdade de prescrever outras exigências de forma que as previstas na Convenção.» Quanto aos requisitos substanciais, o pacto não só deve especificar qual a relação jurídica da qual emergiram, ou poderão vir a emergir litígios, que será objecto do processo, como ainda o ou os tribunais competentes para apreciar o litígio; objectivo desta limitação é a de evitar que a parte mais forte imponha à contraparte um foro geral determinado Sofia Henriques, Os pactos de Jurisdição no Regulamento (CE) n.º 44/2001, p. 75.

A nulidade de um contrato onde se encontra inserida uma cláusula atributiva de competência não afecta a validade dessa cláusula, uma vez que tem autonomia - decidiu, também o Tribunal de Justiça no Acórdão Benicasa c. Dentakit de 3 de Julho de 1997; processo 269/95 - Colect. 1997/I-3767, Sofia Henriques, ob. cit., p. 82.

Face ao que fica dito, considerando o quadro fáctico dos autos, não nos restam dúvidas de jurisdição, já que, não só uma, mas ambas as sociedades estão sediadas em território de países de que a cláusula 28.ª do contrato integra, do ponto de vista dos tribunais portugueses, um pacto atributivo de jurisdição, já que, não só uma, mas ambas as sociedades estão sediadas em território de países contratantes e por outro lado o próprio pacto derrogou as regras base da competência internacional, contidas nos artigos 2.º e 5.º, n.º 1, da Convenção.

É que, na verdade, o princípio fundamental, em matéria de competência, é o de que a jurisdição competente pertence ao Estado membro onde o demandado tem o seu domicílio, qualquer que seja a sua nacionalidade.

A determinação do domicílio faz-se, nos termos da lei do Estado membro do tribunal onde é proposta a acção. Com as competências especiais contidas na secção 2, artigos 5.º e segs., reportam-se, por exemplo, as matérias contratuais (em geral, o tribunal do lugar onde foi ou deva ser cumprida a obrigação em questão).

Quando as partes, das quais, pelo menos, uma se encontra domiciliada no território de um Estado membro, tiverem celebrado um pacto atributivo de jurisdição, em caso de litígio, os tribunais competentes serão os determinados pelas partes de acordo com os usos que as partes estabeleceram entre si, ou ainda, no comércio internacional, em conformidade com os usos que as partes conheçam.

III - Vejamos, agora, as teses em confronto

A decisão recorrida colhe o fundamento do decidido assim:

«O Regulamento (44/2001) não prevê qualquer controlo dos fundamentos da atribuição de competência ao tribunal escolhido, ao contrário do que estipula o artigo 99.º, n.º 3, alínea c), do Código de Processo Civil (que exige que a eleição do foro seja justificada por um interesse sério de ambas as partes ou de uma delas, desde que não envolva inconveniente grave para a outra), o que não será permitido, face ao artigo 19.º, alínea g), do Decreto-Lei 446/85, de 25 de Outubro.

Nos termos do artigo 5.º, n.º 1, alíneas a) e b) (do regulamento), a ré pode ser demandada em Portugal.

Do teor do artigo 38.º do contrato de agência (na redacção introduzida pelo Decreto-Lei 118/93, de 13 de Abril) resulta que - 'aos contratos regulados por este diploma que se desenvolvam, exclusiva ou predominantemente em território nacional, só será aplicável legislação diferente da portuguesa, no que respeita ao regime de cessação, se a mesma se revelar mais vantajosa para o agente'; o que quer significar que: esta norma também releva no plano da competência internacional, já que dali parece resultar haver que provar que a jurisdição apurada nos termos gerais irá aplicar um direito que obedece àquele requisito, isto é, o ser mais vantajoso para o agente.

Logo, não sendo feita essa prova, serão competentes os tribunais portugueses; nos autos nem sequer tal a ré alegou».

Tentando sintetizar a posição da Relação e o raciocínio discursivo por ela seguido, diremos:

A decisão sindicada suscita duas questões:

1.ª Uma relativa à validade do pacto de jurisdição;

2.ª Outra relativa ao âmbito de aplicação do pacto.

Na primeira, chama, porém, à colação, o direito positivo aplicável como elemento relevante para a determinação do tribunal internacionalmente competente; invocando, concretamente, o estabelecido no artigo 38.º do Decreto-Lei 178/86, alterado pelo Decreto-Lei 118/93, de 13 de Abril.

Assim sendo, conclui que o tribunal internacionalmente competente é o português e conclui, ainda que, tendo cessado o contrato, o pacto não é aplicável, pois não está em causa qualquer controvérsia relativa a esse contrato, apenas subsistindo efeitos posteriores e externos relativamente à relação contratual.

Estes fundamentos e a decisão são sobreponíveis aos dos Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 5 de Novembro de 1998 e de 20 de Junho de 2006, havendo, contudo, que realçar que, à data do referido Acórdão de 5 de Novembro, os artigos 65.º e 65.º-A do Código de Processo Civil tinham uma redacção anterior à hoje vigente, na qual faltava o segmento inicial, que se reporta, como é sabido, à prevalência do que «se ache estabelecido em tratados, convenções, regulamentos comunitários e leis especiais».

IV - Posição adoptada

Não parece correcta a decisão nem os seus fundamentos.

Quanto à primeira questão: desde logo, porque o conteúdo do referido normativo (artigo 38.º do Decreto-Lei 178/86) não é um conteúdo adjectivo mas, apenas, substantivo, ou seja, não contém uma norma de competência judiciária.

Assim, não faz qualquer sentido agregar a um conjunto de normas adjectivas uma outra de natureza substantiva.

As duas situações são, inequivocamente, distintas, especificadamente reguladas na lei e até, cronológica e processualmente distanciadas:

Uma tem a ver tão só, com a electio juris - a do artigo 38.º do Decreto-Lei 178/86 - sendo que o chamado «princípio de melhor tratamento» aí contido, não é aplicável, comunicável ou coadjuvante do princípio contido no artigo 99.º, n.º 3, alínea c), do Código de Processo Civil.

Se as partes, que acordaram, livremente, na escolha do foro, nada disseram para além do já referido na cláusula 28.ª, com o teor já conhecido, não compete ao intérprete «reforçar-lhes» a tutela, que as mesmas, conhecendo-a, não invocaram.

Em arrimo da decisão recorrida fez-se apelo à Convenção da Haia de 14 de Março de 1978, assinada por Portugal em 26 de Maio do mesmo ano e aprovada, para ratificação, pelo Decreto 101/79, de 19 de Setembro, que tem por objecto a lei aplicável aos contratos de mediação e representação abrangendo ou podendo abranger o contrato de agência.

Em vão, porém.

Tanto o artigo 38.º referido como a Convenção da Haia reportam-se ao direito material, como já se disse.

Não será despiciendo notar que o preceito teve nova redacção dada pelo Decreto-Lei 118/93, justamente para a transposição da Directiva n.º 86/653/CEE, de 18 de Dezembro, o que significa a harmonização do direito interno de cada Estado membro nessa área.

Por outro lado, não podemos ignorar a experiência jurídica em Portugal, que vem demonstrando que a vontade negocial das partes é tão-só a de atribuir competência exclusiva ao tribunal por elas escolhido (Dário Moura Vicente, «Competência judiciária e reconhecimento de decisões estrangeiras no Regulamento (CE) n.º 44/2001», Scientia Jurídica, t. li, n.º 293, p. 370).

Ademais, no caso dos autos, como noutros idênticos, nada impedirá que o tribunal escolhido aplique, se entender, o direito material português.

Acresce que o acolhimento de uma tese como a referida seria, seguramente, um bom contributo para a menorização, ou, mesmo, para a ineficácia das convenções, afrontando, certeiramente, os, atrás, falados princípios do primado do direito comunitário e da aceitação da vigência interna das normas emanadas dos órgãos competentes das organizações internacionais de que Portugal é parte e quando é certo que tal vigência interna resulta do estabelecido nos respectivos tratados constitutivos, este último expresso na letra da lei fundamental.

Quanto à segunda Questão - a electio judicis acordada pelas partes, que a cláusula 28.ª encerra, tem que subsistir para além da cessação do contrato, para o efeito, desde logo e simplesmente poder ser discutida a razão ou não do autor quando afirma que foi violada a cláusula do pré-aviso de denúncia do contrato.

Aliás, não faria sentido o estabelecimento de um tal pacto, se ele fosse inaplicável a uma situação como esta e tornasse inviável a efectivação dos alegados direitos da autora.

Para resolver esse diferendo teremos de fazer apelo aos artigos 236.º e 238.º do Código Civil, que disciplinam a determinação do sentido das declarações negociais.

A actividade interpretativa só acontece quando a vontade negocial das partes é questionada.

O n.º 1 do artigo 236.º do Código Civil em que se mostra consagrada a chamada teoria da impressão do destinatário tem, como subjacente, três grandes linhas:

Defesa do interesse do declaratário, apoiada na tutela das suas legítimas expectativas ou confiança;

Segurança do comércio jurídico;

Imposição ao declarante de um encargo de clareza.

Nos negócios formais, o sentido objectivo correspondente àquela teoria não pode valer se não tiver um mínimo de correspondência no texto do respectivo documento ainda que imperfeitamente expresso - n.º 1 do artigo 238.º E, sendo assim, é relevante o sentido que seria considerado por uma pessoa normalmente diligente, sagaz e experiente, face aos termos da declaração e de todas as circunstâncias situadas no horizonte concreto do declaratário (Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 25 de Março de 2004, já citado).

Como afirmou Francesco Ferrara, «há que procurar sempre a voluntas legis e não a voluntas legislatoris, cientes de que o direito é dinâmico e tanto mais vivo quanto mais acompanhar as realidades da vida» Interpretação e Aplicação das Leis, 1963, p. 130.

Por outro lado, e não menos importante, convém notar que se está no domínio de responsabilidade civil contratual em que as partes contratantes continuam adstritas a suportar as consequências advindas da cessação do contrato, com as vinculações que, consensualmente e no domínio da liberdade contratual, se impuseram.

Neste sentido, vai a jurisprudência nacional, largamente maioritária, designadamente os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça seguintes:

De 16 de Fevereiro de 2006 - processo 05B4294;

De 11 de Novembro de 2003 - processo 03A3137;

De 14 de Novembro de 2006 - processo 06A3304;

De 13 de Junho de 1997 - processo 97B062;

De 15 de Maio de 1998 - processo 98B292;

De 18 de Janeiro de 1998 - processo 98B354;

De 5 de Maio de 2007 - processo 07B1001;

De 25 de Março de 2004 - processo 04B301;

De 12 de Março de 2006 - processo 4092/01;

De 23 de Novembro de 1996 - processo 199/96;

De 16 de Dezembro de 2004 - processo 4076/04.

Sufragando a outra posição temos, apenas, os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 5 de Novembro de 1998 - processo 641/98 e de 20 de Junho de 2006 - processo 1659/06.

Neste sentido vai, também, a jurisprudência do Tribunal de Justiça da Comunidade Europeia, cuja valia é, seguramente, reforçada.

Para além da já atrás já referida, temos, ainda, o acórdão do mesmo Tribunal (caso Francesco Benincasa de 3 de Julho de 1997) em que se diz: «cabe acrescentar que, em conformidade com a jurisprudência do Tribunal de Justiça, a interpretação de uma cláusula atributiva de jurisdição, a fim de determinar os diferendos abrangidos pelo seu âmbito de aplicação, é da competência do órgão jurisdicional nacional (Acórdão de 10 de Março de 1992, Powell Duffryn, C-214/89 Colect., p. I-1745, n.º 37).

Assim, no caso em apreço, é a este último que cabe decidir se o pacto invocado perante si respeita a 'todos os litígios' sobre a interpretação, execução ou 'qualquer outra questão' relativa ao contrato visa igualmente qualquer contestação da validade desse contrato».

E continua esse acórdão dizendo: «assim, há que responder à terceira questão no sentido de que o órgão jurisdicional de um Estado contratante, designado num pacto atributivo de jurisdição validamente celebrado na perspectiva do artigo 17, 1.º parágrafo da convenção [hoje, artigo 23.º do Regulamento (CE) n.º 44/2001], também tem competência exclusiva quanto à acção visando, nomeadamente, a declaração de regularidade do contrato onde se inscreve a referida cláusula.» 3 - Face ao exposto, concede-se provimento ao agravo, revogando-se a decisão agravada e repristinando-se o decidido em 1.ª instância.

E uniformiza-se a jurisprudência no sentido seguinte:

«A cláusula de atribuição de jurisdição inserida num contrato de agência mantém-se em vigor para todas as questões de natureza cível, mesmo que relativas ao respectivo regime de cessação.» Custas em todas as instâncias pela autora.

Lisboa, 28 de Fevereiro de 2008. - Rodrigues dos Santos (relator) - Duarte Soares - Azevedo Ramos - Silva Salazar - Sebastião Povoas - Moreira Alves (subscrevo a declaração de voto do Exmo. Conselheiro Salvador da Costa) - Salvador da Costa (com declaração de voto que junto) - Ferreira de Sousa - Santos Bernardino - Nuno Cameira - Alves Velho (com a declaração que subscrevo as declarações de voto dos Srs. Conselheiros Salvador da Costa e Prazeres Beleza) - Camilo Moreira Camilo (subscrevo a declaração de voto do Exmo. Conselheiro Salvador da Costa) - Armindo Luís - Pires da Rosa - Bettencourt de Faria - Sousa Leite (subscrevo as declarações de voto dos Exmo.s Conselheiros Salvador da Costa e Maria dos Prazeres Beleza) - Salreta Pereira (subscrevo as declarações de voto dos Exmo.s Conselheiros Salvador da Costa e Maria dos Prazeres Beleza) - Custódio Montes - Pereira da Silva - João Bernardo - Urbano Dias (subscrevo as declarações de voto do Exmo. Conselheiro Salvador da Costa) - João Moreira Camilo - Paulo Sá (subscrevo as declarações de voto do Exmo. Conselheiro Salvador da Costa e Maria dos Prazeres Beleza) - Mota Miranda - Alberto Sobrinho - Oliveira Rocha (subscrevo as declarações de voto dos Exmo.s Conselheiros Salvador da Costa e Maria dos Prazeres Beleza) - Maria dos Prazeres Couceiro Pizarro Beleza (considero, todavia aplicável o regime constante do Regulamento 44/2001, nos termos do expressamente disposto no n.º 1 do seu artigo 66.º; cf., neste sentido, Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 16 de Dezembro de 2004) - Oliveira Vasconcelos - Fonseca Ramos - Mário Cruz - Rui Maurício (subscrevo as declarações de voto do Exmo. Conselheiro Salvador da Costa) - Cardoso de Albuquerque - Ernesto Calejo - Serra Baptista - Mário Mendes (dispenso o visto; acompanho a declaração de voto da conselheira Maria dos Prazeres Beleza) - Lázaro de Faria - Noronha Nascimento.

Declaração de voto

I - Estamos perante um contrato de agência celebrado entre uma sociedade portuguesa, com sede em Portugal, e uma sociedade italiana, com sede em Itália, no dia 2 de Dezembro de 1997, pelo prazo de um ano renovável, a primeira na posição de principal e a última na de agente, cuja execução ocorreu essencialmente em Portugal.

No referido contrato foi inserida pelas partes uma cláusula segundo a qual para qualquer controvérsia relativa ao presente contrato será exclusivamente competente o foro de Verbania, na Itália.

O contrato foi denunciado pela principal por via de declaração dirigida à agente no dia 22 de Setembro de 2004, e a última accionou a primeira em Portugal, formulando no seu confronto o pedido de indemnização por danos decorrentes da ilicitude da denúncia e da perda de clientela angariada.

II - A principal invocou a violação pela agente da referida cláusula privativa de jurisdição e argumentou no sentido da sua absolvição da instância, e a última, na réplica, expressou prender-se a causa de pedir com um contrato totalmente executado no território português ser manifesta a dificuldade de se deslocar ao estrangeiro para propor e acompanhar a acção, e que, por isso, era competente o tribunal português para o julgamento da causa nos temos do artigo 65.º, n.º 1, alíneas c) e d), do Código de Processo Civil.

Na fase da condensação, foi julgada procedente a excepção dilatória da incompetência relativa por preterição do pacto privativo de jurisdição e absolvida a principal da instância.

No âmbito do recurso de agravo interposto pela agente para a Relação, esta, revogando a sentença proferida pelo tribunal da 1.ª instância, julgou dever a causa ser apreciada nos tribunais portugueses.

Motivou a decisão na circunstância de estar findo o contrato de agência por denúncia da recorrida, subsistindo apenas para efeitos posteriores extremos relativamente à relação contratual, e de o litígio não se referir a controvérsia relativa ao contrato em questão e, por isso, não lhe ser aplicável o pacto de jurisdição em causa.

Na sequência, invocando o disposto na alínea b) do n.º 1 do Regulamento 44/2001, do Conselho, de 22 de Dezembro de 2000, considerou ser o contrato de agência uma subespécie do contrato de prestação de serviços, ter sido o que estava em causa desenvolvido exclusiva ou predominantemente em Portugal, referenciando o disposto no artigo 38.º do Decreto-Lei 171/86, de 3 de Julho, expressou só lhe dever ser aplicada lei diversa da portuguesa se ela se revelasse mais vantajosa para o agente.

De seguida, expressou não ter sido feita a prova de que o tribunal estrangeiro aplicaria lei mais vantajosa que a portuguesa e considerou competentes os tribunais portugueses para conhecer do litígio.

Acrescentou que, a não ser assim, se defraudaria a intenção do legislador de tutelar o agente no termo do contrato executado em Portugal, bastando para tal, a fim de se contornar o normativo imperativo do antigo 38.º do Decreto-Lei 171/86, de 3 de Julho, que em vez de se escolher o direito material estrangeiro para disciplinar a cessação do contrato se elegesse jurisdição estrangeira que o aplicasse.

É de salientar que a ora recorrida contrariou a defesa produzida pela recorrente com fundamento na circunstância de o contrato ter sido executado em território português, de ter a sua sede em Portugal e na dificuldade da sua deslocação ao estrangeiro para a propositura e acompanhamento da acção, daí extraindo a conclusão de a competência se inscrever nos tribunais portugueses nos temos do artigo 65.º, alíneas c) e d), do Código de Processo Civil.

Assim, a ora recorrida, embora sem a desejada clareza, invoca a invalidade de a aludida cláusula de eleição do foro sob o argumento de recair sobre matéria da exclusiva competência dos tribunais portugueses não ser justificada por um interesse sério de ambas as partes ou de uma delas e envolver inconveniente grave para a outra [artigos 65.º, n.º 1, alíneas c) e d), e 99.º, n.º 3, do Código de Processo Civil].

Por outro lado, naturalmente configurando o disposto no artigo 38.º do Decreto-Lei 171/86, de 3 de Julho, a Relação, em motivação subsidiária ou alternativa, considerou a irrelevância da referida cláusula de eleição do foro por virtude de não estar assente que o tribunal italiano aplicasse a lei substantiva mais favorável em relação à recorrente.

No fundo, nesta parte, seguiu a motivação expressa no Acórdão deste Tribunal de 5 de Novembro de 1998, em que se concluiu, em situação quase similar, pela nulidade do pacto de jurisdição em que se estabelecia ser o foro italiano o exclusivamente competente para conhecer da controvérsia concernente a um contrato de concessão comercial (Colectânea de Jurisdição, ano vi, t. 3, p. 97).

III - O objecto essencial do litígio é saber se, extinto um contrato de agência por denúncia do principal, deve ou não considerar-se a acção de indemnização pelo prejuízo derivado da ilegalidade do pré-aviso de denúncia abrangida pela cláusula no sentido de que para qualquer controvérsia a ele relativa será competente o foro italiano.

O acórdão da Relação reportou-se a duas questões, uma, principal, relativa ao âmbito da cláusula de eleição do foro, e a outra, subsidiária, concernente à sua validade em função da sua consequência no plano da aplicação do pertinente direito substantivo.

Este Tribunal, ao invés da Relação, considerou à mencionada abrangência, mas não se pronunciou sobre a validade da cláusula, nem, apesar da divergência jurisprudencial existente, expressou a propósito algum segmento uniformizador.

Todavia, dado o relevo desta matéria, considerando a posição desenvolvida pelas partes nos articulados da acção e o conteúdo da sentença proferida no tribunal da 1.ª instância e do acórdão da Relação, havia fundamento e utilidade para que também quanto a este ponto se proferisse segmento decisório uniformizador.

O disposto nos artigos 2.º, n.º 1, e 66.º, n.º 1, do Regulamento 44/2001, do Conselho, de 22 de Dezembro, e a circunstância de a acção, cujos sujeitos são sociedades sedeadas em Estados membros da União Europeia, ter sido interposta no domínio da vigência daquele Regulamento, não implicam que a questão da invalidade ou invalidade do pacto de jurisdição em causa deva ser resolvida por via da sua aplicação.

Com efeito, a validade do pacto de jurisdição em causa deve ser determinada harmonia com a lei de processo que vigorava aquando da sua celebração (artigo 12.º, n.º 1, do Código Civil).

É-lhe aplicável, em virtude da primazia do direito comunitário, no quadro da sucessão de leis no tempo, não o disposto no artigo 99.º, n.º 3, do Código de Processo Civil, mas, exclusivamente, o disposto no artigo 17.º da Convenção de Bruxelas.

Confrontando o conteúdo declarativo da cláusula contratual de natureza processual em que o pacto de jurisdição em causa se consubstancia e o disposto no artigo 17.º, primeira e quinta partes, a conclusão é no sentido de que aquela se conforma com estes normativos.

O conteúdo do direito substantivo aplicável às relações jurídicas controvertidas, ou a maior ou menor dificuldade de uma das partes accionar a outra no tribunal estrangeiro, ou a dúvida sobre se esse tribunal aplicará ou não a lei substantiva mais ou menos favorável ao agente são circunstâncias irrelevantes para a determinação da validade ou não do pacto de jurisdição.

Com efeito, o pacto de jurisdição está a montante da questão da lei substantiva aplicável à relação jurídica controvertida, e não há qualquer fundamento legal para fazer depender a sua validade das vicissitudes de determinação da lei substantiva aplicável, seja o disposto no artigo 38.º do Decreto-Lei 171/86, de 3 de Julho, seja a Convenção da Haia de 1978, seja a Convenção de Roma sobre a Lei Aplicável às Obrigações Contratuais de 1980, ou da sua aplicação pelo tribunal competente em conformidade com o convencionado.

O resto, isto é, a amplitude objectiva do pacto de jurisdição, tem a ver com a interpretação da vontade negocial, a que é aplicável, conforme se considera no acórdão, o disposto nos artigos 236.º, n.º 1, e 238.º, n. 1, do Código Civil.

IV - Pelo exposto, além de revogar o acórdão recorrido, uniformizaria a jurisprudência nos temos seguintes:

1 - O pacto de jurisdição para conhecer de qualquer controvérsia relativa a um contrato de agência abrange a acção em que o agente faz valer contra o principal uma pretensão de indemnização fundada no prejuízo decorrente da sua denúncia com violação da cláusula de pré-aviso e do benefício dá angariação de clientela.

2 - A origem do direito substantivo aplicável pela jurisdição eleita ou a maior ou menor dificuldade no accionamento em jurisdição estrangeira da União Europeia são insusceptíveis de implicar a nulidade do pacto de jurisdição. - Salvador da Costa.

Anexos

  • Texto integral do documento: https://dre.tretas.org/pdfs/2008/04/03/plain-231784.pdf ;
  • Extracto do Diário da República original: https://dre.tretas.org/dre/231784.dre.pdf .

Ligações deste documento

Este documento liga aos seguintes documentos (apenas ligações para documentos da Serie I do DR):

  • Tem documento Em vigor 1979-09-18 - Decreto 101/79 - Ministério dos Negócios Estrangeiros - Serviços Jurídicos e de Tratados

    Aprova, para ratificação, a Convenção sobre a Lei Aplicável aos Contratos de Mediação e à Representação.

  • Tem documento Em vigor 1985-10-25 - Decreto-Lei 446/85 - Ministério da Justiça

    Aprova o regime jurídico das cláusulas contratuais gerais.

  • Tem documento Em vigor 1986-06-30 - Decreto-Lei 171/86 - Ministério das Finanças - Secretaria de Estado do Tesouro

    Autoriza a Junta do Crédito Público a recorrer a oficinas privadas nacionais para execução de títulos e certificados da dívida pública.

  • Tem documento Em vigor 1986-07-03 - Decreto-Lei 178/86 - Ministério da Justiça

    Regulamenta o contrato de agência ou representação comercial.

  • Tem documento Em vigor 1993-04-13 - Decreto-Lei 118/93 - Ministério da Justiça

    ALTERA O REGIME JURÍDICO DO CONTRATO DE AGÊNCIA, TRANSPONDO PAR A ORDEM JURÍDICA INTERNA A DIRECTIVA 86/653/CEE (EUR-Lex) DO CONSELHO, DE 18 DE DEZEMBRO DE 1986. O REGIME JURÍDICO ORA CONSAGRADO APLICAR-SE-A A PARTIR DE 1 DE JANEIRO DE 1994 AOS CONTRATOS CELEBRADOS ANTES DA ENTRADA EM VIGOR DO PRESENTE DIPLOMA.

  • Tem documento Em vigor 2003-03-08 - Decreto-Lei 38/2003 - Ministério da Justiça

    Altera o Código de Processo Civil, o Código Civil, o Código do Registo Predial, o Código dos Processos Especiais de Recuperação da Empresa e de Falência, o Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), o Código de Processo do Trabalho, o Código dos Valores Mobiliários e legislação conexa, alterando o regime jurídico da acção executiva.

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