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Acórdão 157/2008, de 16 de Abril

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Sumário

Julga inconstitucional a norma constante do n.º 2.º, n.º 1, da Portaria n.º 52/91, de 18 de Janeiro, interpretada no sentido de restringir aos meios de prova de natureza documental os meios de prova utilizáveis para o reconhecimento, no âmbito do sistema de segurança social português, dos períodos contributivos verificados nas caixas de previdência de inscrição obrigatória dos territórios das ex-colónias portuguesas até à independência desses territórios

Texto do documento

Acórdão 157/2008

Processo 784/07

Acordam na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional,

1. Relatório

O representante do Ministério Público no Tribunal Central Administrativo Norte (TCAN) interpôs recurso para o Tribunal Constitucional, ao abrigo da alínea a) do n.º 1 do artigo 70.º da lei de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional, aprovada pela Lei 28/82, de 15 de Novembro, e alterada, por último, pela Lei 13-A/98, de 26 de Fevereiro (LTC), contra o acórdão do referido Tribunal, de 21 de Junho de 2007, "em que foi recusada a aplicação do preceituado no artigo 5.º, n.º 1, da Portaria 52/91, de 18 de Janeiro, por julgada materialmente inconstitucional, por violação do princípio constitucional da igualdade consagrado no artigo 13.º da Constituição da República Portuguesa, quando interpretada no sentido de restringir os meios de prova apresentados ao abrigo do artigo 5.º, n.º 2, do Decreto-Lei 335/90, exclusivamente aos de natureza documental".

O acórdão recorrido concedeu provimento ao recurso jurisdicional interposto por Abel Coelho contra a sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel, de 6 de Dezembro de 2006 (que negara provimento ao recurso contencioso em que pedia a anulação do despacho de 14 de Maio de 2001 do Chefe de Repartição do Centro Regional de Segurança Social do Norte - Serviço Sub-Regional de Braga, que lhe indeferiu requerimento com vista ao reconhecimento do período contributivo efectuado na ex-colónia de Angola), revogou a sentença recorrida, concedeu provimento ao recurso contencioso e anulou o acto impugnado.

O acórdão ora recorrido assentou na seguinte fundamentação jurídica:

"II. O recorrente contencioso pediu ao tribunal a anulação do acto que lhe indeferiu a pretensão de reconhecimento do período contributivo efectuado na ex-colónia de Angola (província de Huambo), apontando-lhe, para tal, violação dos artigos 5.º, n.º 2, do Decreto-Lei 335/90, de 29 de Outubro, e 5.º, n.º 1, in fine, da Portaria 52/91, de 18 de Janeiro.

O tribunal negou-lhe razão, por entender, fundamentalmente, que ele não comprovou ter feito quaisquer contribuições (artigo 5.º, n.º 2, do Decreto-Lei 335/90), e ser impossível à Segurança Social proceder, agora, ao conhecimento oficioso das mesmas (artigo 5.º, n.º 1, in fine, da Portaria 52/91).

Inconformado com o assim decidido, o recorrente alega que a falta de prova dos períodos contributivos não o deve prejudicar, sob pena de violação do princípio constitucional da igualdade (artigo 13.º da CRP), e que o seu pedido de reconhecimento do período contributivo não deveria ter sido indeferido sem que a Segurança Social diligenciasse, oficiosamente, pela sua comprovação, sob pena de violação do artigo 5.º, n.º 1, in fine, da Portaria 52/91, de 18 de Janeiro.

III. Na sequência do processo de descolonização, aqueles que tinham trabalhado nas nossas ex-colónias, e que aí tinham efectuado contribuições para instituições de previdência, ficaram numa situação injusta no regresso a Portugal: apesar dessas contribuições, poderia acontecer não só não terem direito ao pagamento de qualquer pensão de invalidez, velhice ou sobrevivência, mas também não serem reembolsados dos quantitativos que, a esse título, tinham pago naqueles territórios - ver preâmbulo do diploma referido de seguida.

Foi esta situação de injustiça que o legislador reconheceu, e mediante o Decreto-Lei 335/90, de 29 de Outubro, pretendeu reparar (este diploma foi sendo alterado pelos Decretos-Leis 45/93, de 20 de Fevereiro, 401/93, de 3 de Dezembro, 278/98, de 11 de Setembro e 465/99, de 5 de Novembro).

Assim, este diploma veio reconhecer, no âmbito do sistema de segurança social português, os períodos contributivos verificados nas caixas de previdência de inscrição obrigatória dos territórios das ex-colónias até à independência desses territórios às pessoas que preenchessem cumulativamente os seguintes requisitos: a) Tenham exercido nos territórios das ex-colónias portuguesas actividade profissional por conta de outrem ou por conta própria; b) Não recebam dos novos Estados de expressão oficial portuguesa a protecção social correspondente aos períodos contributivos verificados; c) Residam em Portugal (alínea alterada pelo Decreto-Lei 465/99 para «residam ou não em Portugal»); d) Não sejam pensionistas de qualquer regime de protecção social de inscrição obrigatória - artigo 1.º, n.º 1.

No tocante à prova desses períodos contributivos, estipula o referido diploma que a abertura do processo para o reconhecimento dos períodos contributivos em questão depende da apresentação de requerimento do interessado instruído com: a) Documentos que constituam meio de prova legal da sua identificação e residência (alínea alterada pelo Decreto-Lei 465/99 para «documentos que constituam meio de prova legal da sua identificação»); b) Documento que constitua meio de prova dos períodos contributivos cujo reconhecimento se pretende e de que não está a ser atribuída a protecção social correspondente à carreira contributiva verificada nas ex-colónias; c) Documento que constitua meio de prova de que a atribuição de pensões integrava o esquema de benefícios da caixa de previdência de inscrição obrigatória em causa - artigo 3.º.

Quanto ao meio de prova exigido por esta última alínea b), o mesmo diploma prescreve o seguinte no seu artigo 5.º:

«1 - Constitui documento comprovativo referido na alínea b) do artigo 3.º a certidão emitida pela instituição de previdência que abrangeu o interessado ou instituição que lhe tenha sucedido, donde conste o correspondente registo de salários, bem como a indicação de não lhe estar a ser concedida a correspondente protecção social.

2 - Na falta do meio de prova indicado no n.º 1, poderão ser aceites quaisquer outros que indiquem claramente os períodos contributivos verificados, bem como a correspondente situação de desprotecção.

3 - Os meios de prova a que se refere o número anterior são apreciados pela instituição de segurança social competente, em processo administrativo, cujos termos são objecto de regulamentação por portaria do membro do Governo responsável pela área da Segurança Social.»

No cumprimento da última parte deste n.º 3, foi publicada a Portaria 52/91, de 18 de Janeiro, visando estabelecer os termos desse processo administrativo para apreciação dos meios de prova apresentados pelos requerentes do reconhecimento, sempre que não disponham do meio de prova específico indicado no artigo 5.º, n.º 1, do Decreto-Lei 335/90.

Nela (Portaria), sobre a natureza e características desses meios de prova, prescreve-se que devem ter natureza documental, nomeadamente certidões, certificados ou declarações escritas dimanadas de pessoas ou entidades que, por dever funcional, estivessem em situação que lhes permitisse ter conhecimento directo da situação contributiva do requerente, sendo que do conjunto desses elementos deve resultar claramente a comprovação dos períodos de contribuição - artigo 2.º, n.os 1 e 2. Acrescenta que a situação de desprotecção social relativamente aos períodos contributivos invocados bem como ao facto de não ter havido lugar ao reembolso das contribuições pagas deve constar desses elementos documentais, ou, se assim não for, deve ser declarada sob compromisso de honra em documento a subscrever pelo requerente - artigo 2.º, n.º 3.

Sempre que os requerentes não instruam o requerimento com tais meios de prova, devem as instituições proceder ao seu recebimento e notificar os requerentes para os apresentarem, no prazo máximo de 60 dias, sob pena de o processo ser arquivado, sem prejuízo de eventual reabertura - artigo 3.º da Portaria.

E quando, em resultado de apreciação no seio da instituição competente, os meios de prova forem considerados insuficientes ou inadequados, deve o requerente ser de novo notificado para, no prazo máximo de 60 dias, apresentar outros meios de prova de que eventualmente disponha ou que possa obter, sob pena de o seu pedido de reconhecimento vir a ser indeferido, salvo quando a instituição os possua ou deles possa ter conhecimento oficioso - artigo 5.º, n.º 1, da Portaria.

Da ponderação destas pertinentes normas legais, verifica-se que dominou a pena do legislador um desígnio de justiça social e uma preocupação de rigor probatório.

Justiça social porque se pretendeu que os retornados das ex-colónias não vissem desvalorizadas as contribuições que haviam feito naqueles territórios para as instituições de previdência ali existentes, e, por isso, não sentissem que as mesmas tinham sido em vão. Este reconhecimento dos períodos contributivos feitos nas ex-colónias significava, pois, e muito justamente, que os mesmos deveriam ser considerados como se tivessem acontecido no Portugal europeu.

Rigor probatório porque o legislador do Decreto-Lei 335/90 sublinha a exigência de prova que indique claramente os períodos contributivos verificados, bem como a correspondente situação de desprotecção (artigo 5.º, n.º 2), dando clara primazia aos meios de prova de natureza documental (artigo 3.º), enquanto o legislador da Portaria 52/91 acaba por restringir a prova dos períodos contributivos aos meios de prova de natureza documental (artigo 2.º, n.º 1), apenas permitindo que, caso ela não exista, a situação de desprotecção social relativamente aos períodos contributivos invocados, bem como o facto de não ter havido reembolso das contribuições pagas, seja declarada sob compromisso de honra em documento a subscrever pelo requerente (artigo 2.º, n.º 3).

Ora, é precisamente a esta restrição da prova dos pertinentes períodos contributivos aos meios de prova de natureza documental que o recorrente reage, alegando que a mesma viola o princípio constitucional da igualdade, pois que, esgrimindo o seu caso concreto, ele não pode ser prejudicado por não dispor, sem culpa sua, da documentação que lhe é exigida e que lhe é impossível obter porque desaparecida no turbilhão da guerra civil angolana.

IV. O princípio da igualdade, segundo o qual todos os cidadãos têm a mesma dignidade social e são iguais perante a lei (artigo 13.º, n.º 1, da CRP), é aqui invocado pelo recorrente como constituindo um limite à discricionariedade legislativa.

Conforme a jurisprudência tem vindo a afirmar repetidamente, o princípio da igualdade, como limite da discricionariedade legislativa, não exige o tratamento igual de todas as situações, mas implica, antes, que sejam tratados igualmente os que se encontram em situações iguais e tratados desigualmente os que se encontram em situações desiguais, de maneira a não serem criadas discriminações arbitrárias e irrazoáveis, porque carecidas de fundamento material bastante. O princípio da igualdade não proíbe que se estabeleçam distinções, mas sim distinções desprovidas de justificação objectiva e racional - ver, entre muitos outros, Acórdãos do Tribunal Constitucional n.º 468/96, de 14 de Março de 1996, Processo 87/95; n.º 1057/96, de 16 de Outubro de 1996, Processo 347/91; n.º 128/99, de 3 de Março de 1999, Processo 140/97; n.º 254/2000, de 23 de Maio de 2000; e n.º 426/2001, de 16 de Novembro de 2001.

Detectada, na lei, uma situação geradora de desigualdade, tudo está em saber se essa desigualdade se revela como discriminatória e arbitrária, por desprovida de fundamento material bastante, atenta a natureza e especificidade da situação, os efeitos tidos em vista pelo legislador, e o conjunto de valores e fins constitucionais.

Tudo consiste em saber, no nosso caso, por conseguinte, se ocorre efectivamente uma restrição da prova dos períodos contributivos aos meios de prova documental, e se, a ocorrer, redunda numa violação do princípio constitucional da igualdade.

É nossa convicção que tal restrição não ocorre no âmbito do preceituado no Decreto-Lei 335/90, mas ocorre, sim, na regulamentação do seu artigo 5.º, n.º 3, realizada pela Portaria 52/91.

Como é sabido, na interpretação da lei não basta atender à sua letra, se bem que esta seja sempre limite da mesma, mas dever-se-á ter em conta também a unidade do sistema jurídico, e, entre outros factores, as condições em que a lei foi elaborada (artigo 9.º do Código Civil), sendo que a sua razão de ser, o seu elemento racional e teleológico, constitui um subsídio da maior importância para determinar o sentido da norma - ver Baptista Machado, Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, Almedina, 2006, 15.ª reimpressão, páginas 182 e 183.

No presente caso, conhecendo como conhecemos o desígnio de justiça social prosseguido pelo Decreto-Lei 335/90, e devendo presumir-se que nele o legislador adoptou o regime probatório mais adequado à sua concretização, dificilmente se compreenderia que tivessem sido adoptadas restrições de meios de prova que, na prática, acabariam por inviabilizar, em muitos casos, a prova dos pressupostos do direito ao reconhecimento dos períodos contributivos efectuados. Seria, de algum modo, dar com uma mão o que se tira com a outra.

Assim, é com este sentido que deverá ser interpretado o artigo 5.º, n.º 2, do Decreto-Lei 335/90: na falta do meio de prova documental (a que o legislador dá clara preferência, desde logo pela certeza e pormenor que dele emana), poderá o interessado fazer prova dos períodos contributivos cujo reconhecimento pretende por quaisquer outros meios de prova, nomeadamente testemunhal, desde que os mesmos demonstrem claramente os períodos contributivos verificados.

É este o sentido que, tendo suporte na letra da lei, está de acordo com as exigências de igualdade decorrentes do artigo 13.º da CRP, e de acordo com a possibilidade de utilização de todos os meios de prova consagrada, no âmbito da instrução do procedimento administrativo, no artigo 87.º, n.º 1, do CPA.

A verdade é que ao falar, nessa norma (artigo 5.º, n.º 2, do Decreto-Lei 335/90), em quaisquer outros meios de prova, o legislador não distingue se está a falar dentro do âmbito da prova documental ou fora dele, pelo que deveremos entender que nela não se contém qualquer restrição a determinado meio de prova. De facto, e em princípio, quando a lei não distingue também o intérprete não deve distinguir, a não ser que haja razões sérias que justifiquem uma distinção - Antunes Varela, Revista de Legislação e de Jurisprudência, ano 123.º, página 30, e ano 124.º, página 39.

Nem se diga que a prova testemunhal, pela sua falibilidade, se mostra pouco adequada a gerar convicções relativas a pormenores sobre montantes de salários e respectivos descontos efectuados. É que, no caso, o mais importante é conseguir provar os períodos contributivos verificados, pois mesmo que o requerente não consiga provar em pormenor os registos de salários e descontos realizados, de modo a servir de base de cálculo do montante da pensão, desde que aquele período de garantia esteja determinado a lei prevê que lhe sejam atribuídos os mínimos do regime geral de segurança social (artigo 10.º da Portaria 52/91).

Temos, portanto, que não é correcto concluir que o legislador do Decreto-Lei 335/90, de 29 de Outubro, restringiu a prova dos períodos contributivos efectuados nas ex-colónias portuguesas ao meio de prova documental.

Mas o mesmo não se poderá afirmar da Portaria 52/91, de 18 de Janeiro. Esta, ao estabelecer os procedimentos necessários para apreciar os meios de prova apresentados ao abrigo do artigo 5.º, n.º 2, do Decreto-Lei 335/90, acaba por considerá-los como sendo exclusivamente de natureza documental, restringindo, dessa forma, o naipe de elementos probatórios que podem ser objecto de apreciação no âmbito do respectivo procedimento administrativo: os elementos que podem ser objecto de apreciação e constituir meios de prova dos períodos contributivos cujo reconhecimento é pretendido pelo requerente devem ter natureza documental, nomeadamente certidões, certificados ou declarações escritas dimanadas de pessoas ou entidades que, por dever funcional, estivessem em situação que lhes permitisse ter conhecimento directo da situação contributiva do requerente - artigo 5.º, n.º 1, da Portaria.

Como vem sendo sublinhado pela jurisprudência, o preceituado no artigo 13.º, n.º 1, da CRP convive mal com este tipo de restrição dos meios de prova no âmbito do procedimento administrativo - ver, a respeito, Acórdãos do STA (Pleno), de 18 de Maio de 2004, Recurso n.º 48 397, e de 5 de Julho de 2005, Recurso n.º 164/04.

Temos, pois, que, ao restringir os meios de prova dos períodos contributivos aos de natureza documental, o referido artigo 5.º, n.º 1, da Portaria 52/91, de 18 de Janeiro, acaba por desfavorecer, injustificadamente, todos aqueles que, por motivos que não lhes são imputáveis, não dispõem dos exigidos documentos por a eles já não poderem ter acesso.

Nessa medida, o artigo 5.º, n.º 1, da Portaria 52/91, de 18 de Janeiro, apresenta-se como materialmente inconstitucional, por violar o princípio da igualdade consagrado no artigo 13.º da CRP, sendo que, com este fundamento, deverá ser recusada a sua aplicação neste caso concreto.

Daqui decorre que a instituição de segurança social competente deverá permitir ao recorrente provar o invocado período contributivo (alegadamente realizado entre 25 de Janeiro de 1962 e 9 de Janeiro de 1975) através de outros meios probatórios, nomeadamente através das testemunhas por ele arroladas, cujos depoimentos deverão permitir que se conclua claramente os períodos contributivos verificados.

Deve, pois, ser dada razão ao recorrente no tocante às suas conclusões 1 a 8. Mas não assim, quanto às restantes.

De facto, quando na parte final do artigo 5.º, n.º 1, da Portaria 52/91 se impede a instituição de segurança social competente de indeferir o pedido de reconhecimento com base na insuficiência dos elementos de prova do período contributivo quando possua ou possa ter conhecimento oficioso desses elementos, não se está a inverter o ónus da prova dos pressupostos do direito ao reconhecimento, nem a atribuir à instituição de segurança social em causa um amplo dever de investigação.

Trata-se apenas, e à semelhança do que preceitua o artigo 87.º, n.º 2, do CPA, de dispensar o requerente de provar aqueles factos de que a segurança social já tenha conhecimento por outros meios que não os por ele trazidos ao respectivo procedimento administrativo - segundo o artigo 87.º, n.º 2, do CPA, não carecem de prova os factos notórios, bem como os factos de que o órgão competente tenha conhecimento em virtude do exercício das suas funções.

Isto é, e no dizer de Alberto dos Reis, dispensa-se a prova pelo particular mas não se dispensa a prova pelo órgão - Código de Processo Civil Anotado, III volume, páginas 264 e 265.

Ressuma do exposto que, sendo inaplicável, por materialmente inconstitucional, a restrição de meios probatórios fixada no artigo 5.º, n.º 1, da Portaria 52/91, de 18 de Janeiro, deveria ter sido permitido ao recorrente provar o respectivo período contributivo mediante a pretendida prova testemunhal, ao abrigo do disposto no artigo 5.º, n.º 2, do Decreto-Lei 335/90, de 29 de Outubro.

Na medida em que assim não entenderam, a sentença recorrida deve ser revogada, na parte pertinente, e o recurso contencioso julgado procedente, sendo anulado o despacho administrativo nele impugnado com fundamento na violação do artigo 5.º, n.º 2, do Decreto-Lei 335/90, de 29 de Outubro."

No Tribunal Constitucional, o representante do Ministério Público apresentou alegações, no termo das quais formulou as seguintes conclusões:

"1.º - A norma constante do artigo 5.º, n.º 1, da Portaria 52/91, de 18 de Janeiro, interpretada em termos de estabelecer uma limitação absoluta à prova documental a apresentar por parte do interessado que pretende obter o reconhecimento dos períodos contributivos para a previdência no território das ex-colónias, mesmo nos casos em que esteja comprovada a impossibilidade objectiva de obter os documentos necessários pelo onerado com tal prova, envolve restrição ou limitação substancial ao direito cujo reconhecimento se pretende efectivar, conexionado com o princípio constitucional da contribuição de todo o tempo de trabalho para o cálculo das pensões (artigo 63.º, n.º 4, da Constituição).

2.º - Tal restrição - para além de desproporcionada e injustificada (e, nessa medida, violadora dos artigos 13.º e 18.º da Constituição) - nunca poderia decorrer de mera norma regulamentar.

3.º - Termos em que deverá confirmar-se o julgamento de inconstitucionalidade feito pela decisão recorrida."

O recorrido contra-alegou, aduzindo:

"1 - Abel Coelho, recorrido nos autos de recurso supra identificados, tendo sido notificado para, querendo, contra-alegar, vem dizer que secunda inteiramente e aplaude o teor da douta alegação apresentada pelo Digníssimo Procurador-Geral-Adjunto que pugna pela confirmação do julgamento de inconstitucionalidade feita pela decisão recorrida da norma regulamentar constante no artigo 5.º, n.º 1, da Portaria 52/91, de 18 de Janeiro, na medida em que restringe os meios probatórios a apresentar por parte do interessado que pretende obter o reconhecimento dos períodos contributivos efectuados para a previdência no território das ex-colónias à prova documental, mesmo nos casos de comprovada impossibilidade objectiva por parte do onerado com tal prova de obter os respectivos documentos.

2 - Tal restrição é materialmente inconstitucional, uma vez que limita substancialmente a tutela efectiva do direito ao reconhecimento dos referidos períodos contributivos, em total arrepio aos princípios constitucionais de justiça social, da contribuição de todo o tempo de trabalho para o cálculo das pensões, da legalidade, da proporcionalidade e adequação que dominam o Decreto-Lei 335/90, de 29 de Outubro - cf. artigos 13.º, 18.º, 63.º, n.º 4, e 268.º, n.º 4, da Constituição da República Portuguesa."

Tudo visto, cumpre apreciar e decidir.

2. Fundamentação

2.1. O Decreto-Lei 335/90, de 29 de Outubro, veio proclamar, no n.º 1 do seu artigo 1.º, que: "Têm direito ao reconhecimento, no âmbito do sistema de segurança social português, dos períodos contributivos verificados nas caixas de previdência de inscrição obrigatória dos territórios das ex-colónias portuguesas até à independência desses territórios as pessoas que preencham cumulativamente os seguintes requisitos: a) Tenham exercido nos territórios das ex-colónias portuguesas actividade profissional por conta de outrem ou por conta própria; b) Não recebam dos novos Estados de expressão oficial portuguesa a protecção social correspondente aos períodos contributivos verificados; c) Residam em Portugal; d) Não sejam pensionistas de qualquer regime de protecção social de inscrição obrigatória", esclarecendo o n.º 2 que "O direito a que se refere o número anterior apenas engloba os períodos contributivos verificados em caixas de previdência de inscrição obrigatória, cujo esquema de benefícios incluísse a atribuição de pensões e em relação aos quais não se tenha verificado reembolso de contribuições".

A justificação para o reconhecimento deste direito consta do preâmbulo do diploma, onde se salienta que:

"O sistema de previdência social português vigente até à Constituição da República de 1976 não incluía no seu âmbito os territórios das ex-colónias que constituíam o então chamado ultramar.

Por outro lado, nos referidos territórios não chegaram a ser criados verdadeiros sistemas de protecção social organizados, não obstante a existência de algumas instituições com as características que então tinham as caixas de previdência.

Com a descolonização e consequente independência dos novos Estados de expressão oficial portuguesa, procurou o sistema de segurança social enquadrar de forma adequada a generalidade das situações dos desalojados.

Para além de diversas formas de apoio ao retorno e à integração social de nacionais residentes nas antigas colónias, foi criado o regime especial de protecção social dos desalojados. O respectivo diploma (Decreto-Lei 259/77, de 21 de Junho) deixou de vigorar por força do Decreto-Lei 351/81, de 26 de Dezembro, já que os mecanismos instituídos permitiram que os interessados adquirissem um estatuto análogo ao da restante população portuguesa, circunstância que determinou a sua integração no regime geral de segurança social.

É certo que, pelas limitações daquele diploma, muitas pessoas ficaram sem protecção social adequada ao período de actividade profissional exercida nas ex-colónias.

Deste modo, justificou-se a elaboração de um projecto de diploma que visa permitir o pagamento retroactivo de contribuições às pessoas que, tendo exercido actividade profissional naqueles territórios, não puderam contribuir para quaisquer instituições.

No entanto, casos houve em que de facto ocorreram descontos obrigatórios para caixas de previdência, mas em que, por força das vicissitudes do processo de descolonização, os interessados estão impossibilitados de fazer valer os seus direitos.

Para colmatar as lacunas de protecção social daí decorrentes importa legislar em conformidade, já que os outros dispositivos legais são inadequados para o efeito.

Independentemente da forma de protecção aos beneficiários dessas instituições por parte dos novos Estados e dos termos a desenvolver pelas tarefas de cooperação, verificam-se situações em que se fixaram relações jurídicas de seguro social obrigatório, sem a correspondente contrapartida em prestações.

Assim, não estando presentemente, através de convenção bilateral de segurança social, assegurados os direitos emergentes desse quadro jurídico, considera-se justificado atender as situações de beneficiários que, abrangidos por aquelas instituições de previdência, das mesmas não recebem qualquer protecção nem foram reembolsados dos quantitativos pagos a título de contribuições.

Por conseguinte, o Estado Português não deverá deixar de solver os seus compromissos e procurar garantir expectativas legitimamente formadas e que, ao tempo, eram enquadráveis de direito."

O artigo 2.º deste diploma apontava como objectivos do reconhecimento dos períodos contributivos "o preenchimento dos prazos de garantia necessários para concessão de pensões de invalidez, velhice e sobrevivência" e "o registo de contribuições na carreira do beneficiário, por forma a completá-la, no sentido da melhoria quantitativa das prestações que, de futuro, lhe venham a ser atribuídas no âmbito do sistema de segurança social português".

Nos termos do artigo 3.º, "a abertura do processo para o reconhecimento dos períodos contributivos em questão depende da apresentação de requerimento do interessado instruído com: a) Documentos que constituam meio de prova legal da sua identificação e residência; b) Documento que constitua meio de prova dos períodos contributivos cujo reconhecimento se pretende e de que não lhe está a ser atribuída a protecção social correspondente à carreira contributiva verificada nas ex-colónias; c) Documento que constitua meio de prova de que a atribuição de pensões integrava o esquema de benefícios da caixa de previdência de inscrição obrigatória em causa".

Relativamente à prova dos períodos contributivos, dispunha o artigo 5.º:

"1 - Constitui documento comprovativo referido na alínea b) do artigo 3.º a certidão emitida pela instituição de previdência que abrangeu o interessado ou instituição que lhe tenha sucedido, donde conste o correspondente registo de salários, bem como a indicação de não lhe estar a ser concedida a correspondente protecção social.

2 - Na falta de meio de prova indicado no n.º 1, poderão ser aceites quaisquer outros que indiquem claramente os períodos contributivos verificados, bem como a correspondente situação de desprotecção.

3 - Os meios de prova a que se refere o número anterior são apreciados pela instituição de segurança social competente, em processo administrativo, cujos termos são objecto de regulamentação por portaria do membro do Governo responsável pela área da Segurança Social."

Com o objectivo (proclamado no seu n.º 1.º) de "estabelecer os termos do processo administrativo para apreciação dos meios de prova apresentados pelos requerentes de reconhecimento de períodos contributivos verificados nas caixas de previdência de inscrição obrigatória dos territórios das ex-colónias portuguesas, a que se refere o Decreto-Lei 335/90, de 29 de Outubro, quando os mesmos não disponham do meio de prova específico indicado no n.º 1 do artigo 5.º do mesmo decreto-lei", veio a Portaria 52/91, de 18 de Janeiro, estatuir no seu n.º 2.º, sob a epígrafe "Natureza e características dos meios de prova":

"1 - Os elementos que podem ser objecto de apreciação e constituir meios de prova dos períodos contributivos cujo reconhecimento é pretendido pelo requerente devem ser de natureza documental, nomeadamente certidões, certificados ou declarações escritas dimanadas de pessoas ou entidades que, por dever funcional, estivessem em situação que lhes permitisse ter conhecimento directo da situação contributiva do requerente.

2 - Do conjunto de elementos a que se refere o número anterior deve resultar claramente a comprovação dos períodos de contribuição.

3 - A situação de desprotecção social relativamente aos períodos contributivos invocados bem como o facto de não ter havido lugar ao reembolso das contribuições pagas deve constar dos documentos referidos no n.º 1 ou, se assim não for, deve ser declarada sob compromisso de honra em documento a subscrever pelo requerente."

O subsequente n.º 3.º previa a notificação dos interessados para apresentarem, no prazo máximo de 60 dias, sob pena de o processo ser arquivado, sem prejuízo de eventual reabertura, os meios de prova que deviam ter acompanhado o requerimento inicial, e o n.º 4.º que a apreciação desses elementos devia ser feita, no seio da instituição competente, no prazo máximo de 60 dias, por um conjunto de três funcionários da instituição, dispondo seguidamente o n.º 5, sob a epígrafe Insuficiência ou inadequação dos meios de prova:

"1 - Quando, em resultado da apreciação a que se refere o número anterior, forem considerados insuficientes ou inadequados os meios de prova, deve esta conclusão, devidamente fundamentada, ser comunicada ao requerente, que será notificado para, no prazo máximo de 60 dias, apresentar outros meios de prova de que eventualmente disponha ou que possa obter, sob pena de o seu pedido de reconhecimento vir a ser indeferido, salvo quando a instituição os possua ou deles possa ter conhecimento oficioso.

2 - Apresentados pelo requerente outros documentos comprovativos, há novo prazo de 60 dias para se proceder à sua apreciação."

Na interpretação feita pela decisão ora recorrida - interpretação cuja correcção não cabe ao Tribunal Constitucional sindicar, devendo aceitá-la como um dado da questão de constitucionalidade que lhe cumpre apreciar - , enquanto o Decreto-Lei 335/90, apesar de dar primazia à prova documental (seu artigo 3.º), admitia que, quanto à prova dos "períodos contributivos", na falta da "certidão emitida pela instituição de previdência que abrangeu o interessado ou instituição que lhe tenha sucedido, donde conste o correspondente registo de salários" (n.º 1 do artigo 5.º), pudessem ser aceites "quaisquer outros [meios de prova] que indiquem claramente os períodos contributivos verificados" (n.º 2 do artigo 5.º), nomeadamente prova testemunhal, já a Portaria 52/91, no seu n.º 2.º, restringiu os meios de prova admissíveis aos de natureza documental (só admitindo a sua substituição por declaração do requerente prestada sob compromisso de honra relativamente à prova da existência de situação de desprotecção social e do facto de não ter havido lugar ao reembolso das contribuições pagas, mas já não para prova dos períodos contributivos).

Acontece, porém, que, por óbvio lapso de escrita, a decisão recorrida por vezes refere-se ao n.º 2.º da Portaria 52/91 como se fosse o seu "artigo 5.º", erro que, por manifestamente revelado pelo próprio contexto da decisão, cumpre oficiosamente corrigir. Na verdade, no 13.º parágrafo da sua parte IV, a seguir à transcrição, em itálico, do teor do n.º 2.º, n.º 1, da Portaria 52/91, a sentença insere " - artigo 5.º, n.º 1, da Portaria". E a evidência do erro mais se patenteia quando, após ter concluído pela inconstitucionalidade material do (erradamente referido) "artigo 5.º, n.º 1, da Portaria", considera que já não assiste razão ao requerente quanto às demais questões suscitadas, a primeira das quais respeita justamente ao (agora acertadamente referido) "artigo 5.º, n.º 1, da Portaria 52/91", em cuja parte final, segundo o requerente, se impediria a instituição de segurança social competente de indeferir o pedido de reconhecimento com base na insuficiência dos elementos de prova do período contributivo quando possuísse ou pudesse ter conhecimento oficioso desses elementos.

Cumpre, pois, corrigir oficiosamente o manifesto erro material na identificação do n.º do preceito da Portaria a que se reporta a norma cuja aplicação foi recusada com fundamento em inconstitucionalidade - erro que contagiou o requerimento de interposição de recurso e as alegações de recorrente e recorrido - , uma vez que o mesmo se evidencia pelo próprio contexto da decisão e não se suscitam quaisquer dúvidas quanto à identificação da norma desaplicada.

Assinale-se, ainda, que embora da decisão recorrida resulte ter-se entendido que essa norma da Portaria representava a adopção de critério diverso do consagrado no decreto-lei que ela visou regulamentar, a razão explícita da recusa de aplicação da norma consistiu num juízo de inconstitucionalidade, que não num juízo de ilegalidade.

Constitui, assim, objecto do presente recurso a questão da inconstitucionalidade da norma constante do n.º 2.º, n.º 1, da Portaria 52/91, de 18 de Janeiro, que restringe aos de natureza documental os meios de prova utilizáveis para o reconhecimento, no âmbito do sistema de segurança social português, dos períodos contributivos verificados nas caixas de previdência de inscrição obrigatória dos territórios das ex-colónias portuguesas até à independência desses territórios.

2.2. O direito à tutela jurisdicional efectiva para defesa dos direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos, genericamente proclamado no artigo 20.º, n.º 1, e, especificamente no âmbito do contencioso administrativo, no artigo 268.º, n.º 4, da Constituição da República Portuguesa (CRP), implica, como já se assinalou no Acórdão 86/88 e posteriormente foi repetidamente reafirmado na jurisprudência deste Tribunal, "um direito a uma solução jurídica dos conflitos, a que se deve chegar em prazo razoável e com observância de garantias de imparcialidade e independência, possibilitando-se, designadamente, um correcto funcionamento das regras do contraditório, em termos de cada uma das partes poder «deduzir as suas razões (de facto e de direito), oferecer as suas provas, controlar as provas do adversário e discretear sobre o valor e resultados de umas e outras» (cf. Manuel de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, I, Coimbra, 1961, p. 364)".

Este direito à prova, integrante do direito à tutela jurisdicionalmente efectiva, tem necessariamente de valer também no âmbito do procedimento administrativo, quando - como no presente caso ocorre - , o acesso aos tribunais administrativos está legalmente condicionado à prévia provocação de uma decisão administrativa sobre a pretensão do interessado. Competindo, neste contexto, aos tribunais administrativos a fiscalização da legalidade dos actos emanados pelas autoridades administrativas, é óbvio que a restrição legal dos meios de prova utilizáveis pelos interessados no decurso do procedimento administrativo se repercute necessariamente na efectividade da defesa judicial da pretensão substantiva em causa.

Mas o direito à prova, como este Tribunal por diversas vezes recordou, não implica a total postergação de determinadas limitações legais aos meios de prova utilizáveis, desde que essas limitações se mostrem materialmente justificadas e respeitadoras do princípio da proporcionalidade.

Neste sentido, pode citar-se, designadamente, o Acórdão 395/89, que não julgou inconstitucionais as normas constantes da Base III, n.º 1, da Lei 7/70, de 9 de Junho, e do artigo 7.º, n.º 1, do Decreto 562/70, de 18 de Novembro, que exigiam dos requerentes de assistência judiciária (que não gozassem de qualquer presunção legal de insuficiência económica) que provassem a sua insuficiência económica mediante certidão de deliberação da junta de freguesia ou da câmara municipal das suas residências, por considerar que esta exigência, por um lado, se justificava pela consideração de que tal meio de prova era "mais seguro e adequado à descoberta da verdade, conhecida que é a falibilidade da prova testemunhal", e, por outro lado, não tornava o acesso aos tribunais "particularmente oneroso, uma vez que quem não tinha meios económicos bastantes para custear as despesas normais do pleito não tinha especial dificuldade na obtenção dos documentos exigidos".

Também o Acórdão 209/95 - que não julgou inconstitucional a norma do artigo 73.º, n.º 2, do Código das Expropriações de 1976, que apenas admitia a produção de prova testemunhal no processo especial de expropriação litigiosa quando tal fosse considerado indispensável pelo juiz de 1.ª instância, enquanto tribunal de recurso de arbitragem, juízo este reproduzido nos Acórdãos n.os 604/95, 744/95, 606/96, 607/96 e 131/97 - expendeu as seguintes considerações sobre o "direito à produção de prova":

"15. Importa acentuar que o direito de acesso à justiça comporta indiscutivelmente o direito à produção de prova (cf. M. Teixeira de Sousa, As Partes, o Objecto e a Prova na Acção Declarativa, Lisboa, 1995, págs. 228 e seguintes). Tal não significa, porém, que o direito subjectivo à prova implique a admissão de todos os meios de prova permitidos em direito, em qualquer tipo de processo e relativamente a qualquer objecto do litígio, ou que não sejam possíveis limitações quantitativas na produção de certos meios de prova (por exemplo, limitação a um número máximo de testemunhas arroladas por cada parte).

Bastará percorrer as normas de direito probatório constantes do Código Civil ou do Código de Processo Civil para verificar que há diversas proibições de utilização de certos meios de prova cuja constitucionalidade nunca foi posta em causa. Assim, quanto à prova confessória, há casos em que a lei a considera insuficiente para provar certos factos (por exemplo, um negócio jurídico solene em que sejam exigidas formalidades ad substantiam) ou inadmissível (por exemplo, por recair sobre facto cujo reconhecimento ou investigação a lei proíba ou sobre factos respeitantes a direitos indisponíveis - artigo 354.º do Código Civil). Também quanto à prova testemunhal, a mesma é considerada inadmissível quando a declaração negocial tiver de ser reduzida a escrito ou necessitar de ser provada por escrito, ou ainda quando o facto probando estiver «plenamente provado por documento ou outro meio com força probatória plena» (artigo 393.º, n.º 2, do Código Civil; vejam-se, porém, os artigos 393.º, n.º 3, e 394.º do mesmo diploma). Especialmente impressivo é o caso da prova do acordo simulatório e do negócio simulado: a prova testemunhal só é admissível se for um terceiro a arguir a simulação, mas já não é admissível quando esse acordo ou o negócio simulado forem invocados pelos próprios simuladores (artigo 394.º, n.os 2 e 3, do Código Civil).

Em muitos destes casos, a inadmissibilidade, estabelecida pela lei, de prova testemunhal tem como fundamento o juízo do legislador sobre as graves consequências de um testemunho inverídico, dada a especial falibilidade desse meio probatório. Tais casos de inadmissibilidade têm, porém, natureza excepcional e hão-de ter uma justificação racional.

Ora, no processo expropriativo, o legislador entende que, havendo uma decisão arbitral que fixa o valor da indemnização, no recurso dela interposto a impugnação do quantum indemnizatório implicará uma prova pericial exigente. Estando em causa a fixação do valor do bem ou direito expropriados - fixação que começou por ser feita na fase arbitral - , o juiz há-de valorar em especial a prova pericial, visto que os peritos são encarregados pelo tribunal de transmitir a este informações que devem colher, nomeadamente utilizando certos conhecimentos de natureza técnica (artigo 388.º do Código Civil). Sabendo-se que as testemunhas transmitem conhecimentos casualmente adquiridos, bem se compreende a enorme falibilidade do respectivo testemunho, nomeadamente quando está em causa a transmissão ao tribunal de informações sobre valores do mercado imobiliário, devendo a prova desses valores assentar, por regra, em documentos autênticos (como as alienações dos bens imóveis estão sujeitas a escritura pública, os valores dos preços constam desses documentos; só quanto aos contratos preliminares falta, em regra, a publicidade registral, podendo admitir-se a vantagem de produção de prova testemunhal, anda que muito falível, dado o carácter reservado, ou mesmo confidencial, da celebração de muitos contratos-promessa).

A opção do legislador constante da norma impugnada não se afigura arbitrária ou irrazoável. Como a fixação do valor de avaliação do bem expropriado, necessária para a atribuição do quantum indemnizatório, na fase de recurso há-de ser feita pelo juiz, que assim vai apreciar criticamente o outro valor a que se chegou no juízo arbitral, entendeu o legislador que os meios probatórios especialmente atendíveis deveriam ser a perícia, os documentos e a própria inspecção judicial. No que toca à prova pericial, o legislador entendeu que, em vez da opinião do «homem comum» ou a do «bom pai de família» - opiniões expressas em depoimentos de testemunhas - importava privilegiar a intervenção de peritos, por estes disporem de conhecimentos especiais que os julgadores não possuem por regra. Mas deixou, sempre, ao critério do juiz a audição de prova testemunhal.

Acrescente-se que a prova testemunhal sobre o valor de mercado de um bem não será susceptível, no comum dos casos, de esclarecer cabalmente o julgador, atentos os outros meios probatórios a que pode recorrer (prova documental, prova pericial e inspecção judicial). Seja como for, a lei não veda em absoluto a prova testemunhal no processo expropriativo. Na verdade, a lei confere um poder discricionário para ouvir o depoimento de pessoas que não sejam peritos, sempre que o repute indispensável, podendo valorar livremente esses depoimentos, tal como os laudos periciais (artigo 389.º do Código Civil).

Globalmente considerada a regulamentação dos meios probatórios no processo de expropriação, afigura-se que não é desproporcionada ou arbitrária a solução limitativa constante do n.º 2 do artigo 73.º do Código das Expropriações de 1976, porque tem justificação material, atendendo à natureza do litígio em causa e à fase processual de recurso em que ocorre a mesma limitação."

No Acórdão 452/2003 - que não julgou inconstitucionais as normas do artigo 7.º, n.os 4 e 5, do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares, na redacção anterior à Lei 30-G/2000, de 29 de Dezembro, interpretadas no sentido de que, no âmbito de um processo de impugnação da liquidação tributária, é vedado o recurso a meios de prova diversos dos que aí se deixam taxativamente elencados - , após se considerar que o conjunto de meios probatórios à disposição do contribuinte admitidos no n.º 5 do preceito (decisão judicial, acto administrativo, declaração do Banco de Portugal, reconhecimento pela Direcção-Geral dos Impostos), para ilidir a presunção estabelecida no n.º 4 (presunção de que foram feitos a título de lucros ou adiantamentos os lançamentos em quaisquer contas correntes dos sócios, escrituradas nas sociedades comerciais ou civis sob forma comercial, quando não resultem de mútuos, de prestação de trabalho ou do exercício de cargos sociais), era "suficientemente amplo para que se não possa falar numa restrição desproporcionada ou irrazoável de instrumentos de prova, susceptível de, na prática, converter uma presunção juris tantum numa presunção juris et de jure", sublinhou-se que "a garantia de acesso ao direito e aos tribunais prevista no artigo 20.º da Constituição não contempla a possibilidade de utilização irrestrita de todos os meios de prova em qualquer processo judicial (no caso, num processo de impugnação da liquidação tributária), nem proíbe o legislador de restringir o uso de certos instrumentos probatórios, desde que tal restrição não se configure como desproporcionada ou irrazoável".

Mais recentemente, no Acórdão 646/2006 - que julgou inconstitucional, por violação do artigo 20.º, n.º 1, em conjugação com o artigo 18.º, n.º 1, da CRP, a norma constante da parte final do n.º 3 do artigo 146.º-B do Código de Procedimento e de Processo Tributário, aprovado pelo Decreto-Lei 433/99, de 26 de Outubro, quando aplicável por força do disposto no n.º 8 do artigo 89.º-A da lei Geral Tributária, na medida em que exclui em absoluto a produção de prova testemunhal, nos casos em que esta é, em geral, admissível (juízo de inconstitucionalidade reiterado no Acórdão 24/2008) - , expendeu-se o seguinte:

"3.2. (...) partindo agora da premissa que o direito de acesso à justiça integra, inter alia, o direito de o interessado produzir demonstração dos factos que, na sua óptica, suportam o «direito» ou o «interesse» que visa defender pelo recurso aos tribunais, o problema que se põe há-de residir na formulação de um juízo que pondere se o legislador, ao editar a norma em análise, respeitou, proporcionada e racionalmente, aquele direito na vertente em questão, em termos de conduzir a que, para a generalidade de situações, o interessado se não veja constrito à impossibilidade de uma real defesa dos seus direitos ou interesses em conflito.

(...)

Ora, são cogitáveis situações em que, no que ora importa, a demonstração de que as «manifestações de fortuna» não produziram rendimentos diversos daqueles que foram trazidos às declarações se não alcança unicamente (ou, mais propriamente, não se pode alguma vez atingir) através de meios documentais, carecendo-se de prova testemunhal e, obviamente, nos casos em que esta seja admissível nos termos gerais de direito.

Nessas situações, perante a determinação ínsita na norma em causa, o interessado, perante uma, então, manifesta e, quiçá, insuperável, dificuldade em alcançar o objecto probandi, ver-se-ia postado numa impossibilidade de demonstrar os factos que suportavam os seus direitos ou interesses.

Essa limitação, que, em tais situações, redunda numa absoluta constrição de quanto à utilização desse específico meio de prova, não se revela ponderada e adequada em face do direito fundamental que deflui do n.º 1 do artigo 20.º da Constituição.

O direito à tutela judicial efectiva, como vincam Gomes Canotilho e Vital Moreira (Constituição da República Portuguesa Anotada, 3.ª edição, p. 164), «sob o ponto de vista da limitação do direito de defesa, verificar-se-á, sobretudo, quando a não observância ... de princípios gerais de processo acarreta a impossibilidade de o particular exercer o seu direito de alegar [e, acrescentar-se-á agora, de provar], daí resultando prejuízos efectivos para os seus interesses».

Também Jorge Miranda e Rui Medeiros (Constituição Portuguesa Anotada, tomo I, p. 190) referem que, muito embora disponha o legislador de uma ampla margem de liberdade na concreta modelação do processo, não sendo incompatível com a tutela jurisdicional a imposição de determinados ónus processuais às «partes», o que é certo é que o direito ao processo inculca que «os regimes adjectivos devem revelar-se funcionalmente adequados aos fins do processo e conformar-se com o princípio da proporcionalidade, não estando, portanto, o legislador autorizado, nos termos dos artigos 13.º e 18.º, n.os 2 e 3, a criar obstáculos que dificultem ou prejudiquem, arbitrariamente ou de forma desproporcionada, o direito de acesso aos tribunais e a uma tutela jurisdicional efectiva».

Neste circunstancialismo, e perante situações em que, face ao normativamente consagrado, a demonstração dos factos - que, no entendimento da «parte», conduzam à defesa do seu direito ou interesse legalmente protegido - não é possível, de todo, deixar de fazer-se através de prova testemunhal, desde que, repete-se, essa seja, nos termos gerais, legalmente admissível, claramente que vai ficar afectada aquela defesa, porventura tornando inviável ou inexequível o direito de acesso aos tribunais.

E, nesse contexto, a solução legislativa que isso consagre não pode deixar de considerar-se como desproporcionada e afectadora do direito consagrado no n.º 1 do artigo 20.º da lei Fundamental, pois que totalmente preclude uma apreciação e valoração dos factos invocados como consubstanciadores da pretensão deduzida em juízo."

Por último, na mesma linha do Acórdão precedentemente citado, cumpre invocar o Acórdão 681/2006 - que julgou inconstitucional, por violação do direito de acesso aos tribunais, consagrado no artigo 20.º, n.º 1, da CRP, em conjugação com o princípio da proporcionalidade, o artigo 146.º-B, n.º 3, do Código de Procedimento e de Processo Tributário, na parte em que veda em qualquer caso a possibilidade de o contribuinte produzir prova testemunhal no recurso da decisão da administração tributária que determina o acesso à informação bancária que lhe diz respeito - , do qual consta:

"Ora, importa justamente começar por salientar que, na averiguação da conformidade constitucional da solução limitativa consagrada na norma em apreço, o que está em causa não é a constitucionalidade da previsão de um acesso directo, isto é, sem prévia autorização judicial, da administração tributária à informação bancária para fins fiscais (...). Está apenas em causa a eventual inconstitucionalidade da solução normativa que se traduz na inadmissibilidade de o contribuinte produzir prova testemunhal no recurso da decisão da administração tributária que determina o acesso à informação bancária que lhe diz respeito.

Em particular, pergunta-se se tal substancial limitação probatória terá justificação razoável nos poderes atribuídos à administração tributária como concretização do interesse geral do acesso à informação bancária para fins fiscais. Ou, ainda, na especial falibilidade da prova testemunhal e no carácter mais exigente e seguro da prova documental, ou na respectiva ratio legis no carácter urgente do recurso interposto pelo contribuinte (artigo 146.º-D do CPPT).

Entende-se que a limitação em causa da norma em apreço importa uma lesão do direito à produção de prova ou do «direito constitucional à prova» (J. J. Gomes Canotilho, «O ónus da prova na jurisdição das liberdades - Para uma teoria do direito constitucional à prova», Estudos sobre direitos fundamentais, Coimbra Editora, 2004, p. 170), ínsito na garantia de acesso aos tribunais e «entendido como poder de uma parte (pessoa individual ou pessoa jurídica 'representar ao juiz a realidade dos factos que lhe é favorável' e de 'exibir os meios representativos desta realidade'».

Recorde-se que, nos termos do artigo 18.º, n.º 2, da Constituição, a restrição de uma garantia fundamental exige que se encontre na própria Constituição (pelo menos noutros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos) base para a limitação do direito em causa, bem como que esta se limite «ao necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos» (não podendo, por outro lado, nos termos do n.º 3 do mesmo artigo, «diminuir a extensão e o alcance do conteúdo essencial dos preceitos constitucionais»).

Ora, como vimos, existe a possibilidade de o legislador introduzir limites ao direito à produção de prova, ínsito no direito de acesso aos tribunais, consagrado no artigo 20.º, n.º 1, da Constituição, que podem ir até à exclusão de um meio de prova (não «pré-constituída») como é o depoimento de testemunhas. Mas é assim apenas desde que tal medida não exceda o necessário para a salvaguarda do interesse geral do acesso à informação bancária para fins fiscais, mantendo-se dentro do equilíbrio entre os poderes da administração tributária e os direitos dos contribuintes, sem impedir desnecessariamente o exercício de qualquer um deles.

É certo haver quem saliente (José Casalta Nabais, «Estado fiscal, cidadania fiscal e alguns dos seus problemas», Separata do Boletim de Ciências Económicas, vol. 45, 2002, pp. 611 e 609) que «o futuro provavelmente não nos reserva outro caminho senão o da crescente abertura da informação bancária às administrações tributárias dos Estados», dizendo-se também (J. Silva Lopes, in «Acesso do Fisco a informações protegidas pelo sigilo bancário», Forum Iustitiae - Direito e Sociedade, ano II, n.º 15, Setembro de 2000, p. 13) que «o direito à privacidade não deve ser utilizado para que uns contribuintes pratiquem, ao abrigo do sigilo bancário, delitos fiscais que, indirectamente, prejudicarão os demais contribuintes. É, por essa razão, que em quase todos os países da OCDE - a maioria dos quais com tradições democráticas bem mais sólidas do que Portugal - o direito à privacidade não impede as autoridades de terem amplo acesso às informações cobertas pelo sigilo bancário».

No entanto, a abertura do segredo bancário - cuja constitucionalidade, repete-se, não está, enquanto tal, agora em causa - há-de respeitar a possibilidade da sua impugnação, e de produção de prova nesta impugnação, estando, como está, em causa a comprovação e ou valoração dos factos que presidiram à emanação de um acto da administração tributária que contende com o segredo bancário dos contribuintes, e devendo rejeitar-se, por outro lado, a suficiência, para tal, de uma mera presunção de legalidade do acto administrativo, bem como um entendimento favorável à ampliação, na fase da instrução procedimental, dos poderes da administração tributária. Note-se, aliás, que o próprio artigo 87.º, n.º 1, do Código do Procedimento Administrativo, aprovado pelo Decreto-Lei 442/91, de 15 de Novembro, afirma que «o órgão competente deve procurar averiguar todos os factos cujo conhecimento seja conveniente para a justa e rápida decisão do procedimento, podendo, para o efeito, recorrer a todos os meios de prova admitidos em direito».

De harmonia com o disposto no artigo 266.º, n.º 2, da Constituição, «os órgãos e agentes administrativos estão subordinados à Constituição e à lei e devem actuar, no exercício das suas funções, com respeito pelos princípios da igualdade, da proporcionalidade, da justiça, da imparcialidade e da boa fé». Destes princípios decorre, para o nosso caso, que a prova a praticar, desde logo no procedimento administrativo, é, em regra (apenas, mas toda), aquela que contribua para aclarar os factos relevantes, de forma a saber se a administração excedeu, ou não, os limites de legalidade e constitucionalidade a que se encontra vinculada.

A garantia de um «processo leal», da qual decorre a igualdade de armas - aplicável também ao processo especial de derrogação do dever do sigilo bancário previsto nos artigos 146.º-A a 146.º-D do CPPT (bem como a todo o procedimento e processo tributários), como exigência que é do princípio do Estado de Direito, como este Tribunal teve ocasião de afirmar - , implica um quadro razoável de equilíbrio entre os poderes da administração tributária e os direitos dos contribuintes, sem aniquilação no caso concreto destes últimos. Daí o sistema de garantias dos contribuintes e os princípios do procedimento tributário estabelecidos na lei Geral Tributária (LGT), aprovada pelo Decreto-Lei 398/98, de 17 de Dezembro.

Este Tribunal tem reconhecido a liberdade de conformação do legislador no estabelecimento das regras sobre recursos em cada ramo processual, e tem admitido, por exemplo, o encurtamento de prazos processuais com fundamento em objectivos de eficácia, celeridade e economia processual. Compreende-se, por isso, a natureza urgente do recurso interposto pelo contribuinte ao abrigo do disposto no artigo 146.º-B do CPPT, o qual tem efeito suspensivo nas situações previstas no n.º 3 do artigo 63.º-B da LGT (artigo 63.º-B, n.º 5, da mesma LGT), o que ocasiona uma paralisação temporária dos efeitos jurídicos da decisão de acesso à informação bancária para fins fiscais, prolongando um estado de incerteza que importa seja o mais breve possível, quer no interesse da administração tributária, quer no dos contribuintes (dada a exigência ditada pelo artigo 20.º, n.º 5, da CRP, de que «para defesa dos direitos, liberdades e garantais pessoais, a lei assegura aos cidadãos procedimentos judiciais caracterizados pela celeridade e prioridade, de modo a obter a tutela efectiva e em tempo útil contra ameaças ou violações desses direitos»).

5. Já, porém, a impossibilidade decretada pela norma em sindicância - concretamente, a impossibilidade de, em qualquer caso, o contribuinte contestar através de prova testemunhal a veracidade da prova recolhida pela administração tributária, e independentemente de se reconhecer a esta uma certa liberdade de decisão sobre a pertinência de tal meio de prova apresentado pelo contribuinte - não se encontra suficientemente ancorada com os referidos objectivos de eficácia, celeridade e economia processual, afectando de forma constitucionalmente censurável o direito à produção de prova, ínsito no direito de acesso aos tribunais, consagrado no artigo 20.º, n.º 1, da Constituição, em conjugação com o princípio da proporcionalidade.

Na verdade, a norma em apreciação assenta na ideia de que, em sede de recurso de decisão da administração tributária que determina o acesso directo à informação bancária que diz respeito ao contribuinte, admitir-se ou valorar-se a prova testemunhal permitiria que a verdade fosse atraiçoada, pela própria falibilidade da prova, ou que o processo se protelasse excessivamente.

Todavia, não consentir o uso de prova testemunhal não é sempre o mesmo que sugerir o(s) meio(s) de prova mais oportuno(s) ou idóneo(s) sem exclusão dos demais meios de prova no caso concreto, significando antes vedar em abstracto um meio de prova que, em concreto, se pode revelar adequado à aclaração dos factos que fazem parte do objecto do processo especial de derrogação do dever de sigilo bancário, e que pode mesmo ser o único meio de prova disponível. Esta exclusão abstracta excede manifestamente o necessário para a prossecução dos interesses que o levantamento do sigilo bancário visa prosseguir, cerceando uma dimensão que pode ser essencial (o direito à produção de prova) da garantia de acesso ao direito e aos tribunais.

Tendo de operar-se uma ponderação de interesses contrapostos constitucionalmente reconhecidos, há que tomar em consideração que o princípio da proporcionalidade implicará uma solução que admita a produção de prova testemunhal, pelo menos quando esta na situação concreta não se revele contrária às finalidades tidas em vista, competindo então ao juiz avaliar e decidir sobre a oportunidade de admissão de tal meio de prova no caso concreto, considerando, também, os casos em que o recurso à prova testemunhal seja mesmo (como acontece no presente caso) o único meio de conhecer e ou de comprovar factos e elementos materiais dos quais dependa a subsistência da pretensão da administração tributária de derrogação do dever de sigilo bancário. Noutros casos - pode admitir-se - será já, possivelmente, de recusar fundadamente a prova testemunhal apresentada pelo contribuinte, quando a considere impertinente ou desnecessária à luz do interesse público que lhe compete prosseguir. Mas tratar-se-á, sempre, de uma limitação em concreto, e não de uma exclusão absoluta, e em abstracto, de um meio de prova que, repisa-se, pode bem ser o único de que é possível lançar mão no caso concreto para concretização da garantia constitucional de acesso ao direito e aos tribunais. Aliás, a eventual falibilidade da prova testemunhal pode ser considerada no âmbito da livre valoração consentida ao julgador.

A norma em apreço, na medida em que prevê uma proibição absoluta, e em abstracto, de o contribuinte produzir prova testemunhal no recurso da decisão da administração tributária que determina o acesso à informação bancária que lhe diz respeito, e em que, portanto, não permite em qualquer caso a autorização dessa prova pelo juiz quando ela se revele indispensável, é, portanto, inconstitucional, por violação do artigo 20.º, n.º 1, da Constituição, em conjugação com o princípio da proporcionalidade."

2.3. Recordada, sem pretensões de exaustão, a jurisprudência deste Tribunal sobre o "direito à produção de prova", impõe-se concluir que, no caso presente, se justifica a emissão de um juízo de inconstitucionalidade, tal como foi feito nos últimos dois Acórdãos citados.

Não se questiona a conformidade constitucional da primazia dada à prova documental pelo artigo 3.º do Decreto-Lei 357/90, quer atendendo à reconhecida menor fiabilidade da prova testemunhal, quer, sobretudo, tendo em conta a natureza dos factos que se pretendiam provar: a duração dos períodos contributivos e o registo de salários (cf. n.º 1 do artigo 5.º).

Mas o que surge como constitucionalmente intolerável é o radical afastamento, em abstracto, feito pelo n.º 2.º, n.º 1, da Portaria 52/91, na interpretação que lhe foi dada pela decisão recorrida, da possibilidade de recurso a outros meios de prova para além da documental, meios que, em concreto, se podem revelar como os únicos disponíveis quer por parte do interessado, quer oficiosamente por parte da Administração, de acordo quer com o princípio geral constante do artigo 87.º, n.º 1, do Código do Procedimento Administrativo ("O órgão competente deve procurar averiguar todos os factos cujo conhecimento seja conveniente para a justa e rápida decisão do procedimento, podendo, para o efeito, recorrer a todos os meios de prova admitidos em direito"), quer com o dever específico consagrado, para este especial procedimento, na parte final do n.º 5.º, n.º 1, da citada Portaria.

Esta indisponibilidade de meios de prova documentais foi, aliás, expressamente reconhecida, no caso, pela entidade contenciosamente recorrida, na sua resposta ao recurso contencioso (n.º 30, a fls. 20 destes autos), atenta a extinção da instituição de previdência (Sindicato Nacional dos Empregados do Comércio e Indústria da Província de Angola do Huambo - SNECIPA) para a qual o interessado terá efectuada contribuições, e o compreensível desaparecimento dos correspondentes arquivos, atentas as convulsões associadas ao processo de independência e de guerra civil vividas nesse território.

A admissibilidade de meios de prova não documental e designadamente testemunhal, neste domínio, não afasta, como é evidente, o poder da Administração de valorar a sua fiabilidade e suficiência para o apuramento dos factos em causa. Mesmo que se considere, à partida, de especial dificuldade a aferição, por prova testemunhal, dos concretos salários recebidos e descontos feitos pelo interessado durante o período contributivo em causa, cumpre não esquecer que, nos termos do n.º 9.º da Portaria 52/91, "o reconhecimento de períodos contributivos baseado nos meios de prova, a que se refere a presente portaria, produz efeitos apenas para o preenchimento dos períodos de garantia e para a formação da taxa global de pensões de invalidez, velhice e sobrevivência do regime geral de segurança social", e que o subsequente n.º 10.º prevê que, "quando, à data da atribuição dos benefícios referidos no número anterior, o beneficiário não apresente registo de remunerações efectivo que possa servir de base de cálculo e justificar a atribuição de pensões de montante superior, os valores das pensões a conceder com recurso ao reconhecimento dos períodos contributivos invocados são, desde que o respectivo prazo de garantia se encontre preenchido, os mínimos do regime geral de segurança social".

Conclui-se, assim, que a exclusão total e abstracta da admissibilidade de meios de prova não documental não se mostra imposta pela necessidade de prossecução de interesses constitucionalmente relevantes e, pelo contrário, surge como susceptível de afectar desproporcionadamente a efectividade da tutela jurisdicional de um direito constitucionalmente consagrado - o de ver relevar, para o cálculo das pensões de velhice e invalidez, todo o tempo de trabalho, independentemente do sector de actividade em que tiver sido prestado (artigo 63.º, n.º 4, da CRP) - , que comunga da fundamentalidade do direito à segurança social.

3. Decisão

Em face do exposto, acordam em:

a) Julgar inconstitucional, por violação do direito à tutela jurisdicional efectiva e do princípio da proporcionalidade (artigos 20.º, n.º 1, 268.º, n.º 4, e 18.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa), a norma constante do n.º 2.º, n.º 1, da Portaria 52/91, de 18 de Janeiro, interpretada no sentido de restringir aos de natureza documental os meios de prova utilizáveis para o reconhecimento, no âmbito do sistema de segurança social português, dos períodos contributivos verificados nas caixas de previdência de inscrição obrigatória dos territórios das ex-colónias portuguesas até à independência desses territórios; e, consequentemente,

b) Confirmar a decisão recorrida, na parte impugnada.

Sem custas.

Lisboa, 4 de Março de 2008. - Mário José de Araújo Torres (relator) - Benjamim Silva Rodrigues - João Cura Mariano - Joaquim de Sousa Ribeiro - Rui Manuel Moura Ramos.

Anexos

  • Extracto do Diário da República original: https://dre.tretas.org/dre/1669606.dre.pdf .

Ligações deste documento

Este documento liga aos seguintes documentos (apenas ligações para documentos da Serie I do DR):

  • Tem documento Em vigor 1970-06-09 - Lei 7/70 - Presidência da República

    Insere disposições relativas à assistência judiciária.

  • Tem documento Em vigor 1970-11-18 - Decreto 562/70 - Ministério da Justiça - Gabinete do Ministro

    Aprova o Regulamento da Assistência Judiciária nos Tribunais Ordinários.

  • Tem documento Em vigor 1977-06-21 - Decreto-Lei 259/77 - Presidência do Conselho de Ministros

    Institui o regime de protecção social para os desalojados.

  • Tem documento Em vigor 1981-12-26 - Decreto-Lei 351/81 - Ministérios do Trabalho e dos Assuntos Sociais

    Determina a integração dos desalojados abrangidos pelo regime do Decreto-Lei n.º 259/77, de 21 de Junho, no regime geral da segurança social.

  • Tem documento Em vigor 1982-11-15 - Lei 28/82 - Assembleia da República

    Aprova a organização, funcionamento e processo do Tribunal Constitucional - repete a publicação, inserindo agora a referenda ministerial.

  • Tem documento Em vigor 1990-10-29 - Decreto-Lei 335/90 - Ministério do Emprego e da Segurança Social

    Procede ao reconhecimento, no âmbito do sistema de segurança social português, dos períodos contributivos verificados nas caixas de previdência de inscrição obrigatória dos territórios das ex-colónias portuguesas.

  • Tem documento Em vigor 1990-11-10 - Decreto-Lei 357/90 - Ministério das Obras Públicas, Transportes e Comunicações

    Autoriza a desafectação de áreas do domínio público do Estado.

  • Tem documento Em vigor 1991-11-15 - Decreto-Lei 442/91 - Presidência do Conselho de Ministros

    Aprova o Código do Procedimento Administrativo, publicado em anexo ao presente Decreto Lei, que visa regular juridicamente o modo de proceder da administração perante os particulares.

  • Tem documento Em vigor 1993-02-20 - Decreto-Lei 45/93 - Ministério do Emprego e da Segurança Social

    ALARGA AOS PENSIONISTAS O ÂMBITO DO DECRETO LEI 335/90, DE 29 DE OUTUBRO (PROCEDE AO RECONHECIMENTO, NO ÂMBITO DO SISTEMA DE SEGURANÇA SOCIAL PORTUGUÊS, DOS PERIODOS CONTRIBUTIVOS VERIFICADOS NAS CAIXAS DE PREVIDÊNCIA DE INSCRIÇÃO OBRIGATÓRIA DOS TERRITÓRIOS DAS EX-COLONIAS PORTUGUESAS), PERMITINDO A REABERTURA DE PROCESSOS AOS REQUERENTES A QUEM TENHA SIDO INDEFERIDO O RECONHECIMENTO DOS DITOS PERIODOS CONTRIBUTIVOS.

  • Tem documento Em vigor 1993-12-03 - Decreto-Lei 401/93 - Ministério do Emprego e da Segurança Social

    REGULA O ÂMBITO DA RESPONSABILIDADE DO ESTADO PORTUGUÊS NA COBERTURA DOS ENCARGOS DETERMINADOS PELA GARANTIA DO DIREITO A PRESTAÇÕES NAS EVENTUALIDADES DE INVALIDEZ, VELHICE E MORTE DE BENEFICIÁRIOS DAS INSTITUIÇÕES DE PREVIDÊNCIA DE INSCRIÇÃO OBRIGATÓRIA DAS EX-COLONIAS, RECONHECIDOS NOS TERMOS DO DECRETO LEI 335/90, DE 29 DE OUTUBRO, NA REDACÇÃO DADA PELO DECRETO LEI 45/93, DE 20 DE FEVEREIRO.

  • Tem documento Em vigor 1998-02-26 - Lei 13-A/98 - Assembleia da República

    Altera a lei orgânica sobre a organização, funcionamento e processo do Tribunal Constitucional.

  • Tem documento Em vigor 1998-09-11 - Decreto-Lei 278/98 - Ministério do Trabalho e da Solidariedade

    Alarga o prazo de requerer o reconhecimento, no âmbito do sistema de segurança social português, dos períodos contributivos verificados nas caixas de previdência de inscrição obrigatória dos territórios das ex-colónias portuguesas até à independência desses territórios.

  • Tem documento Em vigor 1998-12-17 - Decreto-Lei 398/98 - Ministério das Finanças

    Aprova a lei geral tributária em anexo ao presente diploma e que dele faz parte integrante. Enuncia e define os princípios gerais que regem o direito fiscal português e os poderes da administração tributária e garantias dos contribuintes.

  • Tem documento Em vigor 1999-10-26 - Decreto-Lei 433/99 - Ministério das Finanças

    Aprova o Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT)

  • Tem documento Em vigor 1999-11-05 - Decreto-Lei 465/99 - Ministério do Trabalho e da Solidariedade

    Alarga o âmbito pessoal do Decreto-Lei n.º 335/90, de 29 de Outubro, aos não residentes em Portugal e retira o prazo para requerer o reconhecimento do direito aos períodos contributivos verificados nas Caixas de Previdência dos territórios das ex-colónias portuguesas.

  • Tem documento Em vigor 2000-12-29 - Lei 30-G/2000 - Assembleia da República

    Reforma a tributação do rendimento e adopta medidas destinadas a combater a evasão e fraude fiscais, alterando o Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares, o Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas, o Estatuto dos Benefícios Fiscais, a Lei Geral Tributária, o Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais, o Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT) e legislação avulsa.

Ligações para este documento

Este documento é referido no seguinte documento (apenas ligações a partir de documentos da Série I do DR):

  • Tem documento Em vigor 2017-09-13 - Acórdão do Tribunal Constitucional 353/2017 - Tribunal Constitucional

    Declara inconstitucional, com força obrigatória geral, a norma que impõe o pagamento da taxa de justiça inicial nos 10 dias contados da data da comunicação ao requerente da decisão negativa do serviço da segurança social sobre o apoio judiciário, sem prejuízo do posterior reembolso das quantias pagas no caso de procedência da impugnação daquela decisão, constante da alínea c) do n.º 5 do artigo 29.º da Lei n.º 34/2004, de 29 de julho, na redação dada pela Lei n.º 47/2007, de 28 de agosto

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