de 24 de Janeiro
O ensino português no estrangeiro constitui, de acordo com a Lei 46/86, de 14 de Outubro - Lei de Bases do Sistema Educativo -, uma modalidade especial de educação escolar que se rege por disposições especiais e resulta das incumbências do Estado Português definidas nos artigos 74.º e 78.º da Constituição da República Portuguesa.Tal especialidade aponta, necessariamente, para a sistematização legislativa de cada uma das suas vertentes, sendo a docência uma das fundamentais.
Trata-se, aliás, de um compromisso assumido no Programa do Governo, tendo em consideração a necessidade de dar uma resposta positiva a um sector cujo enquadramento legislativo se encontrava desadequado. Com efeito, o estatuto do professor de ensino português no estrangeiro, aprovado pelo Decreto-Lei 519-E/79, de 28 de Dezembro, encontra-se bastante distanciado da realidade, em função da evolução legislativa verificada no âmbito do Ministério da Educação, nomeadamente por efeito da entrada em vigor da Lei de Bases do Sistema Educativo.
Por seu turno, o Estatuto da Carreira dos Educadores de Infância e dos Professores dos Ensinos Básico e Secundário, aprovado pelo Decreto-Lei 139-A/90, de 28 de Abril, determinou, no n.º 4 do artigo 1.º, que os professores de ensino português no estrangeiro se regeriam por normas próprias.
O presente diploma aprova o regime jurídico dos docentes de ensino português no estrangeiro, tomando em consideração a especificidade do exercício de tais funções docentes, nomeadamente no que se refere ao regime de concursos, às condições de trabalho e ao sistema remuneratório, sem prejuízo da aplicação do Estatuto da Carreira dos Educadores de Infância e dos Professores dos Ensinos Básico e Secundário em tudo o que não contrariar ou não estiver expressamente definido no referido regime jurídico.
O presente diploma assume-se como uma importante contribuição para a valorização da língua e da cultura portuguesas junto das comunidades portuguesas residentes no estrangeiro, nos vários níveis de educação e ensino, incluindo a educação pré-escolar, permitindo, por outro lado, reforçar o apoio dos docentes à integração escolar dos alunos recém-chegados de Portugal, bem como à alfabetização de jovens e adultos, à educação recorrente e à participação em acções de difusão da língua e cultura portuguesas. De forma inovatória, o novo regime prevê ainda a possibilidade de alargamento do processo de recrutamento a docentes cuja formação académica tenha sido realizada em estabelecimentos do país a que concorrem e dominem o português como língua materna.
O presente decreto-lei resulta de um longo processo de negociação com as organizações sindicais, tendo os parceiros envolvidos procurado construir uma solução amplamente consensual, que se configura como um marco importante na dignificação e valorização da profissão docente e na construção de respostas de qualidade para esta modalidade especial de educação escolar.
Assim, no desenvolvimento do regime jurídico estabelecido pelo n.º 1 do artigo 22.º, pelos n.º 1 e 2 do artigo 36.º e pelas alíneas c) e i) do n.º 1 do artigo 59.º da Lei 46/86, de 14 de Outubro, e nos termos da alínea c) do n.º 1 do artigo 198.º da Constituição, o Governo decreta o seguinte:
Artigo 1.º
1 - O presente diploma aplica-se aos docentes da educação pré-escolar e dos ensinos básico e secundário colocados pelo Ministério da Educação para o desempenho de funções de ensino português no estrangeiro.2 - Para efeitos do disposto no presente diploma, entende-se por ensino português no estrangeiro a difusão da língua e da cultura portuguesas na educação pré-escolar e nos ensinos básico e secundário em países estrangeiros, nos termos do artigo 22.º da Lei 46/86, de 14 de Outubro.
Artigo 2.º
Recrutamento
1 - O recrutamento de docentes para o ensino português no estrangeiro é feito por concurso, a realizar separadamente para a educação pré-escolar, para o 1.º ciclo do ensino básico e para os restantes ciclos e níveis de ensino, de entre os docentes que possuam a necessária habilitação profissional.2 - A abertura dos concursos a que se refere o número anterior é da responsabilidade do serviço central do Ministério da Educação que assegura a gestão do pessoal docente e processa-se por países, tendo em conta os diferentes sistemas educativos e as respectivas necessidades.
3 - Os concursos a que se referem os números anteriores têm periodicidade quadrienal e são abertos por aviso publicado no Diário da República até ao dia 31 de Março imediatamente anterior ao ano a que se reportam.
4 - As regras gerais dos concursos a que se refere o presente artigo serão definidas por decreto regulamentar, mediada a participação das organizações sindicais de professores, constituindo factores de ponderação a graduação profissional, a análise curricular, a experiência no desempenho de funções docentes de ensino português no estrangeiro e o domínio da língua do país de colocação.
5 - Não podem ser opositores aos concursos a que se refere o presente artigo os docentes que se encontrem em regime de conversão total ou parcial da componente lectiva por motivos de doença ou incapacidade.
Artigo 3.º
Modalidade especial de recrutamento
1 - Podem ser realizados concursos para professores cuja formação académica tenha sido realizada em estabelecimentos de ensino do país a que concorrem, estejam devidamente habilitados para a docência de português pelas instituições de ensino superior locais e revelem domínio perfeito da língua portuguesa.2 - Aos concursos referidos no número anterior aplica-se, com as devidas adaptações, o regime previsto no artigo anterior, em termos a definir por decreto regulamentar, mediada a participação das organizações sindicais de professores.
Artigo 4.º
Prestação de serviço docente no estrangeiro
1 - Sem prejuízo do disposto no artigo 2.º do presente diploma, o serviço docente no estrangeiro é prestado numa das seguintes situações:
a) Destacamento;
b) Contratação.
2 - O exercício de funções no ensino português no estrangeiro em regime de destacamento reporta-se quer aos casos em que o docente é exclusivamente remunerado pelo Estado Português quer àqueles em que, por virtude de convenção internacional ou acordo, é remunerado pelos governos ou entidades locais.
3 - Aos professores que, nos termos do presente diploma, sejam colocados em regime de destacamento é contado, para todos os efeitos legais, como prestado no lugar de origem o tempo de serviço no estrangeiro.
4 - A prestação de serviço docente em regime de destacamento é feita por um período de quatro anos, renovável por uma vez, por igual período, mediante apresentação a concurso.
Artigo 5.º
Contratação local
1 - A prestação de serviço docente no estrangeiro pode ser efectuada em regime de contratação local, observados os requisitos previstos no artigo 22.º do Estatuto da Carreira Docente dos Educadores de Infância e dos Professores dos Ensinos Básico e Secundário, aprovado pelo Decreto-Lei 139-A/90, de 28 de Abril, adiante designado por Estatuto da Carreira Docente, em casos de justificada necessidade de preenchimento de horários completos, por impossibilidade de colocação de candidatos aprovados no concurso, para preenchimento de horários incompletos ou ainda para a substituição temporária e eventual de docentes colocados.2 - Aos contratos previstos no número anterior aplica-se, com as devidas adaptações, o disposto no n.º 4 do artigo 33.º do Estatuto da Carreira Docente.
3 - A abertura dos processos de candidatura será devidamente publicitada pela estrutura de coordenação local de ensino português no estrangeiro, sendo os horários e listas de candidatos afixados nos consulados e coordenações de ensino respectivos.
4 - O serviço prestado em regime de contratação, nos termos do presente diploma, conta, para todos os efeitos legais, como tempo de serviço efectivo prestado em funções docentes.
Artigo 6.º
Avaliação ordinária de desempenho
1 - Os docentes abrangidos pelo disposto no presente diploma são avaliados pelo processo previsto no Estatuto da Carreira Docente.2 - O documento de reflexão crítica sobre a actividade desenvolvida pelo docente no período de tempo de serviço a que se reporta a avaliação de desempenho é apresentado ao coordenador de ensino, o qual assume as funções previstas no Estatuto da Carreira Docente para o órgão de administração e gestão dos estabelecimentos de educação ou de ensino, comunicando ao interessado e à escola de origem a menção qualitativa atribuída ao docente.
Artigo 7.º
Remunerações
1 - Os docentes de ensino português no estrangeiro serão remunerados por uma das seguintes formas:a) No regime de destacamento, por montante correspondente à remuneração auferida pelo docente no respectivo lugar de origem, ou pelo montante definido pelo Governo ou entidades locais, sem prejuízo do disposto no artigo 10.º;
b) Os docentes contratados ao abrigo do disposto nos artigos 3.º e 5.º do presente diploma, de acordo com tabela a publicar anualmente por despacho conjunto dos Ministros das Finanças e da Educação, ou pelos governos ou entidades locais, nos casos em que as remunerações fiquem a cargo destes, aplicando-se, com as devidas adaptações, o disposto no artigo 10.º do presente diploma.
2 - Os docentes de ensino português no estrangeiro terão direito à percepção de remuneração por trabalho extraordinário efectivamente prestado, tendo em conta o disposto nos artigos 13.º e seguintes.
Artigo 8.º
Suplemento de residência
1 - Os docentes destacados nos termos do presente diploma receberão um suplemento de residência, que tem por objectivo compensar as diferenças de custo de vida entre Portugal e os países de acolhimento e a necessidade de residirem temporariamente no estrangeiro.2 - O montante do suplemento, uniforme por país e a liquidar mensalmente, consta de tabela a publicar anualmente por despacho conjunto dos Ministros das Finanças e da Educação.
3 - Não é pago o suplemento de residência referente aos dias em que o docente falte injustificadamente ou ao abrigo do n.º 1 do artigo 27.º do Decreto-Lei 497/88, de 30 de Dezembro, quando forem dias lectivos de calendário escolar do país de acolhimento e o professor se encontre ausente deste país por motivo não determinado por situação de doença.
Artigo 9.º
Suplemento de instalação
1 - O suplemento de instalação consiste no pagamento de importância de valor correspondente a dois meses de suplemento de residência.2 - O suplemento de instalação é pago, numa única prestação, apenas aos docentes em regime de destacamento que se encontrem numa das seguintes situações:
a) Iniciem funções no estrangeiro;
b) Venham a ser colocados, por inexistência de vaga, em área consular diferente daquela em que residem;
c) Sejam transferidos por conveniência de serviço ou supressão de vaga, desde que de tal facto resulte mudança de residência.
3 - O disposto no presente artigo não se aplica aos docentes cujo suplemento de instalação seja assegurado por entidades estrangeiras.
Artigo 10.º
Completação de remunerações
1 - É garantida a completação de remunerações aos docentes de ensino português no estrangeiro colocados pelo Ministério da Educação em regime de destacamento e remunerados pelos governos ou entidades locais por quantias inferiores ao montante que o docente auferiria no lugar de origem.2 - O valor da completação de remunerações é igual à diferença entre o montante líquido a que o docente teria direito se fosse pago pelo Ministério da Educação e a remuneração líquida percebida pelo docente a cargo dos governos ou entidades locais, acrescido do valor dos descontos não obrigatórios de que queira beneficiar.
3 - A completação de remunerações é abonada, 14 vezes por ano, pelo serviço central do Ministério da Educação responsável pelo ensino português no estrangeiro.
Artigo 11.º
Reembolso das despesas de viagem
1 - Os docentes de ensino português no estrangeiro têm direito ao reembolso das despesas efectuadas com as suas viagens e as do seu agregado familiar, de ida para o país de acolhimento e de regresso do mesmo.2 - O reembolso de despesas referido no número anterior não poderá ultrapassar, por pessoa, o custo da passagem de avião em classe turística, mediante apresentação de documento comprovativo da despesa efectuada.
3 - As despesas com o transporte de 250kg de bagagem por via não aérea e de 50kg de bagagem acompanhada serão também reembolsadas, mediante apresentação de documento comprovativo da despesa efectuada.
4 - Para os efeitos previstos nos números anteriores, considera-se agregado familiar do docente o seu cônjuge, ou equiparado, bem como os ascendentes e os descendentes de ambos, desde que com o docente vivam em economia comum.
Artigo 12.º
Reembolso de despesas
1 - Os docentes de ensino português no estrangeiro têm direito ao reembolso das despesas com deslocações em serviço previamente autorizadas, mediante apresentação de documento comprovativo da despesa efectuada.2 - Os docentes de ensino português no estrangeiro têm direito ao reembolso das despesas de transporte entre o local do curso mais próximo da sua residência e os restantes locais dos cursos constantes do seu horário de trabalho, mediante apresentação de documento comprovativo da despesa efectuada.
3 - Os docentes de ensino português no estrangeiro têm ainda direito ao reembolso de despesas com outras deslocações previamente autorizadas, o qual será efectuado mediante a apresentação dos respectivos documentos comprovativos da despesa.
4 - As despesas de transporte serão satisfeitas através do pagamento de passe social, sempre que tal modalidade seja viável.
5 - Quando o docente utilizar viatura própria nas deslocações entre cursos, ou em outras devidamente autorizadas, será reembolsado de acordo com as normas gerais e tabelas aplicáveis.
6 - O reembolso das despesas de deslocação entre os vários locais dos cursos não é devido a docentes com direito a completação de remunerações.
Artigo 13.º
Horário de trabalho
1 - O pessoal docente em exercício de funções no estrangeiro é obrigado à prestação de trinta de cinco horas semanais de serviço.2 - O horário semanal dos docentes integra uma componente lectiva e uma componente não lectiva, desenvolvendo-se, por regra, em cinco dias de trabalho.
Artigo 14.º
Componente lectiva
1 - A componente lectiva do horário dos docentes de ensino português no estrangeiro compreende:a) A docência nos cursos de língua portuguesa;
b) A alfabetização, em português, de jovens e adultos e a educação recorrente;
c) O apoio a alunos que estudam Português na modalidade de ensino à distância ou para se submeterem a exame de Português no sistema de ensino do país de acolhimento;
d) O apoio à integração escolar de alunos recém-chegados de Portugal;
e) As acções de difusão da cultura e da língua portuguesas.
2 - O número de horas semanais da componente lectiva do docente de ensino português no estrangeiro é de vinte e duas horas, sem prejuízo do disposto nos números seguintes.
3 - Quando a organização dos horários cabe às entidades do país de acolhimento, o número de horas semanais da componente lectiva é fixado de acordo com a regulamentação em vigor nesse país.
4 - A componente lectiva do docente de ensino português no estrangeiro poderá, a título excepcional, ser reduzida, atendendo à distância entre os locais dos cursos, dificuldades de acesso, morosidade do percurso e disponibilidade de espaços escolares, sempre mediante proposta fundamentada da respectiva coordenação de ensino e homologada pelo serviço central do Ministério da Educação responsável pelo ensino português no estrangeiro.
5 - É vedada ao docente a prestação diária de mais de cinco horas lectivas consecutivas.
Artigo 15.º
Componente não lectiva
A componente não lectiva dos docentes de ensino português no estrangeiro compreende, nomeadamente:a) A preparação das actividades lectivas e não lectivas;
b) A avaliação do processo de aprendizagem;
c) O desenvolvimento de actividades de ligação com o meio sócio-cultural das escolas em que leccionam, designadamente com os pais e encarregados de educação e respectivas associações;
d) A participação em acções de formação e aperfeiçoamento;
e) A participação em reuniões de natureza pedagógica ou administrativa.
Artigo 16.º
Férias e feriados
1 - Os docentes de ensino português no estrangeiro ficam abrangidos pelo calendário escolar vigente no país de acolhimento em matéria de férias e feriados.2 - Os docentes de ensino português no estrangeiro têm ainda direito aos feriados dos dias 25 de Abril e 10 de Junho.
3 - Para os docentes cujo horário lectivo compreenda áreas geográficas com calendários escolares diferentes será considerado, para efeitos de férias e feriados, o calendário correspondente à escola em que o docente leccionar o maior número de cursos.
4 - No caso de o docente leccionar igual número de cursos em áreas geográficas diferentes, deverá optar por um dos respectivos calendários escolares.
Artigo 17.º
Segurança social
1 - O sistema de protecção social aplicável aos docentes de ensino português no estrangeiro é definido por diploma próprio, a publicar no prazo de 180 dias a contar da data da entrada em vigor do presente diploma.2 - Até à entrada em vigor do diploma referido no número anterior aplica-se o disposto no artigo 14.º do Decreto-Lei 519-E/79, de 28 de Dezembro.
Artigo 18.º
Acumulações
1 - Aos docentes de ensino português no estrangeiro só poderá ser autorizada a acumulação de funções desde que não se verifique incompatibilidade material ou prejuízo para o serviço, nos termos previstos no Estatuto da Carreira Docente.2 - Para efeitos do disposto no número anterior, compete ao respectivo coordenador de ensino local a autorização de acumulação de funções.
Regime disciplinar
1 - Aos docentes de ensino português no estrangeiro é aplicável o Estatuto Disciplinar dos Funcionários e Agentes da Administração Central, Regional e Local, com as adaptações previstas no Estatuto da Carreira Docente.2 - Para efeitos do disposto no número anterior, são cometidas ao coordenador de ensino local as competências dos órgãos de administração e gestão dos estabelecimentos de educação e de ensino.
Artigo 20.º
Cessação da prestação de serviço docente no estrangeiro
A colocação de um docente de ensino português no estrangeiro pode ser dada por finda quando o docente se mantiver afastado do exercício efectivo das suas funções por período igual ou superior a 60 dias seguidos ou interpolados no mesmo ano lectivo, salvo se tal afastamento for devido a acidente de serviço, doença profissional ou internamento hospitalar.
Artigo 21.º
Regime supletivo
Em tudo o que não se encontra especialmente previsto no presente diploma aplica-se o disposto no Estatuto da Carreira Docente e, supletivamente, o regime jurídico aplicável aos funcionários e agentes da Administração Pública.
Artigo 22.º
Norma revogatória
1 - É revogado o Decreto-Lei 519-E/79, de 28 de Dezembro, sem prejuízo do disposto no n.º 2 do artigo 17.º do presente diploma.2 - São revogados o Decreto-Lei 341/84, de 24 de Outubro, e o artigo 2.º do Decreto-Lei 336/78, de 14 de Novembro.
Visto e aprovado em Conselho de Ministros de 20 de Novembro de 1997. - Jaime José Matos da Gama - Jaime José Matos da Gama - António Luciano Pacheco de Sousa Franco - Eduardo Carrega Marçal Grilo - Jorge Paulo Sacadura Almeida Coelho.
Promulgado em 5 de Janeiro de 1998.
Publique-se.O Presidente da República, JORGE SAMPAIO.
Referendado em 8 de Janeiro de 1998.
O Primeiro-Ministro, António Manuel de Oliveira Guterres