Acordam em plenário no Tribunal Constitucional
I. Relatório
1 - Um grupo de 24 Deputados à Assembleia da República veio requerer, sob invocação do disposto no artigo 281.º, n.º 1, alínea a), e n.º 2, alínea f), da Constituição, bem como nos artigos 51.º e 62.º da Lei de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional (Lei 28/82, de 15 de novembro, alterada pela Lei 143/85, de 26 de novembro, pela Lei 85/89, de 7 de setembro, pela Lei 88/95, de 1 de setembro, e pela Lei 13-A/98, de 26 de fevereiro, doravante LTC), a declaração de inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, das normas contidas nos artigos 14.º, n.º 2, e 18.º, ambos do Decreto-Lei 133/2013, de 3 de outubro, que estabelece os princípios e regras aplicáveis ao setor público empresarial, incluindo as bases gerais do estatuto das empresas públicas.
Apresentaram, para o efeito, os seguintes fundamentos:
«Da inconstitucionalidade do artigo 14.º, por violação do princípio da tutela da confiança e da segurança jurídica
1 - No artigo 14.º do Decreto-Lei 133/2013, de 03 de outubro, prevê-se a possibilidade de serem fixadas normas excecionais, de caráter temporário, relativas ao regime contributivo e valorizações remuneratórias dos titulares dos órgãos sociais e dos trabalhadores das entidades públicas empresariais, empresas públicas de capital exclusiva ou maioritariamente público e das entidades dos setores empresariais local e regional.
2 - A aplicabilidade desta norma é independente do vínculo contratual e da natureza da relação jurídica de emprego.
3 - Assim e através desta disposição, torna-se possível que, através de lei, e dispensada a fundamentação em interesse público, sejam emitidas normas que venham a pôr em causa o regime retributivo, em flagrante violação do direito à retribuição dos sujeitos compreendidos no âmbito da norma.
4 - Convém ainda assinalar que este preceito consagra uma exceção à aplicabilidade do regime laboral comum, sendo especialmente relevante ter em atenção que, de acordo com o Código do Trabalho, a retribuição não pode ser unilateralmente diminuída.
5 - Ainda que não expressamente referido na Constituição da República Portuguesa, o princípio da tutela da confiança e da segurança jurídica consubstancia um princípio essencial na Constituição material do Estado de Direito, retirando-se assim do artigo 2.º da Constituição e consubstanciando-se na ideia de estabilidade e segurança jurídica.
6 - Materializa-se em exigências dirigidas ao Estado, nomeadamente na previsibilidade da atuação estatal, na clareza e suficiente densidade normativas, na publicidade e transparência e na observância dos direitos, expectativas e interesses legítimos dos particulares.
7 - A problemática surge na situação de emergência de exigências em sentido oposto dignas de proteção e com peso igualmente relevante.
8 - Esta garantia subjetiva reclama atuação quando, cumulativamente, se verificarem os seguintes factos:
a) A existência de expetativas legítimas na continuidade de uma dada situação jurídica;
b) Essas expectativas tenham sido estimuladas, alimentadas ou toleradas pela atuação do Estado;
c) Sobrevenha uma alteração inesperada do comportamento do Estado que abale a confiança que os particulares nele detinham;
9 - Dever-se-á fazer então, e como adiante se fará, uma ponderação de alternativas, uma vez que se o legislador conseguir, de forma menos restritiva e menos agressiva da confiança dos particulares, alcançar o fim, então tudo o [que] for para além da realização desse mínimo de agressividade deverá ser considerado inconstitucional, por consubstanciar uma afetação desnecessária dos direitos protegidos dos particulares.
10 - Assim, o interesse público que ordena a norma tem de superar em importância as expectativas dos particulares, devendo em caso de dúvida prevalecer a posição do legislador, que terá uma ampla margem de conformação, ainda que essa margem seja reduzida no caso de estarem em jogo direito fundamentais. Será ainda necessário que a restrição passe no teste imposto da proporcionalidade, através do qual, com a ponderação de alternativas, se concluirá pela sua adequação, indispensabilidade e proporcionalidade.
11 - Repescamos a fórmula que resulta da construção jurisprudencial relativa à mecânica aplicativa deste princípio, densificada desde o Acórdão 287/90 e expresso no Acórdão 128/2009:
"De acordo com esta jurisprudência sobre o princípio da segurança jurídica na vertente material da confiança, para que esta última seja tutelada é necessário que se reúnam dois pressupostos essenciais:
a) A afetação de expectativas, em sentido desfavorável, será inadmissível, quando constitua uma mutação da ordem jurídica com que, razoavelmente, os destinatários das normas dela constantes não possam contar; e ainda
b) Quando for ditada pela necessidade de salvaguarda de direitos ou interesses constitucionalmente protegidos que devam considerar-se prevalecentes (deve recorrer-se, aqui, ao princípio da proporcionalidade, explicitamente consagrado, a propósito dos direitos, liberdades e garantias, no n.º 2 do artigo 18.º da Constituição).
Os dois critérios enunciados (e que são igualmente expressos noutra jurisprudência do Tribunal) são, no fundo, reconduzíveis a quatro diferentes requisitos ou "testes". Para que haja lugar à tutela jurídico-constitucional da «confiança» é necessário, em primeiro lugar, que o Estado (mormente o legislador) tenha encetado comportamentos capazes de gerar nos privados «expectativas» de continuidade; depois, devem tais expectativas ser legítimas, justificadas e fundadas em boas razões; em terceiro lugar, devem os privados ter feito planos de vida tendo em conta a perspetiva de continuidade do «comportamento» estadual; por último, é ainda necessário que não ocorram razões de interesse público que justifiquem, em ponderação, a não continuidade do comportamento que gerou a expectativa.
Este princípio postula, pois, uma ideia de proteção da confiança dos cidadãos e da comunidade na estabilidade da ordem jurídica e na constância da atuação do Estado. Todavia, a confiança, aqui, não é uma confiança qualquer, se ela não reunir os quatro requisitos que acima ficaram formulados, a Constituição não lhe atribui proteção".
12 - Esta ponderação entre os direitos e interesses em oposição deverá ser feita pelo método com que se julga sobre a proporcionalidade ou adequação substancial de uma medida restritiva de direitos, sendo que mesmo que se conclua pela elevada importância do interesse público na mudança do quadro legislativo, ainda assim, será necessário aferir se a medida do sacrifício imposto aos particulares é "inadmissível, arbitrária ou demasiado onerosa" - Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 287/90.
13 - Vejamos, então, a aplicação concreta aos preceitos em apreço.
14 - Quanto à disposição inscrita no n.º 2 do artigo 14.º, cumpre dizer que o Estado encetou comportamentos capazes de gerar confiança nos particulares neste domínio, pois foi o próprio Estado, na sua atuação no seu setor empresarial, a definir o seu estatuto como trabalhadores e a natureza do seu vínculo. As expetativas destes sujeitos destinatários da norma são legítimas e fundadas em boas razões, não só pelo que acima se expôs, mas também porque, normalmente, as questões salariais tendem a gozar de uma maior estabilidade e segurança. Quanto à realização de planos de vida, é claro que as questões relacionadas com matérias remuneratórias condicionam a definição de planos de vida, pois é de acordo com estas que se assumem compromissos e encargos. Por outro lado, também não se vislumbram razões de interesse público que justifiquem esta disposição. Estabelecendo como faculdade, podendo ou não vir a concretizar-se legalmente, estamos a lidar com um juízo de prognose relativamente à ocorrência de um interesse público indefinido no momento de emissão da norma.
Da inconstitucionalidade do artigo 18.º por violação do direito de contratação e negociação coletiva, do princípio da proporcionalidade e do princípio da tutela da confiança e da segurança jurídica
1 - A norma que os requerentes questionam pretende definir os valores do subsídio de refeição, ajudas de custo e de transporte por deslocações em território português e ao estrangeiro devidas aos titulares de órgãos de administração ou de gestão e aos trabalhadores das entidades públicas empresariais, empresas públicas de capital exclusivamente ou maioritariamente publico e entidades do setor empresarial local ou regional.
2 - Relativamente à retribuição devida por trabalho suplementar e à retribuição devida por trabalho noturno, prestada pelos trabalhadores das já referidas entidades, é aplicável o regime previsto na Lei 59/2008, de 11 de setembro, que aprovou o Regime do Contrato de Trabalho em Funções Públicas.
3 - Finalmente, estabelece-se no n.º 4 do referido artigo 18.º que o regime fixado neste artigo tem natureza imperativa, prevalecendo sobre quaisquer outras normas, especiais ou excecionais, que disponham em sentido contrário, bem como sobre os instrumentos de regulamentação coletiva de trabalho, atuais e futuros. Abre-se apenas exceção para as Leis do Orçamento de Estado.
4 - De facto, é apenas esta exceção, consagrada no n.º 2 do artigo 43.º da Lei 83-C/2013, de 31 de dezembro, que leva a que, no corrente ano de 2014, os valores pagos a título de subsídios de refeição percebidos a 31 de dezembro de 2013, não sejam reduzidos para aquele outro montante fixado na Portaria 1553-D/2008, de 31 de dezembro, alterada pela Portaria 1458/2009, de 31 de dezembro - 4,27 (euro) - mas antes congelados até que esse montante atinja aquele valor.
5 - Tratando-se de uma norma orçamental, presume-se a sua vigência temporal circunscrita à vigência orçamental e, portanto, anual. No entanto, a eventual existência desta disposição orçamental em nada afeta o juízo de inconstitucionalidade sobre este artigo 18.º, uma vez que o que se questiona é a própria norma e não a "disposição-travão" que bloqueou a sua aplicação para o ano de 2014.
6 - Esta norma incide sobre matérias que integram a reserva constitucional de contratação coletiva (artigo 56.º/3 e 4) cuja delimitação resulta dos artigos 58.º e 59.º da Constituição, integrando o núcleo essencial do direito de contratação coletiva, direito fundamental dos trabalhadores.
7 - Este direito fundamental deve ser exercido pelas associações sindicais, constituindo a revogação de cláusulas de contratação coletiva por lei imperativa uma limitação à liberdade negocial e, portanto, uma restrição do direito fundamental de negociação coletiva, tendo, por isso, de obedecer aos princípios da adequação, necessidade e proporcionalidade.
8 - Além do mais, será de ter em conta que a norma ora analisada não só vem estabelecer a sua imperatividade e consequente derrogação da negociação coletiva já desenvolvida pelas partes, como vem condicionar todas as perspetivas futuras de negociação, intrometendo-se se forma inaceitável na autonomia futura das partes.
9 - Com esta redação, a presente norma retira definitivamente do âmbito da negociação coletiva e do âmbito da autonomia das partes matérias que integram o seu núcleo essencial.
10 - No artigo 56.º/3 da Constituição, o direito de contratação coletiva é exercido "nos termos da lei", discutindo-se, a este propósito, se a lei está habilitada a proceder à própria definição do âmbito da contratação coletiva ou se apenas pode regulamentar o exercício deste direito.
11 - O entendimento do Tribunal Constitucional tem sido no sentido de que o direito de contratação coletiva se encontra sob reserva de lei, o que significa que a lei ordinária apenas pode regular o direito de negociação e contratação coletiva, mas deixando sempre um conjunto de matérias minimamente significativo aberto à negociação. Como afirmado em sucessiva jurisprudência (Acórdão 517/98, Acórdão 634/98 e no Acórdão 391/14) e reafirmado no Acórdão 602/2013: «... a Constituição garante-o, de facto, "nos termos da lei"; no entanto, isto "não significa que a lei possa esvaziar de conteúdo tal direito, como sucederia se regulamentasse, ela própria, integralmente as relações de trabalho, em termos inderrogáveis pelas convenções coletivas. Significa apenas que a lei pode regular o direito de negociação e contratação coletiva - delimitando-o ou restringindo-o -, mas deixando sempre um conjunto minimamente significativo de matérias aberto a essa negociação. Ou seja: pelo menos, a lei há de garantir uma reserva de convenção coletiva". Na verdade o direito em apreço é imediatamente reconhecido pela Constituição e não um direito derivado da lei».
12 - O objetivo da norma cuja constitucionalidade se questiona é o de assegurar a efetividade das alterações legislativas, impedindo que paralelamente ao regime que pretendem instituir sobrevivam regimes anteriores ou surjam novos regimes, coletivamente contratualizados e mais favoráveis aos trabalhadores, operando-se assim uma sobreposição das novas disposições legais às integradas nos instrumentos de regulamentação coletiva de trabalho, anteriores e posteriores à sua entrada em vigor.
13 - Os instrumentos de regulamentação coletiva de trabalho são expressão maior da autonomia coletiva, expressamente reconhecidos como uma fonte específica no âmbito do direito do trabalho, disciplinando o contrato de trabalho, podendo afastar normas legais neste âmbito, exceto quando estas sejam imperativas.
14 - Os conflitos decorrentes da sucessão de normas legais no tempo são resolvidos por regras especiais de direito transitório ou, subsidiariamente, pelas regras gerais, inscritas no artigo 12.º do Código Civil que consagra o princípio da não retroatividade - de acordo com este princípio, a lei nova seria aplicável aos instrumentos de regulamentação coletiva de trabalho e aos contratos de trabalho em vigor, ressalvando-se contudo, os efeitos já produzidos e as situações jurídicas já constituídas.
15 - Assim, é necessário avaliar, em relação a cada um dos preceitos que compõem a norma que se questiona, se o respetivo objeto material integra a reserva de convenção coletiva, isto é, o núcleo fundamental daquele direito, determinado em função dos artigos 56.º/1, 58.º e 59.º da Constituição e, em caso afirmativo, submeter aos requisitos de admissibilidade constitucional das leis restritivas de direitos, liberdades e garantias, previstos nos artigos 18.º/2 e 3 da Constituição, bem como se estamos perante uma violação da proteção da confiança.
16 - Também no já citado Acórdão 602/2013 se refere que "a fixação das remunerações dos trabalhadores em regime de contrato individual de trabalho é um campo especialmente aberto à autonomia da vontade e, assim, à regulamentação coletiva".
17 - As matérias aqui tratadas não são consideradas como integrando um regime caracterizado pela sua injuntividade, pelo contrário, integram-se no conjunto de matérias que, pela sua direta conexão com os direitos do trabalhador, especialmente regulados no artigo 59.º da Constituição, possuem uma vocação particularmente direcionada para serem objeto de negociação coletiva.
18 - Não estando em causa a definição de balizas de regulação, mas uma verdadeira supressão, para o presente e o futuro, de matérias ao âmbito da negociação coletiva, num domínio especialmente vocacionado para a autonomia das partes, afigura-se que estes preceitos ultrapassam em muito a simples regulamentação do direito de contratação coletiva e invadem o seu âmbito de proteção.
19 - Na verdade, em algumas empresas e categorias profissionais, a aplicação do regime previsto neste decreto-lei resultaria numa redução de cerca de 30 % a 40 % de redução dos rendimentos reais desses trabalhadores.
20 - Neste caso concreto a lei invade, de forma desnecessária e desadequada, aquilo que compõe o conteúdo essencial da negociação coletiva, derrogando de forma imperativa as normas convencionais em vigor e vedando às partes a possibilidade de futuramente estabelecerem negociações sobre aquelas matérias.
21 - No extenso preâmbulo que antecede este diploma não são apresentadas razões preponderantes de interesse público nas quais se possa fundar esta restrição do direito de negociação e contratação coletiva, não sendo sequer indiciada, quanto mais provada, a indispensabilidade desta medida para assegurar o cumprimento de um outro interesse constitucionalmente protegido, pelo que concluímos pela violação do princípio da proibição do excesso, inscrito no n.º 2 do artigo 18.º da Constituição.
22 - Quanto à aplicação do princípio da tutela da confiança e da segurança jurídica, dificilmente podemos aceitar que os destinatários das normas podiam expectavelmente contar com esta mutação da ordem jurídica, pois o Estado tomou comportamentos que em muito elevaram a confiança destes particulares na manutenção do quadro legal vigente. Cumpre aqui recordar que o Estado, através do Governo, se assumiu como contraparte na negociação coletiva, pelo que as expetativas são, especialmente elevadas e intensas.
23 - Naturalmente, por configurar uma alteração inesperada, com a qual os destinatários não podiam contar, sobretudo porque as suas expetativas legítimas se fundavam em comportamentos do Estado, como contraparte na negociação coletiva, trata-se também duma violação do princípio da tutela da confiança, ínsito no princípio do estado de direito democrático (artigo 22.º Constituição da República Portuguesa)».
Os requerentes terminam pela declaração de inconstitucionalidade, com força obrigatória geral: i) da norma do n.º 2 do artigo 14.º do Decreto-Lei 133/2013, de 2 de outubro, "por violação do princípio da proteção da confiança e da segurança jurídica, ínsito no princípio do Estado de Direito Democrático e decorrente do artigo 2.º da Constituição"; e ii) das normas do artigo 18.º do Decreto-Lei 133/2013, de 2 de outubro, "por violação do direito de negociação coletiva, consagrado no artigo 56.º, n.º 3, da Constituição, por violação do princípio da proibição de excesso em termos de igualdade proporcional consagrado no artigo 13.º da Constituição e por violação do princípio da proteção da confiança decorrente do artigo 2.º da Constituição".
2 - Notificado para se pronunciar, querendo, sobre o pedido, o Primeiro-Ministro veio tomar posição, no sentido da sua improcedência, nos termos seguintes:
«1 - Dos termos do requerimento de fiscalização abstrata da constitucionalidade que dá origem ao presente processo decorre que os autores do mesmo, embora comecem por se referir, sem mais, aos artigos 14.º e 18.º do Decreto-Lei 133/2013, de 3 de outubro, daquele artigo 14.º apenas mencionam o n.º 2, em sede de fundamentação da alegada inconstitucionalidade do preceito mencionado.
2 - A letra do n.º 2 daquele artigo 14.º corresponde a uma redação que remonta, na íntegra, à Lei do Orçamento de Estado para 2011 (LOE2011) - Lei 55-A/2010, de 31 de dezembro - que, no seu artigo 30.º, procedia à introdução de dois novos números (2 e 3) no artigo 7.º do Decreto-Lei 558/99, de 17 de dezembro (diploma que antecede o ora contestado Decreto-Lei 133/2013, de 3 de outubro, na regulação do setor público empresarial e empresas públicas):
[...]
3 - Também a redação do artigo 18.º do Decreto-Lei 133/2013, de 3 de outubro, corresponde (com alterações, de pormenor e irrelevantes para a discussão, ao nível do seu n.º 4) ao artigo 39.º-A aditado ao Decreto-Lei 558/99, de 17 de dezembro pela LOE2011 (artigo 31.º, que se transcreve):
[...]
4 - Quanto ao n.º 2 do artigo 14.º importa salientar que a solução normativa dele constante visou, logo a partir da LOE2011, evitar quaisquer dúvidas que pudessem vir a suscitar-se no tocante à sujeição dos trabalhadores do setor público empresarial (independentemente do seu vínculo contratual ou da natureza da relação jurídica de emprego) às normas orçamentais que determinassem alterações ao regime retributivo, bem como às valorizações remuneratórias dos trabalhadores em funções públicas.
5 - Relativamente ao n.º 4 do artigo 18, importa também realçar desde já o paralelismo (ainda que não a total identidade) com o disposto no artigo 10.º da Lei 68/2013, de 29 de agosto (que estabelece a duração do período normal de trabalho dos trabalhadores em funções públicas), no tocante à prevalência da norma legal sobre o previsto em instrumentos de regulamentação coletiva.
[...]
Assim,
A. Do alcance da regra constante do n.º 2 do artigo 14.º do Decreto-Lei 133/2013, de 3 de outubro, e da não violação do princípio da proteção da confiança e da segurança jurídica.
6 - O artigo 14.º do Decreto-Lei 133/2013 dispõe sobre o regime jurídico aplicável às empresas públicas, dele decorrendo a aplicação, em primeira linha, do direito privado (com as especificidades decorrentes do presente decreto-lei).
7 - Este enquadramento, de matriz privatista, das empresas públicas seria suscetível de gerar dúvidas quanto à suscetibilidade de certas normas, temporárias e excecionais, previstas nas Leis do Orçamento de Estado, poderem alterar de per se o estatuto dos titulares dos órgãos sociais e dos trabalhadores das empresas integradas no setor público empresarial.
8 - A premência dessas dúvidas foi sentida logo no final de 2010, aquando da elaboração da LOE2011, pelo que, conforme mencionado supra, desde então se adotou idêntica redação para norma constante do anterior regime do setor público empresarial e das empresas públicas (Decreto-Lei 558/99, de 17 de dezembro).
9 - Nessa medida, o n.º 2 do artigo 14.º, que ora se pretende ver sindicado, não constitui em si mesmo uma norma que opere reduções salariais ou limitações às valorizações remuneratórias no âmbito das entidades empresariais a que se aplica: é tão só uma norma sinalizadora e que, em certa medida, viabiliza ou "habilita" outras normas legais excecionais que venham a definir alterações ao regime retributivo e às valorizações remuneratórias dos titulares dos órgãos sociais e dos trabalhadores, independentemente do seu vínculo contratual ou da natureza da relação jurídica de emprego.
10 - Em termos rigorosos não poderá falar-se, a este propósito, de uma verdadeira habilitação legal pois que qualquer lei, designadamente a lei orçamental, poderia, respeitados os limites constitucionais, vir introduzir as alterações aí previstas, sem necessidade de lei prévia.
11 - O Decreto-Lei 133/2013 não tem qualquer valor reforçado, que teria de ser constitucionalmente reconhecido, pelo que não contém normas com função jurídica de parâmetro ou de autorização de normas legais posteriores.
12 - Donde se extraem duas consequências:
a) A norma constante do n.º 2 do artigo 14.º (que reproduz a norma do n.º 2 do artigo 7.º do Decreto -Lei 558/99, de 17 de dezembro, na redação introduzida pelo artigo 30.º da LOE2011) assume uma função sistemática mostrando-se coerente, designadamente, com o disposto nos artigos 19.º, n.º 9, alínea q) e t), e 24.º, n.º 1, da Lei 55-A/2010, de 31 de dezembro (LOE2011), 20.º da Lei 64-B/2011, de 30 de dezembro (LOE2012), 27.º, n.º 9, alínea o) e r), e 35.º, n.º 1, da Lei 66-B/2012 (LOE2013), de 31 de dezembro, e 33.º, n.º 9, al o) e r), e 39.º, n.º 1, da Lei 83-C/2013, de 31 de dezembro (LOE2014);
b) A lei posterior que venha a consagrar tais possibilidades não está desonerada (como não esteve no passado à luz do n.º 2 do artigo 7.º do Decreto-Lei 558/99, de 17 de dezembro) de proceder a todas as fundamentações constitucionalmente exigidas para a decisão de medidas excecionais restritivas.
13 - Assim é que as reduções salariais operadas logo pela LOE2011 (e pelas subsequentes Leis orçamentais) abrangeram então também os trabalhadores do setor público empresarial tendo sido alvo de apreciação por este douto tribunal - cf. Acórdãos do Tribunal Constitucional (Ac. do TC) n.os 396/2011, 353/2012 e 187/2013.
14 - Não sendo o n.º 2 do artigo 14.º do Decreto-Lei 133/2013 uma norma de valor reforçado, não visando - nem podendo ter como efeito - aligeirar quaisquer exigências de fundamentação de normas restritivas posteriores, não modificando o regime retributivo em causa nem os termos da sua alteração posterior, falece-lhe valor dispositivo para uma apreciação de constitucionalidade baseada nos fundamentos aduzidos pelos Senhores Deputados requerentes.
15 - Com efeito, esta disposição estabelece uma faculdade de que o legislador sempre disporia perante um interesse público suficientemente ponderoso.
16 - Ou seja, só as normas que concretamente venham a disciplinar em que medida se altera o regime retributivo em causa, ou as valorizações remuneratórias, são suscetíveis de responder aos fundamentos de inconstitucionalidade avançados pelos requerentes. Isto porque tais normas legais continuam a dever obediência direta ao parâmetro constitucional.
17 - A apreciação de normas com esse conteúdo foi até já levada a cabo por este douto Tribunal conforme supra se deu conta.
18 - Por último, refira-se que a jurisprudência constitucional tem vindo a fazer aplicação recente dos princípios da confiança e da segurança jurídica em casos similares, não se justificando aqui qualquer afastamento relativamente aos critérios aplicados.
19 - Assim aconteceu no citado Ac. do TC n.º 396/2011, que apreciou a constitucionalidade das normas contidas no artigo 19.º da LOE2011 e em que se pode ler o seguinte:
"Não custa admitir que uma redução remuneratória abrangendo universalmente o conjunto de pessoas pagas por dinheiros públicos não cai na zona de previsibilidade de comportamento dos detentores do poder decisório. O quase contínuo passado de aumentos anuais dos montantes dos vencimentos, na função pública, legitima uma expectativa consistente na manutenção, pelo menos, das remunerações percebidas e a tomada de opções e a formação de planos de vida assentes na continuidade dessa situação.
[...]
Não se pode ignorar, todavia, que atravessamos reconhecidamente uma conjuntura de absoluta excecionalidade, do ponto de vista da gestão financeira dos recursos públicos. O desequilíbrio orçamental gerou forte pressão sobre a dívida soberana portuguesa, com escalada progressiva dos juros, colocando o Estado português e a economia nacional em sérias dificuldades de financiamento. Os problemas suscitados por esta situação passaram a dominar o debate político, ganhando também foros de tema primário na esfera comunicacional. Outros países da União Europeia vivem problemas semelhantes, com interferências recíprocas, sendo divulgada abundante informação a esse respeito.
Neste contexto, e no quadro de uma estratégia global delineada a nível europeu, entrou na ordem do dia a necessidade de uma drástica redução das despesas públicas, incluindo as resultantes do pagamento de remunerações. Medidas desse teor foram efetivamente tomadas noutros países, com larga anterioridade em relação à publicação da proposta de lei do Orçamento do Estado para 2011, e com reduções remuneratórias mais acentuadas do que aquelas que este diploma veio a implementar.
Pode pôr-se em dúvida, em face deste panorama, se, no momento em que as reduções entraram em vigor, persistiam ainda as boas razões que, numa situação de normalidade, levam a atribuir justificadamente consistência e legitimidade às expectativas de intangibilidade de vencimentos.
Do que não pode razoavelmente duvidar-se é de que as medidas de redução remuneratória visam a salvaguarda de um interesse público que deve ser tido por prevalecente - e esta constitui a razão decisiva para rejeitar a alegação de que estamos perante uma desproteção da confiança constitucionalmente desconforme" (sublinhado nosso).
20 - Também no Ac. do TC n.º 187/2013, que apreciou a constitucionalidade da norma da LOE2013 que mantinha as reduções salariais introduzidas pela LOE 2011, a saber o artigo 27.º da Lei 66-B/2012, de 31 de dezembro, a apreciação do Tribunal Constitucional foi no sentido da não violação do princípio da confiança. Com efeito, entendeu o TC que:
"Como não pode deixar de reconhecer-se a relativização das expectativas que podem legitimamente criar-se em torno da irredutibilidade das remunerações a pagar por verbas públicas, é agora, por força da manutenção da situação de excecionalidade financeira, mais acentuada e evidente. Ainda que o legislador não tenha optado por estabelecer expressamente para as reduções remuneratórias inscritas no Orçamento de 2011 um horizonte temporal mais alargado, permitindo caracterizar essas medidas como sendo de natureza orçamental e de vigência anual, a verdade é que - como o mesmo aresto fez notar - era praticamente certa a sua duração plurianual (e a necessidade da sua inclusão nas leis do orçamento dos anos subsequentes, como forma de dar resposta normativa a uma conjuntura excecional que se pretendia corrigir.
Não se trata, assim, de uma mutação da ordem jurídica com que os destinatários das normas dela constantes, no contexto global em que foi introduzida, não pudessem verdadeiramente contar, sendo que as ponderosas razões de interesse público que motivaram a alteração legislativa operada peto questionado artigo 27.º da Lei do Orçamento de Estado para 2013 não permite, por outro lado, considerá-la carecida de fundamento prevalecente em termos que justifiquem a emissão de um juízo de inconstitucionalidade autonomamente fundado na violação do princípio da segurança jurídica" (sublinhado nosso).
B. Do artigo 18.º do Decreto-Lei 133/2013, de 3 de outubro, do direito de contratação e negociação coletiva e dos princípios da proporcionalidade, tutela da confiança e segurança jurídica
21 - Não obstante todo o artigo 18.º aparecer sob suspeita de inconstitucionalidade, pensa-se que, resolvida a questão de (in)constitucionalidade do seu n.º 4, estará muito simplificada a análise, em certa medida consequencial, dos números que o precedem: grande parte do argumentário esgrimido dirige-se à questão da restrição do direito de negociação e contratação coletiva.
22 - Ora, se é certo que o âmbito material da limitação em causa surge definido pelos conteúdos dos n.os 1 a 3 do artigo 18.º, não menos evidente é que a exclusão destas matérias dos instrumentos de regulamentação coletiva de trabalho se encontra tão só consagrada no n.º 4 do mesmo preceito.
23 - Tendo em conta que a redação dos preceitos em causa já se mantém, sem alterações de monta, desde a LOE2011 (correspondendo ao artigo 39.º-A aditado ao Decreto-Lei 558/99, de 17 de dezembro, pelo artigo 31.º da LOE2011), a invocação do princípio da tutela da confiança e da segurança jurídica não pode deixar de se reputar de desajustada quando associada a uma mudança inesperada da ordem jurídica.
24 - Por outro lado, no que toca à posição do Estado na negociação coletiva, que alegadamente terá fundamentado expetativas legítimas - afastadas, repita-se, já desde 2011 com o aditamento do artigo 39.º-A ao Decreto-Lei 558/99, de 17 de dezembro - tal aspeto acaba por se reconduzir à análise dos termos do n.º 4 do artigo 18.º quando limita, em função da imperatividade do disposto nos números precedentes, a possibilidade de aqueles regimes serem afastados por via da negociação coletiva.
25 - Este douto Tribunal debruçou-se muito recentemente sobre norma jurídica de contornos semelhantes, convocando análises similares, a propósito do pedido de fiscalização abstrata de alguns artigos da Lei 68/2013, de 29 de agosto, que veio definir o período normal de trabalho dos trabalhadores em funções públicas e alterar o Regime do Contrato de Trabalho em Funções Públicas.
26 - Referimo-nos ao artigo 10.º daquela Lei e ao regime de prevalência do disposto no artigo 2.º que aquele determina.
27 - Sendo a decisão jurisprudencial em causa tão recente (Ac. do TC n.º 794/2013, de 21 de novembro), resta-nos salientar a aplicabilidade, pelo menos em parte, dos critérios ali adotados no sentido da compatibilização, ainda que parcial, do disposto no n.º 4 do artigo 18.º do Decreto-Lei 133/2013, de 3 de outubro, com as imposições constitucionais em matéria de contratação coletiva.»
3 - Debatido o memorando apresentado, nos termos do artigo 63.º, n.º 1, da LTC, e fixada a orientação do Tribunal, cumpre decidir.
II. Fundamentação
A. Legitimidade processual dos requerentes
4 - Como se referiu, os requerentes formularam o pedido que deu origem aos presentes autos ao abrigo do disposto no artigo 281.º, n.º 2, alínea f) da Constituição, norma que confere legitimidade para requerer ao Tribunal Constitucional a declaração de inconstitucionalidade ou de ilegalidade, com força obrigatória geral, a um décimo dos Deputados à Assembleia da República.
Uma vez que o pedido se encontra subscrito por vinte e quatro Deputados, mais um do que o número mínimo de vinte e três, mostra-se assegurada a legitimidade dos requerentes para o pedido apresentado.
B. Delimitação do objeto do processo - pedido de declaração de inconstitucionalidade da norma constante do n.º 2 do artigo 14.º do Decreto-Lei 133/2013
5 - Os requerentes sustentam a inconstitucionalidade da norma constante do n.º 2 do artigo 14.º do Decreto-Lei 133/2013, de 3 de outubro, por infringir "o princípio da confiança e da segurança jurídica", ínsito no princípio do Estado de Direito Democrático e decorrente do artigo 2.º da Constituição.
O teor do preceito é o seguinte:
Artigo 14.º
Regime jurídico aplicável
1 - [...]
2 - Podem ser fixadas por lei normas excecionais, de caráter temporário, relativas ao regime retributivo e às valorização remuneratórias dos titulares dos órgãos sociais e dos trabalhadores, independentemente do seu vínculo contratual ou da natureza da relação jurídica de emprego das seguintes entidades:
a) Entidades públicas empresariais;
b) Empresas públicas de capital exclusiva ou maioritariamente público;
c) Entidades dos setores empresariais local e regional.
3 - [...]
4 - [...]
5 - [...]
6 - [...]
A norma impugnada inscreve-se no âmbito do Decreto-Lei 133/2013, de 3 de outubro, diploma que, de acordo com o objeto definido no respetivo artigo 1.º, veio estabelecer os princípios e regras aplicáveis ao setor público empresarial, incluindo as bases gerais do estatuto das empresas públicas (cf. artigo 1.º, n.º 1).
6 - Importa referir que o alcance da referida norma não representa, porém, qualquer inovação, assegurando antes a continuidade de regulação que já se encontrava no regime precedente.
Com efeito, o Decreto-Lei 133/2013 sucedeu ao Decreto-Lei 558/99, de 17 de dezembro, diploma que definiu pela primeira vez o "regime do setor empresarial do Estado, incluindo as bases gerais do estatuto das empresas públicas do Estado" (cf. artigo 1.º do Decreto-Lei 558/99, de 17 de dezembro).
O Decreto-Lei 558/99, de 17 de dezembro, havia, por seu turno, sido sucessivamente alterado pelo Decreto-Lei 300/2007, de 23 de agosto, e pelas Leis e 64-A/2009, de 31 de dezembro.º 55-A/2010, de 31 de dezembro, tendo passado a acolher, na sequência desta última alteração, a norma que agora consta do n.º 2 do artigo 14.º do Decreto-Lei 133/2013.
Assim, a Lei 55-A/2010, de 31 de dezembro, que aprovou o Orçamento de Estado para 2011, determinou, no respetivo artigo 19.º, a redução, a partir de 1 de janeiro de 2011, "das remunerações totais ilíquidas mensais" de "valor superior a (euro) 1500", auferidas pelos trabalhadores do setor público constantes do elenco definido no n.º 9 do referido artigo, o qual incluía, entre outros, quer os "gestores públicos, ou equiparados, os membros dos órgãos executivos, deliberativos, consultivos, de fiscalização ou quaisquer outros órgãos estatutários [...] das empresas públicas de capital exclusiva ou maioritariamente público, das entidades públicas empresariais e das entidades que integram o setor empresarial regional e municipal [...]" [cf. alínea q)], quer os "trabalhadores das empresas públicas de capital exclusiva ou maioritariamente público, das entidades públicas empresariais e das entidades que integram o setor empresarial regional e municipal [...]" [alínea t)]. E, a par da inclusão dos referidos titulares de retribuições a pagar por verbas públicas no elenco dos trabalhadores do setor público sujeitos à afetação salarial determinada no artigo 19.º, a Lei 55-A/2010, procedeu, no artigo 30.º, à alteração do Decreto-Lei 558/99, de 17 de dezembro, então em vigor, conferindo ao respetivo artigo 7.º redação praticamente igual à que veio a ser editada em 2013, a saber:
Artigo 7.º
Regime jurídico geral
1 - [...]
2 - Podem ser fixadas por lei normas excecionais, de caráter temporário, relativas ao regime retributivo e às valorizações remuneratórias dos titulares de órgãos sociais e dos trabalhadores, independentemente do seu vínculo contratual ou da natureza da relação jurídica de emprego, das seguintes entidades:
a) Entidades públicas empresariais;
b) Empresas públicas de capital exclusiva e maioritariamente público;
c) Entidades do setor empresarial local e regional.
[...]
É, portanto, a norma introduzida no ordenamento jurídico no âmbito da alteração do artigo 7.º do Decreto-Lei 558/99, de 17 de dezembro, levada a cabo pelo artigo 30.º da Lei 55-A/2010, de 31 de dezembro, e que transitou para o n.º 2 do artigo 14.º do Decreto-Lei 133/2013, que constitui o objeto do pedido de declaração de inconstitucionalidade.
7 - O preceito que aloja no Decreto-Lei 133/2013 a normação em apreço insere-se no respetivo Capítulo I, que compreende o conjunto das disposições gerais sobre os princípios e regras aplicáveis ao setor público empresarial e às empresas públicas, e inicia a respetiva Secção II, relativa ao "Direito aplicável". Estipula o artigo 14.º o "regime jurídico aplicável" às empresas públicas, em cujo n.º 1 se define, como princípio geral, o de que, sem prejuízo do disposto na legislação aplicável às empresas públicas regionais e locais, aquelas se regem pelo direito privado, ainda que com as "especificidades" decorrentes do estabelecido no referido diploma, bem como dos "diplomas que procedam à sua criação ou constituição e dos respetivos estatutos".
Mas, após tal sujeição das empresas públicas à aplicação, em primeira linha, do direito privado, o artigo 14.º do Decreto-Lei 133/2013 prevê, no seu n.º 2, a possibilidade de serem "fixadas por lei normas excecionais, de caráter temporário, relativas ao regime retributivo e às valorizações remuneratórias dos titulares de órgãos sociais e dos trabalhadores, independentemente do seu vínculo contratual ou da natureza da relação jurídica de emprego", das "entidades públicas empresariais", "empresas públicas de capital exclusiva e maioritariamente público" e "entidades do setor empresarial local e regional".
Os requerentes consideram que o conteúdo precetivo presente em tal texto, ao tornar "possível que, através da lei, e dispensada a fundamentação em interesse público, sejam emitidas normas que venham a pôr em causa o regime retributivo" dos titulares dos órgãos sociais e dos trabalhadores das entidades ali referidas, constitui uma "flagrante violação do direito à retribuição" de tais sujeitos, atentando, desse modo, contra "o princípio da proteção da confiança e da segurança social, ínsito no princípio do Estado de Direito Democrático e decorrente do artigo 2.º da Constituição". Segundo os mesmos, o Tribunal deverá concluir, perante o enunciado constante do n.º 2 do artigo 14.º do Decreto-Lei 133/2013, pela verificação da totalidade dos pressupostos de que depende a afirmação de infração constitucional por violação do princípio da proteção da confiança, designadamente pela ausência de "razões de interesse público" que justifiquem tal disposição, uma vez que, "estabelecendo" uma faculdade que poderá ou não "vir a concretizar-se legalmente", nela se conterá um "mero juízo de prognose relativamente à ocorrência de um interesse público" que é ainda "indefinido" no momento da respetiva emissão.
O pressuposto em que assenta tal raciocínio, de que o disposto no n.º 2 do artigo 14.º do Decreto-Lei 133/2013 cria a possibilidade de, através de lei e com dispensa de fundamentação em interesse público relevante, virem a ser emitidas normas excecionais relativas ao regime retributivo e às valorizações remuneratórias dos titulares dos órgãos sociais e dos trabalhadores das entidades públicas empresariais, empresas públicas de capital exclusiva e maioritariamente público e entidades do setor empresarial local e regional, é rejeitado pelo autor da norma impugnada.
Segundo sustentado pelo Primeiro-Ministro, a norma constante do n.º 2 do artigo 14.º do Decreto-Lei 133/2013, destinou-se tão somente a esclarecer eventuais dúvidas que, em razão da matriz privatística do enquadramento que já então era dado às empresas públicas (cf. artigo 7.º, n.º 1, do Decreto-Lei 558/99), pudessem suscitar-se acerca da possibilidade de, através de normas orçamentais de caráter temporário e natureza excecional, ser alterado o estatuto, nomeadamente o remuneratório, dos titulares dos órgãos sociais e trabalhadores.
Por ser assim, tal norma é, no entender do Primeiro-Ministro, tão somente uma norma "sinalizadora", que "em certa medida viabiliza ou 'habilita' outras normas legais excecionais que venham a definir alterações ao regime retributivo e às valorizações remuneratórias dos titulares dos órgãos sociais e dos trabalhadores, independentemente do seu vínculo contratual ou da natureza da relação jurídica de emprego", ainda que, por não dispor de valor reforçado, se limite, ao fazê-lo, a estabelecer "uma faculdade de que o legislador sempre disporia perante um interesse público suficientemente poderoso". Para o respondente, "só as normas que concretamente venham a disciplinar [...] a medida em que se altera o regime retributivo em causa, ou as valorizações remuneratórias, poderão 'responder' aos fundamentos de inconstitucionalidade avançados pelos requerentes", o que, de resto, foi já aferido por este Tribunal nos Acórdãos n.º 396/2011 e 187/2013, que apreciaram a validade constitucional das normas constantes do artigo 19.º, da Lei 55-A/2010, e do artigo 27.º, da Lei 66-B/2012, respetivamente.
Efetivamente, para além da consagração de uma ressalva juspublicista em domínio material que toma como regime-regra o de direito privado, o enunciado do n.º 2 do artigo 14.º do decreto-lei 133/2013, não apresenta, em si mesmo, conteúdo normativo substancial, uma vez que nele não se determina a alteração de qualquer um dos elementos que integram o regime retributivo ou do conjunto de regras relativas à valorização remuneratória dos titulares de órgãos sociais e dos trabalhadores das entidades públicas empresariais, empresas públicas de capital exclusiva e maioritariamente público e entidades do setor empresarial local e regional, aí referidas, antes se limitando a prever a possibilidade de, por lei, virem a ser fixadas normas excecionais, de caráter temporário, com aquele objeto.
Na perspetiva do estatuto da relação jurídica de emprego que vincula aqueles sujeitos a estas entidades, o n.º 2 do artigo 14.º do Decreto-Lei 133/2013 não contém, pois, qualquer proposição prescritiva criadora de direito novo à qual possa ser reportada a produção de efeitos jurídicos conformadores de qualquer um dos direitos e deveres que integram o conteúdo daquela relação, designadamente no âmbito da garantia da irredutibilidade salarial que àqueles se encontra infraconstitucionalmente assegurada, tanto no Código do Trabalho [artigo 129.º, n.º 1, alínea d)], como no Regime do Contrato de Trabalho em Funções Públicas [artigo 89.º, alínea d)].
Então, limitado o seu conteúdo programático próprio à enunciação da possibilidade de, por lei, virem a ser estabelecidas medidas excecionais relativas ao regime retributivo e às valorizações remuneratórias dos agentes das entidades do setor empresarial estadual, local e regional, aí referidas, com efeitos sobreponíveis ao que em contrário resulte da aplicação do regime-regra definido no respetivo n.º 1, o n.º 2 do artigo 14.º do Decreto-Lei 133/2013 não contém qualquer disciplina que possa incidir direta e imediatamente sobre o estatuto dos referidos agentes, sendo insuscetível, por isso, de conformar definitivamente qualquer dos um dos aspetos atinentes àqueles domínios materiais de regulação.
Todavia, pese embora a ausência de modificação direta e imediata do ordenamento jurídico, sustentam os requerentes que, por introduzir a hipótese de virem a ser determinadas por lei alterações excecionais ao regime retributivo e às valorizações remuneratórias dos titulares de órgãos sociais e dos trabalhadores das entidades públicas empresariais, empresas públicas de capital exclusiva e maioritariamente público e entidades do setor empresarial local e regional, o n.º 2 do artigo 14.º Decreto-Lei 133/2013 condiciona e predetermina o sentido das posteriores escolhas legislativas, definindo uma orientação programática geral incompatível com o princípio da proteção da confiança inscrito no artigo 2.º da Constituição. Vejamos se assim é.
8 - A primeira nota a salientar com vista a apurar o sentido e alcance da proposição contida o n.º 2 do artigo 14.º do Decreto-Lei 133/2013, é a de que entre tal proposição e a "lei" que vier a fixar "normas excecionais, de caráter temporário, relativas ao regime retributivo e às valorizações remuneratórias dos titulares de órgãos sociais e dos trabalhadores" das entidades pertencentes ao setor empresarial estadual, local e regional, ali referidas, não se verifica qualquer uma das relações de subordinação ou dependência entre atos legislativos perspetivadas no n.º 3 do artigo 112.º da Constituição.
A Constituição tipifica, neste preceito, a categoria dos atos normativos correspondente às leis com valor reforçado, na mesma incluindo, a par das leis orgânicas e das leis que carecem de aprovação por maioria de dois terços, as leis que, por força da Constituição, sejam pressuposto normativo necessário de outras leis ou que por outras devam ser respeitadas.
Conforme salienta a doutrina, as leis que, por força da Constituição, são consideradas pressuposto normativo necessário de outras leis são aquelas que constituem uma condição: i) do exercício de uma competência legislativa por parte de outro órgão; ii) de delimitação do âmbito do exercício dessa competência; e iii) de definição de parâmetros materiais a observar pelo ato legislativo (cf. Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, vol. II, 4.ª ed., Coimbra, 2010, p. 60).
Estas características, que se verificam nas leis de autorização e nas leis de bases, não são evidentemente partilhadas por proposições contidas em ato legislativo que, para além de revestir desde logo a forma de decreto-lei, e não de lei formal parlamentar, incide sobre matéria sob reserva relativa da Assembleia da República (cf. artigo 165.º, n.º 1, alínea u), da Constituição), tendo sido por isso ele próprio emanado pelo Governo ao abrigo de uma autorização concedida por aquele órgão (Lei 18/2013, de 18 de fevereiro).
Na medida em que a única relação de dependência ou subordinação constitucionalmente configurável entre uma lei e um decreto-lei é justamente a inversa daquela que vem pressuposta - isto é, é aquela que, excecionando o princípio geral da paridade de forma e valor entre leis e decretos-lei, atribui supremacia hierárquica a certas das primeiras (leis de valor reforçado) -, o n.º 2 do artigo 14.º do Decreto-Lei 133/2013, para além de não ter conteúdo material imediato, não cria, não incrementa, nem por qualquer modo amplia a possibilidade de, no exercício da respetiva competência legislativa, a Assembleia da República vir a emitir normas excecionais relativas ao regime retributivo e às valorizações remuneratórias dos titulares de órgãos sociais e dos trabalhadores das entidades públicas empresariais, empresas públicas de capital exclusiva e maioritariamente público e entidades do setor empresarial local e regional.
Não constituindo pressuposto ou condição da possibilidade de tal emissão, a proclamação contida no n.º 2 do artigo 14.º do Decreto-Lei 133/2013 não é obviamente configurável, nem como uma norma de competência, que habilite ou pretenda habilitar o legislador parlamentar a editar normas relativas ao regime retributivo e às valorizações remuneratórias dos titulares dos órgãos sociais ou trabalhadores das entidades integradas no setor empresarial estadual, local e regional ali referidas, nem tão pouco como uma norma material de indirizzo político-legislativo, com vocação para modelar ou conformar o sentido ou a estrutura de quaisquer prescrições ou injunções a editar naquele domínio pela Assembleia da República, ou legitimada a definir os termos em que tais prescrições, uma vez editadas, haverão de relacionar-se com as normas de direito privado que ali regem em primeira linha.
Assim, se a possibilidade de o legislador parlamentar vir a fixar normas excecionais no âmbito do regime retributivo e valorizações remuneratórias dos titulares de órgãos sociais e dos trabalhadores de certas das entidades inseridas no setor empresarial estadual, local e regional não depende, em qualquer aceção, da enunciação contida no n.º 2 do artigo 14.º do Decreto-Lei 133/2013 - como aconteceu, aliás, com as normas de redução remuneratória cuja conformidade constitucional foi apreciada nos Acórdãos n.º 396/2011 e 187/2013 -, este não conterá, pelo menos no segmento em que afirma aquela eventualidade, um conteúdo vinculativo autónomo, de que derive uma concreta afetação de posições jurídico subjetivas, capaz de conferir sentido útil ao juízo que sobre a mesma viesse a recair.
É que, ao limitar-se a enunciar a possibilidade de, por lei, virem a ser fixadas normas excecionais, de caráter temporário, relativas ao regime retributivo e às valorizações remuneratórias dos titulares de órgãos sociais e dos trabalhadores das entidades públicas empresariais, empresas públicas de capital exclusiva e maioritariamente público e entidades do setor empresarial local e regional, o n.º 2 do artigo 14.º do Decreto-Lei 133/2013 não ultrapassa uma enunciação indicativa ou proclamatória, não editando, nessa parte, qualquer critério para a conformação da relação jurídica em que se fundam aqueles regimes remuneratórios. Nem mesmo nela se pode encontrar um sentido genérico da possível regulação excecional, do ponto de vista do conteúdo da posição remuneratória dos sujeitos abrangidos, não fornecendo por si própria qualquer ponto de referência objetivo para ajuizar como favorável ou desfavorável - e muito menos medir - a repercussão em tal posição jurídico-subjetiva.
Nessa medida, porque, como se viu, o enunciado legal do n.º 2 do artigo 14.º do Decreto-Lei 133/2013, não reveste vinculatividade jurídica imediata ou substância reguladora na dimensão considerada no requerimento em apreço, nem constitui pressuposto ou condicionante de outros atos do poder público, o pedido de declaração de inconstitucionalidade com esse objeto não comporta interesse jurídico relevante, mostrando-se a sua apreciação nesta sede desprovida da utilidade que lhe é pressuposta, o que determina o seu não conhecimento.
C. Do mérito do pedido
C1. O problema de constitucionalidade das normas constantes do artigo 18.º do Decreto-Lei 133/2013
9 - Os requerentes impugnam também a conformidade constitucional do regime que resulta da conjugação do disposto nos n.os 1, 2 e 3 do artigo 18.º do Decreto-Lei 133/2013, com a prescrição contida no n.º 4 do preceito, por considerarem violado o direito de negociação e contratação coletiva, assegurado no artigo 56.º, n.º 3, apontando igualmente lesão do "princípio da proibição do excesso, em termos de igualdade proporcional", com invocação do artigo 13.º, e bem assim do princípio da proteção da confiança, decorrente do artigo 2.º, todos da Constituição.
O artigo 18.º do Decreto-Lei 133/2013, de 3 de outubro, tem o seguinte teor:
Artigo 18.º
Subsídio de refeição, ajudas de custo, trabalho suplementar e trabalho noturno
1 - Sem prejuízo do disposto no artigo anterior, é aplicável o regime previsto para os trabalhadores em funções públicas do subsídio de refeição e do abono de ajudas de custo e transporte por deslocações em território português e ao estrangeiro devidas aos titulares de órgãos de administração ou de gestão e aos trabalhadores das entidades públicas empresariais, empresas públicas de capital exclusiva ou maioritariamente público e entidades do setor empresarial local ou regional.
2 - À retribuição devida por trabalho suplementar prestado por trabalhadores das entidades referidas no número anterior é aplicável o regime previsto para a remuneração do trabalho extraordinário prestado por trabalhadores em funções públicas, nos termos do Regime do Contrato de Trabalho em Funções Públicas, aprovado pela Lei 59/2008, de 11 de setembro.
3 - À retribuição devida por trabalho noturno prestado por trabalhadores das entidades referidas no n.º 1 é aplicável o regime previsto para a remuneração do trabalho noturno prestado por trabalhadores em funções públicas, nos termos do Regime do Contrato de Trabalho em Funções Públicas, aprovado pela Lei 59/2008, de 11 de setembro.
4 - O regime fixado no presente artigo tem natureza imperativa, prevalecendo sobre quaisquer outras normas, especiais ou excecionais, em contrário e sobre instrumentos de regulamentação coletiva de trabalho, não podendo ser afastado ou modificado pelos mesmos, com exceção do que se encontrar estabelecido na Lei do Orçamento do Estado.
10 - O preceituado no referido artigo 18.º dispõe sobre o conjunto de regras aplicáveis ao abono do subsídio de refeição e ajudas de custo aos titulares de órgãos de administração ou gestão e trabalhadores das entidades públicas empresariais, das empresas públicas de capital exclusiva ou maioritariamente público e das entidades do setor empresarial local ou regional, bem como à contrapartida devida pelo trabalho suplementar e trabalho noturno prestado pelos trabalhadores daquelas entidades.
Depois de ressalvar o princípio geral, estabelecido no n.º 1 do artigo 17.º, segundo o qual os trabalhadores das empresas públicas se encontram sujeitos, em primeira linha, ao regime jurídico do contrato individual de trabalho, o n.º 1 do artigo 18.º do Decreto-Lei 133/2013 estabelece que o subsídio de refeição e o abono de ajudas de custo e transporte por deslocações em território português e ao estrangeiro devidas aos titulares de órgãos de administração ou gestão e trabalhadores das entidades públicas empresariais, das empresas públicas de capital exclusiva ou maioritariamente público e das entidades do setor empresarial local ou regional serão determinados de acordo com o regime previsto para os trabalhadores em funções públicas.
O n.º 2 do artigo 18.º introduz uma segunda exceção ao princípio geral estabelecido no n.º 1 do artigo 17.º, determinando que o regime aplicável à retribuição devida pelo trabalho suplementar prestado pelos trabalhadores das entidades acima referidas é aquele que se encontra previsto para a remuneração do trabalho extraordinário prestado por trabalhadores em funções públicas no Regime do Contrato de Trabalho em Funções Públicas (doravante também referido pelo acrónimo RCTFP) aprovado pela Lei 59/2008, de 11 de setembro.
Por seu turno, o n.º 3 do artigo 18.º refere-se ao regime aplicável à retribuição devida por trabalho noturno prestado pelos trabalhadores daquelas entidades, estabelecendo que aquela retribuição será igualmente determinada nos termos do RCTFP, aprovado pela Lei 59/2008, de 11 de setembro.
O n.º 4 do artigo 18.º do Decreto-Lei 133/2013 dispõe, por último, sobre a natureza das normas constantes dos números anteriores, fixando-lhes caráter imperativo e determinando a sua prevalência sobre: i) quaisquer outras normas, especiais ou excecionais, em contrário, com exceção do que se encontrar estabelecido na Lei do Orçamento do Estado; e ii) sobre instrumentos de regulamentação coletiva de trabalho, que as não poderão afastar ou modificar.
Remetendo, em geral, para os regimes a que se encontram sujeitos os trabalhadores que exercem funções públicas, o artigo 18.º do Decreto-Lei 133/2013 incide, então, sobre a determinação do direito aplicável à abonação de um conjunto de prestações pecuniárias de natureza diversa, no âmbito da relação de emprego estabelecida com certas das entidades pertencentes ao setor empresarial estadual, local e regional.
Tal como acontece com o n.º 2 do seu artigo 14.º, também o regime constante dos n.os 1 a 4 do artigo 18.º do Decreto-Lei 133/2013 remonta, no essencial, ao Decreto-Lei 559/99, de 17 de dezembro, que estabeleceu o regime jurídico do setor empresarial do Estado e das empresas públicas, inserindo-se no conjunto das alterações que neste diploma foram introduzidas pelos artigos 30.º e 31.º da Lei 55-A/2010 (Lei do Orçamento de Estado de 2011).
Assim, o aditamento do artigo 39.º-A ao Decreto-Lei 558/99, de 17 de dezembro, operado pela Lei do Orçamento de Estado de 2011 (artigo 31.º), introduziu no ordenamento nacional um novo regime relativo à determinação da lei aplicável ao abono do subsídio de refeição e suplementos remuneratórios devidos aos titulares de órgãos de administração e de gestão e aos trabalhadores das entidades públicas empresariais, empresas públicas de capital exclusiva e maioritariamente público e entidades do setor empresarial local ou regional, regime esse que transitou sem alterações relevantes para o artigo 18.º do Decreto-Lei 133/2013, aqui impugnado, com exceção da ressalva, agora expressamente introduzida, quanto à prevalência do que em contrário se encontrar estabelecido na Lei do Orçamento de Estado, e da eliminação da ressalva que anteriormente assegurava a prevalência das "disposições sobre trabalho suplementar e noturno constantes de legislação especial e de instrumentos de regulamentação coletiva de trabalho aplicáveis aos profissionais de saúde".
De acordo com o Relatório do Orçamento de Estado para 2011, o regime então introduzido obedeceu, no âmbito da Lei 55-A/2010, a um duplo objetivo: tratou-se, por um lado, de medida destinada a viabilizar, em termos imediatos, a redução da despesa do Estado através dos custos com pessoal (cf. Relatório OE 2011, pág. 48) e, por outro, de proceder a "alterações, com caráter definitivo", justificadas pelo propósito, mais amplo, de "padronizar os regimes aplicáveis à prestação de trabalho noturno e suplementar, às ajudas de custo e ao valor pago pelo subsídio de refeição", no âmbito do setor empresarial do Estado, "remetendo-os para os regimes paralelos aplicáveis aos trabalhadores contratados em funções públicas e respetivas formas de remuneração" (cf. Relatório OE 2011, pág. 53).
Tal propósito de padronização foi concretizado tanto por via da edição de um corpo de normas de natureza estritamente orçamental, de caráter transversal e amplo alcance subjetivo, estendendo o mesmo regime de abonação do subsídio de refeição a um vasto conjunto de agentes, como através da edição de corpos específicos de normas, destinados a segmentos ou a categorias particulares de agentes dentro daquele setor.
As normas orçamentais de eficácia transversal relativas ao subsídio de refeição foram alojadas no artigo 28.º da Lei 55-A/2010, através do qual, com caráter prevalecente e imperativo (cf. n.º 3), se fixou para o valor do subsídio de refeição abonado aos trabalhadores do setor público, latamente entendido - abrangendo portanto também os titulares dos órgãos sociais e os trabalhadores das entidades públicas empresariais, das empresas públicas de capital exclusiva e maioritariamente público e das entidades do setor empresarial local e regional, aí referidos nas alíneas q) e t) - um limite máximo coincidente com o previsto na Portaria 1553-D/2008, de 31 de dezembro, alterada pela Portaria 1458/2009, de 31 de dezembro (cf. n.º 1), ainda que com a ressalva de, em caso de não coincidirem, o primeiro apenas seria reduzido quando o segundo atingisse tal valor (cf. n.º 3).
Por seu turno, especificamente quanto aos titulares dos órgãos de administração e gestão e trabalhadores das entidades públicas empresariais, empresas públicas de capital exclusiva e maioritariamente público e entidades do setor empresarial local ou regional, a opção por conferir caráter definitivo à transposição dos regimes paralelos aplicáveis aos trabalhadores em funções públicas determinou que a padronização tivesse sido concretizada, do ponto de vista legislativo, através da revisão do próprio diploma que então acolhia a definição dos "princípios e regras aplicáveis ao setor público empresarial, incluindo as bases gerais do estatuto das empresas públicas" (cf. artigo 1.º, n.º 1, do Decreto-Lei 558/99).
O esquema seguido pelo legislador de 2011 na concretização do propósito de padronização do regime de abono do subsídio de refeição e suplementos remuneratórios encontrou sequência na evolução legislativa subsequente, antes mesmo da edição em 2013 das normas aqui em apreço.
Por um lado, a norma orçamental de eficácia transversal relativa ao subsídio de refeição acolhida no artigo 28.º da Lei 55-A/2010 foi retomada pelas Leis Orçamentais posteriores, tendo sido mantida expressamente em vigor pelos artigos 20.º, n.º 1, da Lei 64-B/2011, de 30 de dezembro, 39.º, da Lei 66-B/2012, de 31 de dezembro, e 43.º, da Lei 83-C/2013, de 31 de dezembro.
A esta norma, uma outra, relativa à remuneração do trabalho extraordinário, foi associada pela Lei 64-B/2011, que, no seu artigo 32.º, fixou, com caráter imperativo e prevalecente (cf. n.º 3), embora a título de medida excecional de estabilidade orçamental para vigorar durante a vigência do PAEF (cf. n.º 1), novos coeficientes para o cálculo do valor da contraprestação devida pela realização de trabalho extraordinário igualmente aplicáveis a todo o universo de trabalhadores do setor público abrangidos pelas medidas de consolidação orçamental (cf. n.os 1 e 2), incluindo, portanto, quer os trabalhadores das entidades públicas empresariais, empresas públicas de capital exclusiva e maioritariamente público e entidades do setor empresarial local ou regional, quer os trabalhadores das fundações públicas e dos estabelecimentos públicos. Embora com variações relativas ao valor dos coeficientes de remuneração do trabalhado extraordinário, esta norma foi mantida nas Leis Orçamentais posteriores, tendo sido retomada no artigo 45.º da Leis n.º 66-B/2012 e no artigo 45.º da Lei 86-C/2013.
Por outro lado, foram preservados ambos os conjuntos específicos de normas que haviam dado concretização, no âmbito da Lei 55-A/2010, à padronização do regime de abonação dos suplementos remuneratórios em relação a determinadas categorias de trabalhadores do setor público. Assim: i) a sujeição dos agentes das entidades públicas empresariais, empresas públicas de capital exclusiva e maioritariamente público e entidades do setor empresarial local ou regional aos regimes relativos ao abono de ajudas de custo e transporte por deslocações e à retribuição do trabalho extraordinário e noturno previstos para os trabalhadores em funções públicas foi mantida através da transposição para o novo regime jurídico do setor público empresarial, aprovado pelo Decreto-Lei 133/2013, das disposições anteriormente contidas no artigo 39.º-A do Decreto-Lei 558/99; e ii) a subordinação dos trabalhadores das fundações públicas e dos estabelecimentos públicos àqueles regimes foi assegurada através da sucessiva reprodução do artigo 32.º da Lei 55-A/2010 nas Leis Orçamentais posteriores, mais concretamente nos artigos 30.º da Lei 64-B/2011, 40.º da Lei 66-B/2012 e 44.º da Lei 83-C/2013.
Da descrição acabada de fazer retira-se, assim, que, a par da subordinação às medidas transversais de caráter orçamental relativas ao subsídio de refeição e à retribuição do trabalho extraordinário aplicáveis a todos os trabalhadores do setor público, os titulares de órgãos de administração e gestão e trabalhadores das entidades públicas empresariais, empresas públicas de capital exclusiva e maioritariamente público e entidades do setor empresarial local ou regional foram sujeitos, a título não conjuntural mas definitivo, à aplicação dos regimes relativos ao abono do subsídio de refeição, ajudas de custo e transporte por deslocações e à retribuição do trabalho extraordinário e noturno previstos para os trabalhadores em funções públicas, em particular para os trabalhadores contratados.
Justamente porque se pretendeu definitiva, esta sujeição foi concretizada, não através da edição e sucessiva renovação de normas de natureza orçamental, mas sim no âmbito da própria revisão do regime jurídico do setor empresarial do Estado, evidenciando por isso a natureza, não de medida avulsa, mas de conformação estrutural do regime aplicável.
Não se trata, portanto, de uma providência ocasional, de alcance temporal limitado, funcionalmente associada ao esforço de consolidação orçamental, mas da definição, com caráter de permanência, do regime aplicável ao abono do subsídio de refeição e a certos dos suplementos remuneratórios devidos no âmbito da relação de emprego estabelecida com as entidades do setor empresarial estadual, local e regional.
11 - Em si mesmas, tais prestações obedecem a enquadramentos jurídicos distintos, quer no âmbito do regime relativo aos trabalhadores que exercem funções públicas, quer no campo de incidência do Código do Trabalho.
Com a publicação da Lei 12-A/2008, de 27 de fevereiro, que aprovou os regimes de vinculação, de carreiras e de remunerações dos trabalhadores que exercem funções públicas (adiante referido por LVCR), o subsídio de refeição e as prestações sociais deixaram de constituir componentes da remuneração - assim acontecia no regime anterior, constante do Decreto-Lei 353-A/89, de 16 de outubro -, passando a ser considerados no âmbito da proteção social e benefícios sociais (cf. artigo 114.º da LVCR).
O regime remuneratório passou a ser composto pela remuneração base, pelos suplementos remuneratórios e pelos prémios de desempenho (cf. artigo 67.º, n.º 1, da LVCR), sendo considerados suplementos remuneratórios os acréscimos remuneratórios devidos pelo exercício de funções em postos de trabalho que apresentem condições mais exigentes relativamente a outros postos de trabalho caracterizados por idêntico cargo ou por idênticas carreira e categoria (artigo 73.º, n.º 1), correspondendo-lhes a natureza de prestações pecuniárias destinadas a "remunerar as específicas condições em que o trabalho é prestado ou as particularidades que envolvem a sua execução" (cf. Paulo Veiga e Moura, Função Pública, 1.º volume, 2.ª edição, Coimbra Editora, 2001, p. 315).
No âmbito da LVRC, constituíam suplementos remuneratórios transitórios os relativos à prestação de trabalho extraordinário e de trabalho noturno [artigo 73.º, n.º 3, alíneas a) e b)] e também as ajudas de custo e subsídios de transporte. Tais suplementos eram, em regra, fixados em montantes pecuniários, só excecionalmente podendo ser fixados em percentagem da remuneração base mensal (artigo 73.º, n.º 6).
A LVCR foi recentemente revogada pela Lei 35/2014, de 20 de junho [cf. artigo 42.º, n.º 1, alínea c)], que aprovou a Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas (doravante também referida como LTFP), em vigor desde o dia 1 de agosto (cf. artigo 44.º, n.º 1).
Sob a LTFP, a remuneração dos trabalhadores com vínculo de emprego público mantém como seus componentes estruturais a remuneração base, os suplementos remuneratórios e os prémios de desempenho (cf. artigo 146.º), persistindo o conceito de suplementos remuneratórios integrado pelos acréscimos remuneratórios devidos pelo exercício de funções em postos de trabalho que apresentam condições mais exigentes relativamente a outros postos de trabalho caracterizados por idêntico cargo ou por idênticas carreira e categoria (artigo 159.º, n.º 1).
Reproduzindo, sem alterações, a previsão do artigo 73.º, n.º 3, da LVRC, o n.º 3 do artigo 159.º da LTFP mantém a regra segundo a qual os suplementos remuneratórios são devidos quando, naquela posição, os trabalhadores sofram, no exercício das suas funções, condições de trabalho mais exigentes: a) de forma anormal e transitória, designadamente as decorrentes de prestação de trabalho suplementar, noturno, em dias de descanso semanal, complementar e feriados e fora do local normal de trabalho; ou b) de forma permanente, designadamente as decorrentes de prestação de trabalho arriscado, penoso ou insalubre, por turnos, em zonas periféricas, com isenção de horário e de secretariado de direção.
No âmbito da LTFP, subsistem, assim, qualificáveis como suplementos remuneratórios os relativos à retribuição do trabalho suplementar e do trabalho noturno, bem como ao abono das ajudas de custo e subsídios de transporte, mantendo-se ainda, como regra, a de que tais suplementos são fixados em montantes pecuniários, só excecionalmente podendo ser fixados em percentagem da remuneração base mensal (artigo 159.º, n.º 5).
Por seu turno, no enquadramento resultante do Código do Trabalho, aplicável ao contrato individual de trabalho, as ajudas de custo, os abonos de viagem, as despesas de transporte e os abonos de instalação, não têm, em princípio, caráter retributivo [cf. artigo 260.º, n.º 1, alínea a)] - trata-se de pagamentos efetuados pelo empregador ao trabalhador que se situam para além do sinalagma contratual (cf. Pedro Romano Martinez, Direito do Trabalho, 6.ª ed., Almedina, 2013, p. 549) -, o mesmo valendo para o subsídio de refeição fixado em convenção coletiva de trabalho (cf. artigo 260.º, n.º 2), consistindo numa prestação de natureza "assistencial" (cf. António Monteiro Fernandes, Direito do Trabalho, 12.ª ed., Almedina, 2004, p. 473).
Já os acréscimos devidos pela prestação de trabalho noturno (cf. artigo 266.º) e de trabalho suplementar (cf. artigo 268.º) são considerados complementos remuneratórios, isto é, acrescentos à retribuição base, sem prejuízo, no segundo caso, da possibilidade de nesta virem a ser integrados sempre que a prestação ocorra com caráter de regularidade (idem, p. 470).
12 - Da concatenação do disposto no n.º 1 do artigo 18.º do Decreto-Lei 133/2013 com o preceituado no respetivo n.º 4 resulta que aos titulares de órgãos de administração ou de gestão e aos trabalhadores das entidades públicas empresariais, das empresas públicas de capital exclusiva e maioritariamente público e das entidades do setor empresarial local ou regional são aplicáveis os regimes relativos ao abono do subsídio de refeição e das ajudas de custo e transporte por deslocações em território português e ao estrangeiro previstos para os trabalhadores em funções públicas, sendo tal aplicação imperativa e prevalecente no confronto com quaisquer outras normas, especiais ou excecionais, em contrário e sobre instrumentos de regulamentação coletiva de trabalho, já celebrados e a celebrar, com exceção do que se encontrar estabelecido na Lei do Orçamento do Estado.
Importa, então, ter em atenção esses vários regimes.
No que respeita ao subsídio de refeição, o regime atualmente previsto para os trabalhadores em funções públicas decorre do Decreto-Lei 57-A/84, de 20 de fevereiro, que estabeleceu o "novo quantitativo e regime de subsídio de refeição a atribuir aos funcionários e agentes da administração central e local, bem como dos organismos de coordenação económica e demais instituto públicos que revista a natureza de serviços personalizados ou de fundos públicos", em conjugação com a Portaria 1553-D/2008, de 31 de dezembro, que atualizou o respetivo valor, fixando-o em 4,27 euros.
Cabe referir que, para além de estabelecida nos termos que resultam dos n.os 1 e 4 do artigo 18.º do Decreto-Lei 133/2013, a sujeição imperativa dos titulares dos órgãos de administração ou de gestão e dos trabalhadores das entidades públicas empresariais, empresas públicas de capital exclusiva e maioritariamente público e entidades do setor empresarial local ou regional ao regime de abono do subsídio de refeição previsto para os trabalhadores em funções públicas encontra ainda fundamento no artigo 43.º da Lei 82-B/2014, de 31 de dezembro.
Daí resulta que os termos em que o regime de abono do subsídio de refeição previsto para os trabalhadores em funções públicas é atualmente aplicável aos titulares de órgãos de administração ou de gestão e os trabalhadores das entidades públicas empresariais, empresas públicas de capital exclusiva e maioritariamente público e entidades do setor empresarial local ou regional são aqueles que, tendo constado já das leis orçamentais n.º 55-A/2010, 64-B/2011, 66-B/2012 e 83-C/2013, se encontram definidos, para o ano de 2015, no artigo 43.º da Lei 83-B/2014. Ao contrário do previsto no artigo 18.º, n.º 1, do Decreto-Lei 133/2013, e tal como aconteceu nas anteriores leis orçamentais, este regime contém uma cláusula geral de salvaguarda, que assegura a manutenção dos valores percebidos a 31 de dezembro de 2014 a título de subsídio de refeição que não coincidam com o montante fixado na Portaria 1553-D/2008, de 31 de dezembro, até que esse montante atinja aquele valor (cf. artigo 43.º, n.º 2, da Lei 82-B/2014).
O regime de pagamento de ajudas de custo e subsídio de transporte por deslocações em território nacional aplicável aos trabalhadores em funções públicas encontra-se previsto no Decreto-Lei 106/98, de 24 de abril, em particular no respetivo no artigo 38.º, em conjugação com os n.os 2 e 4 da Portaria 1553-D/2008, de 31 de dezembro, que fixam, respetivamente, os montantes a atribuir a esse título.
O Decreto-Lei 106/98, de 24 de abril, foi alterado pelo Decreto-Lei 137/2010, de 28 de dezembro, o qual procedeu, no n.º 1 do seu artigo 4.º, à redução, entre 15 % e 20 %, dos valores das ajudas de custo fixados pelo n.º 2 da Portaria 1553-D/2008, de 31 de dezembro, e no n.º 4 do mesmo artigo 4.º, à redução em 10 % do valor do subsídio de transporte estabelecido no n.º 4 da mesma Portaria.
O pagamento das ajudas de custo e transporte devidas por deslocações ao estrangeiro aplicável aos trabalhadores em funções públicas encontra-se, por seu turno, regulado no Decreto-Lei 192/95, de 28 de julho, em conjugação com da Portaria 1553-D/2008, de 31 de dezembro, que, em conformidade com o previsto no artigo 14.º daquele diploma legal, fixou, no respetivo n.º 5, os valores devidos àquele título. O Decreto-Lei 192/95, de 28 de julho, foi entretanto alterado pelo já referido Decreto-Lei 137/2010, de 28 de dezembro, que procedeu, no n.º 3 do seu artigo 4.º, à redução, entre 15 % e 20 %, dos valores das ajudas de custo fixados no n.º 5 da Portaria 1553-D/2008, de 31 de dezembro. O Decreto-Lei 137/2010, de 28 de dezembro, sofreu nova modificação, pela Lei 66-B/2012 que, no respetivo artigo 42.º, procedeu à alteração do n.º 3 do artigo 4.º do referido diploma, elevando para 40 % e 35 % os coeficientes de redução dos valores das ajudas de custo fixados pelo n.º 5 da Portaria 1553-D/2008, de 31 de dezembro.
O regime aplicável à retribuição devida pelo trabalho suplementar prestado pelos trabalhadores das entidades acima referidas decorre do n.º 2 do artigo 18.º do Decreto-Lei 133/2013, determinando a sujeição destes ao regime previsto para a remuneração do trabalho extraordinário prestado por trabalhadores em funções públicas.
No momento da publicação do referido diploma, tal regime era o constante do artigo 212.º do RCTFP. Todavia, tal como sucedeu com a LVCR, também a Lei 59/2008 foi entretanto revogada pela Lei 35/2014 [cf. artigo 42.º, n.º 1, alínea e)], que aprovou a Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas.
Na sequência de tal revogação, a disciplina relativa à retribuição do trabalho extraordinário passou a constar do artigo 162.º da LTFP, que estipula o acréscimo a perceber pelo trabalhador na primeira hora ou fração desta (25 % da remuneração) e nas horas ou frações subsequentes (37,5 % da remuneração), assim como por trabalho suplementar prestado em dia de descanso semanal, obrigatório ou complementar, e em dia feriado (50 % da remuneração por cada hora de trabalho efetuado). Nos termos do n.º 4 do preceito, os montantes remuneratórios nele previstos podem ser fixados em instrumentos de regulamentação coletiva de trabalho.
De acordo com a regra, fixada no n.º 3 do artigo 42.º da Lei 35/2014, segundo a qual todas as referências aos diplomas revogados pelo respetivo n.º 1 se entendem feitas para as correspondentes normas da LTFP, é para a disciplina prevista no artigo 162.º deste último diploma que, desde a respetiva entrada em vigor, se deverá considerar remeter o n.º 2 do artigo 18.º do Decreto-Lei 133/2013.
Conforme estatuído no n.º 4 do artigo 18.º do Decreto-Lei 133/2013, a aplicação do regime relativo à prestação de trabalho suplementar previsto no artigo 162.º da LTFP é imperativa, prevalecendo sobre os instrumentos de regulamentação coletiva do trabalho e apenas cedendo perante o que em contrário se dispuser nas Leis orçamentais.
Esta ressalva final determina a prevalecente aplicação da disciplina que atualmente se contém no artigo 45.º da Lei 82-B/2014, de 31 de dezembro, onde, à semelhança do que sucedera nas três leis orçamentais anteriores, se dispõe sobre os valores de acréscimo por trabalho extraordinário durante o ano de 2015. Esta, porém, exceciona, nos termos do seu artigo 46.º, a aplicação de tal regime aos titulares de cargos e demais pessoal das empresas de capital exclusiva ou maioritariamente público e das entidades públicas empresariais que integrem o setor público empresarial sempre que dele resulte, para tais empresas, e por efeito de regulamentação internacional, redução de receitas.
O n.º 3 do artigo 18.º do Decreto-Lei 133/2013 refere-se, por último, ao regime aplicável à retribuição devida por trabalho noturno prestado pelos trabalhadores das entidades públicas empresariais, empresas públicas de capital exclusiva e maioritariamente público e entidades do setor empresarial local ou regional, determinando a respetiva sujeição ao regime que, à data da publicação do referido diploma, se encontrava previsto no artigo 210.º do Regime do Contrato de Trabalho em Funções Públicas.
Uma vez mais, por efeito da entrada em vigor da Lei 35/2014 e da consequente revogação, operada pela alínea e) do n.º 1 do respetivo artigo 42.º, da Lei 59/2008, de 11 de setembro, a disciplina relativa ao trabalho noturno fixada no artigo 210.º deste diploma foi substituída pela disciplina homóloga atualmente constante do artigo 160.º da LTFP.
Dele decorre que o trabalho noturno deve, por regra, ser remunerado com a majoração de 25 % relativamente à remuneração do trabalho equivalente prestado durante o dia, podendo tal remuneração ser objeto de instrumento de regulamentação coletiva de trabalho, através de uma redução equivalente dos limites máximos do período normal de trabalho.
Tal como os mencionados nos n.os 1 e 2 do artigo 18.º do Decreto-Lei 133/2013, também o regime respeitante ao trabalho noturno fixado no n.º 3 é de aplicação imperativa nos termos determinados pelo respetivo n.º 4, prevalecendo sobre os instrumentos de regulamentação coletiva do trabalho e apenas cedendo perante o que em contrário se dispuser nas Leis Orçamentais.
13 - Para se medir o alcance da mutação legislativa operada pelo artigo 18.º do Decreto-Lei 133/2013, no confronto com a solução que adviria da convocação dos regimes em regra aplicáveis, impõe-se uma breve referência a esses regimes. Todavia, das diferentes realidades a cuja distinção o Decreto-Lei 133/2013 procede no âmbito da regulação do setor público empresarial, apenas importará considerar aqui a respeitante às entidades abrangidas pelo âmbito subjetivo de aplicação das normas compreendidas no respetivo artigo 18.º, isto é, as entidades públicas empresariais, as empresas públicas de capital exclusiva e maioritariamente público e as entidades do setor empresarial local ou regional.
Essas entidades regem-se, de acordo com os correspondentes regimes jurídicos, pelas normas de direito privado, designadamente pelo disposto na lei comercial, sendo-lhes em especial aplicável, no âmbito da regulação do vínculo estabelecido com os respetivos agentes: i) em relação aos titulares dos órgãos de administração ou de gestão, o Estatuto do Gestor Público, aprovado pelo Decreto-Lei 71/2007, de 27 de março, com as alterações introduzidas pelo Decreto-Lei 8/2012, ou, no caso dos titulares dos órgãos de administração ou de gestão das empresas públicas regionais, o Estatuto do Gestor Público da Região Autónoma dos Açores e o Estatuto do Gestor Público das Empresas Públicas da Região Autónoma da Madeira, aprovados Decretos Legislativos Regionais n.º 12/2008/A e n.º 12/2010/M, respetivamente; e ii) em relação aos respetivos trabalhadores, o regime do contrato individual de trabalho constante do Código do Trabalho, aprovado pela Lei 7/2009, de 12 de fevereiro, e revisto, pela última vez, pela Lei 28/2015, de 14 de abril, regendo-se a matéria relativa a contratação coletiva pela lei geral.
O regime remuneratório resulta, em termos no essencial coincidentes, do Decreto-Lei 71/2007, de 27 de março, na versão conferida pelo Decreto-Lei 8/2012, e dos Decretos Legislativos Regionais n.º 12/2008/A e n.º 12/2010/M. Esse regime não contém expressamente quaisquer limites imperativos quantificados para a fixação do valor do subsídio de refeição e das ajudas de custo e transporte por deslocações em território português e no estrangeiro devidas aos titulares dos órgãos de administração ou de gestão das entidades públicas empresariais, empresas públicas de capital exclusiva ou maioritariamente público e entidades do setor empresarial local ou regional.
Na qualidade, seja de suplemento remuneratório, seja de prestação não retributiva, o valor das ajudas de custo e transporte por deslocações em território português e ao estrangeiro a abonar aos titulares dos órgãos de administração ou de gestão das entidades públicas empresariais, empresas públicas de capital exclusiva ou maioritariamente público e entidades do setor empresarial local ou regional tenderia a ser, de acordo com o referido regime, discricionariamente estabelecido pelos respetivos órgãos sociais - no caso das sociedades anónimas, pelas respetivas assembleias-gerais - ainda que no respeito pelos eventuais critérios definidos pela Resolução do Conselho de Ministros prevista no artigo 28.º, n.º 4 do Decreto-Lei 71/2007, de 27 de março, com as alterações introduzidas pelo Decreto-Lei 8/2012, mas sempre sem a limitação que adviria da sua legal indexação a um valor fixo ou predeterminado, estabelecido por fonte diversa.
Por se tratar de um benefício social, os titulares dos órgãos de administração ou de gestão das referidas entidades teriam, além do mais, direito ao valor do subsídio de refeição que se encontrasse fixado para os trabalhadores das empresas respetivas.
14 - Já se referiu que os trabalhadores das entidades públicas empresariais, empresas públicas de capital exclusiva e maioritariamente público e entidades do setor empresarial local e regional encontram-se sujeitos ao regime do contrato individual de trabalho, no âmbito do qual os instrumentos de regulação coletiva constituem, a par da legislação estadual do trabalho, uma das fontes do direito aplicável (artigo 1.º do Código do Trabalho, aprovado pela Lei 7/2009, de 12 de fevereiro, com as alterações introduzidas, por último, pela Lei 69/2013, de 30 de agosto).
De acordo com o regime previsto para o contrato individual de trabalho, os instrumentos de regulamentação coletiva negociais compreendem a convenção coletiva, o acordo de adesão e a decisão arbitral em processo de arbitragem voluntária, podendo a convenção coletiva, por seu turno, assumir três modalidades distintas: i) o contrato coletivo, que corresponde à convenção celebrada por associações sindicais e associações de empregadores; ii) o acordo coletivo, que consiste numa convenção celebrada entre associações sindicais e uma pluralidade de empregadores para diferentes empresas; e iii) o acordo de empresa, que corresponde à convenção celebrada entre associações sindicais e um empregador para vigorar numa determinada empresa ou estabelecimento (artigo 2.º, n.os 2 e 3, do Código de Trabalho).
Sem prejuízo da impossibilidade de contrariarem normas legais imperativas [cf. artigo 478.º, n.º 1, alínea a), do Cód. de Trabalho], os instrumentos de regulamentação coletiva podem dispor sobre todas as matérias não subtraídas à disponibilidade dos sujeitos coletivos pelas alíneas b) e c) do n.º 1 do artigo 478.º do Código do Trabalho, constituindo, por isso, uma fonte de regulamentação legalmente habilitada a fixar, no âmbito do contrato individual de trabalho, não apenas o valor do subsídio de refeição [cf., neste sentido, artigo 154.º, n.º 3, alínea b), do Cód. do Trabalho], mas ainda o regime de abonação das ajudas de custo e despesas de viagem e de transporte. Por se tratar de matérias igualmente não excluídas da negociação, os instrumentos de regulação coletiva podem ainda dispor sobre os complementos remuneratórios devidos, quer pelo trabalho noturno (cf. artigo 266.º), quer pelo trabalho suplementar (cf. artigo 268.º) prestado pelos trabalhadores sujeitos ao regime do contrato individual de trabalho.
15 - Feito este percurso, em face do regime constante do Decreto-Lei 71/2007, de 27 de março, com as alterações introduzidas pelo Decreto-Lei 8/2012, aplicável aos titulares dos órgãos de administração ou de gestão das entidades públicas empresariais, das empresas públicas de capital exclusiva ou maioritariamente público e, ainda que subsidiariamente, das entidades do setor empresarial local, e do regime fixado nos Decretos Legislativos Regionais n.º 12/2008/A e 12/2010/M, aplicável aos titulares dos órgãos de administração ou de gestão das entidades do setor empresarial regional, e ainda do estabelecido no Código de Trabalho, aplicável aos trabalhadores de todas as referidas entidades, verifica-se que, a par das limitações conjunturais impostas por leis orçamentais e aí expressamente ressalvadas, o n.º 4 do artigo 18.º do Decreto-Lei 133/2013, em análise, tem o efeito de, a título prevalecente e imperativo:
i) Em conjugação com o estabelecido no n.º 1, importar para o âmbito do estatuto de todos os referidos sujeitos as limitações inerentes à prefixação legal dos valores abonáveis a título de subsídio de refeição, ajudas de custo e transporte por deslocações em vigor para os trabalhadores em funções públicas;
ii) Em conjugação com o n.º 2, substituir o regime previsto no Código do Trabalho para a remuneração do trabalho suplementar pelo regime homólogo previsto para os trabalhadores em funções públicas, originariamente no artigo 212.º, do Regime do Contrato de Trabalho em Funções Públicas, e após a entrada em vigor da Lei 35/2014, no artigo 162.º da Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas; e
iii) Em conjugação com o n.º 3, substituir o regime previsto no Código do Trabalho para a remuneração do trabalho noturno pelo regime homólogo previsto para os trabalhadores em funções públicas, originariamente no artigo 210.º do Regime do Contrato de Trabalho em Funções Públicas, e após a entrada em vigor da Lei 35/2014, no artigo 160.º da Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas.
Como não pode deixar de ser, a imperatividade rege para o futuro, pelo que, por esta via, fica proibido o afastamento, designadamente pelo exercício da autonomia coletiva e individual, dos regimes relativos à abonação do subsídio de refeição, ajudas de custo e de transporte em território português e ao estrangeiro, bem como à fixação da contraprestação devida pela realização de trabalho suplementar e noturno, para que remetem as normas constantes do artigo 18.º do Decreto-Lei 133/2013.
A prevalência, em contrapartida, tem como objeto referencial fontes normativas em vigor, significando a sua consagração que os regimes mandados aplicar pelo artigo 18.º do Decreto-Lei 133/2013 suplantam, derrogando-os, os regimes constantes de leis especiais ou de instrumentos de regulamentação coletiva de trabalho anteriormente celebrados e ainda vigentes.
16 - O problema de constitucionalidade colocado pelos requerentes em torno do bloco normativo integrado pelas disposições constantes do artigo 18.º do Decreto-Lei 133/2013 dirige-se primacialmente a questionar a licitude da imperatividade e prevalência atribuídas pelo respetivo n.º 4 ao regime estatuído nos números precedentes.
Com efeito, a argumentação desenvolvida pelos requerentes pressupõe uma interpretação da norma do n.º 4 do artigo 18.º do Decreto-Lei 133/2013, segundo a qual a prevalência do regime fixado nos n.os 1, 2 e 3 do referido artigo, atingindo os instrumentos de regulamentação coletiva do trabalho já celebrados e a celebrar, comporta não apenas a imediata supremacia aplicativa das regras de abonação prevista para os trabalhadores em funções públicas face ao estipulado nos instrumentos de regulação coletiva de trabalho já celebrados no âmbito do segmento do setor empresarial visado pelo conjunto das normas impugnadas, pois impediria igualmente que viessem a ser ulteriormente afastadas por via de negociação coletiva as próprias disposições substantivas contidas nos regimes mandados aplicar, ainda que estas admitam, elas próprias, o seu afastamento, total ou parcial, por convenção coletiva de trabalho.
Para o efeito, da articulação do estatuído nos n.os 1, 2 e 3 do artigo 18.º do Decreto-Lei 133/2013 com o preceituado no respetivo n.º 4, os requerentes parecem retirar a imperativa subordinação dos titulares dos órgãos de administração ou de gestão e/ou dos trabalhadores das entidades públicas empresariais, empresas públicas de capital exclusiva ou maioritariamente público e entidades do setor empresarial local ou regional, quer aos valores fixados para o subsídio de refeição, ajudas de custo e transporte por deslocações devidos aos trabalhadores em funções públicas, quer aos coeficientes de remuneração do trabalho suplementar e do trabalho noturno previstos, originariamente, no RCTFP, e atualmente na LTFP, passando todos eles a sobrepor-se, com ressalva do estabelecido nas leis orçamentais, a qualquer lei especial ou instrumento de regulamentação coletiva de trabalho já em vigor, e vedando qualquer deles o estabelecimento, para o futuro, de valores ou coeficientes remuneratórios diferenciados.
Nesta visão, a norma contida no n.º 4 do artigo 18.º do Decreto-Lei 133/2013 seria uma norma acessória ou instrumental, no sentido em que não dispõe de um conteúdo injuntivo autónomo, antes se encontrando funcionalmente adstrita à fixação dos termos em que cada uma das normas constantes dos números anteriores passará a relacionar-se, uma vez editada, com todas as outras, pretéritas ou futuras, legais ou convencionais, que incidam ou se proponham incidir sobre a matéria.
Importa ajuizar do bem fundado desta interpretação.
No plano literal, parece incontroverso que a natureza prevalecente e imperativa prescrita no n.º 4 do artigo 18.º do Decreto-Lei 133/2013 é aí atribuída ao "regime fixado" nos respetivos n.os 1 a 3, isto é, ao conjunto das prescrições que, no âmbito da designação do direito aplicável, subtraem à incidência do regime-regra a que se encontram sujeitos os titulares dos órgãos de administração ou de gestão das entidades públicas empresariais, empresas públicas de capital exclusiva ou maioritariamente público e entidades do setor empresarial local ou regional, por um lado, e os respetivos trabalhadores, por outro, a regulação de determinadas matérias, colocando-as diretamente sob efeito do que a esse propósito se estabelece em outros regimes - no caso, no regime aplicável aos trabalhadores em funções públicas ou, na fórmula constante da LTFP, aos trabalhadores com "vínculo de trabalho em funções públicas" (cf. artigo 1.º, n.º 1)
Tal regime, apesar de não ser, no geral, aplicável às entidades públicas empresariais (cf. artigo 2.º, n.º 1, alínea b), da LTFP), sê-lo-á para efeitos de abonação do subsídio de refeição, ajudas de custo e subsídio de transporte por deslocações em território nacional e ao estrangeiro, e fixação da retribuição devida pela prestação de trabalho noturno e suplementar, aspetos relativamente aos quais o legislador ordinário decidiu afastar a disciplina que resultaria do direito privado aplicável como regime-regra, designadamente a regulamentação prevista para o contrato individual de trabalho.
Esta interpretação, da qual resulta que aquilo que é vedado à contratação coletiva pelo n.º 4 do artigo 18.º do Decreto-Lei 133/2013 é a substituição por outro, proveniente de um distinto âmbito de regulação, do regime previsto para os trabalhadores em funções públicas, mas não a derrogação das regras substantivas neste integradas sempre que as mesmas puderem ser aí afastadas por instrumento de regulamentação coletiva, é, para além de confirmável a partir da localização sistemática pelo corpo de normas em questão, a única que, de um ponto de vista teleológico, se mostra compatível com a presunção hermenêutica do legislador razoável (artigo 9.º, n.º 3, do Código Civil).
Com efeito, se, ao contrário do que sucede com as entidades públicas stricto sensu, as entidades públicas empresariais, as empresas públicas de capital exclusiva ou maioritariamente público e as entidades do setor empresarial local ou regional se regem, em primeira linha, pelo direito privado - domínio predominantemente integrado pelos princípios da liberdade contratual e a autonomia das partes -, e, mais relevantemente ainda, os trabalhadores destas empresas, ao contrário dos trabalhadores em funções públicas, se encontram sujeitos à disciplina geral constante do regime do contrato individual de trabalho, não é razoavelmente configurável que o legislador tivesse pretendido importar para aquele segmento do setor empresarial as normas substantivas a estes aplicáveis em matéria de abonação do subsídio de refeição, ajudas de custo por deslocações e retribuição do trabalho extraordinário e noturno com um grau de imperatividade superior àquele com que as mesmas vigoram no âmbito da regulação de que procedem.
A ser como os requerentes pressupõem, a aplicação de tais normas substantivas a esse âmbito subjetivo - movimento que obedeceu, como se viu, a intuito de padronização - torná-las-ia em si mesmas inderrogáveis, independentemente de no seu campo de regulação primário poderem ser afastadas, total ou parcialmente, por instrumentos de regulação coletiva de trabalho. Na medida em que não deixaria de determinar para os agentes do setor empresarial do Estado considerados no artigo 18.º do Decreto-Lei 133/2013 - cujo regime funcional regra é de natureza privatística -, uma solução menos flexível do que aquela que vale para os trabalhadores em funções públicas - em princípio, sujeitos a um regime mais acentuadamente juspublicístico -, tal desarmonia, caso existisse, consubstanciaria a introdução no ordenamento jurídico de uma incoerência incompatível com o postulado hermenêutico do legislador razoável.
A imperatividade estabelecida no n.º 4 artigo do 18.º do Decreto-Lei 133/2013 há de dizer por isso respeito às normas designativas do direito aplicável contidas nos números anteriores e não às normas materiais ou substantivas que integram os regimes mandados aplicar, pelo que só a análise destes permitirá em definitivo determinar os termos e medida em que, no segmento do setor empresarial ali visado, a disciplina globalmente fixada no referido artigo proíbe o afastamento por instrumento de contratação coletiva das regras relativas: i) ao abono do subsídio de refeição, previstas no Decreto-Lei 57-A/84, de 20 de fevereiro, em conjugação com a Portaria 1553-D/2008, de 31 de dezembro; ii) ao pagamento de ajudas de custo e subsídio de transporte por deslocações em território nacional e por deslocações ao estrangeiro, previstas nos Decretos-Lei 106/98, de 24 de abril, e 192/95, de 28 de julho, respetivamente, ambos alterados pelo Decreto-Lei 137/2010, de 28 de dezembro, em conjugação com a Portaria 1553-D/2008; iii) à retribuição devida pelo trabalho suplementar, previstas no artigo 162.º da LTFP, que sucedeu, com a entrada em vigor da Lei 35/2014, ao artigo 212.º do RCTFP; e iv) à retribuição devida pelo trabalho noturno, previstas no artigo 160.º da LTFP, que sucedeu, após a entrada em vigor da Lei 35/2014, ao artigo 210.º do RCTFP.
A medida em que tais normas puderem ser afastadas por instrumento de regulação coletiva relativamente aos trabalhadores em funções públicas - ou, na fórmula adotada pela LTFP, aos trabalhadores com "vínculo de trabalho em funções públicas" (cf. artigo 1.º, n.º 1) - dará a medida em que as mesmas poderão vir a ser contratualmente afastadas em relação aos titulares dos órgãos de administração ou de gestão e aos trabalhadores das entidades públicas empresariais, empresas públicas de capital exclusiva ou maioritariamente público e entidades do setor empresarial local ou regional, coincidindo esta, no plano prospetivo, com a medida final da mutação legislativa produzida pela disciplina constante do artigo 18.º do Decreto-Lei 133/2013, tomando por referência a solução que decorreria dos regimes a que, conforme visto já, uns e outros se encontram em regra submetidos.
17 - Ao perspetivar a amplitude do direito de contratação coletiva para a Administração Pública devemos atender a que a sua consagração constitui realidade relativamente recente e, bem assim, que a sua evolução é em boa medida tributária do movimento de aproximação dos regimes aplicáveis aos trabalhadores em funções públicas ao regime aplicável no âmbito do setor privado, com integração no âmbito da relação de emprego público de vários institutos originários do Direito do Trabalho (sobre a tendência para a laboralização do regime dos trabalhadores da Administração Pública, cf. Acórdão 474/2013).
Com efeito, tendo sido introduzido pela Lei 23/2004, de 22 de junho, que aprovou o regime do contrato individual de trabalho da Administração Pública, tal direito foi incrementado sobretudo a partir do Regime do Contrato de Trabalho em Funções Públicas, aprovado pela Lei 59/2008, de 11 de setembro, e encontrou novo impulso com a aprovação, em 2014, da Lei Geral de Trabalho em Funções Públicas, a que já se fez referência.
De todo o modo, o direito de contratação coletiva não se encontra aí admitido, sequer relativamente aos trabalhadores contratados em funções públicas, com a extensão, objetiva ou subjetiva, com que é reconhecido no Código do Trabalho.
Assim, a Lei 12-A/2008, de 27 de fevereiro (LVCR), elegeu o contrato como modalidade-regra de constituição da relação jurídica de emprego público e incluiu, entre as fontes normativas do regime jurídico aplicável aos trabalhadores contratados em funções públicas, os acordos coletivos de trabalho. De acordo com o estatuído nos n.os 1 e 2 do artigo 81.º da LVCR, nas matérias em que por disposição legal expressa pudessem regular, constituíam fontes normativas os instrumentos de regulamentação coletiva de trabalho que integrassem ou derrogassem disposições ou regimes constantes: i) da própria LVCR, bem como da legislação que então a regulamentava; ii) das leis gerais cujo âmbito de aplicação subjetiva abrangesse todos os trabalhadores, independentemente da modalidade de constituição da relação jurídica de emprego público ao abrigo da qual exercessem as respetivas funções, na parte aplicável; iii) das leis especiais aplicáveis às correspondentes carreiras especiais, nas matérias que, face ao disposto na lei, pudessem regular; e iv) do RCTFP. Dentre o elenco das matérias exemplificativamente enunciadas como suscetíveis de integração ou derrogação por acordo coletivo de trabalho, encontrava-se a relativa aos suplementos remuneratórios [cf. alínea a), do n.º 2 do artigo 81.º].
Por seu turno, o RCTFP tipificava os instrumentos de regulamentação coletiva de trabalho negociais e não negociais, integrando no âmbito da primeira categoria os acordos coletivos de trabalho (artigo 2.º, n.º 2).
Com a entrada em vigor da LTFP - diploma que não só contém uma inédita remissão geral para o regime constante do Código do Trabalho (artigo 4.º), como, à semelhança deste, dispõe de um Título inteiramente dedicado à negociação coletiva (cf. artigos 347.º a 393.º) - os instrumentos de regulamentação coletiva, enquanto fontes específicas do contrato de trabalho em funções públicas, viram as suas valências mantidas ou mesmo acrescidas.
A LTFP procede à tipificação dos instrumentos de regulamentação coletivas de trabalho através de uma categorização idêntica àquela que constava do RCTFP, isto é, contrapondo os instrumentos de regulamentação coletiva de trabalho convencionais aos não convencionais, integrando na primeira categoria o acordo coletivo de trabalho de trabalho, o acordo de adesão e a decisão de arbitragem voluntária (cf. artigo 13.º, n.os 1, 3 e 4). E, tal como resultava do regime precedente, os acordos coletivos de trabalho podem assumir as modalidade de acordos coletivos de carreira, correspondentes às convenções aplicáveis a uma carreira ou conjunto de carreiras, ou acordos coletivos de empregador público, isto é, as convenções coletivas aplicáveis no âmbito do órgão ou serviço onde o trabalhador exerça funções (cf. artigo 13.º, n.os 6 e 7).
Tendo optado pela enunciação expressa de um princípio geral de articulação dos acordos coletivos de trabalho segundo o qual o acordo coletivo de carreira deve indicar as matérias que podem ser reguladas pelos acordos coletivos de empregador público (cf. artigo 14.º, n.º 1), a LTFP reproduz, quanto às matérias por este conformáveis, a restrição que consta do 343.º, n.º 2, do RCTFP, estabelecendo que, na falta de acordo coletivo de carreira ou daquela indicação, o acordo coletivo de empregador público apenas poderá regular as matérias relativas a segurança e saúde no trabalho e duração e organização do tempo de trabalho, excluindo as respeitantes a suplementos remuneratórios (cf. artigo 14.º, n.º 2).
Sem prejuízo desta ressalva, específica dos acordos de empregador público, assim como da impossibilidade de derrogação de normas imperativas, os instrumentos de regulamentação coletiva de trabalho poderão dispor, segundo a LTFP, sobre: i) as matérias para o efeito especialmente previstas na própria LTFP; ii) as matérias para o efeito previstas em norma especial; iii) os aspetos do estatuto dos trabalhadores com vínculo de emprego público enunciados no n.º 1 do respetivo artigo 355.º
Por contemplar expressamente os suplementos remuneratórios [cf. alínea a)], o elenco dos aspetos do estatuto dos trabalhadores com vínculo de emprego público enunciados no n.º 1 do artigo 355.º, da LTFP, estende-se, quer à abonação das ajudas de custo e subsídios de transporte, quer à contrapartida devida pela prestação de trabalho noturno e suplementar. Quanto a este último especto, as próprias normas da LTFP especialmente dedicadas à fixação do regime aplicável - isto é, os respetivos artigos 160.º, n.º 2, e 162.º, n.º 4 - estabelecem, à semelhança do que se encontra previsto nos artigos 210.º, n.º 2, e 212.º, n.º 4, do RCTPF, a possibilidade de fixação por instrumento de regulamentação coletiva do valor do acréscimo remuneratório devido pela prestação de trabalho noturno e suplementar, respetivamente.
Fora do âmbito objetivo de incidência dos instrumentos de regulamentação coletiva mantém-se, no entanto, a fixação do valor correspondente ao subsídio de refeição uma vez que se trata já de uma prestação pecuniária não qualificável como suplemento remuneratório e, como tal, não incluída no conjunto das matérias elencadas no n.º 1 do artigo 355.º da LTFP.
No plano da conformação subjetiva do direito à contratação coletiva, a LTFP mantém a exigência de intervenção, em representação do empregador público, do(s) membro(s) do Governo(s) com responsabilidades na matéria pretendida regulamentar (ou no caso dos serviços das administrações regionais e autárquicas, dos responsáveis homólogos dos governos regionais ou das autarquias).
Assim, sem prejuízo das necessárias adaptações, no que respeita às competências em matéria administrativa dos correspondentes órgãos de governo próprio, relativamente aos serviços da administração regional e da administração autárquica (cf. artigo 1.º, n.º 2, da LTFP), a legitimidade para a celebração de instrumentos de regulamentação coletiva de trabalho em representação do empregador público encontra-se atribuída: i) quanto aos acordos coletivos de carreiras gerais, aos membros do Governo responsáveis pelas áreas das finanças e da Administração Pública (cf. artigo 364.º, n.º 1, da LTFP); ii) para os acordos de carreira especiais, aos membros do Governo responsáveis pelas áreas das finanças e da Administração Pública e aos restantes membros do Governo interessados, em função das carreiras objeto dos acordos [cf. artigo 364.º, n.º 2, alínea b)]; e iii) para acordos coletivos de empregador público, aos membros do Governo responsáveis pelas áreas das finanças e da Administração Pública, ao que superintenda no órgão ou serviço e ao empregador público (cf. artigo 364.º, n.º 3, alínea b)].
Importa atentar em que, tanto sob a vigência do RCTFP, como sob incidência da LTFP, os acordos coletivos de entidade empregadora pública, apesar de corresponderem aos acordos de empresa que vigoram no âmbito do Código do Trabalho, consubstanciam, no confronto com estes, uma contração tanto objetiva como subjetiva do âmbito do direito de contratação coletiva.
Com efeito, na falta de um acordo de carreira, os acordos coletivos de entidade empregadora não podem incidir sobre matérias relativas a suplementos remuneratórios e, mesmo que os acordos coletivos de carreira possam incidir sobre a totalidade do conjunto das matérias para o efeito legalmente elencadas (cf. Artigo 355.º, n.º 1, da LTFP), verificam-se, ainda assim, restrições de âmbito objetivo sem correspondência no domínio do direito privado. Sem embargo, ainda que não totalmente eliminadas, tais restrições beneficiam, porém, de um relevante desagravamento no âmbito da LTFP, em especial quando comparado com o regime constante da LVCR: desde que o aspeto a regular se inscreva no âmbito das matérias legalmente acessíveis à conformação por instrumento de regulamentação coletiva de trabalho - isto é, integre, no caso, o conceito de suplementos remuneratórios -, a LTFP, ao contrário do que sucedia no âmbito da LVCR, não exige que a norma legal que disciplina tal matéria contemple expressamente a possibilidade do seu afastamento por aquela via, mas apenas que essa norma legal não tenha natureza imperativa.
Por isso, enquanto, sob incidência da LVCR, as ajudas de custo por deslocações em território nacional e ao estrangeiro, apesar de integrarem o conceito de suplementos remuneratórios e de estes constituírem matéria aberta à contratação coletiva, não podiam ser fixadas por acordo coletivo de carreira na medida em que as normas contidas nos Decretos-Lei 106/98, de 24 de abril, e 192/95, de 28 de julho, não preveem expressamente a possibilidade da sua derrogação, já sob incidência da incidência da LTPF, aquela integração, associada à circunstância de tais normas não terem natureza imperativa, é suficiente para abrir a possibilidade de celebração de instrumentos de regulamentação coletiva naquelas matérias.
A determinação do sentido e alcance da modificação operada pelo artigo 18.º do Decreto-Lei 133/2013, à luz do que se deixou exposto, conduz à verificação de que o conjunto das normas sob sindicância tem o efeito de transpor para o âmbito das regras aplicáveis aos titulares dos órgãos de gestão e trabalhadores das entidades públicas empresariais, empresas públicas de capital exclusiva e maioritariamente público e entidades do setor empresarial local ou regional: i) o valor do subsídio de refeição previsto no Decreto-Lei 57-A/84, de 20 de fevereiro, e na Portaria 1553-D/2008, de 31 de dezembro, em termos não derrogáveis, quer por decisão unilateral dos respetivos órgãos sociais, quer por qualquer um dos instrumentos de regulação coletiva admitidos; ii) o valor das ajudas de custo e de transporte por deslocações em território nacional e ao estrangeiro, resultante dos Decretos-Lei 106/98, de 24 de abril, e 192/95, de 28 de julho, respetivamente, ambos alterados pelo Decreto-Lei 137/2010, de 28 de dezembro, em conjugação com a Portaria 1553-D/2008, em termos que, apesar de inderrogáveis no âmbito do Regime do Contrato de Trabalho em Funções Públicas, passaram a poder ser afastados no âmbito da Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas nas condições em que o podem ser os regimes relativos à fixação da contrapartida devida pela prestação de trabalho suplementar e de trabalho noturno; e iii) os regimes de fixação da contrapartida devida pela prestação de trabalho suplementar e de trabalho noturno, sucessivamente previstos no Regime do Contrato de Trabalho em Funções Públicas e na Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas, estes derrogáveis por acordo coletivo de carreira - que pressupõe a obrigatória intervenção dos membros do Governo responsáveis pelas áreas das Finanças e da Administração Pública (ou, no caso das entidades do setor empresarial regional ou local, dos responsáveis homólogos dos governos regionais e autarquias locais) - e, no caso de existir um acordo coletivo de carreira que a tal os habilite, também pelos acordos coletivos de entidade empregadora pública, que exigem a intervenção, a par daqueles responsáveis, de membros da Administração central, regional ou local.
Em suma: o artigo 18.º do Decreto-Lei 133/2013 tem o efeito de, no âmbito da regulação do estatuto dos titulares dos órgãos de gestão e trabalhadores das entidades públicas empresariais, empresas públicas de capital exclusiva e maioritariamente público e entidades do setor empresarial local ou regional: i) subtrair ao âmbito, quer dos poderes de decisão dos respetivos órgãos sociais quer da contratação coletiva, a fixação dos valores do subsídio de refeição e, sob incidência da LVCR, também das ajudas de custo e de transporte por deslocações em território português e ao estrangeiro; e ii) condicionar a possibilidade de exercício da negociação coletiva sobre a fixação do valor da contrapartida devida pela prestação de trabalho suplementar e de trabalho noturno, por um lado, à regulamentação de toda uma carreira ou conjunto de carreiras, e, por outro, à intervenção dos membros da Administração central, local ou regional responsáveis pela tutela do segmento do setor empresarial de que se trate.
18 - Esclarecido, nestes termos, o âmbito objetivo e subjetivo a que, por força do artigo 18.º do Decreto-Lei 133/2013, o direito de negociação coletiva passará a ficar sujeito enquanto fonte normativa do regime jurídico-funcional aplicável aos titulares dos órgãos de gestão e aos trabalhadores das entidades públicas empresariais, empresas públicas de capital exclusiva e maioritariamente público e entidades do setor empresarial local ou regional, é agora possível enunciar o sentido final do conjunto das prescrições injuntivas pretendidas confrontar com a Constituição.
Tal sentido é, pois, o seguinte: a título não conjuntural mas definitivo, os regimes de abonação do subsídio de refeição e ajudas de custo e de transporte por deslocações em território português e ao estrangeiro fixados para os trabalhadores em funções públicas, assim como os regimes relativos à retribuição devida pela prestação de trabalho suplementar e noturno, atualmente previstos na LFPF, sobrepor-se-ão aos instrumentos de negociação coletiva já celebrados que disponham sobre tais matérias, designadamente aos acordos de empresa, fazendo cessar todos aqueles que remetam para regimes distintos; para futuro, tais instrumentos não poderão modificar os regimes de abonação do subsídio de refeição fixados para os trabalhadores em funções públicas, podendo, no entanto, dispor sobre a retribuição devida pelo trabalho noturno e suplementar prestado pelos trabalhadores das entidades públicas empresariais, empresas públicas de capital exclusiva e maioritariamente público e entidades do setor empresarial local ou regional, embora apenas no âmbito da regulação de uma carreira ou conjunto de carreiras e mediante a intervenção dos membros responsáveis da Administração central, local ou regional, consoante o caso.
É, pois, com este sentido que seguidamente se vai confrontar o regime constante do artigo 18.º do Decreto-Lei 133/2013 com os parâmetros constitucionais convocados pelos requerentes.
C2. Direito de contratação coletiva
19 - O primeiro parâmetro que os recorrentes consideram infringido decorre da garantia do direito de contratação coletiva, estabelecida no artigo 56.º, n.º 3 da Constituição. Encontra-se aí consagrada "nos termos da lei", pelo que cabe a esta a definição das matérias que podem constituir objeto do apontado direito.
Ainda que tal remissão comporte uma ampla margem de liberdade do legislador, o Tribunal tem entendido que daí não resulta que "a lei possa esvaziar de conteúdo um tal direito, como sucederia se regulamentasse, ela própria, integralmente, as relações de trabalho, em termos inderrogáveis pelas convenções coletivas" (Acórdão 517/98). Tal devolução significa apenas, na formulação do mesmo aresto, "que a lei pode regular o direito de negociação e contratação coletiva, delimitando-o ou restringindo-o, mas deixando sempre um conjunto minimamente significativo de matérias aberto a essa negociação. Ou seja: pelo menos, a lei há de garantir uma reserva de contratação coletiva", sendo este núcleo determinado, como referido no Acórdão 602/2013, em função dos direitos dos trabalhadores e das imposições dirigidas ao Estado sobre as condições da prestação de trabalho previstos nos artigos 56.º, n.º 1, 58.º e 59.º da Constituição.
A este propósito, escreveu-se neste último aresto o seguinte:
«A delimitação desse núcleo intangível do direito de contratação coletiva não pode ser feita a partir da lei, sob pena de "inversão da hierarquia normativa e de esvaziamento da força jurídica do preceito constitucional" (cf. Vieira de Andrade e Fernanda Maçãs, Contratação Coletiva e Benefícios Complementares de Segurança Social, in Scientia Iuridica, maio-agosto 2001, n.º 290, pág. 29 e segs.). A determinação desse núcleo essencial, por via interpretativa, há de resultar dos "contributos firmes" dados pela Constituição, concretamente, do n.º 1 do artigo 56.º da Constituição, que comete às associações sindicais a defesa dos direitos e interesses dos trabalhadores, e dos artigos 58.º e, sobretudo, 59.º, "na medida em que estabelece um vasto elenco de direitos dos trabalhadores e de imposições dirigidas ao Estado sobre as condições da prestação de trabalho", do qual se pode extrair um "núcleo duro, típico, das matérias que se reportam às relações laborais e que constituirão o objeto próprio das convenções coletivas" (idem, págs. 34 e 35)».
Do enquadramento acima exposto pode extrair-se que o direito de negociação coletiva - e, consequentemente, o direito à autonomia contratual coletiva que materialmente o integra -, apesar de constitucionalmente colocado sob reserva de lei, impõe que, no âmbito de normação materialmente delimitado pelo elenco de direitos dos trabalhadores consagrados na Constituição, não possa deixar de haver "um espaço abrangente de regulação das relações de trabalho à disciplina coletiva, o qual não pode ser aniquilado por via normativa estadual" (cf. J. J. Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, 4.ª ed., 2007, p. 745, e Acórdão 94/92).
Desta existência, constitucionalmente obrigatória, de um espaço aberto à contratação coletiva não decorre, todavia, que se encontre constitucionalmente vedada a edição de normas legais imperativas que contendam, de forma direta ou indireta, com o âmbito da relação de emprego, privado ou público. Dessa existência resulta apenas - embora necessariamente - que, ao delimitar o direito à autonomia contratual coletiva através da edição de normas imperativas, o legislador ordinário não pode deixar de lhe garantir, no espaço de regulação da matéria atinente aos direitos dos trabalhadores consagrados nos artigos 58.º e 59.º da Constituição, um mínimo de "eficácia constitucionalmente relevante" (cf. J. J. Gomes Canotilho e Vital Moreira, ob. loc. cit.). De um ponto de vista operativo, tal implica que as restrições a introduzir no direito à autonomia contratual coletiva não possam, por um lado, atingir o "conteúdo essencial" desse direito, assim materialmente delimitável, e devam, por outro, apresentar-se "necessárias para a salvaguarda de outros direitos e interesses" (cf. Acórdão 517/98), permitindo que à imperatividade do regime legal de que em concreto se trate possam ser associadas ponderosas "razões de ordem pública" (cf. Acórdão 94/92).
No âmbito das relações estabelecidas entre sujeitos tradicionais de direito privado - isto é, entre entes cuja natureza privada é originária e intrínseca, não se encontrando por isso sujeitos à incidência de vinculações jurídico-públicas -, o Tribunal debateu já a temática da «"convivência" de normas legais imperativas com a competência coletiva de conformação autónoma». No Acórdão 94/92, que concluiu pela não inconstitucionalidade da subtração ao domínio da contratação coletiva da matéria do procedimento disciplinar, assim como no Acórdão 391/2004, que se pronunciou no mesmo sentido relativamente à decisão de não deixar na disponibilidade das partes a conformação da matéria respeitante à cessação do contrato de trabalho, escreveu-se, a tal propósito, o seguinte:
«Não está em causa a admissibilidade, em Direito do Trabalho, de normas legais imperativas, maxime de normas imperativas de condições fixas, ou seja "aquelas que exprimem uma ingerência absoluta e inelutável da lei na conformação da relação jurídica de trabalho, por forma tal que nem os sujeitos do contrato podem substituir-lhes a sua vontade, nem os instrumentos regulamentares hierarquicamente inferiores aos que as contêm podem fazer prevalecer preceitos opostos ou conflituantes com elas" (Monteiro Fernandes, Direito do Trabalho, 6.ª edição, Coimbra, 1987, pág. 233).
[...]
É por isso que a abertura à contratação a que se refere o artigo 56.º da Constituição se apresenta, pela própria letra do preceito, como uma abertura legislativamente conformada.
Além disso, no âmbito do Direito do Trabalho, a proteção do trabalhador não é o único interesse digno de ser tutelado. A inderrogabilidade de certos regimes legais surge também associada a razões de ordem pública que ultrapassam os interesses particulares do trabalhador.
Como refere Bernardo Xavier: "o direito do trabalho está agora mais aberto aos interesses gerais, à economia, e particularmente ao emprego. Ele não presta atenção apenas à justiça e equilíbrio das possíveis relações entre os sujeitos individuais do contrato de trabalho, nem se preocupa tão-somente com o sistema conflitual dos protagonistas dos interesses de classe" ("A crise e alguns institutos de direito do trabalho", Revista de Direito e de Estudos Sociais, ano XXVIII, n.º 4, 1986, pág. 561). E Barros Moura: "Os princípios fundamentais que formam a ordem pública podem adquirir expressão positiva: na Constituição e nas normas legais imperativas. A inderrogabilidade destas últimas só pode derivar do facto de constituírem uma concretização ou explicitação da ordem pública. Contra essa «barreira intransponível» erguida pelo Estado não podem prevalecer os interesses individuais ou os interesses particularizados de certas classes através da autorregulamentação privada, individual ou coletiva" (obra citada, págs. 170-171).»
20 - O n.º 4 do artigo 18.º do Decreto-Lei 133/2013 fixa ao regime estabelecido nos respetivos n.os 1, 2 e 3, como se viu, um caráter não só imperativo como prevalecente, daqui resultando que tal regime não apenas é inderrogável pelo exercício da autonomia coletiva, como se sobreporá, derrogando-os, aos regimes constantes de instrumentos de regulamentação coletiva de trabalho anteriormente celebrados e ainda vigentes.
Na medida em que são distintas, as características da prevalência e da imperatividade justificam uma confrontação diferenciada com o direito de contratação coletiva tutelado pelo artigo 56.º, n.º 3, da Constituição.
A imperatividade, como decorre do que ficou dito que o regime contido no artigo 18.º do Decreto-Lei 133/2013, não produz diretamente o efeito de subtrair ao âmbito da contratação coletiva a regulação de qualquer uma das matérias a que se referem os seus n.os 1 a 3. O efeito diretamente produzido pelo artigo 18.º do referido diploma legal é apenas o de, quanto a tais matérias, sujeitar a possibilidade de conformação por instrumento de regulação coletiva às condições em que tal conformação pode ocorrer no âmbito do domínio de regulação aplicável aos trabalhadores contratados em funções públicas.
Nesta perspetiva, o efeito diretamente produzido pelo artigo 18.º do Decreto-Lei 133/2013 é o de equiparar, para efeitos ali previstos - isto é, para efeitos de fixação do regime de abono do subsídio de refeição e das ajudas de custo e de transporte por deslocações em território português e ao estrangeiro, assim como de determinação da retribuição devida pela realização de trabalho suplementar e noturno -, os titulares de órgãos de administração ou de gestão e os trabalhadores das entidades públicas empresariais, empresas públicas de capital exclusivamente ou maioritariamente publico e entidades do setor empresarial local ou regional aos trabalhadores em funções públicas, em especial aos trabalhadores nessas funções contratados. Embora o regime-regra aplicável no âmbito do setor público empresarial seja o regime jurídico geral de direito privado, designadamente o regime jurídico do contrato individual de trabalho, o legislador optou por equiparar, para aqueles precisos e concretos efeitos, os agentes das entidades referidas no n.º 1 do artigo 18.º aos trabalhadores em funções públicas. Desta forma, a possibilidade de modelação, unilateral ou negocial, das regras aplicáveis aos primeiros ficou sujeita ao espaço de conformação de que, relativamente àquelas matérias, dispõem os instrumentos de regulamentação coletiva que regem o estatuto jurídico-funcional dos segundos.
Na medida em que o direito de contratação coletiva na Administração Pública não inclui a possibilidade de derrogação dos valores fixados para o subsídio de refeição (vd. ponto 17, supra) e se encontra, além disso, condicionado, desde logo do ponto de vista dos intervenientes necessários à celebração do acordo, quanto à possibilidade de incidir sobre a fixação do valor das ajudas de custo e de transporte por deslocações em território português e ao estrangeiro e sobre as regras de retribuição do trabalho noturno e suplementar, conclui-se, assim, que a disciplina constante do 18.º do Decreto-Lei 133/2013 produz, através da equiparação para que diretamente remete, o efeito indireto de comprimir e condicionar a liberdade de contratação coletiva que, enquanto princípio-regra do regime do contrato individual de trabalho, prevalece, em geral, no domínio da conformação do estatuto jurídico-funcional dos trabalhadores das empresas públicas.
Assim sendo, coloca-se a questão de saber se este efeito, desencadeado pela equiparação direta e imperativa estabelecida no artigo 18.º do Decreto-Lei 133/2013, atinge o "espaço da autorregulação constitucionalmente garantido que põe [aí] em causa a possibilidade de realização do direito de contratação coletiva" (cf. Acórdão 94/92) ou, em qualquer caso, introduz nesse direito uma restrição "desnecessária e desadequada". Trata-se, em suma, de determinar se a imperativa remissão para os regimes aplicáveis aos trabalhadores em funções públicas e a consequente importação, igualmente imperativa, dos limites à competência privada de autorregulação que aí vigoram, implicam a negação do direito de contratação coletiva.
21 - Conforme acima já verificado, no enquadramento resultante do Código do Trabalho - que é aquele que, em regra, prevalece no âmbito do setor público empresarial público -, só os acréscimos devidos pela prestação de trabalho noturno e de trabalho suplementar são considerados complementos remuneratórios, isto é, acrescentos à retribuição base.
Por assim ser, pode desde logo duvidar-se de que a fixação do valor do subsídio de refeição e das ajudas de custo e de transporte por deslocações em território português e ao estrangeiro - cuja natureza é, naquele domínio, não retributiva mas assistencial - possa reconduzir-se, logo de um ponto de vista conceptual, ao âmbito material do direito à retribuição do trabalho consagrado na alínea a) do n.º 1 do artigo 59.º, da Constituição, e ser considerada por essa via matéria sob reserva de convenção coletiva.
Com efeito, tal como sucede com a garantia infraconstitucional da irredutibilidade salarial consagrada quer no Regime do Contrato de Trabalho em Funções Públicas [artigo 89.º, alínea d)], quer no Código do Trabalho [artigo 129.º, n.º 1, alínea d)], também a proteção constitucional da contrapartida remuneratória da prestação laboral apenas vale para a retribuição em sentido próprio, não abrangendo, por exemplo, as ajudas de custo, outros abonos, bem como o pagamento de despesas diversas do trabalhador (neste sentido, quanto à garantia infraconstitucional da irredutibilidade salarial, vide Maria do Rosário Ramalho, Direito do Trabalho, II, Situações laborais individuais, Almedina, 4.ª ed., 2010, pp. 576 e 588, e Acórdão 396/2011).
Já no que diz respeito aos acréscimos pecuniários devidos pela realização de trabalho suplementar e noturno, trata-se de prestações remuneratórias que, apesar de não disporem do caráter de habitualidade ou regularidade que tipicamente caracteriza a prestação retributiva, em sentido técnico-jurídico, e de não integrarem por essa razão, pelo menos de forma direta e necessária, o conceito qualitativo de retribuição (cf. Acórdão 187/2013), não deixam ainda assim de ser qualificados como suplementos remuneratórios e, mais relevantemente ainda, de corresponder à contrapartida devida pelo trabalho efetuado. A possibilidade da sua recondução ao domínio material de incidência da alínea a) do n.º 1 do artigo 59.º da Constituição - e, por consequência, ao âmbito da reserva constitucional de convenção coletiva - é, assim, mais evidente.
Simplesmente, e apesar disso, a verdade é que a imperativa aplicação do regime legal neste âmbito previsto para os trabalhadores com vínculo de emprego público, determinada pelo artigo 18.º, n.os 2, 3, e 4, do Decreto-Lei 13/2013, não origina, como se viu, a subtração ao âmbito da contratação coletiva da possibilidade de conformação do valor dos acréscimos pecuniários devidos pela prestação de trabalho suplementar e noturno.
Porque o regime legal aplicável aos trabalhadores com vínculo de emprego público não é, conforme igualmente visto, em si mesmo inderrogável, o resultado a que aquela aplicação imperativa conduz é apenas o de sujeitar a possibilidade de autorregulamentação contratual do valor da retribuição devida aos trabalhadores das entidades públicas empresariais, empresas públicas de capital exclusiva ou maioritariamente público e das entidades dos setores empresariais local e regional aos requisitos que, agora sob incidência da LTFP, condicionam a derrogabilidade das normas legais naquelas matérias aplicáveis: tal derrogabilidade deixa de depender apenas da vontade dos trabalhadores de determinada empresa pública e dos titulares dos seus órgãos de administração ou de gestão, para passar a depender também da prévia celebração de um acordo de carreira, geral ou especial, bem como da intervenção dos membros responsáveis da Administração central, local ou regional com poderes de supervisão ou de tutela.
22 - Para além de não ter o significado de eliminar o direito à contratação coletiva enquanto fonte da normação aplicável à fixação da retribuição devida pela prestação de trabalho noturno e suplementar, este condicionamento pode ser sem dificuldade reconduzido à necessidade de tutela de determinados interesses públicos relevantes, suscetíveis de postular naquelas matérias uma uniformização de procedimentos.
Conforme se viu já resultar da jurisprudência deste Tribunal, a convocação, como "ponto de apoio argumentativo", das "razões de ordem pública que vão imbricadas na imperatividade" de certos aspetos do regime laboral, é, no domínio natural do Direito do Trabalho, idónea para afastar a ilegitimidade constitucional da decisão que subtrai a conformação dos procedimentos ai regulados à "disponibilidade das partes" (cf. Acórdão 94/92).
Se assim é no domínio da regulação das relações estabelecidas entre sujeitos tradicionais de direito privado, por maioria de razão o há de ser no âmbito da modelação de certas dimensões do estatuto dos agentes com vínculo a entidades que, não obstante deterem personalidade jurídica de direito privado e a este se encontrarem em regra submetidas, não deixam, porém, de estar concomitantemente sujeitas a determinadas vinculações jurídico-públicas, quer em razão do interesse público para cuja prossecução se encontram vocacionadas, quer por efeito do exercício das prerrogativas de autoridade, designadamente de incidência económica e financeira, legalmente atribuídas às entidades com poderes de supervisão e tutela (cf. artigo 24.º, do Decreto-Lei 133/2013, artigos 12.º e 13.º do Decreto Legislativo Regional 7/2008/A e artigos 10.º e 11.º do Decreto Legislativo Regional 13/2010/M).
Relativamente a tais entidades - as quais, apesar de, em regra, sujeitas ao direito privado, em especial ao direito laboral, não deixam de constituir instrumentos de prossecução do interesse público, nem de concorrer, direta ou indiretamente, para a definição dos índices de sustentabilidade financeira do Estado -, a possibilidade de ocorrerem razões de ordem pública suscetíveis de justificar, quanto a determinados aspetos do regime aplicável às prestações retributivas devidas aos respetivos trabalhadores, a importação da disciplina legalmente prevista para a generalidade dos trabalhadores em funções públicas, com os níveis de inderrogabilidade com que aí vigora, é, por isso, à partida mais ampla.
Para além do cabimento que, por tais razões, lhe pode à partida ser reconhecido, a importação para os segmentos do setor empresarial visados pelo artigo 18.º do Decreto-Lei 133/2013 do regime aplicável aos trabalhadores em funções públicas relativos à fixação da retribuição devida pela prestação de trabalho noturno e suplementar, com o nível de inderrogabilidade com que para estes vigoram, pode, além do mais, ser em concreto justificada pela relação suscetível de ser estabelecida entre os aspetos da regulação em causa - complementos salariais - e as finalidades, constitucionalmente credenciáveis, subjacentes ao conjunto das normas e princípios que integram a reforma do regime jurídico do setor público empresarial levada a cabo pelo Decreto-Lei 133/2013.
Conforme recentemente se afirmou no Acórdão 413/2014, a reforma do regime jurídico do setor público empresarial levada a cabo pelo Decreto-Lei 133/2013 teve "em vista prosseguir, entre outros, o objetivo de reforçar as condições de eficiência e eficácia, operacional e financeira, de todas as empresas nele integradas e de, por essa via, contribuir para o controlo do endividamento do setor público, e de submeter a um mesmo regime as matérias nucleares referentes a todas as organizações empresariais direta ou indiretamente detidas por entidades públicas, de natureza administrativa ou empresarial, independentemente da forma jurídica que assumam (cf. o preâmbulo do citado decreto-lei)". Tal reforma incluiu, a par das alterações acima já assinaladas (ponto 13, supra), o estabelecimento de "regras claras referentes à limitação do endividamento das empresas públicas não financeiras, de forma a impedir o avolumar de situações que contribuam para o aumento da dívida e do desequilíbrio das contas do setor público", pretendendo estabelecer "um regime jurídico mais exigente, mas também mais claro, transparente e eficaz, no que respeita ao controlo da legalidade e da boa gestão pública na alocação de recursos públicos para a prossecução de atividades em modo empresarial (cf. artigos 43.º a 45.º)".
Esta relação entre a situação financeira das empresas públicas e o interesse na sustentabilidade das contas do setor público encontra-se ainda subjacente, conforme salientado no mesmo Acórdão, "ao próprio regime definido na Lei de Enquadramento Orçamental, aprovada pela Lei 91/2001, republicada com as alterações subsequentes pela Lei 37/2013, de 14 de junho. De acordo com o respetivo artigo 10.º, o «Orçamento do Estado subordina-se ao princípio da equidade na distribuição de benefícios e custos entre gerações», sendo que a equidade intergeracional incluirá necessariamente a incidência orçamental, entre outras, «das necessidades de financiamento do setor empresarial do Estado» (n.º 2, alínea e)".
A importação para o âmbito do segmento do setor empresarial integrado pelas entidades públicas empresariais, empresas públicas de capital exclusivamente ou maioritariamente publico e entidades do setor empresarial local ou regional das normas relativas à fixação da contraprestação devida pela realização de trabalho suplementar e noturno, aplicáveis aos trabalhadores em funções públicas, acompanhada da preservação do nível de inderrogabilidade com que as mesmas aí vigoram, assim como a padronização de regimes que, quanto a tais aspetos, é por esse modo alcançada, são, assim, plenamente recondutíveis à finalidade, globalmente assumida pelo Decreto-Lei 133/2013, de concorrer para a salvaguarda da integridade financeira do Estado através da diminuição dos gastos operacionais registados naquele setor e, por essa via, para as possibilidades de efetiva realização das tarefas fundamentais a seu cargo.
A tutela deste interesse - que, podendo assumir uma intensidade ou premência conjunturalmente variável, é, em si mesmo, permanente e estrutural - constitui, por seu turno, uma justificação suficientemente relevante para impedir a censura, perante o artigo 56.º, n.º 3, da Constituição, da decisão de transpor para o âmbito do setor empresarial do Estado visado pelo artigo 18.º do Decreto-Lei 133/2013 as limitações à contratação coletiva que, quanto àqueles aspetos, integram o regime jurídico-funcional da generalidade dos trabalhadores que auferem por verbas públicas.
Por tudo o que ficou dito, pode concluir-se que a imperativa transposição para o segmento do setor empresarial integrado pelas entidades públicas empresariais, empresas públicas de capital exclusivamente ou maioritariamente público e entidades do setor empresarial local ou regional dos limites ao direito à autonomia contratual que, em matéria de fixação do valor de retribuição do trabalho suplementar e noturno, valem, em geral, para os trabalhadores contratados em funções públicas não só não atinge o espaço irredutível necessário à afirmação, no âmbito da regulação dos vínculos estabelecidos naquele setor, de uma competência de negociação coletiva das associações sindicais constitucionalmente afirmada, como pode ser associada, relativamente aos condicionamentos que não deixa ainda assim de introduzir, a razões de interesse público suficientemente relevantes e idóneas para justificar a proibição de fixação discricionária, designadamente através de acordos de empresa, do valor dos complementos remuneratórios devidos aos trabalhadores daquelas entidades.
23 - Não sendo possível, pelas razões acabadas de expor, considerar constitucionalmente ilícita a imperatividade que o n.º 4 do artigo 18.º do Decreto-Lei 133/2013 fixa às normas designativas do direito aplicável constantes dos seus números anteriores - e, consequentemente, invalidar a proibição de afastamento para futuro, através do exercício da contratação coletiva, dos regimes relativos à fixação da contraprestação devida pela realização de trabalho suplementar e noturno aplicáveis aos trabalhadores em funções públicas -, há ainda que verificar se tal conclusão deve ser estendida à prevalência que concomitantemente lhes é atribuída e que tem por efeito, conforme referido já, a derrogação dos regimes que em contrário constem de instrumentos de regulamentação coletiva de trabalho anteriormente celebrados e ainda vigentes.
No Acórdão 794/2013, que concluiu pela não inconstitucionalidade "das normas dos artigos 2.º, em articulação com o artigo 10.º, 3.º, 4.º e 11.º, todos da Lei 68/2013, de 29 de agosto", o Tribunal foi confrontado com a apreciação de uma disposição destinada a fixar a força vinculativa do regime substantivo ali consagrado cuja estrutura é semelhante àquela que é seguida no n.º 4 do artigo 18.º do Decreto-Lei 133/2013.
Tratava-se, em concreto, da prescrição contida no artigo 10.º da Lei 68/2013, que atribui "natureza imperativa" e faz prevalecer "sobre quaisquer leis especiais e instrumentos de regulamentação coletiva de trabalho" o "período normal de trabalho dos trabalhadores em funções públicas" estabelecido no respetivo artigo 2.º
Depois de ter concluído que, "em especial no que se refere aos instrumentos de regulamentação coletiva do trabalho expressamente admitidos pelo artigo 130.º do RCTFP, a prevalência prevista no artigo 10.º da Lei 68/2013 rege apenas para o passado, fazendo cessar todos aqueles instrumentos de que resulte um período laboral inferior ao agora fixado", não impedindo "para o futuro [...] a consagração, por via de negociação coletiva, de alterações ao novo período normal de trabalho dos trabalhadores em funções públicas, em sentido mais favorável a esses trabalhadores", o Tribunal considerou que, com essa força vinculativa - isto é, sobrepondo-se às convenções já celebradas mas não afastando a possibilidade de fixação de regime mais favorável por instrumento de regulamentação coletiva -, o regime do artigo 2.º era conforme à Constituição.
Apesar de o Tribunal não ter confrontado diretamente o conteúdo prescritivo então impugnado com o direito à contratação coletiva constante do artigo 56.º, n.º 3 e 4, da Constituição, não deixa de subjazer a esse juízo de conformidade constitucional a perspetiva segundo a qual, no espaço de conformação normativa materialmente integrado pelo elenco dos direitos dos trabalhadores consagrados na Constituição e sujeito por isso à reserva constitucional do direito de contratação coletiva, a preservação da possibilidade de derrogação futura, através de instrumento de regulamentação coletiva, do regime fixado por lei constitui uma condição suficiente para garantir a licitude constitucional da força vinculativa nesses termos atribuída ao regime editado, não sendo para tal efeito indispensável que, em simultâneo, se conservem os efeitos do resultado do anterior exercício da autonomia coletiva, durante o período de vigência das convenções celebradas.
Sob tal perspetiva, se os termos em que é assegurado para futuro o exercício do direito à contratação coletiva forem em si mesmos constitucionalmente lícitos, essa licitude constitucional não é suscetível de ser posta em causa pela simultânea extinção dos efeitos vinculativos de convenções anteriormente celebradas, ainda que produzidos "nos termos da lei" em vigor no momento dessa celebração.
Ora, como se referiu, as condições em que, relativamente à fixação do valor dos acréscimos pecuniários devidos pela realização de trabalho suplementar e noturno, é admitido o exercício futuro do direito de autorregulamentação coletiva são tanto objetiva como subjetivamente mais exigentes do que aqueles que vigoravam em todo o setor empresarial do Estado, setor empresarial local e setor empresarial regional antes da introdução no ordenamento jurídico da disciplina atualmente contida no artigo 18.º do Decreto-Lei 133/2013.
Por isso, a eficácia retroativa que, tal como resultava já do n.º 4 do artigo 39.º-A do Decreto-Lei 558/99, de 17 de dezembro, aditado pela Lei 55-A/2010, o n.º 4 do artigo 18.º do Decreto-Lei 133/2013 continua a atribuir às prescrições contidas nos seus números anteriores não constitui uma afetação dispensável ou escusada do efeito vinculativo das convenções anteriormente celebradas, apresentando-se, pelo contrário, necessária para anular a possibilidade de as convenções coletivas já celebradas se imporem para futuro à lei imperativa, frustrando a implementação de novos regimes de autorregulamentação coletiva e, por consequência, a realização das finalidades a esta subjacentes.
Estamos, assim, perante hipótese em tudo semelhante àquela que foi julgada no Acórdão 187/2013, onde se concluiu pela compatibilidade entre o disposto no n.º 3 do artigo 56.º da Constituição e as normas feitas constar do n.º 15 do artigo 27.º e do n.º 9 do artigo 29.º, ambos da Lei 66-B/2012, que atribuíam natureza imperativa aos regimes de afetação remuneratória em cada um deles previstos, prescrevendo que os mesmos prevaleciam sobre instrumentos de regulação coletiva de trabalho, não podendo ser por estes afastados ou modificados.
Apesar de as medidas agora em causa terem natureza, não conjuntural, mas definitiva, é possível reafirmar quanto a elas o entendimento segundo o qual, não estando em causa a afetação da estabilidade dos contratos de trabalho geradores do direito às contraprestações pecuniárias devidas a título de realização de trabalho suplementar e noturno a que se referem as normas cuja imperatividade se impugna "a eficácia retroativa resume-se, afinal, à impossibilidade de as convenções coletivas se imporem para futuro à lei imperativa e não à possibilidade de a lei imperativa se sobrepor retroactivamente a estas, invalidando efeitos pretéritos que ao respetivo abrigo hajam sido produzidos" (cf. apontado aresto).
Cumpre, pois, concluir pela inexistência de fundamento para invalidar, face ao n.º 3 do artigo 56.º da Constituição, as normas resultantes da conjugação de cada um dos n.os 1, 2 e 3 do artigo 18.º do Decreto-Lei 133/2013, de 3 de outubro, com o n.º 4 do mesmo preceito.
C3. Violação do princípio da confiança
24 - No que respeita ao princípio da proteção da confiança - que, para além de corolário do princípio do Estado de direito democrático, constitui o lado subjetivo da garantia de estabilidade e segurança jurídica -, este Tribunal tem jurisprudência constante e reiterada (cf., em especial, a formulação do Acórdão 128/2009, reafirmada em numerosas decisões posteriores).
Conforme recentemente notado no Acórdão 413/2014, resulta de tal jurisprudência que a "aplicação do princípio da confiança deve partir de uma definição rigorosa dos requisitos cumulativos a que deve obedecer a situação de confiança, para ser digna de tutela: em primeiro lugar, as expectativas de estabilidade do regime jurídico em causa devem ter sido induzidas ou alimentadas por comportamentos dos poderes públicos; elas devem, igualmente, ser legítimas, ou seja, fundadas em boas razões, a avaliar no quadro axiológico jurídico-constitucional; por fim, o cidadão deve ter orientado a sua vida e feito opções, precisamente, com base em expectativas de manutenção do quadro jurídico".
Verificados que sejam esses requisitos, há ainda "que proceder a um balanceamento ou ponderação entre os interesses particulares desfavoravelmente afetados pela alteração do quadro normativo que os regula e o interesse público que justifica essa alteração. Com efeito, para que a situação de confiança seja constitucionalmente protegida, é ainda necessário que não ocorram razões de interesse público que justifiquem, em ponderação, a não continuidade do comportamento que gerou a situação de expetativa".
No caso em apreço, a violação da confiança que é imputada ao legislador ordinário resulta diretamente da substituição do princípio de fixação livre, designadamente através do exercício do direito de contratação coletiva, do valor do subsídio de refeição e das ajudas de custo e de transporte por deslocações em território português e ao estrangeiro a abonar aos titulares dos órgãos de administração ou de gestão e aos trabalhadores das entidades públicas empresariais, empresas públicas de capital exclusiva ou maioritariamente público e entidades do setor empresarial local ou regional, bem como da retribuição a estes devida pela realização de trabalho noturno e suplementar, pela heteronormação correspondentemente prevista para os trabalhadores com vínculo de emprego público. Esta, conforme já se salientou, é integrada pela prefixação legal dos valores a cada um daqueles títulos abonáveis, acompanhada, quer da exclusão da possibilidade da sua derrogação por decisão unilateral dos órgãos sociais da empresa, quer do agravamento das condições para o seu afastamento no âmbito da autorregulamentação coletiva.
Do que se trata não é, portanto, da supressão de quaisquer direitos, faculdades ou benefícios, nem mesmo de um abaixamento descontextualizado ou atípico do valor correspondente às prestações pecuniárias que integram o respetivo objeto, mas tão-somente da remissão para as soluções constantes do regime legal para esse efeito aplicável à generalidade dos trabalhadores do setor público.
Tal remissão é diretamente reportável ao objetivo de padronização dos regimes de abonação daquele tipo de prestações assistenciais e complementos remuneratórios relativamente a todos quantos auferem, exclusiva ou prevalecentemente, por verbas públicas, constituindo este, por seu turno, um mecanismo de condicionamento estrutural dos gastos operacionais suportados pelas entidades públicas empresariais, empresas públicas de capital exclusiva ou maioritariamente público e entidades dos setores empresariais local ou regional, tendo em vista a respetiva autossustentabilidade financeira e, por essa via, a diminuição do risco de uma contribuição negativa para o défice público.
Ora, nem a fixação destes objetivos, mediatos e imediatos, por parte dos titulares do poder decisório, nem o modo como aos mesmos foi dada concretização no artigo 18.º do Decreto-Lei 133/2013, podem ser diretamente atribuídos à iniciativa do legislador de 2013.
25 - Na verdade, o conjunto das normas constantes dos n.os 1 a 4 do artigo 18.º do Decreto-Lei 133/2013 foi introduzido na ordem jurídica, como já se referiu, pelo legislador orçamental de 2010. Como se referiu (ponto 10, supra), através do seu artigo 31.º, a Lei 55-A/2010 procedeu à alteração do Decreto-Lei 559/99, de 17 de dezembro, que então estabelecia o regime jurídico do setor empresarial do Estado e das empresas públicas, o que incluiu o aditamento ao Decreto-Lei 559/99, de 17 de dezembro, do artigo 39.º-A, tendo sido transposto o conteúdo normativo deste último, sem modificações relevantes, para o artigo 18.º do Decreto-Lei 133/2013.
A mutação legislativa acusada de violar o princípio da proteção da confiança, remonta, pois, na totalidade dos seus aspetos, à Lei 55-A/2010.
A Lei 55-A/2010 procedeu à equiparação dos titulares dos órgãos de administração ou de gestão e dos trabalhadores das entidades públicas empresariais, empresas públicas de capital exclusiva ou maioritariamente público e entidades do setor empresarial local e regional aos trabalhadores do setor público, não apenas quanto aos aspetos a que se reporta o artigo 18.º do Decreto-Lei 133/2013, mas para um conjunto mais amplo de efeitos, ainda que de natureza, não definitiva, mas conjuntural.
Com efeito, por força da previsão das alíneas q) e t) do n.º 9 do artigo 19.º da Lei 55-A/2010 de 31 de dezembro, os titulares dos órgãos de administração ou de gestão, bem como os trabalhadores das entidades públicas empresariais, empresas públicas de capital exclusiva ou maioritariamente público e entidades do setor empresarial regional e local foram incluídos no universo dos trabalhadores do setor público sujeitos à afetação remuneratória determinada no respetivo n.º 1, universo esse que remetia então para «o mais lato dos sentidos admitidos pela delimitação conceitual da tradicional noção de "função pública", abrangendo por isso, «não só todos os funcionários e agentes do Estado e demais pessoas coletivas de direito público mas também os titulares de cargos públicos, incluindo os próprios titulares dos órgãos de soberania», isto é, todos "quantos explicitam um qualquer desempenho funcional na Administração Pública, Estado e outras entidades públicas" [...] e cuja remuneração é por isso, assegurada através de verbas públicas» (cf. Acórdão 187/2013).
Por força de tal inclusão, os titulares dos órgãos de administração ou de gestão, bem como os trabalhadores das entidades públicas empresariais, empresas públicas de capital exclusiva ou maioritariamente público e entidades do setor empresarial regional e local foram ainda sujeitos à proibição de valorizações remuneratórias estabelecida para os trabalhadores do setor público no artigo 24.º da Lei 55-A/2010 de 31 de dezembro.
E, adicionalmente, foi determinada no artigo 29.º, alínea a), daquela Lei a proibição de atribuição de, durante o período de execução do Programa de Estabilidade e Crescimento (PEC) para 2010-2013, de remunerações variáveis de desempenho aos gestores ou titulares de órgãos diretivos, de administração ou outros órgãos estatutários, das empresas do setor empresarial do Estado, bem como das empresas detidas, direta ou indiretamente, por todas as entidades públicas estaduais, nomeadamente as dos setores empresariais regionais e municipais.
O critério geral de equiparação dos titulares dos órgãos de administração ou de gestão e dos trabalhadores das entidades públicas empresariais, empresas públicas de capital exclusiva ou maioritariamente público e entidades do setor empresarial local e regional à generalidade dos trabalhadores do setor público para efeitos de determinação, conjuntural ou definitiva, dos regimes aplicáveis à retribuição, complementos retributivos e abono de prestações pecuniárias de tipo assistencial, introduzido pela Lei 55-A/2010, foi mantido nas leis orçamentais posteriores (cf. artigos 20.º, n.º 1, da Lei 64-B/2011, de 30 de dezembro, 27.º, n.os 1 e 9, alíneas o) e r), e 35.º, n.º 1, ambos da Lei 66-B/2012, de 31 de dezembro, e 33.º, n.os 1 e 9, alíneas o) e r), e 39.º, n.º 1, ambos da Lei 83-C/2013, de 31 de dezembro), tendo sempre por justificação a ideia de que os primeiros, na medida em que auferem (também) por verbas públicas, deveriam ser sujeitos às contingências retributivas feitas sucessivamente recair sobre os segundos, sendo estas, além do mais, necessárias à diminuição da despesa corrente das empresas visadas, tendo em vista o respetivo saneamento financeiro e, em consequência, a redução das transferências, atuais ou potenciais, diretas ou indiretas, a partir do Orçamento do Estado, com o objetivo de compensar eventuais situações deficitárias.
Ora, não só esta opção geral de equiparação não foi desde então interrompida, como o contexto invocado para enquadrá-la não sofreu até hoje qualquer alteração.
Considerados os precedentes comportamentos do Estado-legislador, a reafirmação da aplicabilidade ao segmento do setor empresarial integrado pelas entidades públicas empresariais, empresas públicas de capital exclusiva ou maioritariamente público e entidades do setor empresarial local e regional dos regimes de abonação previstos para os trabalhadores em funções públicas, a que procede o artigo 18.º do Decreto-Lei 133/2013, não pode, em suma, ser tida como uma intervenção de sentido imponderável ou inesperado, desinserido da perspetiva subjacente às opções legislativas anteriores ou, em qualquer caso, desalinhada do enquadramento a que originariamente pode ser reconduzida.
26 - Os requerentes alegam, no entanto, que os "comportamentos que muito elevaram a confiança" dos particulares visados pelo artigo 18.º do Decreto-Lei 133/2013 "na manutenção do quadro legal vigente" são, na realidade, aqueles que o Estado, através do Governo, empreendeu quando "se assumiu como contraparte na negociação coletiva", o que tornará as expectativas assim geradas "especialmente elevadas e intensas".
Trata-se, assim, de acordo com os requerentes, da defraudação de expetativas fundadas no comportamento, já não do Estado-legislador, mas nos instrumentos de regulamentação coletiva que, no âmbito da sua intervenção nos segmentos do setor empresarial visados pelo regime impugnado, o Estado-Administração terá, ainda segundo os requerentes, celebrado.
A questão de saber se as expectativas geradas pelos instrumentos de regulação coletiva do trabalho celebrados no âmbito do setor empresarial público são oponíveis, do ponto de vista do princípio da proteção da confiança, às opções de sentido contrário ulteriormente tomadas pelo Estado-legislador foi recentemente discutida no Acórdão 413/2014, que se pronunciou pela não inconstitucionalidade do artigo 75.º da Lei 83-C/2013.
Estabelecendo o artigo 75.º da Lei 83-C/2013 a suspensão do pagamento de complementos de pensão aos trabalhadores no ativo e aos antigos trabalhadores aposentados, reformados e demais pensionistas das empresas do setor público empresarial que tenham apresentado resultados líquidos negativos nos três últimos exercícios apurados, à data de entrada em vigor daquela lei, o Tribunal considerou-se confrontado, no Acórdão 413/2014, com o problema da atendibilidade, no âmbito do princípio da proteção da confiança, das "eventuais situações de confiança correspondentes à expetativa de continuidade do pagamento dos complementos de pensão fundadas em contrato individual de trabalho ou instrumento de regulamentação coletiva de trabalho".
Partindo do princípio de que, nas situações abrangidas pelo conjunto das normas então impugnadas, "o compromisso ou a assunção da responsabilidade é da empresa, e não do Estado diretamente", o Tribunal considerou desde logo duvidosa a possibilidade de, em tais condições, ser imputada ao Estado, mormente ao Estado-legislador, a situação de confiança pretendida tutelar perante o artigo 75.º da Lei 83-C/2013.
Referindo-se, em primeiro lugar, às empresas do setor empresarial local, o Tribunal notou que aí "o Estado, mesmo que considerado enquanto mero acionista, não exerce uma influência dominante. Consequentemente, nem sequer se pode falar, ainda que indiretamente, em comportamento estadual. É o primeiro teste de aplicação do princípio de proteção da confiança que dá um resultado negativo. Com efeito, relativamente a essas situações, verifica-se que o autor da norma - o Estado nas suas vestes de legislador - não encetou qualquer comportamento capaz de gerar nos trabalhadores expetativas de continuidade. Quem o fez foram empresas dominadas e controladas por entidades públicas na órbita da administração autárquica - que detém autonomia em relação ao Estado central - como é o caso das empresas locais (artigo 19.º, n.º 4, da Lei 50/2012, de 31 de agosto)".
A esta a ordem de considerações, seguiu-se a consideração em especial da situação das empresas públicas do setor empresarial do Estado - sociedades de capitais maioritária ou exclusivamente públicos e das entidades públicas empresariais. Relativamente a estas, escreveu-se no Acórdão 413/2014 o seguinte:
«Mas mesmo no respeitante às empresas públicas do setor empresarial do Estado - sociedades de capitais maioritária ou exclusivamente públicos e entidades públicas empresariais -, não é possível pura e simplesmente desconsiderar a respetiva personalidade e autonomia.
No setor empresarial do Estado, a função acionista é exercida pelo titular da participação social, que, no caso das empresas públicas, cabe ao membro do Governo responsável pela área das finanças, em articulação com o membro do Governo responsável pelo respetivo setor de atividade, e integra, designadamente, poderes de definição das orientações a aplicar no desenvolvimento da atividade empresarial reportada a cada triénio e de definição dos objetivos e resultados, em especial, económicos e financeiros, a alcançar em cada ano e triénio, no respeito pelas orientações estratégicas e sectoriais que tenham sido emitidas pelo Governo no exercício da sua função política (artigos 37.º e 38.º do Decreto-Lei 133/13).
O conteúdo e o exercício da função acionista não interfere, no entanto, com a autonomia de gestão da empresa pública e os titulares dos órgãos de administração gozam de liberdade de conformação quanto aos métodos, modelos e práticas de gestão concretamente aplicáveis ao desenvolvimento da respetiva atividade (artigo 25.º do Decreto-Lei 133/13).
Por outro lado, as empresas públicas regem-se prevalecentemente pelo direito privado e desenvolvem a sua atividade nas mesmas condições e termos aplicáveis a qualquer empresa privada, impondo-se nas relações estabelecidas entre as entidades públicas titulares do capital social ou estatutário e as empresas públicas detidas a total observância das regras da concorrência (artigos 14.º e 15.º do Decreto-Lei 133/13). As especificidades que se poderão observar decorrem unicamente de certas condicionantes de direito público que implicam um regime especial de orientação e controlo externo, que é essencialmente realizado por via do exercício da função acionista.
O que não impede que as empresas públicas, enquanto pessoas jurídicas distintas do Estado ou das entidades públicas que detêm a influência dominante, realizem os seus interesses próprios (sociais e estatutários) e atuem segundo opções autónomas dos respetivos dirigentes.
[...]
Nesse sentido, há que reconhecer um distanciamento das empresas públicas face à «entidade pública mãe» que não tem paralelo com o que resulta da criação de entidades públicas de administração indireta, as quais são instituídas num contorno de direito administrativo e que se encontram submetidas a um regime jurídico público de orientação e controlo (a superintendência e a tutela).
Ora, pela sua própria natureza, o artigo 75.º da Lei 83-C/2013, sem prejuízo da sua função e consequente relevância orçamental, respeita à regulação da matéria conexionada com o endividamento e a autossustentabilidade das empresas públicas e enquadra-se no relacionamento jurídico de âmbito societário entre as sociedades de mão pública e os seus sócios públicos. Nessa mesma medida, tal preceito também postula uma separação e uma distância entre o Estado-legislador e o Estado-empresário, retirando desse modo base para a imputação ao primeiro de uma eventual situação de confiança criada pelo segundo. Os critérios de gestão que permitiram a atribuição dos complementos de pensão são totalmente estranhos às razões que ditam a suspensão do seu pagamento nos termos do artigo 75.º da Lei 83-C/2013.
Por outro lado, não existe qualquer evidência de que tenha sido o Estado-administrador, enquanto titular da função acionista, a induzir as empresas visadas a formalizar, através de contratação coletiva, o pagamento de complementos de pensão».
27 - A perspetiva que, nos termos descritos, conduziu o Tribunal a concluir pela inexistência de uma situação de confiança a tutelar perante o artigo 75.º da Lei 83-C/2013 é inteiramente transponível para o caso sob julgamento.
Com efeito, tal como o regime contido no artigo 75.º da Lei 83-C/2013, também a matéria regulada no artigo 18.º do Decreto-Lei 133/2013 constitui, conforme verificado já, uma concretização da orientação geral subjacente a todo o referido diploma no sentido da incrementação estrutural da margem para a autossustentabilidade financeira das empresas públicas, locais e regionais, enquadrando-se igualmente no "relacionamento jurídico de âmbito societário entre as sociedades de mão pública e os seus sócios públicos" e postulando por isso também uma cisão entre o Estado-legislador e o Estado-empresário.
Para além do decaimento da base para a imputação ao Estado-legislador de eventuais situações de confiança geradas pelo comportamento do Estado-empresário, que em tais circunstâncias desde logo se verifica, acresce inexistirem também quaisquer indicadores de que tenha sido este último, enquanto titular da função de acionista e no âmbito do exercício dos seus poderes de orientação e controlo, a induzir os titulares dos órgãos de gestão e de administração das empresas de capitais maioritária ou exclusivamente públicos a celebrar, designadamente através dos acordos de empresa, os instrumentos de regulamentação coletiva cujos efeitos são pretendidos acautelar através da invocação do princípio da proteção da confiança.
Para além de se poder concluir, seja por referência às anteriores indicações do Estado-legislador, seja por invocação dos precedentes comportamentos do Estado-administrador, pela inexistência de uma situação de confiança legítima a tutelar perante o artigo 18.º do Decreto-Lei 133/2013, é ainda seguro que o regime aí reproduzido supera o teste do interesse público, na medida em que no balanceamento ou ponderação a realizar entre os interesses desfavoravelmente afetados pela subsistência da alteração do quadro normativo que os regula e o interesse público que continua a justificar essa alteração, este último deve prevalecer.
Com efeito, ao viabilizar uma contenção permanente da despesa realizável pelas empresas públicas do setor empresarial do Estado e pelas entidades do setor empresarial local e regional a título de abonação do subsídio de refeição, ajudas de custo por deslocações e complementos remuneratórios devidos pela realização de trabalho noturno e suplementar, a mutação de regime mantida em vigor pelo artigo 18.º do Decreto-Lei 133/2013 contribui de forma estrutural para a autossustentabilidade financeira daquelas empresas e, nessa medida, para uma diminuição, igualmente estrutural, do risco de uma projeção negativa no equilíbrio orçamental do Estado.
Acresce que, conforme igualmente já referido, não está em causa nessa mutação de regime uma diminuição descontextualizada ou especialmente diferenciativa do valor das prestações pecuniárias a qualquer um daqueles títulos abonáveis mas apenas a diminuição que poderá resultar da aplicação do regime que vale em geral para todos os trabalhadores que auferem por verbas públicas.
De tudo isto se retira, em suma, não apenas que a medida legal em análise é ditada pela necessidade de salvaguardar interesses constitucionalmente credenciáveis, como ainda que essa salvaguarda, nos termos em que se mantém em concreto operacionalizada, não acarreta sacrifícios desproporcionados aos agentes por ela afetados, o que, conforme se verá de seguida, releva também numa perspetiva de proibição do excesso.
C4. Violação do princípio da proporcionalidade e do princípio da igualdade
28 - No ponto 21 da motivação do seu pedido, os requerentes invocam também a violação do princípio da proibição do excesso, nos seguintes termos:
«No extenso preâmbulo que antecede o Decreto-Lei 133/2013 não são apresentadas razões preponderantes de interesse público nas quais se possa fundar esta restrição do direito de negociação e contratação coletiva, não sendo sequer indiciada, quanto mais provada, a indispensabilidade desta medida para assegurar o cumprimento de um outro interesse constitucionalmente protegido, pelo que concluímos pela violação do princípio da proibição do excesso, inscrito no n.º 2 do artigo 18.º da Constituição».
Por sua vez, a conclusão reportada ao artigo 18.º do Decreto-Lei 133/2013 faz menção à "violação do princípio da proibição do excesso em termos de igualdade proporcional consagrado no artigo 13.º da Constituição".
Não se encontra, porém, na fundamentação do pedido qualquer argumento assente num juízo comparativo, como seria indispensável num quadro valorativo informado pelo princípio da igualdade, princípio que, aliás, não é referido, entre os fundamentos da alegada inconstitucionalidade do artigo 18.º, na epígrafe que abre a parte do pedido a ela respeitante (pg. 6).
Mas, a querer extrair-se algum sentido útil fundamentador da alusão, na conclusão, à "igualdade proporcional", ele só pode ser o de pôr em confronto a situação em que é colocado o grupo de trabalhadores abrangidos pelo regime impugnado e a generalidade dos trabalhadores sujeitos ao regime do contrato individual do trabalho, previsto no Código do Trabalho.
Ora, a exposição anteriormente feita sobre o enquadramento do regime mantido em vigor pelo artigo 18.º do Decreto-Lei 133/2013 no âmbito das finalidades por este diploma prosseguidas, assim como a já assinalada relevância dos objetivos que, desde a sua introdução pela Lei 55-A/2010, àquele regime podem ser em concreto assinalados, permite evidenciar também que as soluções normativas sob sindicância não são nem excessivas nem arbitrárias.
O que esse regime representa é uma igualação do estatuto do conjunto dos agentes funcionalmente vinculados às entidades empresariais referidas no artigo 18.º ao do da generalidade dos trabalhadores que auferem por verbas públicas, no que diz respeito à abonação do valor das ajudas de custo e transporte por deslocações em território português e ao estrangeiro, assim como à fixação da retribuição devida pela prestação de trabalho noturno e suplementar. Essa igualação encontra suficiente suporte legitimador, quer nas vinculações inerentes à prossecução do interesse público pelo Estado-administrador e pelos governos regionais e órgãos de governo autárquico, quer na natureza exclusiva ou prevalecentemente pública do capital aí implicado.
Do estrito ponto de vista do princípio da proporcionalidade, há que atender sobretudo a que a situação deficitária das entidades referidas no n.º 1 do artigo 18.º pode repercutir-se negativamente no equilíbrio financeiro do Estado, pelo que o interesse em evitar essa situação constitui uma razão ainda constitucionalmente credenciável de justificação das soluções impugnadas.
Enquanto princípio geral de limitação do poder público, o princípio da proporcionalidade ou da proibição do excesso impõe ao Estado-legislador que adeque a sua projetada ação aos fins pretendidos e que não configure medidas que surjam, em relação a esses fins, inadequadas, desnecessárias ou excessivamente restritivas (cf. Acórdão 187/2001).
Para além de adequada à finalidade em concreto prosseguida - acautelar a sustentabilidade das entidades públicas empresariais, empresas públicas de capital exclusiva ou maioritariamente público e entidades do setor empresarial local ou regional, prevenindo e minorando os impactos orçamentais negativos gerados por situações financeiras deficitárias -, a solução impugnada, na medida em que atinge, não o núcleo remuneratório central - isto é, a contrapartida remuneratória da prestação laboral -, mas, perifericamente, prestações devidas a título suplementar ou complementar, e, mesmo quanto a estas, limita o seu efeito restritivo ao que resulta da importação das regras de abonação a que se encontram, em geral, sujeitos os trabalhadores em funções públicas, supera sem dificuldade o teste da "menor desvantagem possível" a que obriga o princípio da proporcionalidade, retirando fundamento à possibilidade de censurar o legislador por não ter adotado medidas menos intrusivas com os mesmos efeitos na prossecução do fim visado.
Por fim, não se pode dizer que o resultado obtido através da medida impugnada - incremento das condições para a autossustentabilidade financeira das entidades referidas no n.º 1 do artigo 18.º e consequente diminuição da necessidade, atual ou potencial, de realização de transferências do Orçamento do Estado a fim de compensar situações deficitárias - seja desproporcionado em relação à carga coativa que a mesma comporta.
Tal carga, justamente porque se queda pelo plafonamento inerente à remissão para as regras de abonação que vigoram para a generalidade dos trabalhadores em funções públicas, não surge, quando confrontada com a extensão do benefício que para o interesse público prosseguido advirá da diminuição de custos operacionais desse modo originada, excessiva ou desequilibrada.
No ponto em que se afasta do regime aplicável à generalidade dos trabalhadores sujeitos ao regime do contrato individual do trabalho, previsto no Código do Trabalho, e destes diferencia os agentes das entidades públicas empresariais, empresas públicas de capital exclusiva ou maioritariamente público e entidades do setor empresarial local ou regional, a solução mantida em vigor pelo artigo 18.º do Decreto-Lei 133/2013 não se afigura, em suma, nem inadequada e/ou dispensável à prossecução dos fins visados, nem excessiva ou desproporcionada, quanto à carga coativa que comporta, para alcançar esses fins.
III. Decisão
29 - Pelos fundamentos expostos, o Tribunal Constitucional decide:
a) Não tomar conhecimento do pedido de declaração de inconstitucionalidade do artigo 14.º, n.º 2, do Decreto-Lei 133/2013, de 3 de outubro;
b) Não declarar a inconstitucionalidade da norma resultante da conjugação dos n.os 1 e 4 do artigo 18.º do Decreto-Lei 133/2013, de 3 de outubro;
c) Não declarar a inconstitucionalidade da norma resultante da conjugação dos n.os 2 e 4 do artigo 18.º do Decreto-Lei 133/2013, de 3 de outubro;
d) Não declarar a inconstitucionalidade da norma resultante da conjugação dos n.os 3 e 4 do artigo 18.º do Decreto-Lei 133/2013, de 3 de outubro.
Lisboa, 5 de maio de 2015 - Fernando Vaz Ventura (com declaração) - Maria Lúcia Amaral (com declaração) - Maria de Fátima Mata-Mouros - João Cura Mariano (com a declaração que me afasto da parte da fundamentação que em termos de confronto com o princípio da proteção da confiança invoca a argumentação que consta do Acórdão 413/2014) - Maria José Rangel de Mesquita (com declaração) - Pedro Machete [vencido quanto à alínea a)] - Ana Guerra Martins - João Pedro Caupers (com declaração de voto) - Carlos Fernandes Cadilha (vencido nos termos da declaração em anexo) - Lino Rodrigues Ribeiro [voto de vencido quanto à alínea a) da decisão] - Catarina Sarmento e Castro [vencida quanto às alíneas b), c) e d), nos termos da declaração de voto junta] - Joaquim de Sousa Ribeiro [vencido, nos termos da declaração anexa, quanto às alíneas b), c) e d) da decisão]
Declaração de Voto
Não acompanho a fundamentação na parte em que reafirma e transpõe o entendimento acolhido no Acórdão 413/2014, fundado num necessário "distanciamento das empresas públicas face à «entidade pública mãe»" (cf. ponto 26), pois, conforme exarei em declaração aposta nesse Acórdão, considero essa visão do relacionamento entre o Estado-administrador e as empresas públicas excessivamente formal.
Porém, ao contrário do que sucedia com a normação então em apreço, não existem indicadores seguros de que, relativamente ao leque de matérias reguladas no artigo 18.º do Decreto-Lei 133/2013, tenha o Estado-empresário induzido por qualquer forma expectativas de continuidade do quadro legal. - Fernando Vaz Ventura.
Declaração de Voto
Conheceria da norma contida no n.º 2 do artigo 14.º do Decreto-Lei 133/2013, de 3 de outubro. A decisão de não conhecimento parece-me ser um retrocesso face ao "conceito funcional de norma" que desde o início da sua jurisprudência o Tribunal tão acertadamente formalizou. Sendo este conceito expansivo e não restritivo, e sendo ele funcionalmente adequado às exigências do controlo de constitucionalidade dos atos do poder legislativo - competência precípua que a Constituição confere à jurisdição constitucional - não vejo como deixar de considerar como «norma», para efeitos daquele controlo, o reconhecimento da necessidade de introdução, em um regime jurídico geral de direito privado, de uma disciplina (a relativa a matérias remuneratórias, definidas em função das exigências do Orçamento do Estado) de pendor claramente juspublicístico. Quanto a mim, do reconhecimento dessa necessidade trata o n.º 2 do artigo 14.º do decreto-lei. E, por isso, tanto bastaria para que considerasse que o preceito contém uma "norma", no sentido funcional que ao conceito foi dado pela jurisprudência do Tribunal. - Maria Lúcia Amaral.
Declaração de Voto
Divergi quanto à fundamentação das decisões expressas nas alíneas b), c) e d) da Decisão do presente Acórdão no que respeita às normas resultantes da conjugação dos n.os 1 e 4, 2 e 4 e 3 e 4 do artigo 18.º do Decreto-Lei 133/2013, de 3 de outubro, pelas razões essenciais que de seguida se explicitam.
Quanto à apreciação da violação do direito de contratação coletiva consagrado no artigo 56.º, n.º 3, da Constituição da República Portuguesa (cf. C2., n.º 19 e ss.), alcançamos a conclusão formulada, mas não acolhemos a totalidade dos fundamentos para tanto invocados (no n.º 23). Entende-se que as referidas normas, na parte em que se estipula a sua prevalência sobre instrumentos de regulamentação coletiva de trabalho, afetam o exercício concreto, já ocorrido, do direito fundamental de contratação coletiva e, assim, determinando uma conformação externa e a posteriori do conteúdo de convenções coletivas anteriormente celebradas e vigentes. Contudo, entende-se que tal ingerência assim operada no conteúdo do direito de contratação coletiva já exercido não se afigura excessiva à luz do disposto no artigo 18.º, n.º 2, da Constituição, face à prevalência dos objetivos de interesse público a prosseguir e explicitados na fundamentação do acórdão na parte em que se refere à imperatividade das normas em causa (cf. n.º 22) - aliada à não supressão do direito (futuro) à contratação coletiva, ainda que em moldes diversos, por força do regime que resulta aplicável por força das referidas normas. - Maria José Rangel Mesquita.
Declaração de Voto
1 - Em declaração de voto que fiz exarar no Acórdão 413/2014 escrevi:
«I - Tenho por excessivamente formalista a consideração da autonomia jurídica das empresas do SPE, que sustentou, no essencial, a deliberação do Tribunal relativa à não inconstitucionalidade da abolição dos complementos de pensões pagos por empresas do sector público empresarial (SPE). Entendo que, por um lado, é real e quase sempre determinante a influência do Governo nas empresas do sector empresarial do Estado (que constitui a parte mais significativa do SPE), nomeadamente naquelas - como o Metropolitano de Lisboa e a Carris - que o Governo sempre refere quando trata de enfatizar dificuldades económicas, como fez na documentação que enviou ao Tribunal (e nas quais o Estado é acionista único).
O Governo não só nomeia (e exonera) as administrações, como, através dos membros do Governo que exercem os poderes que a lei confere ao Estado na qualidade de acionista de tais empresas, condiciona fortemente a gestão empresarial. Esta circunstância torna, a meu ver, insuficiente o argumento da autonomia jurídica, para sustentar que o Governo nada teve a ver com as decisões gestionárias determinantes do pagamento dos complementos das pensões, de que resultaria a falta de fundamento para o investimento de confiança.
As decisões das administrações das empresas pretenderam, como estratégia empresarial seguramente apoiada pelo Governo, reduzir os recursos humanos das empresas e daí as propostas de reformas antecipadas, preço dessa redução. Os trabalhadores que as aceitaram, acreditando na sua seriedade, fizeram uma opção que não fariam noutras circunstâncias, opção essa irreversível. Acreditaram na estabilidade da situação económica resultante de um verdadeiro contrato com a empresa, contrato que o Governo vem agora violar (bem ao contrário do respeito escrupuloso que exibe por outros contratos, muito mais lesivos dos contribuintes), impondo-lhes uma redução, em muitos casos drástica, dos seus rendimentos.»
2 - Naturalmente que estas palavras conduzem-me inevitavelmente a não subscrever as considerações que no aresto se fazem relativamente à suposta inexistência de uma situação de confiança.
Não obstante, concordo que o regime estabelecido no Decreto-Lei 133/2013 «supera o teste do interesse público.» É que, desta feita, não nos encontramos perante o corte de complementos de pensões, quase sempre decisivos na decisão do trabalhador de se reformar e cuja perda lhe pode criar sérias dificuldades, numa época da sua vida em que já não poderá suprir tal redução - mas perante a aplicação aos atuais trabalhadores das empresas públicas do regime, menos favorável, aplicável aos trabalhadores em funções públicas, em várias matérias, umas remuneratórias - como a retribuição do trabalho noturno e do trabalho extraordinário -, outras não.
Em qualquer caso, a medida apresenta um impacte bem menor na vida dos trabalhadores atingidos, razão bastante para aceitar as razões de interesse público subjacentes e, consequentemente, a conformidade constitucional da medida. - João Pedro Caupers.
Declaração de Voto
Começo por discordar do entendimento seguido no acórdão quanto ao sentido interpretativo a atribuir ao artigo 18.º, n.º 4, do Decreto-Lei 133/2013, de 3 de outubro. O artigo 14.º, n.º 1, desse diploma determina que as empresas públicas se regem, em geral, pelo direito privado, com a consequente sujeição às disposições do Código do Trabalho em matéria de relações laborais. Ao estipular para os titulares de órgãos de administração e de gestão e os trabalhadores das empresas públicas a aplicação do regime especialmente previsto para os trabalhadores em funções públicas, no que se refere ao abono do subsídio de refeição e de ajudas de custo e à retribuição por trabalho suplementar e trabalho noturno, os n.os 1, 2 e 3 desse artigo 18.º estão a remeter para as disposições substantivas que especificamente regulam essas matérias no âmbito da relação jurídica de emprego público, com a necessária derrogação do regime laboral de direito privado que seria aplicável.
Ao estabelecer ainda, no n.º 4, para o regime fixado nesse artigo um caráter de imperatividade e de prevalência sobre quaisquer outras normas, especiais ou excecionais, em contrário e sobre instrumentos de regulamentação coletiva de trabalho, tal significa a derrogação tácita de quaisquer disposições legais ou convencionais já existentes que instituam um regime jurídico diferente e a impossibilidade de as partes, para futuro, convencionarem um outro regime por via da contratação coletiva.
As normas imperativas, no sentido técnico jurídico corrente em direito laboral, integram o estatuto legal da relação laboral, caracterizando o conjunto de normas legais que não podem ser preteridas por quaisquer outras disposições (de regulamentação coletiva ou de contrato individual), e contrapõem-se às normas supletivas, que se relacionam com o estatuto contratual e poderão ser afastadas por uma fonte de valor hierárquico inferior ou por estipulação individual e ainda pelas normas dos instrumentos de regulamentação coletiva que estabeleçam condições mais favoráveis para os trabalhadores. E, sendo assim, não faria sentido que a remissão para o regime da relação jurídica de emprego público, a que se atribui um efeito de imperatividade, devesse entender-se como feita para as correspondentes disposições substantivas e para o próprio regime de contratação coletiva que essas disposições viessem a consentir, precisamente porque, não estando em causa uma mera norma supletiva, não seria possível substituir o conteúdo normativo para que é diretamente feita a remissão por outras disposições de natureza convencional. E isso mesmo é o que decorre literalmente do disposto no n.º 4 do artigo 18.º quando aí se explicita que o regime fixado nesse artigo não só prevalece sobre «quaisquer outras normas, especiais ou excecionais, em contrário e sobre instrumentos de regulamentação coletiva de trabalho», como «não [pode] ser afastado ou modificado pelos mesmos», sendo claro que este último inciso se reporta, não ao caráter prevalecente do regime - que apenas imporia que se sobrepusesse às disposições legais e convencionais preexistentes -, mas à sua própria natureza imperativa - que impede que futuros instrumentos de regulamentação coletiva de trabalho possam preterir (afastando ou modificando) o regime legal.
Esse é, aliás, o sentido interpretativo mais consentâneo com o elemento racional da interpretação jurídica e com a função positiva do texto da lei, visto que se o legislador pretendesse remeter para as normas designativas do direito aplicável, bastar-lhe-ia mandar aplicar o regime específico do vínculo de trabalho em funções públicas (que já incluiria as normas substantivas e o correspondente regime de contratação coletiva), sem necessidade de atribuir às normas remissivas a natureza imperativa. Esta qualificação, por si só, evidencia que a finalidade da lei é o de instituir um regime legal que é, em si, incompatível com uma outra regulação que resulte da contratação coletiva.
Partindo deste sentido interpretativo, que parece ser o único possível, o artigo 18.º, n.º 4, do Decreto-Lei 133/2013 não se limita a condicionar o direito à contratação coletiva, mas impede efetivamente o exercício desse direito em matérias que poderiam ser objeto de negociação coletiva (artigo 350.º, n.º 1, alínea f), da Lei Geral do Trabalho), além de que efetua uma restrição ao conteúdo essencial do direito fundamental em termos que violam o princípio da proporcionalidade. Bastando para tanto considerar que a alteração do regime legal, por via da contratação coletiva, só poderia ser obtida por acordo das partes e com base na realização de interesses que aos membros do Governo com legitimidade representativa sempre lhes caberia prosseguir.
No mais e quanto às questões que o direito à contratação coletiva coloca, remeto para a declaração de voto aposta ao Acórdão 794/2013, em que se discutia situação similar. - Carlos Alberto Fernandes Cadilha.
Declaração de Voto
Votei vencido quanto à decisão de não conhecimento do pedido de declaração de inconstitucionalidade do artigo 14.º, n.º 2 do Decreto-Lei 133/2013, de 3 de outubro - alínea a) da parte decisória do Acórdão.
O artigo 14.º define e ordena o direito aplicável às empresas que integram o sector empresarial do Estado, vinculando tais entidades a atuar segundo o regime aí estabelecido. Segundo o n.º 1 desse artigo, aquelas empresas regem-se pelas normas de Direito Privado, sem prejuízo das especificidades decorrentes do próprio decreto-lei - que fixa os princípios e regras aplicáveis ao sector público empresarial e as bases gerais das empresas públicas - dos diplomas que as criam ou constituem e dos respetivos estatutos. Esta norma estabelece pois uma hierarquia de fontes de direito aplicáveis a essas empresas, a qual assume particular importância na definição do regime jurídico das várias formas de atuação, designadamente se devem ser aplicadas normas de direito público ou normas de direito privado.
A norma questionada - o n.º 2 do artigo 14.º - estabelece que o regime retributivo e as valorizações remuneratórias dos órgãos sociais e dos trabalhadores dessas empresas podem ser sujeitos, por lei, a normas excecionais, de carácter temporário. Por estar inserida na diploma definidor dos princípios e bases gerais das empresas do sector empresarial do Estado tem prevalência sobre o que se dispuser em sentido contrário nos diplomas que criam essas empresas, nos estatutos que a regulam e no contratos individuais de trabalho por elas celebrados. Ora, a estruturação hierárquica das fontes reguladoras das atividades dessas empresas acaba por dar sentido prescritivo à norma questionada, uma que vez transmite aos respetivos destinatários que, por normas de direito público, a retribuição convencionada no contrato pode ser temporariamente alterada, em situações excecionais, inviabilizando a formação de quaisquer expectativas quanto à irredutibilidade salarial. Tal como nas normas de competência e de autorização, transmite-se a ideia de que o legislador (e não qualquer outro órgão) pode alterar, de forma excecional e temporária (e não de qualquer outra) o regime retributivo fixado em regras de direito privado e eventualmente em regras estatutárias de hierarquia inferior.
Uma norma com este sentido é passível de fiscalização constitucional. Todavia, pela argumentação constante dos pontos 24 a 26 do Acórdão, a mesma não enferma do vício que os requerentes lhe imputam. - Lino Rodrigues Ribeiro.
Declaração de Voto
Subscrevi a decisão de não conhecimento relativa à norma do artigo 14.º, n.º 2, do Decreto-Lei 133/2013, de 3 de outubro.
Mas fiquei vencida quanto ao mérito, no que respeita às normas do artigo 18.º, alíneas b), c) e d) da decisão, já que votei no sentido da sua inconstitucionalidade, por violação do direito à contratação coletiva (enquanto parte do direito à negociação coletiva) previsto no artigo 59.º, n.º 3, da Constituição.
Fi-lo, quer quando se entenda que tais normas fixam um regime relativo ao subsídio de refeição, ajudas de custo e de transporte, remuneração de trabalho suplementar e de trabalho noturno, que tem prevalência (valendo para o passado), sobrepondo-se aos instrumentos de regulamentação coletiva já celebrados e ainda em vigor, derrogando-os; quer quando se entenda que tais normas fixam um regime de caráter imperativo (para futuro), inderrogável mediante o exercício da autonomia coletiva.
No primeiro caso, faço-o pelas razões abundantemente expostas a propósito de outras normas já apreciadas por este Tribunal (Acórdãos n.os 602/2013 e 413/2014). Escrevi, a este propósito, neste último Acórdão:
«a disposição legal que agora as suspende viola o artigo 56.º n.º 3, da Constituição - que garante a contratação coletiva - ao pôr em causa a contratação coletiva em si mesma. Já em ocasião anterior (Acórdão 602/2013) votei (vencida) a inconstitucionalidade de norma (então, do Código de Trabalho) que determinava a suspensão da eficácia de anterior resultado de exercício de autonomia contratual coletiva, por violação associada do princípio da proteção da confiança, decorrente do artigo 2.º da Constituição, e do direito de contratação coletiva. Algumas dessas considerações são genericamente válidas no caso em apreço.
A existência de um direito à contratação coletiva com um mínimo de conteúdo útil exige que o legislador respeite as expectativas fundadas na continuidade da vinculação resultante dos instrumentos de regulamentação coletiva, pelo período convencionado, por um lado, e que, naturalmente, aqueles que os adotam possam com eles contar para a conformação da sua vida, por outro. O respeito pela contratação coletiva em si mesmo considerada (e constitucionalmente prevista) obriga a que se respeitem as expectativas, dignas de tutela, que os instrumentos de regulamentação coletiva geraram.
A meu ver, independentemente da natureza das matérias em causa, ou seja, independentemente de o objeto da contratação coletiva integrar a reserva de convenção coletiva, a confiança que a contratação coletiva em si mesma pressupõe, e que é base da sua essência, condição fundamental da sua existência, sempre imporia o respeito pelos conteúdos antes negociados, até ao final dos períodos contratualmente estipulados. A confiança é, afinal, crucial ao exercício pleno da liberdade de contratação coletiva, dotando-a de sentido.
Ou seja, o legislador não pode atingir de forma tão significativa os instrumentos de regulamentação coletiva de trabalho já celebrados e em vigor, sem com isso ferir de modo excessivo a confiança dos contraentes na longevidade antecipadamente fixada do instrumento de regulamentação coletiva, ferindo a garantia da própria contratação coletiva. A quebra do acordo celebrado, por imposição legal, com as suas consequências lesivas, constitui uma ablação significativa da confiança nos instrumentos de regulação coletiva, frustrando a certeza que as partes haviam depositado na manutenção do acordado».
Já relativamente ao caráter imperativo dos regimes que fixam o valor de retribuição do trabalho suplementar e noturno, do subsídio de refeição, abono de ajudas de custo e transporte, vedando, para o futuro, a reconfiguração, mediante exercício do direito à contratação coletiva, do regime agora estabelecido de forma excecional (que é o regime aplicável aos trabalhadores com vínculo de trabalho em funções públicas), considero que as normas em apreciação afetam de modo grave este direito.
Comece-se por esclarecer que me afastei da interpretação das normas a que procedeu o Acórdão, concordando com o requerente: entendo que o disposto no n.º 4 do artigo 18.º veda o recurso à contratação coletiva a trabalhadores sujeitos, em regra, à disciplina geral do contrato de trabalho e ao direito privado, ficando agora obrigados pelas regras substantivas em matéria de valor de retribuição do trabalho suplementar e noturno, do subsídio de refeição, abono de ajudas de custo e transporte estabelecidas para os trabalhadores em funções públicas. Com tais normas, o legislador consagrou uma disciplina menos flexível do que a que vale para os próprios trabalhadores com vínculo de trabalho em funções públicas.
Assim, a posição de divergência relativamente à posição da maioria advém, em especial, da interpretação que faço das normas questionadas, não coincidente com a que resulta do acórdão. Na verdade, não aceito que as normas do artigo 18.º transponham para o âmbito das entidades públicas empresariais todo o regime jurídico previsto para os trabalhadores em funções públicas em matéria de subsídio de refeição, ajudas de custo e de transporte, remuneração do trabalho suplementar e do trabalho noturno, nessa transposição se incluindo, na visão da maioria, as regras que preveem que este regime pode ser afastado por instrumento de regulamentação coletiva. Se o aceitasse, tal significaria - onde esses regimes admitissem a regulamentação coletiva - que o exercício desse direito não seria completamente afastado, apenas teria de ser exercido dentro das limitações impostas aos trabalhadores contratados em funções públicas.
Não é, todavia, este, o sentido que atribuo ao disposto no artigo 18.º do Decreto-Lei 133/2013.
Note-se que o artigo 17.º deste diploma começa por estabelecer o regime laboral geral - o regime jurídico do contrato individual de trabalho -, fixando, também, a regra em matéria de contratação coletiva - a estabelecida na lei geral. O artigo 18.º (n.os 1, 2 e 3) vem criar exceções ao regime geral, relativamente ao subsídio de refeição, às ajudas de custo, ao trabalho suplementar e ao trabalho noturno, determinando que nestes casos se aplicará a disciplina prevista para os trabalhadores em funções públicas. A meu ver, quando o faz, ao não remeter expressamente para o regime do contrato em funções públicas (o que resulta evidente), pretende apenas transpô-lo no que às condições concretas da sua remuneração diz respeito. E tanto assim é que no n.º 4, cuida de estabelecer a imperatividade e prevalência deste regime excecional. E ao fazê-lo, expressamente contempla a sua prevalência em relação a qualquer instrumento de regulamentação coletiva de trabalho preexistente, bem como a impossibilidade de ser derrogado por convenção coletiva de trabalho no futuro. Então, o presente n.º 4 só pode ter desejado deixar de fora da importação dos regimes de subsídio de refeição, ajudas de custo, trabalho suplementar e trabalho noturno, os aspetos particulares que para cada um deles são estabelecidos para os trabalhadores em funções públicas em matéria de contratação coletiva.
Por ser assim, considerei que o artigo 18.º, efetivamente, subtrai estas matérias ao âmbito da regulamentação coletiva, não se limitando a sujeitá-las às condições em que a conformação por instrumento de regulamentação coletiva pode ter lugar relativamente aos trabalhadores contratados em funções públicas.
Consequentemente, e independentemente de o regime específico de cada uma das matérias admitir, ou não, a contratação coletiva para os trabalhadores em funções públicas, bem como do seu concreto grau de liberdade, por contraste com o previsto no regime regra do contrato de trabalho, na minha interpretação, do regime fixado no artigo 18.º não pode deixar de resultar uma violação do direito à contratação coletiva, já que das normas do artigo não resulta a transposição das condições autorizando a contratação coletiva (o que, de todo o modo, sempre obrigaria a que se aferisse da legitimidade constitucional das limitações que estas imporiam, limitando a contratação coletiva genericamente prevista na lei geral, se fosse esse o caso, que não é, como se viu), mas apenas das regras substantivas que integram o regime fixado em matéria de subsídio de refeição, ajudas de custo e de transporte, retribuição do trabalho extraordinário e do trabalho noturno.
Não é demais sublinhar que ao vedar, nestas matérias, o exercício do direito à contratação coletiva aos trabalhadores das Empresas Públicas, estes trabalhadores ficam em situação mais gravosa do que os próprios trabalhadores com vínculo de trabalho em funções públicas, já que, para estes, esses regimes substantivos podem, nalguns casos, ser afastados por instrumentos de regulação coletiva. - Catarina Sarmento e Castro.
Declaração de Voto
Fico vencido quanto às alíneas b), c) e d) da decisão, na parte em que não declaram a inconstitucionalidade da prevalência do regime fixado no artigo 18.º do Decreto-Lei 133/2013, de 3 de outubro, sobre os regimes constantes de instrumentos de contratação coletiva anteriormente celebrados e ainda vigentes.
Em meu entender, a possibilidade de livre derrogação, pelo legislador, do estabelecido, "nos termos da lei", pela conformação autónoma, a nível coletivo, das relações de trabalho, afeta, no seu cerne, o direito de contratação coletiva, garantido no artigo 56.º, n.º 3, da Constituição. As razões desta posição já foram por mim explicitadas em declarações de voto apostas aos Acórdãos n.os 602/2013 (ponto 3), 794/2013 (ponto 3) e 413/2014. Reitero que não está em causa a delimitação de um âmbito de normação reservado à contratação coletiva, mas o respeito pelas vinculações resultantes do anterior exercício desse direito. E não colhe o argumento, desenvolvido no ponto 23 do Acórdão, de que a possibilidade de exercício futuro do direito de autorregulamentação coletiva é suficiente para abonar a simultânea extinção dos efeitos vinculativos de convenções em vigor. Tal significa colocar uma vinculação assumida por uma das partes (a entidade patronal) na sua livre disposição, na sua vontade incondicionada de vir a assumir futuramente um compromisso de conteúdo idêntico ao que sobre si pesava, ao abrigo de uma convenção já celebrada e ainda vigente. Solução esta que, evidentemente, destrói toda a substância da garantia do direito à contratação coletiva.
E também se mostra inteiramente insubsistente, a meu ver, o argumento, primeiramente avançado no Acórdão 413/2014, a propósito da norma do artigo 75.º da Lei do OE para 2014, e neste Acórdão repetido (ponto 26), de que não pode ser imputada ao Estado-legislador a situação de confiança gerada pela celebração de uma convenção coletiva, uma vez que a celebração desta é da responsabilidade dos respetivos órgãos de gestão, não existindo qualquer evidência de que o Estado-administrador, enquanto titular da função acionista, tenha induzido as empresas a essa celebração.
As convenções coletivas são firmadas dentro de um determinado quadro legislativo, traçado pelo Estado-legislador, em cumprimento do estabelecido no artigo 56, n.º 3, da Constituição. Se, no momento da celebração, o regime legal admitia como possível objeto da autonormação coletiva o ponto por esta regulado, em termos que não contrariam o por lei imposto ou proibido, essa regulação convencionada passa a gozar do aval do Estado-legislador, que não pode, assim, dissociar-se, como res inter alios, do estabelecido na convenção coletiva e da confiança gerada no seu cumprimento. - Joaquim de Sousa Ribeiro.
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