Acórdão 36/87
Processo 193/86
Acordam, em sessão plenária, no Tribunal Constitucional (T. Const.):
I - Relatório
1 - O procurador-geral da República-adjunto em exercício no T. Const., por delegação do procurador-geral da República, veio, nos termos do artigo 82.º da Lei 28/82, de 15 de Novembro, conjugado com o artigo 281.º, n.º 2, da Constituição (CRP), requerer se aprecie e declare, com força obrigatória geral, a inconstitucionalidade da norma do artigo 140.º, n.º 7, do Decreto Regulamentar 55/80, de 8 de Outubro, uma vez que a mesma já foi julgada inconstitucional nos Acórdãos n.os 72/86 (processo 79/85), publicado no Diário da República, 2.ª série, de 11 de Junho de 1986, 74/86 (processo 105/85), publicado no Diário da República, 2.ª série, de 12 de Junho de 1986, e 255/86 e 258/86 (processos n.os 61/85 e 170/85, respectivamente), ainda inéditos na altura do pedido.
2 - Notificado o Primeiro-Ministro para responder, querendo, nada veio ele dizer.
3 - Cumpre, então, decidir a questão da constitucionalidade da norma do artigo 140.º, n.º 7, do Decreto Regulamentar 55/80, de 8 de Outubro, que foi, na verdade, julgada inconstitucional por este Tribunal, nos seus Acórdãos n.os 72/86, 74/86, 255/86 e 258/86, atrás indicados.
Há que anotar que os n.os 255/86 e 258/86 foram, entretanto, publicados no Diário da República, 2.ª série, de 26 de Novembro de 1986.
Conhecendo.
II - Fundamentos
1 - Liminarmente, dir-se-á que o regime constante do n.º 7 do artigo 140.º do Decreto Regulamentar 55/80, de 8 de Outubro, aqui questionado, já não se encontra em vigor.
De facto, o novo Código do Registo Predial, aprovado pelo Decreto-Lei 224/84, de 6 de Julho, alterado pelo Decreto-Lei 355/85, de 2 de Setembro, depois de, no n.º 1 do artigo 140.º, estabelecer que as decisões do conservador «de que resulte a recusa do registo, ou a sua efectivação como provisório por dúvidas» podem ser impugnadas «por recurso para o juiz da comarca ou por reclamação hierárquica», preceitua, no n.º 4, que «a impugnação de erros de conta nos actos [...] só pode ser feita por reclamação hierárquica». O que, naturalmente - face ao princípio constitucional da recorribilidade dos actos administrativos -, há-de significar que a impugnação das contas está sujeita ao regime geral da impugnação dos actos administrativos, com recurso contencioso, a final, a interpor, no caso, para o Supremo Tribunal Administrativo (STA).
Apesar de a norma sub iudicio não estar já em vigor, continua a haver interesse jurídico relevante no conhecimento do recurso, pois não está excluída a possibilidade de existência de casos pendentes em que a norma em causa haja sido aplicada. E isso é quanto basta (cf. o Acórdão 177/86, publicado no Diário da República, 1.ª série, de 19 de Junho de 1986).
Dito isto, prossigamos.
Para decidir a questão que acaba de enunciar-se, convém averiguar qual foi a evolução histórica do regime de recurso das decisões proferidas sobre reclamações contra erros de contas do registo predial. Designadamente, para saber se essas contas alguma vez foram impugnáveis perante os tribunais de comarca.
Vejamos, então.
2 - O Código de Processo Civil de 1876 [alterado designadamente pelos Decretos de 16 de Julho de 1885, de 13 de Julho de 1918 (n.º 4618) e de 26 de Maio de 1932 (n.º 21287)] apenas previa recurso, a interpor para o juiz de direito respectivo, dos actos do conservador que tivesse «duvidado ou recusado fazer algum registo» (v. o artigo 788.º).
Esse recurso não servia, assim, para impugnar as contas elaboradas pelos conservadores.
3 - Publicado, entretanto, um Código do Registo Predial, aprovado pelo Decreto 17070 de 4 de Julho de 1929, aí se estabeleceu um regime idêntico a esse (v. os artigos 252.º a 255.º). Nesse Código, de resto, previa-se, no artigo 286.º, a reclamação das contas «nos mesmos termos em que o Código de Processo Civil permite a reclamação para emenda do erro da conta de custas», o que era interpretado como significando que a impugnação das contas por actos de registo predial não se fazia por meio de recurso para o tribunal da comarca.
4 - O Código de Processo Civil de 1939 - na parte que aqui importa considerar - continuava a prever recurso para o tribunal de comarca tão-só da recusa do conservador em fazer algum registo (artigo 1082.º) ou da sua efectivação como provisório por dúvidas (artigo 1086.º). E, assim, esse recurso continuava a não poder visar a impugnação de contas. Quanto a estas, o que então se passou a discutir foi se, face à norma revogatório do artigo 3.º do diploma preambular - Decreto-Lei 29637, de 28 de Maio de 1939 -, o mencionado artigo 286.º do Código de Registo Predial de 1929 se manteve ou não em vigor (cf. Artur Lopes Cardoso, Registo Predial, pp. 377 e 379).
O referido Código de Processo Civil de 1939 permitia que, antes de usarem o recurso para o tribunal de comarca, os interessados, sem perda daquele direito de recurso, reclamassem para o Ministro da Justiça (cf. o artigo 1087.º).
5 - O regime do Código de Processo Civil de 1939 foi retomado pela Lei 2049, de 6 de Agosto de 1951 (cf. os artigos 165.º a 172.º).
É, no entanto, de assinalar uma modificação de certo relevo: o recurso hierárquico, de que os interessados podiam lançar mão antes de usarem o recurso contencioso, passou a interpor-se para o director-geral dos Registos e do Notariado, em vez de o ser para o Ministro da Justiça (cf. o artigo 170.º).
A impugnação das contas, essa achava-se prevista no artigo 137.º da mesma lei, que preceituava:
Pode reclamar-se contra qualquer erro de conta perante o funcionário que a fez, e se o interessado não for atendido haverá recurso para o director-geral dos Registos e do Notariado. [Sublinhou-se.]
Pode, assim, sintetizar-se o regime constante da Lei 2049:
a) O recurso para o tribunal de comarca continuou a ser inaplicável aos casos de impugnação de contas;
b) O recurso hierárquico, que cabia da decisão que desatendesse a reclamação apresentada contra um erro de conta, era absolutamente independente do recurso hierárquico que se interpusesse da recusa de acto de registo ou da sua realização como provisório;
c) Da decisão do director-geral que desatendesse a reclamação visando impugnar um erro de conta podia recorrer-se para o Ministro da Justiça.
De facto, nenhum preceito legal proibia esse recurso e o mesmo era, até, necessário para abrir a via contenciosa normal, própria dos actos administrativos, uma vez que, por força do disposto no § único do artigo 55.º da citada Lei 2049, os conservadores se achavam subordinados àquele ministro [cf. o artigo 1.º do Decreto 18017, de 27 de Fevereiro de 1930; posteriormente, o artigo 15.º, n.º 1, do Decreto 40768, de 8 de Setembro de 1956 (Lei Orgânica do Supremo Tribunal Administrativo), e, hoje, o artigo 26.º, n.º 1, alínea e), do Decreto-Lei 129/84, de 27 de Abril (Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais)].
Conclui-se, assim, com o Acórdão do STA de 6 de Março de 1980, publicado nos Acórdãos Doutrinais do Supremo Tribunal Administrativo, n.º 227 (Novembro de 1980):
À face dos artigos 137.º e 165.º a 172.º daquela lei, a impugnação das contas só era viável através da reclamação hierárquica prevista nesse artigo 137.º, sem prejuízo de posterior recurso para o Ministro da Justiça, e ainda de ulterior recurso contencioso, nos termos da lei geral.
6 - O Decreto-Lei 42098, de 14 de Janeiro de 1959, veio, entretanto, dar nova redacção aos mencionados artigos 137.º e 165.º a 172.º da citada Lei 2049.
O regime legal de impugnação das contas manteve, porém, a configuração que tinha antes. Designadamente, continuou essa impugnação a ser absolutamente independente e separada da que se previa no artigo 170.º pela recusa de actos de registo.
Convém, no entanto, pôr aqui em destaque que no artigo 137.º foram arescentados três parágrafos. E o § 3.º dispunha assim:
À apresentação da reclamação e termos ulteriores é aplicável, com as necessárias adaptações, o disposto nos §§ 1.º e 2.º do artigo 170.º e no artigo 171.º e seus §§ 1.º a 6.º
Significa isto que se não mandou aplicar à impugnação das contas o § 7.º do referido artigo 171.º, o qual versava sobre a decisão da reclamação contra a recusa de actos de registo, ou a sua feitura como provisória. Esse § 7.º dispunha assim:
Do despacho do director-geral não haverá recurso; mas, quando desfavorável ao reclamante, poderá este interpor recurso contencioso da recusa inicial do conservador [...], nos termos das disposições legais aplicáveis [...]
Por consequência, mesmo depois destas alterações, continuou a não caber recurso para o tribunal de comarca das decisões proferidas em reclamações sobre contas. E, de outro lado, a inadmissiblidade de recurso dos despachos do director-geral, estabelecida no § 7.º do artigo 171.º, não respeitava às decisões por ele proferidas nessas reclamações.
As reclamações sobre contas continuaram, assim, sujeitas ao regime que atrás se apontou e que é o seguinte: do erro reclamava-se para o conservador; se este desatendia a reclamação, recorria-se para o director-geral dos Registos e do Notariado; em caso de insucesso, recorria-se para o Ministro da Justiça; da decisão desfavorável deste, recorria-se para o STA.
7 - Publicado o Código do Registo Predial em 1959, aprovado pelo Decreto-Lei 42565, de 8 de Outubro de 1959, manteve-se, nos artigos 246.º a 258.º, o regime de impugnação já descrito no que concerne à recusa de actos de registo ou à sua feitura como provisórios. No tocante à impugnação de contas, nenhuma disposição continha o referido Código.
Continuou, assim, em vigor o regime constante do artigo 137.º da Lei 2049 - ou seja o regime geral de impugnação dos actos administrativos, com recurso, a final, para o STA, não havendo, em nenhum caso, recurso para o tribunal de comarca.
8 - Entretanto, foi publicado o Decreto-Lei 44063, de 28 de Novembro de 1961, que reorganizou os serviços de registo e do notariado. O seu artigo 55.º preceituava:
1 - Das decisões proferidas pelos conservadores [...] sobre reclamações contra erros de conta, bem como da sua recusa a efectuar algum registo nos termos requeridos ou a praticar qualquer acto da sua competência, podem os interessados reclamar para o director-geral dos Registos e do Notariado.
2 - Se a decisão do conservador [...] admitir recurso para o tribunal da comarca, a faculdade de reclamação só pode ser exercida antes de interposto o recurso a que haja lugar, nos termos da disposições legais aplicáveis.
3 - Do despacho proferido pelo director-geral sobre a reclamação não há recurso; mas, quando for desfavorável ao reclamante, poderá este [...] interpor o recurso que couber da decisão inicial do conservador [...]
Como se vê, continuou a haver, como até então, duas espécies de reclamações das decisões dos conservadores, a interpor para o director-geral dos Registos e do Notariado: as reclamações de decisões que desatendiam reclamações apresentadas por erros de conta; e as reclamações contra a recusa da prática de actos de registo pelo conservador. Aquelas eram regulamentadas no artigo 95.º do Decreto 44064, de 28 de Novembro de 1961, que aprovou o Regulamento dos Serviços do Registo e do Notariado, em termos similares aos do artigo 137.º da Lei 2049, já atrás descitos. As reclamações hierárquicas da recusa da prática de actos achavam-se disciplinadas nos artigos 101.º a 103.º do dito Decreto 44064.
Assim, pois, algumas dessas decisões dos conservadores - sujeitas, como se disse, a reclamação hierárquica - continuaram também a ser passíveis de recurso para o tribunal da comarca, como se vê do n.º 2 do mesmo preceito.
Só algumas, porém, como claramente o evidenciam as locuções seguintes: «se a decisão [...] admitir recurso» e «recurso a que haja lugar» (sublinhou-se).
Quais fossem as decisões que admitiam recurso para o tribunal de comarca dizia-o, naturalmente, o Código do Registo Predial. Concretamente, os artigos 246.º a 258.º, que eram «as disposições legais aplicáveis» no caso. Essas decisões eram, como se disse, as que se traduziam na recusa da prática de actos pelo conservador ou na feitura de registos como provisórios (v., identicamente, o citado Acórdão de 6 de Março de 1980 do STA).
Quanto às decisões dos conservadores proferidas sobre reclamações contra erros de contas, continuou a não haver qualquer disposição legal que previsse recurso delas para os tribunais de comarca. Tais decisões não eram, pois, passíveis dessa espécie de recurso. Achavam-se, antes, submetidas ao regime geral de impugnação dos actos administrativos, com recurso, a final, para o STA, da decisão do Ministro da Justiça, para quem se reclamava da decisão desfavorável do director-geral, perante o qual se impugnada a decisão do conservador que desatendesse a reclamação apresentada contra o erro de conta (v., neste sentido, também o mencionado Acórdão do STA de 6 de Março de 1980).
As decisões que no n.º 3 do citado artigo 55.º estão em causa, quando aí se dispõe que «do despacho proferido pelo director-geral sobre a reclamação não haverá recurso», acrescentando-se que, sendo esse despacho desfavorável ao interessado, este pode «interpor o recurso que couber da decisão inicial do conservador», são pois, tão-só, as proferidas sobre reclamações contra recusas de prática de actos ou contra a realização de registos como provisórios, e não as decisões das reclamações por erros de conta.
Assim sendo, conclui-se, com o citado Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 6 de Março de 1980:
Os n.os 2 e 3 do artigo 55.º do Decreto-Lei 44063 não dispõem sobre as decisões respeitantes às contas dos conservadores do registo predial e às respectivas impugnações, continuando estas sujeitas ao regime geral de impugnação dos actos administrativos, como era a solução legal até à publicação daquele diploma, segundo se demonstrou: impugnação hierárquica, nos diversos graus, com ulterior recurso contencioso do acto definitivo - o despacho do Ministro da Justiça.
9 - Entretanto - justamente em 28 de Dezembro de 1961 - foi publicado um novo Código de Processo Civil, do qual foram eliminados os preceitos relativos aos recursos dos conservadores e notários, uma vez que - explicou-se - os mesmos se achavam regulados na Lei 2014 e nos códigos sobre os registos e notariado (cf. Boletim do Ministério da Justiça, n.º 104, p. 126).
10 - Publicado um novo Código do Registo Predial (Decreto-Lei 47611, de 28 de Março de 1967), continuou a regular-se, aí, o recurso para o juiz da comarca, abrangendo apenas as decisões de recusa da prática de actos pelo conservador ou da feitura de registos como provisórios por dúvidas, e não as decisões proferidas sobre a impugnação de contas (cf. os artigos 248.º a 259.º). Nesse Código regulou-se também, no artigo 260.º, a reclamação hierárquica, a apresentar antes do recurso contencioso, para o director-geral dos Registos e do Notariado, «contra a recusa do conservador ou contra a realização como provisório por dúvidas do acto requerido como definitivo ou como provisório por natureza nos termos previstos na lei orgânica dos serviços de registo e do notariado».
A impugnação das contas não aparece regulamentada neste Código, continuando, assim, a estar sujeita ao regime de impugnação dos actos administrativos, como até aí.
11 - Posteriormente, foi publicado o Decreto-Lei 314/70, de 8 de Julho, que aprovou um novo Regulamento dos Serviços do Registo e do Notariado e manteve a situação legal anterior.
12 - Publicado o Decreto-Lei 519-F2/79, de 29 de Dezembro, dispôs-se, no artigo 69.º:
1 - Das decisões proferidas pelos conservadores [...] sobre reclamações contra erros de conta, bem como da sua recusa a efectuar algum registo nos termos requeridos ou a praticar qualquer acto da sua competência, podem os interessados reclamar para o director-geral dos Registos e do Notariado.
2 - Se a decisão do conservador [...] admitir recurso para o tribunal de comarca, a faculdade de reclamação só pode ser exercida antes de interposto o recurso a que haja lugar, nos termos das disposições legais aplicáveis.
[...]
4 - Do despacho proferido pelo director-geral sobre a reclamação não há recurso; mas, quando for desfavorável ao reclamante, pode este [...] interpor o recurso que couber da decisão inicial do conservador [...]
[...]
A simples leitura do preceito mostra que nele se reproduziu disciplina que já constava do artigo 55.º do Decreto-Lei 44063, de 28 de Novembro de 1961, segundo o qual as contas dos conservadores estavam sujeitas ao regime geral de impugnação dos actos administrativos, já antes descrito, ao passo que a recusa da prática de actos de registo ou a sua celebração como provisórios eram passíveis de reclamação hierárquica, e bem assim de recurso para o juiz de comarca.
Bem se compreende, aliás, esta diferença de regime.
De facto, como se pôs em destaque no citado acórdão do STA, nas decisões de recusa da prática de actos de registo ou da sua feitura como provisórios por dúvidas estão em causa, regra geral, questões respeitantes a relações jurídico-privadas. E, por isso, bem se justifica que sejam os tribunais comuns a decidir as impugnações dessas decisões dos conservadores.
No que toca, porém, à impugnação de contas dos conservadores, o que está em causa e uma relação jurídico-administrativa, que tem por objecto emolumentos, ou sejam, taxas. E, assim, o razoável é que, esgotada, em obediência ao princípio da exaustão dos meios graciosos, a via hierárquica graciosa, os interessados possam recorrer aos tribunais competentes para conhecer dos actos administrativos respeitantes a tributos cuja liquidação não esteja a cargo da administração fiscal, ou seja, no caso, ao STA.
13 - O Decreto-Lei 519-F2/79 foi, depois, regulamentado pelo Decreto Regulamentar 55/80, de 8 de Outubro, que disciplinou as reclamações hierárquicas nos artigos 138.º (reclamação de recusa de actos), 139.º (reclamação de erros de contas), 140.º e 141.º
O artigo 139.º dispõe, na parte que aqui interessa, como segue:
Art. 139.º - 1 - Contra qualquer erro de conta podem os interessados reclamar verbalmente perante o conservador ou notário antes de efectuar o seu pagamento ou dentro dos oito dias posteriores à realização deste.
2 - O funcionário reclamado apreciará imediatamente a reclamação formulada e, se a desatender, entregará ao reclamante, no caso de este declarar que não se conforma com o indeferimento da reclamação, nota dos fundamentos da sua decisão, devidamente datada e assinada.
3 - No prazo de cinco dias a contar da data da nota, podem os interessados exercer o direito da reclamação para o director-geral dos Registos e do Notariado, a fim de que este ordene a rectificação da conta.
[...]
Por sua parte, o artigo 140.º preceitua:
Art. 140.º - 1 - Recebida a reclamação, os serviços técnicos procederão ao estudo sumário do processo, com vista a apurar se esta bem organizado, se a reclamação está em prazo e se o problema que nele se discute já foi apreciado na Direcção-Geral, submetendo-o, dentro de oito dias, a despacho do director-geral, com a competente informação.
[...]
6 - Nas 48 horas imediatas, o director-geral decidirá a reclamação, por despacho, o qual tem de ser fundamentado quando contrário ao parecer emitido pelo conselho.
7 - Do despacho do director-geral decidindo a reclamação interposta contra erros de conta, bem como da recusa de conservador ou notário de efectuar algum registo nos termos requeridos ou de praticar qualquer acto da sua competência, não há recurso. Se a decisão for desfavorável, pode, porém, o interessado, no prazo de oito dias, a contar do recebimento da comunicação do despacho, interpor recurso da decisão inicial do conservador ou notário para o tribunal de comarca.
[...]
Como decorre da simples leitura dos preceitos atrás transcritos, as contas dos conservadores do registo predial continuaram, como até então, a poder ser reclamadas perante o próprio conservador, podendo da decisão desfavorável deste reclamar-se para o director-geral dos Registos e do Notariado. Deixou, porém, de poder reclamar-se para o Ministro da Justiça da decisão desfavorável do director-geral; e, consequentemente, não havendo decisão do Ministro, deixou de poder recorrer-se para o STA. Em contrapartida, a decisão inicial do conservador passou a ser recorrível para o tribunal de comarca.
14 - A expressão «do despacho proferido pelo director-geral sobre a reclamação não há recurso», constante do n.º 3 do artigo 55.º do Decreto-Lei 44063, e bem assim do n.º 4 do artigo 69.º do Decreto-Lei 519-F2/79, conjugada com o facto de o Código do Registo Predial então em vigor - o de 1976 - não prever recurso contencioso da decisão inicial do conservador sobre a reclamação apresentada contra o erro de conta, poderia sugerir a ideia de que as decisões preferidas em reclamações contra erros de conta não eram susceptíveis de impugnação contenciosa.
Se fosse assim, do que se teria tratado no Decreto Regulamentar 55/80 era de abrir a via de recurso contencioso para a impugnação de actos que, antes, não eram recorríveis.
Só que, como se viu já, as contas dos conservadores estavam sujeitas ao regime geral de impugnação dos actos administrativos - máxime a recurso contencioso para o STA: o n.º 3 do artigo 55.º do Decreto-Lei 44063 e o n.º 4 do artigo 69.º do Decreto-Lei 519-F2/79, ao estabelecerem a irreclamabilidade das decisões do director-geral, não visavam, pois, impedir a impugnação contenciosa das contas. De resto, no que toca a este último preceito, ele não podia, sequer, alcançar um tal resultado, uma vez que a garantia do recurso contencioso contra actos administrativos definitivos feridos de ilegalidade tinha já, desde 1971, consagração constitucional. [V. o artigo 8.º, n.º 21.º, da CRP de 1933, na redacção introduzida pela Lei 3/71, de 9 de Agosto. V. também o artigo 269.º, n.º 2, da CRP de 1976 (n.º 3 do artigo 268.º, na redacção introduzida pela Lei Constitucional 1/82).]
Operou-se, então, uma modificação do sistema em vigor relativo à repartição de competências entre os tribunais. Modificação que, como se viu, veio a traduzir-se num alargamento da competência dos tribunais de comarca, em simultâneo com a redução da competência do STA [cf., sobre este tema, o parecer da Comissão Constitucional n.º 6/77, de 9 de Fevereiro de 1977 (Pareceres da Comissão Constitucional, 1.º vol., pp. 101 e segs.)]. E isto a implicar também um diferente esquema de impugnação dos actos.
O Governo, servindo-se de um decreto regulamentar, editou, pois, normação nova sobre uma matéria - a da competência dos tribunais - onde ele só poderia legislar por decreto-lei e mediante autorização legislativa.
De facto, o artigo 167.º, alínea j) da CRP, na redacção de 1976, então em vigor, dispunha:
É da exclusiva competência da AR legislar sobre as seguintes matérias:
[...]
j) Organização e competência dos tribunais
[...]
[V., hoje, o artigo 168.º, n.º 1, alínea q).]
E a isto acrescia que o artigo 168.º estabelecia que a AR podia autorizar o Governo a fazer decretos-leis sobre matérias da sua exclusiva competência - ressalvados, naturalmente, os casos da reserva absoluta.
O Governo, pois, ao editar a norma constante do n.º 7 do artigo 140.º do Decreto Regulamentar 55/80, de 8 de Outubro, interveio numa área reservada à AR, onde, pois, só poderia intervir a lei (lei parlamentar ou decreto-lei parlamentarmente autorizado).
Aquela norma é, assim, inconstitucional, por violação do artigo 167.º, alínea j), da CRP, na redacção que então vigorava.
III - Decisão
Isto posto, declara-se, com força obrigatória geral, a inconstitucionalidade da norma do n.º 7 do artigo 140.º do Decreto Regulamentar 55/80, de 8 de Outubro, na parte em que atribuía aos tribunais de comarca a competência para julgar os recursos interpostos das decisões dos conservadores do registo predial que houvessem desatentido reclamações interpostas contra erros de conta, por violação do artigo 167.º, alínea j), da CRP, na redacção originária.
Lisboa, 3 de Fevereiro de 1987. - Messias Bento - Luís Nunes de Almeida - Martins da Fonseca - Mário Afonso - Cardoso da Costa - Mário de Brito - Magalhães Godinho - Vital Moreira - Raul Mateus - Antero Alves Monteiro Diniz - Armando Manuel Marques Guedes.