de 2 de Dezembro
As telecomunicações constituem uma actividade de há muito carecida de regulamentação internacional, dada a intrínseca limitação do espectro radiofónico.Revel, por obra do isolamento a que o sujeitou o regime fascista, à disciplina e cooperação internacional, o nosso país vem utilizando, em condições de precária eficácia, nada menos de 34 das 121 frequências de onda média internacionalmente disponíveis.
E se não queremos, como convém, continuar a viver à margem das convenções internacionais regentes da matéria, teremos de proceder, o mais urgentemente possível, a uma reestruturação em profundidade do sector da radiodifusão.
Reestruturação que, antes de mais, postula a compreensão de que a radiodifusão deve passar a constituir aquilo que deve ser, e entre nós não é, ou seja um serviço público devotado a uma importantíssima função social.
Daí que se ponha desde logo com particular realce o problema da concentração de empresas que, desgarradamente e em regime de concorrência que as coloca na dependência da disputa da publicidade, em grande número se dedicam, entre nós, à exploração dessa actividade.
Somos, a esse respeito, um caso sem paralelo, indiferentes à generalizada experiência dos países mais evoluídos. Enquanto a quase totalidade dos países europeus concede exploração da radiodifusão a uma única empresa (casos da Alemanha Democrática, da Áustria, da Bélgica, da Checoslováquia, da Dinamarca, da França, da Holanda, da Hungria, da Itália, da Jugoslávia, da Noruega, da Suécia, da Suíça e da Rússia), ou a muito poucas, entre nós operam dezasseis! De igual modo, enquanto a generalidade dos países europeus, mesmo os que são plurilingues, têm um número restrito de programas em onda média - mais rigorosamente entre um e sete -, nós e o nosso parceiro peninsular continuamos a programar em termos tordesilhianos: treze a Espanha, vinte Portugal.
A isto se somam razões de natureza tecno-económica e política. Técnica e economicamente, são evidentes as vantagens da concentração e da coordenação dos meios disponíveis e do seu redimensionamento, em ordem a uma eficaz cobertura de todo o território nacional, o que hoje está longe de acontecer.
Chegamos ao extremo contra-senso de várias estações emissoras povoarem as serras de Portugal com as suas torres, os seus serviços técnicos de apoio, o seu pessoal privativo, as suas linhas de fornecimento de energia, numa dispersão de meios e esforços que malbarata e anula o potencial de criatividade de que, apesar de tudo, inegavelmente dispomos.
Politicamente, a maioria das empresas concessionárias, talvez com a só excepção da Emissora Nacional, exploram a radiodifusão em termos de economia de mercado e, mais do que isso, de mercado de consumo, sem visível sinal da consciência de que desfrutam de um bem público à revelia do interesse colectivo.
Desnecessário será, com efeito, realçar o papel de extraordinário relevo que pode e deve desempenhar a radiodifusão como instrumento de recreio, de difusão de informações e conhecimentos, e em geral de cultura, num país com tão elevada taxa de analfabetismo e em processo de convalescença política.
Tão influente é ela que bem pode dizer-se que sem o seu positivo concurso será retardado, se não comprometido, o processo evolutivo para a sociedade socialista em que se empenhou a Revolução posterior ao 25 de Abril.
A este respeito, é manifesto que tem estado longe de exemplar o comportamento da generalidade das nossas estações emissoras.
Apaixonadas e parciais, onde lhes cumpria que fossem serenas, objectivas e isentas, não raro panfletárias, têm chegado por vezes ao extremo limite dos convites à sedição. Indiferentes aos sentimentos, às apetências e às necessidades e interesses do povo português, pressupõem-no moldado ou moldável à rádio que praticam, o que, por não ser exacto, o afasta dela e da Revolução de que, porventura no mais generoso dos intuitos, os seus agentes se julgam arautos. É disso prova eloquente, no que se refere à Emissora Nacional, a condenação popular implícita na generalizada recusa de pagamento da actual taxa de radiodifusão.
Os processos de relaxe ascendem a centenas de milhares, sem que os tribunais possam enfrentar o fenómeno com um mínimo de eficácia.
De há muito programada, a medida que agora se toma de nacionalização de empresas concessionárias da actividade de radiodifusão encontra na presente oportunidade justificação acrescida e inadiável.
O Conselho da Revolução e o Governo não poderiam continuar a assistir, sem uma adequada intervenção, à actuação verdadeiramente contra-revolucionária de algumas das nossas estações emissoras, pese isso à bem-intencionada generosidade de alguns dos seus agentes.
Há que reconduzir a actividade de radiodifusão às dimensões e características de um serviço público que sirva o povo e a Revolução.
Daí a presente medida de nacionalização e reestruturação, aquela por agora circunscrita às estações emissoras de maior potência e alcance, com a só excepção, de entre essas, da Rádio Renascença, justificada pelo respeito devido aos vínculos dimanantes da Concordata com a Santa Sé e aos sentimentos religiosos do povo português. Tomado foi ainda em conta, embora que tão-só por antecipação e acréscimo, o disposto na disposição já aprovada do novo texto constitucional, que garante às confissões religiosas «a utilização de meios de comunicação social próprios para o prosseguimento das suas actividades».
Nestes termos:
Usando da faculdade conferida pelo artigo 3.º, n.º 1, alínea 3), da Lei Constitucional 6/75, de 26 de Março, o Governo decreta e eu promulgo, para valer como lei, o seguinte:
Artigo 1.º - 1. São nacionalizadas as posições sociais no capital das seguintes sociedades que no território continental português exercem a actividade de radiodifusão:
a) Rádio Clube Português, S. A. R. L.;
b) EAL - Emissores Associados de Lisboa, Lda.;
c) J. Ferreira & C.ª, Lda.;
d) Sociedade Portuguesa de Radiodifusão, Lda.;
e) Alfabeta - Rádio e Publicidade, S. A. R. L.
2. São ainda nacionalizados os postos emissores e retransmissores de radiodifusão, integrados de todos os bens e direitos afectos à respectiva exploração, denominados «Clube Radiofónico de Portugal», «Rádio Graça», «Rádio Peninsular» e «Rádio Voz de Lisboa».
3. A nacionalização do capital das sociedades mencionadas no n.º 1 acarreta a das posições sociais dessas sociedades noutras, dedicadas ou não ao exercício da actividade de radiodifusão, e a do direito de propriedade daquelas sociedades sobre postos emissores ou retransmissores de radiodifusão, ainda que autonomamente mencionados nos números antecedentes.
4. Por radiodifusão, para o efeito do presente diploma, entende-se qualquer transmissão unilateral de informação, por meio de suportes radioeléctricos, destinada à recepção directa pelo público em geral, excluída do âmbito deste diploma a Televisão.
Art. 2.º - 1. A nacionalização decretada assegura aos titulares dos bens nacionalizados o direito a uma indemnização, a definir quanto ao montante e forma de pagamento, na falta de acordo, em diploma legal a publicar no prazo de cento e oitenta dias, a contar da publicação deste decreto-lei.
2. Em caso de acordo, poderá a indemnização que vier a ser fixada ser total ou parcialmente liquidada por dação em pagamento, após prévia avaliação, de bens, valores e em geral elementos do estabelecimento comercial de que se trate, não afectos aos respectivos postos emissores e retransmissores.
3. Na fixação da indemnização a que eventualmente venham a ter direito os titulares de posições sociais em sociedades accionistas da RTP - Radiotelevisão Portuguesa, S. A. R. L., será tomado em conta o resultado do inquérito à licitude dos lucros auferidos por aquelas sociedades, previsto no artigo 2.º do diploma que nacionaliza as respectivas posições sociais na RTP.
Art. 3.º É criada uma empresa pública denominada «Empresa Pública de Radiodifusão», por abreviatura EPR, com o objectivo do exercício público de radiodifusão.
Art. 4.º - 1. A Empresa Pública referida no artigo antecedente é dotada de personalidade jurídica, com autonomia administrativa e financeira, e reger-se-á por estatuto próprio, a aprovar pelo Governo dentro do prazo de trinta dias, a contar da entrada em vigor do presente diploma.
2. No estatuto previsto no número antecedente deverão ser salvaguardados:
a) A autonomia da Empresa em relação ao poder político e ao poder económico;
b) A representação dos trabalhadores nos órgãos de gestão e fiscalização da Empresa;
c) A representação dos radiouvintes num órgão de base cuja composição reflicta o pluralismo das correntes políticas e dos credos religiosos.
Art. 5.º - 1. São transferidos para a Empresa Pública os valores activos e passivos, os direitos e as obrigações que constituem a universalidade da concessão e do património afectos à exploração da actividade de radiodifusão das empresas colectivas ou individuais agora nacionalizadas ou já pertencentes ao Estado, sem dependência de qualquer formalidade, à excepção dos actos de registo que no caso couberem.
2. São, nomeadamente, transmitidas as posições contratuais, e de entre estas as emergentes de contratos de trabalho, sem prejuízo do disposto no artigo 8.º deste diploma.
3. A transferência jurídica dos bens de equipamento não implica necessariamente a sua transladação física, que constituirá, se e quando julgada oportuna, um acto de administração da Empresa Pública em cujo património se inserem.
4. O acto de publicação do presente diploma acarretará a automática dissolução das sociedades cuja universalidade de bens, direitos e obrigações são transferidos para a titularidade daquela Empresa.
Art. 6.º - 1. Até à designação e tomada de posse dos corpos sociais estabelecidos no estatuto previsto no antecedente artigo 4.º, a Empresa Pública de Radiodifusão será administrada e dirigida por uma comissão administrativa, constituída por cinco membros, um dos quais desempenhará as funções de presidente, outro de vice-presidente, a nomear pelo Governo, sob proposta do Ministro da Comunicação Social, podendo dela fazer parte todos ou alguns dos actuais administradores da Emissora Nacional, os quais continuarão em exercício de funções até à nomeação daquela comissão, e com a competência da mesma.
2. A comissão administrativa prevista no número antecedente exercerá, directamente ou por delegação, a plenitude das funções actualmente pertencentes a todos os corpos ou órgãos, administrativos, directivos ou outros, da Emissora Nacional e das empresas individuais ou colectivas nacionalizadas pelo presente diploma, os quais se consideram automaticamente dissolvidos. A sua competência ir-se-á esgotando, por substituição, à medida que entrarem em funções os corpos ou órgãos estabelecidos no estatuto da Empresa Pública.
3. Até à nomeação da comissão administrativa, as estações de radiodifusão ocupadas por forças militares ou militarizadas, ou sob o seu contrôle, continuarão em idêntico regime, salvo determinação em contrário do Conselho da Revolução ou do Governo.
Art. 7.º A comissão administrativa exercerá as suas funções com a preocupação de assegurar uma informação, o mais possível objectiva, verdadeira e pluralista, ao serviço do povo, cujos sentimentos, preferências e necessidades deverá procurar auscultar e satisfazer.
Art. 8.º - 1. São automaticamente rescindidas, a partir da entrada em vigor deste diploma, todas as concessões ou licenças de exploração da actividade de radiodifusão, tendo os respectivos titulares, no caso da sua não convalidação pela comissão administrativa prevista no anterior artigo 6.º, direito a uma indemnização a fixar nos termos do artigo 2.º, quando legalmente se mostre devida nos termos gerais de direito.
2. No uso da faculdade de convalidação, prevista no número antecedente, a comissão administrativa procurará conciliar os interesses dos actuais concessionários e titulares do direito de antena, e respectivas posições contratuais, com o interesse da nova Empresa Pública em recuperar a plena disponibilidade do direito de emissão a tempo inteiro, adoptando, em cada caso, a solução mais conveniente, sempre que possível com salvaguarda, directa ou compensatória, dos direitos dos profissionais vinculados por contrato de trabalho aos actuais concessionários.
Art. 9.º O Governo nomeará, sob proposta do Ministro da Comunicação Social, uma comissão instaladora da Empresa Pública de Radiodifusão, a qual coordenará, em colaboração com a comissão administrativa prevista no artigo 6.º, os actos de execução do presente diploma e da portaria que o regulamentar, a publicar pelo Ministro da Comunicação Social.
Art. 10.º As dúvidas que suscitar a interpretação do disposto no presente diploma, serão esclarecidas por despacho do Ministro da Comunicação Social, que de igual modo integrará as respectivas lacunas.
Art. 11.º O presente diploma entra em vigor na data da publicação.
Visto e aprovado em Conselho de Ministros. - José Baptista Pinheiro de Azevedo - Francisco Salgado Zenha - Walter Ruivo Pinto Gomes Rosa - António de Almeida Santos.
Promulgado em 2 de Dezembro de 1975.
Publique-se.O Presidente da República, FRANCISCO DA COSTA GOMES.