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Acórdão 684/2015, de 1 de Março

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Sumário

Não julga inconstitucional a norma constante do artigo 97.º, n.º 5, do Código de Processo Penal, na interpretação segundo a qual a fundamentação da decisão relativa aos prazos máximos de prisão preventiva pode ser feita por remissão para a promoção do Ministério Público, desde que revele o exercício de uma ponderação própria pelo juiz; não julga inconstitucional a norma constante do artigo 97.º, n.º 5, do Código de Processo Penal, na interpretação segundo a qual a fundamentação da decisão quanto à excecional complexidade do processo pode ser feita por remissão para a promoção do Ministério Público, desde que revele o exercício de uma ponderação própria pelo juiz; e não conhece do recurso quanto às demais questões de inconstitucionalidade

Texto do documento

Acórdão 684/2015

Processo 778/15

Acordam na 1.ª Secção do Tribunal Constitucional

I - A Causa

1 - Nos autos de inquérito com o NUIPC 122/13.8TELSB, que correm os seus termos no Departamento Central de Investigação e Ação Penal (DCIAP), o Ministério Público promoveu, em 02/07/2014, a declaração de excecional complexidade desse processo, nos termos aqui transcritos e que estão certificados a fls. 213/215:

"[...]

Os presentes autos iniciaram-se em julho de 2013, estando em causa a investigação de crimes de fraude fiscal qualificada, branqueamento e corrupção, além do mais.

A suspeita inicial de que Carlos Santos Silva teria ligações a pessoas e entidades que foram beneficiárias de esquemas de circulação de fundos com contas na Suíça, esquema que é objeto do NUIPC 207/11.5TELSB, veio obter confirmação indiciária pelo facto de se verificar estar a atuar como forma de ocultação de património e de rendimentos de terceiros.

Com efeito, foi verificado que, em dezembro de 2010, uma conta de Carlos Santos Silva junto do BESI veio a receber fundos, com origem na Suíça, num total superior a 23 milhões de euros, que se afiguram terem tido como origem uma conta junto do Banco UBS, em Zurique, titulada pela entidade em off shore Brickurst International Ltd.

Tais transferências serviram para fundamentar a adesão ao RERT II, por parte de Carlos Silva, ocorrida na mesma data de 2010, dando origem a um pagamento de regularização de (euro)1.150.657,81, correspondente à taxa de 5 % exigida naquele regime.

Porém a investigação veio a apurar que as referidas quantias trazidas para Portugal não eram efetivamente de Carlos Silva, mas sim de terceiro, a quem ele estava a ocultar.

Verificou-se que o referido montante entrado no BESI foi transferido para duas contas tituladas por Carlos Silva junto do BES, a partir das quais se verificaram movimentos a débito que se verificaram ser no interesse de terceiro.

Veio assim a ser identificado esse terceiro como sendo José Pinto de Sousa, que exerceu funções governativas até 2011, em benefício direto de quem foram detetados alguns pagamentos, quer diretamente sobre as referidas contas no BES quer por débito de outras contas do Carlos Silva.

Assim, no verão de 2012, foram verificadas transferências para França, a débito de uma das referidas contas BES, de um total de (euro)2.867.300,00, que se indicia ter sido utilizado para o pagamento de um imóvel em Paris, onde veio a habitar o José Pinto de Sousa.

Aliás, já no primeiro trimestre de 2011 se havia verificado uma transferência para Espanha, de cerca de (euro)750.000,00, relacionado com um negócio de aquisição de direitos televisivos, que se afigura, da mesma forma conexo com os interesses de José Pinto de Sousa.

Acresce que, desde 2012 até ao presente, foram identificadas várias outras formas de Carlos Silva realizar atribuições de fundos a favor de José Pinto de Sousa, sem qualquer justificação.

Tais procedimentos passam quer pela realização de entregas de numerário, em montantes de cerca de (euro)10.000,00 cada, quer pela simulação da aquisição de imóveis de familiares do mesmo José Pinto de Sousa, caso de, pelo menos, três apartamentos, quer pelo pagamento de despesas pessoais.

Foram identificados depósitos diretos de fundos, por cheques, na conta do motorista pessoal de José Pinto de Sousa, em montante de cerca de (euro)60.000,00, desde 2012.

Mostra-se, em data mais recente, identificado um outro circuito de justificação da atribuição de fundos a José Pinto de Sousa que simula o pagamento de uma atividade de consultoria prestada a uma sociedade do ramo farmacêutico, mas que se suspeita que, na realidade, é suportada por Carlos Silva.

A investigação vê-se assim, confrontada com uma elevada dispersão de circuitos de transferências de fundos, que se sucedem simultaneamente e se prolongam no tempo, desde, pelo menos, 2011.

Por outro lado, a investigação revelou ainda práticas de venda de influência, quer a favor de Carlos Silva quer de terceiros, todas com repercussão e dispersão internacional.

Acresce ainda se ter constatado a existência de esquemas de fraude fiscal praticados pelo Carlos Silva, através das suas empresas, domiciliando as mesmas, ficticiamente, no interior do país, mais propriamente na Covilhã, para obter o benefício de um tratamento fiscal mais favorável.

Os factos em causa nos autos traduzem-se assim, na utilização de dezenas de sociedades para a circulação de fundos, visando ocultar o seu real beneficiário e dar justificação falsa para as atribuições financeiras a seu favor.

Atenta tal dispersão de entidades, a que acresce a dimensão internacional da origem dos fundos e a repetição dos factos ao longo do tempo, por mais de três anos, conduzem a que, no nosso entendimento, esteja preenchido o conceito de especial complexidade, conforme tem sido interpretado pela jurisprudência - veja-se o acórdão da Relação de Lisboa de 5/4/2011, no processo 39/10.8JBLSB [...].

Pelo exposto, promovemos que seja declarada a excecional complexidade dos presentes autos, de forma a garantir um prazo de duração do inquérito compatível com a relevância e a extensão dos factos, sem prejuízo da posterior notificação e garantia de contraditório com os arguidos que vierem a ser constituídos - artigo 215.º/4 do CPP.

[...]" (sublinhado acrescentado).

1.1 - Recaiu sobre tal promoção, em 04/07/2014, despacho do Senhor Juiz do Tribunal Central de instrução Criminal (TCIC), aqui certificado - na parte que interessa ao presente recurso - a fls. 216/221.

O trecho decisório deste despacho é, quanto à declaração de especial complexidade, o seguinte:

"[...]

[A]tenta a matéria sob investigação nos presentes autos e a sua inerente complexidade, que, aliás, já foi reconhecida em anteriores despachos, defiro ao doutamente promovido, pelo que, por se verificarem os respetivos pressupostos legais, declaro a excecional complexidade do procedimento - ex vi das disposições conjugadas dos artigos 276.º/3, alínea c) e 215.º, n.º 4 do CPP vigente.

[...]" (transcrição de fls. 221).

Fundamentando esta decisão, consta desse mesmo despacho o seguinte:

"[...]

Tomei conhecimento do estado dos presentes autos de inquérito.

Da especial complexidade.

Os presentes autos de inquérito tiveram início no mês de julho de 2013, com vista à investigação de factualidade suscetível de integrar, para além do mais, a prática dos crimes de fraude fiscal qualificada, branqueamento e corrupção.

Inicialmente indiciavam os autos que o suspeito Carlos Santos Silva teria ligações a pessoas coletivas e singulares beneficiárias de 'esquemas' de circulação de fundos com contas na Suíça (esquema que é objeto do NUIPC 207/11.5TELSB, que corre os seus termos no DCIAP e no qual este TCIC assumiu a competência para praticar os atos jurisdicionais em fase de inquérito), esquema esse que, alegadamente, lhe permitia ocultar património e rendimentos de terceiros.

Da investigação em curso, foi possível apurar que, no mês de dezembro de 2010, uma conta de Carlos Silva domiciliada junto do BESI rececionou fundos, provenientes da Suíça, num total superior a 23 milhões de euros.

Tais fundos indiciaram, desde logo, terem tido como origem uma conta junto do Banco UBS, domiciliada em Zurique, titulada pela entidade em off-shore BRICKHURST INTERNATIONAL LTD.

Ademais, indiciam os autos que tais transferências serviram para Carlos Silva fundamentar nesse mesmo ano de 2010, a adesão ao RERT II, originando, assim, um pagamento de regularização de (euro)1.150,657,81, correspondente à taxa de 5 % exigida naquele mesmo RERT.

Não obstante, os elementos já carreados para os autos indiciam que os fundos tornados a Portugal não eram efetivamente de Carlos Silva, mas sim de uma terceira pessoa, a quem aquele estaria a ocultar a identidade.

Neste tocante, foi possível apurar que os fundos creditados junto do BESI foram efetivamente transferidos para duas contas tituladas por Carlos Silva, junto do BES, a partir das quais se veio a verificar movimentos a débito no interesse de terceira pessoa.

Neste sentido, logrou a investigação identificar essa terceira pessoa como sendo José Pinto de Sousa, que exerceu funções Governativas até 2011, em benefício direto de quem foram detetados alguns pagamentos, quer diretamente sobre as referidas contas no BES quer por débito de outras contas de Carlos Silva.

Além disso, já no ano de 2012, foram verificadas novas transferências para França, a débito de uma das já referidas contas BES, de um total de (euro)2.867300,00, que se indicia ter sido utilizado para o pagamento de um imóvel em Paris, onde veio a habitar o José Pinto de Sousa.

Como aduzido pelo MºPº no primeiro trimestre de 2011 já se havia verificado uma transferência para Espanha, de cerca de (euro)750.000,00, relacionado com um negócio de aquisição de direitos televisivos, que se afigura, da mesma forma conexo com os interesses de José Pinto de Sousa.

A tudo isto acresce que, desde o ano 2012 até à presente data, foram identificadas várias outras formas através das quais Carlos Silva, alegadamente canaliza fundos a favor de José Pinto de Sousa, sem qualquer justificação económico-financeira aparente.

Neste tocante, indiciam os autos que os procedimentos adotados por Carlos Silva passam, quer pela realização de entregas de numerário, em montantes de cerca de (euro)10.000,00 cada, quer pela simulação da aquisição de imóveis de familiares de José Pinto de Sousa, designadamente dos três apartamentos indicados nos autos, quer pelo pagamento de despesas pessoais.

Mais indiciam os autos que, desde o ano de 2012, João Perna, motorista pessoal de José Pinto de Sousa, rececionou na sua conta bancária depósitos diretos de fundos, no montante global de cerca de 60 mil euros, destinados à esfera pessoal de José Pinto de Sousa.

Acrescenta ainda o MºPº que, da investigação em curso, foi possível identificar recentemente, um outro alegado circuito de justificação da atribuição de fundos a José Pinto de Sousa, assente na simulação de um pagamento de uma atividade de consultoria prestada a uma sociedade do ramo farmacêutico, mas que, indiciam os autos que, essa mesma despesa, é suportada por Carlos Silva.

Aqui chegados e como bem salienta o MºPº, nesta fase processual a investigação vê-se confrontada com uma elevada dispersão de circuitos de transferências de fundos, que se sucedem simultaneamente e se prolongam no tempo, desde, pelo menos, o ano de 2011, para além de indiciarem os autos práticas de influência, quer a favor do Carlos Silva quer de terceiros, todas com repercussão e dispersão internacional.

A tudo isto acresce a existência de indiciados esquemas de fraude fiscal praticados pelo Carlos Silva, através de empresas na sua esfera, domiciliando as mesmas, ficticiamente, no interior do país, mais propriamente na Covilhã, para obter o benefício cie um tratamento fiscal mais favorável.

Em síntese, os elementos já carreados para os autos são indiciadores que Carlos Silva desenvolveu um esquema assente na utilização de diversas sociedades, através das quais fez circular fundos, de forma a lograr ocultar o seu real beneficiário e dar justificação falsa para as atribuições financeiras a seu favor.

O prazo de duração do inquérito é de 6 meses, caso existam arguidos presos ou sob obrigação de permanência na habitação (artigo 276.º, n.º 1 do CPP), sendo elevado para 8, 10 ou 12 meses, nos termos do n.º 2 do referido preceito legal.

Porém, face à atual redação operada pela Lei 26/2010, de 30/08,o prazo a que alude o artigo 276.º, n.º 3, al. a), ex vi do artigo 215.º, n.º 2 e artigo 1.º, al. m), todos do CPP, foi elevado, pelo que, o prazo de duração do inquérito passou para 14 meses, por força do disposto no artigo 5.º do CPP.

Nos presentes autos ainda não se verificou a constituição de quaisquer arguidos, pelo que, ao abrigo do disposto na alínea a) do n.º 3 do artigo 276.º do CPP, o prazo de duração máxima do inquérito é de catorze meses.

Com efeito, o CPP não define o conceito de excecional complexidade, circunscrevendo-se, a título exemplificativo, a indicar as circunstâncias próprias de o corporizarem, como estatuído no n.º 3 do artigo 215.º do CPP, por força do artigo 276.º, n.º 3 c) do mesmo Código que, estipula, quando o procedimento for por um dos crimes referidos no n.º 2 e se revelar de especial complexidade, devido, designadamente ao número de arguidos ou de ofendidos ou ao caráter altamente organizado do crime, o prazo é elevado para dezoito meses.

Veja-se neste tocante, o Ac. do STJ, de 26-01-2005, Pº 05P3114, quando refere que:

[...]

«a especial complexidade constitui, no rigor, uma noção que apenas assume sentido quando avaliada na perspetiva do processo, considerado não nas incidência estritamente jurídico-processuais, mas na dimensão factual do procedimento enquanto sequência e conjunto de atos e revelação externa e interna de acrescidas dificuldades de investigação, composição e sequência com refração nos termos e nos tempos do procedimento.

A decisão sobre a verificação da especial complexidade não depende, pois, da aplicação da lei a factos e da integração de elementos compostos com dimensão normativa, nem está tributária da interpretação de normas.

O juízo sobrea complexidade assume-se, assim, como juízo prudencial, de razoabilidade, de critério da justa medida na apreciação e avaliação das dificuldades suscitadas pelo procedimento. Mas, dificuldades do procedimento e não estritamente do processo; as questões de interpretação e de paliação da lei, por mais intensas e complexas, não atingem a noção.

As dificuldades de investigações (técnicas, com intensa utilização de legis artis da investigação), o número de intervenientes processuais, a deslocalização dos atos, as contingências procedimentais provenientes das intervenções dos sujeitos processuais, a intensidade de utilização dos meios, tudo serão elementos a considerar, no prudente critério do juiz, para determinar que um determinado procedimento apresenta, no conjunto ou, parcelarmente, em alguma das suas fases, uma especial complexidade com o sentido, essencialmente de natureza factual, que anoção funcionalmente assume oartigo 215.º, n.º 3 do CPP» (sic.)

No caso sub judice e dos elementos já carreados para os autos, forçoso é concluir pelo caráter altamente organizado, resultante, aliás, também do seu caráter transnacional.

Como aduzido pelo titular da ação penal, face o objeto dos autos, importa, desde logo, ultimar um conjunto de diligências, designadamente de âmbito internacional, para além de diligências de índole técnica, designadamente no que tange à análise e perícia a diversa documentação financeira e contabilística, diligências essas que se preveem complexas e morosas, cujo sigilo importa manter, até porque a publicidade nesta matéria poderia vir a ter repercussão económico-social e frustrar a descoberta da verdade material.

Relativamente à excecionai complexidade do procedimento, o JIC do TCIC tem vindo a se louvar no douto aresto do S.T.J., de 04-02-2009, Pº 09P0325, no qual resulta que:

«A declaração de especial complexidade é uma medida cautelar, um compromisso necessário do legislador, em política criminal, de forma a estabelecer o equilíbrio entre a necessidade e exigências de investigação, em certos ilícitos mais graves catalogados por lei - através dos meios processualmente válidos inerentes à investigação criminal - e, os direitos ou garantias do cidadão arguido, em prisão preventiva, além de se circunscrever no âmbito do processo justo, em que a elevação do prazo de duração máxima da prisão, não é arbitrária mas, contida pelo princípio da legalidade, considerado esse prazo, assim elevado, suficientemente idóneo à realização das diligências necessárias à ultimação do inquérito.» (sic.).

Consequentemente, inexistindo na lei uma definição exemplificativa do que será um procedimento criminal de excecional complexidade, limitando-se, outrossim, a fornecer elementos exemplificativos, indiciadores dessa realidade fáctica, aliás como nos ensina o Ac. TRP de 02-02-2011, Pº 770/10.8TAVCD-C.P1 «a declaração da excecional complexidade do processo obriga a uma avaliação, caso a caso, das concretas circunstâncias da investigação em curso» (sic.)

[...]" (transcrição de fls. 216/221).

1.2 - Em momento posterior à prolação deste despacho, em novembro de 2014, foram detidos os suspeitos João Pedro Soares Antunes Perna, Gonçalo Nuno Mendes da Trindade Ferreira, Carlos Manuel dos Santos Silva e José Sócrates Carvalho Pinto de Sousa (trata-se este do ora Recorrente, sendo que doravante assim o identificaremos). Todos foram constituídos arguidos e submetidos a primeiro interrogatório judicial de arguido detido, no TCIC, nos termos do artigo 141.º do Código de Processo Penal (CPP).

1.2.1 - Em concreto, o ora Recorrente, foi detido e constituído arguido na noite de 21/11/2014, iniciando-se o respetivo interrogatório no subsequente dia 22/11/2014. E, findo esse interrogatório, em 24/11/2014, foi determinada, pelo Senhor Juiz do TCIC, a aplicação ao mesmo arguido da medida de coação de prisão preventiva (fls. 662/663).

1.3 - Nessa mesma data (em 24/11/2014), foi ainda proferido pelo Senhor Juiz do TCIC despacho, autonomizado do relativo à medida de coação, referente à anterior declaração do processo como de excecional complexidade (itens 1. e 1.1. deste acórdão), com o seguinte teor:

"[...]

No seguimento da promoção feita a respeito da especial complexidade e tendo presente a jurisprudência que me foi assinalada no âmbito do Ac. proferido no processo 139/09.2TELSB-E.L1, da 9.ª Secção do TRL no sentido de que a declaração da natureza de especial complexidade de um processo afeta necessariamente os arguidos envolvidos, quer estejam já constituídos quer se venham a constituir e que tal audição deve ser operada independentemente de a dita declaração já ter sido operada no inquérito antes da constituição de arguidos [...].

[seguiu-se neste despacho a transcrição de trechos desse acórdão]

Consequentemente, determino a notificação dos arguidos ora constituídos e bem assim os detidos do teor do despacho que declarou a excecional complexidade, proferido em 03/07/2013 [trata-se de evidente lapso de escrita, porquanto o despacho é de 04/07/2014, cf. fls. 223], que infra se transcreve, nos termos e para os efeitos do disposto no n.º 4 do artigo 215.º do CPP. [...].

[...]" (sublinhado acrescentado).

1.4 - Na sequência de tal notificação pronunciou-se o arguido ora Recorrente, alegando, em síntese, que deveria ter sido ouvido quanto à promoção do Ministério Público no sentido de ser declarada a excecional complexidade do processo (ou seja, no trecho processual relatado supra no item 1.) e, em virtude da omissão dessa audição, tal despacho (o referido no item 1.1. supra) não produziria quaisquer efeitos no processo. Arguiu, pois, a nulidade do processo por falta de constituição e audição (atempadas) dos suspeitos como arguidos, considerando que o inquérito já corria contra pessoas determinadas, designadamente o ora recorrente, desde julho de 2013. Invocou ainda que se mostrava já ultrapassado o prazo de duração máxima do inquérito. E concluiu pedindo: (a) o indeferimento do requerimento ou promoção do Ministério Público para declaração da excecional complexidade do processo; (b) a declaração da nulidade do inquérito por falta de constituição dos suspeitos como arguidos e a sua audição; (c) a declaração da caducidade da sujeição do processo a segredo de justiça; (d) a cessação das medidas de coação; (e) a audição do arguido; (f) a consulta de todos os elementos do processo; e, subsidiariamente, (g) a declaração de nulidade do despacho referido no item 1.3. supra, por falta de notificação do requerimento ou da promoção do Ministério Público nele referida. (fls. 688 a 699).

1.4.1 - Sobre tal requerimento pronunciou-se o Ministério Público, nos termos seguintes (fls. 704 a 708):

"[...]

Convidado a pronunciar-se sobre a declaração de excecional complexidade proferida nos autos, folhas 4047 e seguintes, o arguido [ora recorrente] começa por invocar uma pretensa nulidade por não ter sido notificado da promoção que antecedeu essa declaração.

Entendemos que o arguido incorre em duplo equívoco porquanto, em primeiro lugar, está em causa o garantir de um contraditório a posteriori, uma vez que, na data da declaração, não havia arguidos constituídos, pelo que a Defesa pode agora pugnar é por uma reapreciação da declaração de excecional complexidade, tendo como referência o despacho já proferido, e, em segundo lugar, porque a declaração de excecional complexidade pode até ser proferida oficiosamente, sem que, portanto, exista promoção do Ministério Público - artigo 215.º/4 do CPP.

Por outro lado, como aliás o arguido intui, a decisão de declaração de excecional complexidade acolheu a tese apresentada pelo Ministério Público, pelo que a nossa promoção pouco acrescenta ao que foi decidido.

Sem conceder quanto à verificação de qualquer vício, nada obstamos a que, por mera transparência, se dê conhecimento da nossa promoção de folhas 4038 e seguintes.

A defesa do arguido [ora Recorrente] alega ainda que a declaração de excecional complexidade não pode produzir efeitos antes da audição dos arguidos.

Esquece o requerente que a declaração de excecional complexidade produz hoje efeitos distintos, o primeiro dos quais sobre os prazos de duração normal do inquérito e logo sobre a vigência do segredo de justiça e o segundo dos efeitos sobre a duração das medidas de coação aplicadas.

Ora, é evidente que, havendo medidas de coação aplicadas é porque há arguidos constituídos e que, como tal, devem ter sido ouvidos sobre a excecional complexidade.

Mas já quanto ao efeito sobre a duração do Inquérito, a declaração da excecional complexidade pode ser proferida e produzir efeitos antes da constituição de arguidos nos autos, designadamente para garantir o tempo necessário à investigação dos factos.

A tese do ora requerente conduziria, por exemplo, a conferir um prémio aos suspeitos que se furtassem à comparência perante a justiça e mesmo a que, após a constituição do primeiro arguido e decidida a excecional complexidade, não pudesse haver lugar à constituição de novos arguidos.

Aliás, conjugando os vários números do artigo 276.º, designadamente as alíneas que preveem o alargamento do prazo pela excecional complexidade, com o disposto no n.º 4, que prevê o início do prazo com o correr do Inquérito contra pessoa determinada, claramente decorre que a excecional complexidade pode ser declarada antes da constituição de arguidos e produzir os devidos efeitos em sede do prazo normal do Inquérito.

O requerimento do arguido pretende ainda aumentar a confusão quando faz a aplicação dos prazos de Inquérito com arguido preso, os referidos 8 meses previstos no artigo 276.º/2 a) do CPP, ao presente processo, numa fase em que não tinha ainda arguidos presos, pelo que os prazos aplicáveis eram os do n.º 3 do mesmo artigo.

Assim, atento estarem em causa, além do mais, factos suscetíveis de integrar crimes de branqueamento e de corrupção e uma vez declarada a excecional complexidade dos autos, entendemos que o prazo normal do Inquérito será o de 18 meses, contado desde o momento em que o Inquérito passou a correr contra pessoa determinada - artigo 276.º-3 c) e 4 e 215.º-3 do CPP.

A partir do momento em que existem arguidos presos, corre novo prazo, em paralelo com o anterior, que, neste caso, é o prazo de 12 meses - artigo 276.º-c) do CPP.

Neste ponto, defende o requerente que o prazo aplicável em caso de arguidos presos se aplica mesmo às fases anteriores do processo, antes de ter ocorrido a detenção.

Reputamos essa tese como sendo um absurdo jurídico, porquanto impõe o início de contagem de um prazo antes de ocorrer o facto e a situação jurídica que o determina.

Na realidade, entendimentos assim, correm dois prazos, um iniciado com as investigações sobre pessoa determinada e o outro iniciado com a detenção dos arguidos, ocorrendo o termo do prazo normal do Inquérito quando se mostre atingido qualquer desses prazos.

Acresce que se mostra expedida rogatória à Justiça da Suíça, ainda não devolvida, pelo que qualquer desses prazos se deve considerar prolongado por um período até 9 meses, no primeiro caso, ou de 6 meses, depois de haver arguidos presos (alargamento que não se aplica à duração da própria medida de coação) - artigo 276.º/5 do CPP.

Pelo exposto, entendemos que se encontra ainda vigente o prazo normal do Inquérito e, consequentemente, subsiste aplicável o regime do segredo de justiça.

Alega ainda o requerente que se verifica uma nulidade porquanto entende que o artigo 272.º/1 do CPP impõe o interrogatório como arguido logo que haja fundada suspeita da prática de crime por parte de pessoa determinada.

Trata-se, em nosso entendimento, de mais um equívoco, porquanto o que se visa é estabelecer a obrigatoriedade de conferir um estatuto de proteção quando o suspeito é ouvido e não impor um momento para realização do interrogatório.

O Código de Processo Penal não tem por vocação impor estratégias à investigação nem obriga a um qualquer despacho sobre o momento em que se verifica a suspeita fundada.

No caso dos autos, perante uma matéria indiciária tão extensa e com tantos segmentos paralelos, o interrogatório do arguido foi, aliás, realizado quando se consubstanciaram os indícios de uma forma que permitisse realizar uma imputação quanto a todos esses mesmos segmentos que se encontravam sob investigação.

Bem se compreende aliás o interesse para a Defesa da tese apresentada sobre o artigo 272.º/1 do CPP, porquanto a mesma conduziria a que apenas pudessem ser realizadas interceções telefónicas depois da constituição do suspeito como arguido - o que constitui um absurdo em sede de investigação.

O requerente realiza, assim, uma leitura errada do disposto no artigo 272.º/1 do CPP, que não impõe um momento para a constituição de arguido, mas tão só a obrigatoriedade de uma diligência a realizar na fase de Inquérito.

Face ao exposto, promovemos sejam indeferidas as nulidades alegadas pelo requerente e que, face à ausência de qualquer contra-argumento sobre a substância da excecional complexidade do processo, seja a mesma reafirmada, mantendo- se a decisão de folhas 4047 e seguintes.

[...]".

1.4.2 - Sobre o requerimento do arguido ora recorrente e a resposta do Ministério Público recaiu despacho do Senhor Juiz do TCIC, em 16/12/2014, com o seguinte pronunciamento decisório (depois de largas transcrições daquelas peças processuais):

"[...]

Cumpre decidir:

Concorda-se na íntegra com a douta promoção do detentor da ação penal e supra transcrita, à qual me arrimo por ilustrar com suficiência de argumentos o entendimento que partilhamos e que aqui damos por reproduzido, não por falta de ponderação da própria questão, mas por simples economia processual (remissão admitida pelo próprio Tribunal Constitucional - vide Ac. TC de 30/07/2003, proferido no P.º 485/2003, publicado no DR 2.ª série de 04/02/2004 e pela própria Relação de Lisboa, vide Ac. TRL de 13/10/2004, proferido no P.º 5558/04-3), indeferindo-se, consequentemente, as alegadas nulidades.

Não tendo sido trazido aos autos qualquer impedimento ao reconhecimento da excecional complexidade do presente procedimento, reitera-se a decisão que declarou a excecional complexidade do processo, que ora faz fls. 4047 ss., que se mantém.

[...]".

1.5 - Notificado deste despacho do Senhor Juiz do TCIC, com ele inconformado, interpôs o ora Recorrente - iniciando a sequência processual que veio a originar este recurso de constitucionalidade - recurso para o Tribunal da Relação de Lisboa, rematando tal impugnação com as respetivas conclusões, das quais se transcrevem, com interesse para este processo, as seguintes:

"[...]

A. Objeto do recurso é a decisão de 16 de dezembro de 2014 pela qual o Senhor Juiz de Instrução Criminal indefere as arguições de nulidade deduzidas pelo ora Recorrente no requerimento que apresentou como pronúncia acerca da declaração de excecional complexidade do processo, reitera a decisão que declarou a excecional complexidade do processo que ora faz fls. 4047 e seguintes e declara que a mesma se mantém, visando fazer sindicar essa decisão de 16 de dezembro e a declaração de excecional complexidade que havia sido proferida em 3 de julho de 2014.

[...]

F. Desde julho de 2013, data de início de inquérito, que o inquérito corre contra pessoas determinadas relativamente às quais havia sido considerado, pelo Ministério Público e pelo Senhor Juiz de Instrução, existirem fortes suspeitas da prática de crimes graves.

G. Tais pessoas deveriam há muito ter sido constituídas arguidas e ouvidas como arguidas, pelo menos, seguramente, e precisamente, sobre a questão da excecional complexidade do processo, e em momento anterior à respetiva declaração, por força das normas citadas dos artigos 61 n.º 1 alínea b), 215 n.º 4 e 272 n.º 1 do CPP, normas violadas na decisão recorrida.

H. A investigação criminal não pode prosseguir outros interesses e as táticas ou estratégias investigativas não podem ter outro objetivo que a descoberta da verdade no respeito pelos direitos, liberdades e garantias individuais, como resulta, inter alia, dos artigos 2.º, alíneas a) e b), e 3.º da Lei Quadro da Politica Criminal (Lei 17/2006 de 23 de maio), dos artigos Io e 2.º n,º 1 do Estatuto do Ministério Público (Lei 47/86) e dos artigos 2.º, 17.º, 26.º, 27.º, 32.º e 219.º n.º 1 da Constituição da República Portuguesa, normas que a decisão recorrida viola.

I. Mostra-se ilegal por violação precisamente das normas antes citadas, dos artigos 2.º, alíneas a) e b), e 3.º da Lei-quadro da Politica Criminal e dos artigos 1.º e 2.º n.º 1 do Estatuto do Ministério Público (Lei 47/86), que se deverão considerar para estes efeitos lei de valor reforçado, o entendimento que parece resultar da promoção e da decisão recorrida, no sentido de que as estratégias investigativas se não subordinam à lei, maxime ao CPP, e a interpretação que ali parece feita do disposto no artigo 272 n.º 1 do mesmo diploma.

J. Uma tal interpretação, nesse sentido de que a escolha do momento próprio para a constituição de um suspeito como arguido cabe no poder discricionário ou mesmo arbitrário do MP, sempre colocaria, de resto, esta norma do artigo 272.º n.º 1 em violação dos preceitos constitucionais igualmente citados antes, dos artigos 2.º, 17.º, 26.º, 27.º, 32.º e 219.º n.º 1 da CRP.

K. A declaração de excecional complexidade do processo afeta pessoalmente os arguidos independentemente de estarem sujeitos a prisão preventiva, face à excecional prorrogação dos prazos máximos de inquérito e à influência que tem sobre a vigência do segredo de justiça, maxime sobre o segredo interno.

L. A ser aceite a tese interpretativa seguida na decisão recorrida, de que, não obstante o inquérito correr já contra pessoas determinadas relativamente às quais o MP e o Senhor Juiz de Instrução consideravam haver fortes e fundadas suspeitas da prática de crimes, e de se mostrar conveniente ou necessário, ainda no entender do MP e do Senhor Juiz de Instrução, declarar a excecional complexidade do processo, a lei aplicável, nomeadamente as normas do artigos 61.º n.º 1 alínea b), do artigo 215.º n.º 4 por remissão das alíneas b) e c) dos n.os 2 e 3 do artigo 276.º, e do artigo 272.º n.º 1 do CPP, não obrigavam a que esses suspeitos fossem constituídos arguidos e ouvidos como tal, acerca da matéria pertinente, previamente a essa declaração, tais normas agora citadas, maxime a do artigo 272.º n.º 1, seriam inconstitucionais, por violação dos direitos e garantias de defesa e do principio do contraditório, consagradas no artigo 32.º n.os 1 e 5 da CRP, e ainda dos artigos 2.º, 17.º, 26.º, 27.º, e 219.º n.º 1.

[...]

S. A decisão recorrida segue a tese de que a investigação, o MP, goza de absoluta discricionariedade na definição ou escolha do momento em que deve ser operada a constituição como arguido; de que, não obstante correr inquérito contra pessoa determinada em relação à qual haja suspeita fundada da prática de crime, e não obstante o tribunal ou o juiz de instrução deverem tomar alguma decisão que a afete, ela só deverá ser constituída e ouvida como arguido no momento em que o MP o entender.

T. Trata-se de interpretação que não pode ser aceite, desde logo por isso que faz enfermar as normas citadas de inconstitucionalidade, por violação das garantias de defesa dos arguidos em processo criminal - consagradas no artigo 32.º n.º 1 da Constituição da República Portuguesa, e, em especial, do princípio do contraditório consagrado no respetivo n.º 5 e no parágrafo 1.º do artigo 6.º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, assim igualmente desrespeitada. E, na medida em que permite a sujeição de uma decisão judicial às táticas ou estratégias investigativas prosseguidas pelo MP, em desprezo da sua pura e simples subordinação à Lei, tal interpretação das normas citadas parece violar também o disposto no artigo 203.º da Constituição.

[...]

AA. Importa é ponderar, fundamentar e justificar sempre, concretamente, por referência ao concreto caso sob juízo, a prevalência desses interesses investigativos, para que a derrogação ou limitação dos direitos, liberdades e garantias individuais sacrificados não surja como consequência de uma opção arbitrária do MP chancelada por decisão discricionária de Juiz, mas se mostre sempre justificada no caso concreto sob apreciação e ponderada e fundamentadas com referência especificada aos motivos de facto e de direito que a legitimam.

BB. A isso obriga o dever, constitucionalmente e legalmente imposto, de fundamentação das decisões judiciais, maxime das que contendem com os direitos, liberdades e garantias dos cidadãos - dever consagrado no artigo 205.º, n.º 1 da Constituição da República Portuguesa para todas as decisões judiciais que não sejam de mero expediente e, para o processo criminal, no artigo 97.º, n.º 5 do CPP.

CC. A declaração da excecional complexidade de um inquérito contra pessoa determinada, relativamente à qual existam fundadas suspeitas da prática de crime, sem previamente a constituir como arguido em processo criminal e sem previamente a ouvir, nessa qualidade, sobre as razões que justifiquem essa declaração, está também subordinada a este dever de fundamentação.

DD. Tal dever impõe a explanação e especificação das respetivas razões de direito e dos motivos concretos de facto que motivam tal decisão, e exige que essa fundamentação abranja a própria opção pela não constituição e audição do referido suspeito como arguido - face ao disposto nas normas anteriormente citadas, dos artigos 61.º, n.º 1, alínea b), 215.º, n.º 4 e 272.º n.º 1 do CPP, que também sob este aspeto se mostram violadas na decisão recorrida.

EE. Interpretadas no sentido de que a decisão de não proceder, previamente à declaração de excecional complexidade de um processo, à constituição e audição de arguido de pessoa determinada contra quem corra o inquérito e relativamente à qual existam fundadas suspeitas da prática de crime, reconhecidas designadamente pela autorização judicial de interceções telefónicas, não está subordinada ao dever geral de fundamentação das decisões judiciais, de que tal dever não impõe a explanação e especificação das respetivas razões de direito e dos motivos concretos de facto que a motivam e de que a mesma se basta com a mera invocação da estratégia ou interesses investigativos, nomeadamente pela genérica afirmação da necessidade de manter sigilo para evitar repercussão económica e social e a frustração da descoberta da verdade material, as normas dos artigos 61.º, n.º 1, alínea b), 97.º, n.º 5, 215.º, n.º 4, 272.º, n.º 1 e as alíneas b) e c) dos n.os 2 e 3 do artigo 276.º do CPP, enfermariam de inconstitucionalidade, por violação do dever de fundamentação consagrado no artigo 205.º, n.º 1 da CRP e das garantias de defesa e principio do contraditório consagrados no artigo 32.º, n.os 1 e 5.

FF. [lapso na numeração]

GG. Essa a interpretação seguida e pressuposta na decisão recorrida, que por isso, no modo de ver do Recorrente, é inconstitucional, por violação daquelas normas dos artigos 32.º, n.os 1 e 5 e 205.º, n.º 1 CRP, e é ilegal, não só por violação da obrigação de prévia constituição e audição dos arguidos sobre a excecional complexidade, prevista nas normas dos artigos 61.º, n.º 1, alínea b), 215.º, n.º 4 e 272.º, n.º 1 do CPP, por referência às alíneas b) e c) dos n.os 2 e 3 do artigo 276.º do mesmo diploma, mas ainda por violação do disposto no artigo 97.º, n.º 5.

HH. E enferma, por isso, ainda de nulidade, nos termos e por força do disposto no artigo 120.º, n.º 2, alínea d) e no artigo 379.º, n.º 1, alíneas a) e c) do CPP.

II. A respeito da qualificação como nulidade do vício resultante da violação do dever de fundamentação da decisão recorrida, com o âmbito e no sentido de que tal dever impõe a explanação e especificação das respetivas razões de direito e dos motivos concretos de facto que motivam tal decisão; e exige que essa fundamentação abranja a própria opção pela não constituição e audição como arguido, no caso de decisões como a recorrida, que afetam pessoalmente os sujeitos em causa, importa dizer que as normas dos artigos 97.º, n.º 5, 120.º, n.º 2 alínea d), 379.º, n.º 1, alínea a) e 380.º, n.º 3 do CPP deverão ser consideradas inconstitucionais, por violação do dever geral de fundamentação das decisões judiciais e dos direitos de defesa, incluindo o direito ao recurso, consagrados respetivamente nos artigos 205.º, n.º 1 e 32.º, n.º 1 da CRP, se forem interpretadas no sentido de que apenas as sentenças, e não também os restantes atos decisórios previstos no citado artigo 97.º, estão protegidas da violação do dever de fundamentação pela sanção de nulidade.

JJ. A sanção legal do vício apontado à decisão recorrida é a de nulidade, nos termos do artigo 120.º, n.º 2, alínea d) do CPP, por se mostrar omitido ato obrigatório, qual seja o de fundamentar decisão que não é de mero expediente - por força do artigo 379.º, n.º 1, alínea a), que aqui aplica a todos os atos decisórios previstos no citado artigo 97.º, por interpretação extensiva do n.º 3.º, do artigo 380.º, normas violadas na decisão recorrida.

KK. Sem prescindir, ainda que se entendesse tal vício como mera irregularidade, o mesmo sempre poderá ser relevantemente invocado neste recurso, nos termos e por força do disposto no artigo 410.º, n.º 1 do CPP, já que a lei não restringe a cognição ou os poderes do Tribunal ad quem e que se trata de questão de que a decisão recorrida podia, e devia, ter conhecido.

LL. Interpretada esta norma do artigo 410.º do CPP no sentido de excluir tal possibilidade, de ser apreciada e corrigida em recurso a violação do dever de fundamentação de despachos judiciais que declarem a excecional complexidade de um processo, sempre a mesma se haveria de ter também por inconstitucional, por violação precisamente do direito ao recurso consagrado no citado artigo 32.º, n.º 1 da CRP.

[...]

QQ. Verifica-se no caso a insuficiência do inquérito, por não terem sido praticados atos legalmente obrigatórios, o que incidiu, diretamente no despacho em crise, de 3 de julho, por violação dos direitos de defesa do ora Recorrente e demais ora a sua excecional sujeição a certos prazos de inquérito e de duração de determinadas medidas de coação.

RR. Os direitos de defesa violados são os previstos no artigo 32.º, n.os 1 e 5 da Constituição, no artigo 61.º, n.º 1, alíneas a) e b) do CPP e no artigo 272.º, n.º 1 do mesmo código - que, como já se deixou sublinhado, preceitua ser obrigatório o interrogatório como arguido de qualquer pessoa determinada que seja ou se revele ser suspeita em inquérito crime.

[...]

TT. A declaração de excecional complexidade não pode produzir efeitos antes de os arguidos serem ouvidos, sob pena de absoluto esvaziamento desse direito de audição e da violação dos normativos legais e constitucionais antes indicados, e não havia produzido ainda quaisquer efeitos, precisamente em consequência de ser nula - cf. artigo 122.º do CPP.

UU. Interpretação diversa do artigo 122.º citado, nomeadamente no sentido de que a invalidade ou ineficácia em causa, decorrente da violação do disposto no artigo 215.º, n.º 4, e também do disposto nos artigos 172.º, n.º 1 e 61.º, n.º 1 do CPP, não seria impeditiva da produção de efeitos previstos nas alíneas b) e c) dos n.os 2 e 3 do artigo 176.º, porventura subjacente à decisão recorrida, faria enfermar todas estas normas de inconstitucionalidade por violação do artigo 32.º, n.os 1 e 5 da CRP.

[...]

WW. O prazo legal de duração máxima do inquérito se mostrava em 24 de novembro já há muito ultrapassado.

XX. Tal prazo, neste caso é de 8 meses e terminou em 31 de março último.

YY. Da fixação de prazos máximos de inquérito no artigo 276.º do CPP resulta que a lei processual penal portuguesa não permite que, depois de esgotado o prazo de duração máxima do inquérito previsto na lei para o caso de haver arguidos presos, se justifique a prisão preventiva com base nos interesses, as necessidades ou as cautelas da investigação.

ZZ. Sendo certo que uma das hipóteses previstas como fundamento da aplicação de qualquer medida de coação, para além do termo de identidade e residência (TIR), é a verificação em concreto, no momento da aplicação de qualquer dessas medidas, do perigo de perturbação do decurso do inquérito (cf. alínea b) do artigo 204.º, a invocação dessa hipótese só pode justificar a necessidade da concreta medida de coação a aplicar, maxime da prisão preventiva, enquanto os prazos máximos de inquérito não se mostrarem excedidos.

AAA. Os prazos previstos no artigo 276.º do CPP, na medida em que mostrando-se excedidos fazem caducar também a possibilidade do perigo de perturbação do inquérito como causa de aplicabilidade dessas medidas de coação, constituem também um limite à possibilidade de aplicar qualquer outra medida para além do TIR, com esse fundamento ou justificação.

BBB. Diferente interpretação de tal norma do artigo 276.º, e dos artigos 204.º e 215.º citados, nomeadamente no sentido de permitir justificar a prisão preventiva com base nos fundamentos previstos naquela alínea b) do artigo 204.º, fá-las-á enfermar de inconstitucionalidade por violação do disposto no artigo 28.º, n.º 2 da CRP, que deve ser interpretado no sentido de se referir também aos prazos máximos de inquérito fixados por lei.

[...]

MMM. A fundamentação dos atos decisórios, em que se exprime a voz autónoma do juiz, deve ser especialmente cuidada, revelando ter ele feito uma avaliação autónoma dos factos e uma definição autónoma do direito.

NNN. Os atos decisórios do Juiz de Instrução, quando se insiram na tutela dos direitos fundamentais, ou seja quando mais reflitam o exercício da sua competência própria, têm de demonstrar ter sido realizada a avaliação autónoma da legalidade dos atos de investigação, incompatível com a fundamentação por remissão.

OOO.A proibição de tal forma de fundamentar existirá, seguramente, quando for suscetível de, legitimamente, criar a dúvida se se trata de uma decisão pessoal do juiz ou apenas um 'ir atrás' do MP.

PPP. No caso aqui sob recurso, essa dúvida é perfeitamente legítima, pois que foi esse, o da remissão pura e simples para a promoção do Ministério Público que o Senhor Juiz recorrido adotou, mesmo quando são as liberdades que são postas em causa.

QQQ. E inadmissível o método da remissão para a fundamentação dos atos decisórios em que se coloque em causa a tutela direta dos direitos fundamentais, como o são a decisão judicial sobre os prazos máximos de inquérito, e consequentemente de sujeição deste a segredo, e o prazo máximo de prisão preventiva - que é precisamente e diretamente o que aqui está em causa.

RRR. Para estes casos, deve ser julgada inconstitucional, por violação da reserva de juiz e do dever de fundamentação das decisões judiciais, consagrados nos artigos 32.º, n.º 4, e 205.º, n.º 1, da Constituição da República), a norma do n.º 4 do artigo 97.º do CPP, na interpretação segundo a qual a fundamentação dos atos decisórios do juiz, quando disponham sobre matérias atinentes aos direitos fundamentais, designadamente quanto aos prazos máximos de prisão preventiva, pode ser feita por remissão para a promoção do Ministério Público.

SSS. Como inconstitucional deverá consequentemente ser julgada, pelas mesmas razões, a norma do n.º 4 do artigo 215.º do CPP quando interpretada no sentido de que o despacho que declara a excecional complexidade pode ser fundamentado por remissão para a promoção do Ministério Público ou por mera transcrição ou reprodução dessa promoção.

TTT. Foi nesse sentido que o Senhor Juiz a quo interpretou tais normas na decisão recorrida de 16 de dezembro, onde pura e simplesmente dá a promoção do MP por reproduzida, talqualmente o havia feito também na decisão de 3 de julho, uma vez que também ali se limitou a 'ir atrás' do MP, desprezando o papel, que é o seu, de garante dos direitos, liberdades e garantias individuais.

[...]".

1.5.1 - O Ministério Público (no DCIAP) respondeu ao recurso, formulando, no que aqui interessa, as seguintes conclusões:

"[...]

1.º - O Recorrente pretende defender que a decisão que declara a excecional complexidade foi proferida de forma extemporânea, numa fase em que não havia arguidos constituídos, pelo que, não tendo havido o contraditório a que obriga o artigo 215.º, n.º 4 do CPP, a mesma declaração não pode produzir efeitos, até que haja arguidos constituídos nos autos e o dito contraditório seja realizado.

[...]

36.º - O Recorrente alega que o contraditório realizado à posteriori sobre a excecional complexidade é apenas formal, mas na realidade esse contraditório confere dois direitos ao arguido, sendo o primeiro o de reabrir a discussão sobre a excecional complexidade e a de ver proferida uma nova apreciação da mesma e sendo o segundo a possibilidade de interpor recurso, ou sobre a decisão inicial de excecional complexidade ou da decisão resultante da reapreciação.

37.º - Este entendimento do contraditório realizado à posteriori e dos seus efeitos, em sede dos direitos processuais conferidos ao arguido, foi seguido rigorosamente nos presentes autos e mostra-se completamente conforme com as exigências constitucionais, em sede de conferir todas as garantias de defesa - artigo 32.º, n.º 1 da CRP.

38.º - Assim, ao determinar a notificação aos arguidos, após a sua constituição, da decisão que declara a excecional complexidade, o Tribunal não está a proceder à reparação de uma nulidade, como pretende o ora Recorrente, mas sim a respeitar um direito processual que se formou na esfera do arguido, no momento em que lhe foi conferido esse estatuto.

[...]

48.º - A motivação procura ainda defender uma outra tese, segundo a qual, se a investigação já corre contra pessoa determinada e se decide a prática de um ato que a afete, então essa pessoa deve ser constituída e ouvida como arguida, mas não existe suporte legal nem exigência constitucional que suporte uma tal construção.

49.º - Com efeito, a mesma tese implicaria que atos como a realização de uma busca, um pedido de documentos bancários ou o desencadear de uma interceção telefónica apenas poderiam ser realizados depois da constituição como arguido.

50.º - Mesmo em sede da medida de obtenção da prova mais intrusiva, como é o caso da interceção de comunicações, se prevê ou se configura sequer como plausível que seja necessária a prévia constituição como arguido, sendo a própria Lei a admitir que possam recair contra suspeitos - artigo 187.º, n.º 4, a) e b) do CPP.

51.º - O próprio Recorrente acaba por reconhecer as soluções absurdas a que conduziriam as suas teses, como seja o caso da exigência de constituir arguido um suspeito para depois intercetar as suas comunicações, pelo que concebe então, em alternativa, uma pretensa especial exigência de fundamentação, sobre a necessidade de adotar qualquer medida antes da constituição de arguidos, ponderação que deveria ter sido feita e cuja preterição geraria uma nova nulidade e inconstitucionalidade.

[...]

56.º - O despacho recorrido encontra-se suficientemente fundamentado em termos da citação do direito aplicável, com total autonomia e diferença de raciocínio em relação à promoção do Ministério Público, uma vez que a remissão feita pela decisão recorrida não esgota a apreciação e a fundamentação da decisão recorrida.

57.º - Não houve violação do princípio da reserva de Juiz e não é inconstitucional, por não violar o disposto no artigo 205.º, n.º 1 e 32.º, n.º 4 da CRP, o despacho judicial recorrido que, no processo, rejeitou a verificação de nulidades pretensamente ocorridas no procedimento de declaração de excecional complexidade.

58.º - Mesmo as especiais exigências de fundamentação pretendidas pelo Recorrente, decorrentes da inexistência de arguidos constituídos no momento da declaração de excecional complexidade, foram atendidas e decorrem do compromisso, inerente àquela declaração, entre a necessidade de combate ao crime e perseguição dos criminosos, em certos ilícitos mais graves catalogados por lei e os direitos ou garantias do cidadão suspeito da prática do crime.

59.º - Entendemos assim, que a ponderação a que alude o ora Recorrente está implícita naquela que foi realizada a propósito dos pressupostos da excecional complexidade e da verificação dos fundamentos e da razão de ser da mesma figura jurídica, temas que foram apreciados em sede da decisão de folhas 4047 e seguintes, que declarou a excecional complexidade.

60.º - Não merece qualquer censura o facto de existir uma identidade entre a promoção de folhas 4038 e a decisão de folhas 4047, no que respeita aos factos subjacentes à apreciação da excecional complexidade, uma vez que compete ao Ministério Público trazer os factos ao processo, tendo depois o Sr. Juiz reconhecido os factos alegados e apreciado a figura da excecional complexidade, concluindo pela integração dos factos alegados no preenchimento dos requisitos da excecional complexidade.

61.º - Em sede da sua conformação constitucional, a exigência de fundamentação tem essencialmente uma componente substancial e não da forma da sua apresentação ou das técnicas usadas, sendo certo que a decisão sobre a excecional complexidade realizou o silogismo judiciário típico de narrar os factos e o Direito como premissas, para depois concluir pela verificação da excecional complexidade.

62.º - Entendemos assim, que também em matéria de fundamentação a decisão que declara a excecional complexidade não merece censura, uma vez que parte dos factos para o Direito, ponderando a natureza e a razão de ser da figura da excecional complexidade, para concluir, a final, que a mesma deve ser declarada.

[...]".

1.6 - Apreciando tal recurso foi proferido acórdão pelo Tribunal da Relação de Lisboa, em 17/06/2015, julgando-o improcedente (fls. 975/1142 - fls. 1094 e ss. referem-se a um voto de vencido). Da fundamentação do pronunciamento do Tribunal retiramos os seguintes trechos:

"[...]

- Da invocada nulidade do despacho de declaração de excecional complexidade do processo, nos termos do artigo 120.º, n.º 2, alínea d) do CPP, por omissão da obrigatoriamente prévia audição dos arguidos, violando o artigo 215.º, n.º 4, o artigo 61.º, n.º 1, alínea b) e o artigo 272.º, n.º 1, do mesmo Código.

Em 4 de julho de 2014 (e não 3 de julho de 2014, como várias vezes referido mos autos, certamente por lapso), após promoção do Ministério Público, foi judicialmente declarada a excecional complexidade do procedimento.

Em 21 de novembro de 2014 o recorrente foi detido e constituído arguido nos autos, presente no TCIC no dia 22 de novembro de 2014 para primeiro interrogatório, que nessa data se iniciou, tendo terminado em 24 de novembro de 2014 (cf. fls. 490 a 491 deste Apenso).

[...]

Ocorrendo a constituição de arguido após a prolação do despacho que declara a excecional complexidade do procedimento, o arguido deve ser notificado da prolação de tal despacho, assim se respeitando as garantias de defesa e o princípio do contraditório constitucionalmente reconhecidos nos artigos 27.º e 32.º, n.os 1 e 5, da Constituição da República Portuguesa, e sem que tal configure, como é óbvio, qualquer tentativa de reparação da decisão já proferida.

E o despacho que decreta a especial complexidade do procedimento, vincula qualquer arguido nele constituído, independente da constituição de arguido ser antes ou depois da existência de tal despacho, sendo certo que tal despacho mantém eficácia até ser revogado ou eventualmente modificado, inexistindo no caso qualquer aplicação retroativa da declaração de excecional complexidade, impondo-se assim ao arguido constituído após a prolação daquele despacho e enquanto o mesmo não seja revogado ou modificado.

[...]

Não se mostram, pois, violados os invocados normativos.

Termos em que o recurso improcede neste particular.

[...]

- Da invocada ilegalidade por violação dos artigos 2.º, 17.º, 26.º, 27.º, 32.º e 219.º, n.º 1 da CRP, 2.º, alíneas a) e b) e 3.º da Lei Quadro da Política Criminal e 1.º e 2.º, n.º 1 do Estatuto do Ministério Público

Insurge-se o recorrente quanto ao momento em que foi constituído arguido.

O arguido é um sujeito processual: reconhecem-se-lhe direitos e cabem-lhe também deveres (artigo 61.º CPP), e com a respetiva constituição tem os direitos, liberdade e garantias que a Constituição lhe prevê e assegura.

Pretende-se com isso a consagração da verdade material, na medida em que este sujeito processual goza da proteção do direito.

Para determinar a quem compete a iniciativa ou o impulso processual, tem que se considerar que tal iniciativa é tarefa estatal e ela é realizada oficiosamente, em certos casos mesmo à margem da vontade e da atuação dos particulares.

Em determinado tipo de crime, o Estado age oficiosamente: não necessita da participação, ou do impulso particular, para que se desencadeie todo o processo de investigação, com vista a determinar quem foram os agentes e a decisão de os submeter ou não a julgamento, competindo o exercício da ação penal ao Ministério Público. E nisto se traduz o princípio da oficialidade, o caráter público da promoção processual, sendo o princípio da legalidade que domina o processo penal português, quer de um ponto de vista legal - artigos 262.º, n.º 2 e 283.º do CPP - quer de um ponto de vista constitucional - artigo 219.º da CRP, do qual resulta no seu n.º 1 'Ao Ministério Público compete [...] exercer a ação penal orientada pelo princípio da legalidade [...]'.

[...]

Ora, 'o estatuto de arguido - tal como está definido no artigo 61.º do Código hoje vigente - é uma universalidade de direito e de deveres processuais (artigo 60.º), tudo enquadrado numa situação jurídica com contornos específicos. Tal estatuto é informado por várias manifestações típicas de um único direito, o de defesa e por uma situação processual específica, a decorrente da presunção de inocência (artigo 32.º, n.os 1 e 2 da Constituição' (cf. José António Barreiros, I Congresso de Processo Penal).

Com efeito, a CRP impõe no já citado artigo 32.º, que o processo penal assegure todas as garantias de defesa ao arguido, a quem a lei confere um estatuto de direitos e obrigações enformados pela ideia nuclear de permitir a efetividade da sua defesa no processo em que é chamado a responder.

O direito de audiência é um dos aspetos do estatuto de arguido que, segundo o recorrente, no caso não podia deixar de ser assegurado ainda antes da sua constituição como arguido, e insurgindo-se quanto ao momento em que tal constituição ocorreu, por tardia, na sua perspetiva.

O direito de audiência constitui, efetivamente, um dos direitos decorrentes do estatuto de arguido (artigo 61.º, n.º 1, alínea b) do CPP). Traduz-se, além do mais, no direito de ser ouvido pelo tribunal ou o juiz de instrução sempre que deva ser tomada decisão que pessoalmente o afete.

E estabelece o artigo 272.º, n.º 1, do CPP a obrigatoriedade de se proceder a interrogatório de arguido nos inquéritos que correm contra pessoa determinada em relação à qual haja fundada suspeita da prática de um crime, dispondo o artigo 58.º, n.º 1 do mesmo diploma legal que, correndo inquérito contra pessoa determinada em relação à qual haja suspeita fundada da prática de crime, é obrigatória a constituição de arguido logo que aquela prestar declarações perante qualquer autoridade judiciária ou órgão de polícia criminal.

Da leitura destes normativos resulta, assim, também a obrigatoriedade de no inquérito se interrogar como arguido pessoa contra a qual haja fundada suspeita da prática de um crime. Apesar da imposição daquela obrigatoriedade, nada de concreto se dispõe, porém, sobre o momento preciso em que haja de ocorrer esse interrogatório. Indispensável é que ele se verifique durante o inquérito (cf. acórdão de fixação de jurisprudência 1/2006, de 23-11-2005).

Mas, 'a injunção legal de interrogatório de pessoa determinada contra quem corre o inquérito dirige-se à entidade estadual que dirige o inquérito mas não compreende uma diretriz sobre o tempo do interrogatório do suspeito que deve ser decidido no quadro da estratégia definida em concreto para o inquérito como atividade. Isto é não se encontra consagrada uma prescrição legal que obrigue ao imediato interrogatório de pessoa determinada contra quem corre o inquérito' (cf. Dá Mesquita (Direção do Inquérito Penal e Garantia Judiciária, pp. 105-106).

Fundamental é que a constituição de arguido obedeça à já acima referida lógica nuclear de chamada a juízo de alguém contra quem se mostram reunidos pressupostos que a colocam numa posição que demanda pelo menos a possibilidade do exercício de defesa, de acordo com as previsões identificadas nos arts. 57.º a 59.º do CPP, sendo que a definição desse momento se enquadra nos poderes de discricionariedade técnica pertencentes ao titular do inquérito.

Ora, aquando da constituição do recorrente como arguido, o inquérito ainda não se mostrava findo, como não se mostrava findo até ao momento em que foi interposto o presente recurso. E sendo assim, não obstante o inquérito se ter iniciado em julho de 2013, imperioso será concluir que o facto de o recorrente não ter sido constituído arguido anteriormente a 21 de novembro de 2014, decorrente da estratégia de investigação adotada pelo titular da ação penal, não configura qualquer ilegalidade nem integra qualquer nulidade tipificada no CPP, designadamente as previstas no artigo 119.º/c) ou no artigo 120.º/2d) do CPP, ao invés do que é invocado pelo recorrente, não havendo preterição dos direitos de defesa e da equidade do processo.

O recurso é, assim, improcedente neste particular.

[...]

- Da nulidade da decisão por falta de fundamentação, nos termos do disposto no artigo 379.º do CPP, remissão para a promoção do Ministério Público e violação da reserva de juiz

O recorrente alega falta de fundamentação da decisão recorrida invocando o disposto no art.379.º do CPP, esquecendo, porém, desde logo, que o normativo invocado (artigo 379.º do CPP) se reporta, em exclusivo, às nulidades que se verifiquem em sentenças, e não também em decisões, como no caso sub judice, que se configuram como despachos, nos termos do artigo 97.º, n.º 1, alínea b), do CPP.

Não obstante a não aplicabilidade, assim, desse artigo 379.º, tratando-se de ato decisório, terá de ser sempre fundamentado, especificando os motivos de facto e de direito que suportam o decidido (artigo 97.º, n.º 5, do CPP), cuja inobservância é legalmente cominada com irregularidade, a cujo regime respeita o art. 123.º do CPP (cf. artigos 118.º, n.os1 e 2, 119.º e 120.º do mesmo Código).

[...]

A necessidade de fundamentação das decisões dos tribunais, que não sejam de mero expediente, tem consagração no artigo 205.º, n.º 1, da C.R.P. e insere-se nas garantias de defesa de processo criminal a que alude o artigo 32.º, n.º 1, do mesmo diploma.

Este princípio constitucional é extensivo a todos os ramos do direito, designadamente ao processo criminal.

No âmbito deste princípio, o artigo 97.º, n.º 5, do C.P.P. estabelece que os atos decisórios são sempre fundamentados, devendo ser especificados os motivos de facto e de direito da decisão.

O objetivo de tal dever de fundamentação é permitir 'a sindicância da legalidade do ato, por uma parte, e serve para convencer os interessados e os cidadãos em geral acerca da sua correção e justiça, por outra parte, mas é ainda um importante meio para obrigar a autoridade decidente a ponderar os motivos de facto e de direito da sua decisão, atuando, por isso como meio de autodisciplina' (cf. Prof. Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, III, Verbo, 2.ª edição, pág.294).

O dever genérico de fundamentação dos atos decisórios expresso no artigo 97.º, n.º 5 do CPP, encontra particular explicitação e desenvolvimento no artigo 374.º, n.º 2 do mesmo diploma legal, o que se percebe dada a natureza da peça processual a que se reporta.

Como qualquer despacho, até por imperativo constitucional [artigo 205.º da CRP], a decisão que declara a excecional complexidade do procedimento tem de ser fundamentada - cf. n.º 4 do artigo 215.º do CPP, o que já decorria do citado artigo 97.º, n.º 5 -, cumprindo-se, por seu intermédio, simultaneamente, uma função de caráter objetivo - pacificação social, legitimidade e autocontrolo das decisões - e uma função de caráter subjetivo - garantia do direito ao recurso, controlo da correção material e formal das decisões pelos seus destinatários - cf. Jorge de Miranda e Rui de Medeiros, "Constituição Portuguesa Anotada", pág. 71.

Ora, ao invés do que defende o recorrente, não ocorre, no caso, a omissão do dever de fundamentação porquanto o despacho em crise contém as razões de facto e de direito que suportam a decisão, que é fundamentada, legal e faticamente, e esclarecedora das premissas da mesma, explicitando em termos lógicos a razão pela qual o Tribunal decidiu nos termos plasmados no despacho recorrido, cumprindo, cabalmente, tal dever, o qual, tratando-se de decisão interlocutória, não tem paralelo com o que é exigível na sentença, que a final conhece do mérito.

[...]

E certo é também que o mesmo despacho recorrido não padece do vício de falta de fundamentação por remeter para os fundamentos da promoção do Ministério Publico.

'O erro do recorrente parece aqui residir no facto de entender, por um lado, que as exigências de fundamentação expressas no CPP, porventura impeditivas da fundamentação por remissão, se convertem em exigências constitucionais e, por outro, que a nulidade é o único nível de desvalor admissível para qualquer tipo de deficiência sem que se deva ter em conta se ela atinge, e em que grau, a razão de ser e o fim último da imposição constitucional.' (cf. Acórdão do TC n.º 147/00, de 21 de março de 2000 Proc. n.º 56/00, 1.ª Secção, Relator: Consº. Artur Maurício, com um voto de vencido, consultável in http/W3.tribunalconstitucional.pt/ acordaos /acordaos 00/001/200/14700.htm), que não proíbe expressamente a lei, que, em peças processuais, sejam reproduzidas outras peças, que, assim, passam a integrar a primeira, até por razões de celeridade e economia processuais, sendo que para o direito de defesa do arguido não resulta nenhuma perda pelo uso da técnica em questão, já que no despacho é transcrita a promoção, pelo que o arguido tem perceção quer dos argumentos e demais termos da promoção, quer da decisão que para ela remete.

De igual modo, tal remissão não consubstancia violação do principio constitucional de reserva de juiz.

O artigo 202.º da CRP cuja epígrafe é 'Função jurisdicional', consagra uma das modalidades de 'separação dos órgãos de soberania estabelecidas na Constituição' mais significativas para caracterizarmos o Estado como um Estado de Direito. Segundo aquele, 'os tribunais são órgãos de soberania com competência para administrar a justiça em nome do povo', cabendo-lhes 'assegurar a defesa dos direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos, reprimir a violação da legalidade democrática e dirimir os conflitos de interesses públicos e privados' (n.os 1 e 2 daquela disposição).

'A função jurisdicional consubstancia-se, assim, numa "composição de conflitos de interesses", levada a cabo por um órgão independente e imparcial, de harmonia com a lei ou com critérios por ela definidos, tendo como fim específico a realização do direito ou da justiça (cf. o Acórdão deste Tribunal n.º 182/90, publicado no Diário da República, 2.ª série, de 11 de setembro de 1990). Aquela função estadual diz respeito a matérias em relação às quais os tribunais têm de ter não apenas a última, mas logo a primeira palavra (cf. os Acórdãos deste Tribunal n.os 98/88 e 211/90, o primeiro publicado no Diário da República, 2.ª série, de 22 de agosto de 1988, e o segundo nos Acórdãos do Tribunal Constitucional, 16.º Vol., p. 575 e segs.)' (cf. Ac. do Tribunal Constitucional de 19/1271995, acessível in www.dgsi.pt).

E no despacho sob recurso verificaram-se três momentos fundamentais de caracterização material da função jurisdicional: foi dirigido à resolução de uma questão jurídica pela via da extrinsecação e da declaração do direito que é; foi praticado segundo perspetiva estrita e exclusivamente jurídica; prosseguiu o interesse público da realização da justiça (cf. Jorge Miranda, Funções, Órgãos e Atos do Estado, Lisboa, 1990, pág. 43).

Tudo para concluir que, no caso sub judice, o despacho recorrido não é, de todo, nulo por remeter para promoção do MP, por falta de fundamentação ou por violação do princípio constitucional de reserva de juiz, pese embora o arguido/recorrente dele discorde.

Não se verificam, assim, as invocadas nulidades e inconstitucionalidades.

Termos em que, neste particular improcede o recurso.

[...]

- Da invocada nulidade do processo, interceções telefónicas, e vigilâncias por falta de prévia constituição e audição de suspeito como arguido

Nos termos do Parecer: P000771996 do Conselho Consultivo da PGR, acessível in https://www.google.pt, 'adquirida notícia de um crime, por conhecimento próprio, por intermédio dos órgãos de polícia criminal ou mediante denúncia (obrigatória ou facultativa), o Ministério Público, se estiverem verificados todos os pressupostos de legitimidade, deve abrir inquérito - artigos 241.º e seguintes e 262.º, n.º 2, do Código de Processo Penal (CPP).

[...]

Ao conferir ao arguido a posição de sujeito do processo (com a consequente atribuição de direitos de codeterminação ou de conformação final do processo), o Código de Processo Penal assume e desenvolve as referências constitucionais, dando-lhes efetividade e consistência - o direito de defesa e o direito à presunção de inocência até ao trânsito em julgado da sentença condenatória (artigo 32.º, n.os 1 e 2 da Constituição), como direitos fundamentais simultaneamente de natureza pessoal e processual.

A definição do estatuto processual de arguido releva, pois, como elemento conformador do processo, da possibilidade e do direito de codeterminar o conteúdo de processo em vista da decisão final. Por isso, a determinação normativa precisa do momento a quo e dos modos pelos quais se assume, se adquire ou se reclama a qualidade processual de arguido.

[...]

A constituição como sujeito processual constitui o polo fundamental da qualidade de arguido, já que apenas com tal constituição e à pessoa constituída é assegurado o exercício dos direitos e deveres processuais que lhe são próprios. Assim, no sistema do Código de Processo Penal, arguido não é já todo aquele sobre quem recaia a suspeita de ter cometido um crime, mas somente "a pessoa que é formalmente constituída como sujeito processual e relativamente a quem corre processo como eventual responsável pelo crime que constitui o seu objeto".

A constituição ope legis tem lugar nas hipóteses previstas no artigo 57.º do CPP: assume a qualidade do arguido toda a pessoa contra quem for deduzida acusação ou requerida instrução num processo penal, conservando-se tal qualidade durante todo o processo.

A constituição mediante comunicação opera-se nas hipóteses previstas nos artigos 58.º e 59.º do CPP: é, então, obrigatória a constituição (formal) de arguido logo que, correndo inquérito contra pessoa determinada, esta prestar declarações perante autoridade judiciária ou órgão de polícia criminal; logo que tenha de ser aplicada a uma pessoa uma medida de coação ou de garantia patrimonial; sempre que um sujeito for detido ou sempre que for levantado auto de notícia que dê uma pessoa como agente de um crime e o auto for comunicado a essa pessoa (artigo 58.º, n.º 1, alínea a), b), c) e d) CPP).

[...]

Trata-se de um ato fundamental (e com um conteúdo material e uma natureza formalmente autónoma) para o exercício do direito de defesa, já exigido pela Lei de Autorização (Lei 43/86, de 26 de setembro no seu artigo 2.º n.º 2, alínea 8) - definição rigorosa do momento e do modo de obtenção do estatuto de arguido.

A aquisição de qualidade processual de arguido determina a atribuição de um complexo de direitos e a sujeição a determinados deveres processuais.

O elenco dos direitos estatutários do arguido reconduz-se afinal à concretização instrumental no processo do direito fundamental a todas as garantias de defesa: - direito fundamental que assiste a toda a pessoa suposta de autoria de um facto punível de se opor eficazmente à pretensão punitiva, quer exercitando a sua própria defesa (defesa privada ou material), quer simultaneamente através de defensor (defesa pública ou formal). [...]

[...]

Com efeito, o imperativo constitucional do direito de defesa do arguido não pode, ou não deve, implicar o absoluto sacrifício da necessidade de boa realização da justiça.

A sufragar-se o entendimento do recorrente descurar-se-ia, porventura de forma irremediável, o interesse público, típico da investigação criminal, de descoberta da verdade material, conservação e preservação da prova, frustrando-os e pondo aquela em risco de se gorar.

Assim, tendo a atuação em sede das diligências referidas pelo recorrente ocorrido dentro dos prazos de vigência do Inquérito, aplicáveis por força do artigo 276.º do CPP, não se verifica preterição alguma dos limites legais impostos à investigação, não existindo base legal nem exigência constitucional que suporte o entendimento do recorrente.

Inexiste, pois, a invocada nulidade, improcedendo o recurso também neste particular.

[...]

- Da alegada prática de atos depois de findos os prazos de inquérito e do segredo de justiça

[...]

Assim sendo, e atento o disposto no artigo 276.º do CPP, há a considerar a suspensão do prazo de inquérito por virtude de expedição de carta rogatória dirigida às autoridades suíças em 5 de novembro de 2013 e devolvida em 3 de fevereiro de 2015.

Posto isto, importa dizer que ao prazo do inquérito previsto no artigo 276.º, n.os 1 e 3, alínea a), do CPP haveria que adicionar a suspensão de 7 meses (n.º 5 do citado artigo) o que daria 21 meses, sendo que, em caso de declaração de especial complexidade do procedimento, mantendo o despacho que a declara, como já supra dito, eficácia até ser revogado ou eventualmente modificado, o prazo de inquérito é de 18 meses, a que acresce a suspensão de nove meses, nos termos do disposto no artigo 276.º, n.os 1, 3, alínea c) e 5 do CPP.

Assim, tendo o recorrente sido constituído arguido em 21 de novembro de 2014 (16 meses e 2 dias depois do início do inquérito), é inquestionável que tal ato ocorreu dentro do prazo do inquérito, e, por conseguinte, do segredo de justiça (artigo 89.º, n.º 6 do CPP).

Deste modo, é manifesta a sem razão do recorrente no alegado neste particular.

Termos em que o recurso improcede também neste segmento.

[...]

- Da alegada nulidade por falta de fundamentação e por violação do disposto no n.º 1 do artigo 86.º do CPP

Alega o recorrente na Conclusão NN: 'Tendo as decisões recorridas sido tomadas sem a ponderação de que o processo penal é, sob pena de nulidade, público, ressalvadas as exceções previstas na lei, também por isso enfermam elas de nulidade por falta de fundamentação e por violação do disposto no n.º 1 do artigo 86.º do CPP.'

[...]

Sendo a regra, atualmente, a publicidade do inquérito, o segredo de justiça apenas pode vigorar, com a concordância do Juiz, durante os prazos estabelecidos na lei para a realização do inquérito; fora desses prazos, o segredo de justiça pode manter-se, a requerimento do Ministério Público, por um período máximo de 3 meses, que pode ser prorrogado por uma só vez e, mesmo depois desta prorrogação, numa exigência de interpretação conforme ao artigo 20.º, n.º 3, da CRP, quando o acesso aos autos puser em causa gravemente a investigação, se a sua revelação criar perigo para a vida, integridade física ou psíquica ou para a liberdade dos participantes processuais ou vítimas de crime.

E a cessação do segredo de justiça, na vertente interna, apenas ocorre quando tenha decorrido o prazo normal de inquérito previsto no artigo 276.º do CPP e o MºPº, antes de findar tal prazo, não tenha requerido a declaração de excecional complexidade do processo ou o adiamento do acesso aos autos nos termos do artigo 89.º, n.º 6, do CPP

Ora, no caso, a atuação e a decisão invocadas pelo arguido ocorreram dentro do prazo do inquérito, sendo certo que foi também, dentro desse prazo, requerida e decidida a excecional complexidade do procedimento, validada, por despacho irrecorrível, a sujeição dos autos a segredo de justiça, e, por mera cautela foi, a requerimento do Ministério Público, em 15 de abril de 2015, determinado "o adiamento, por um período de três meses, do acesso aos autos por parte dos demais intervenientes processuais".

O que vale por dizer que, também neste particular não assiste razão ao recorrente, inexistindo a invocada nulidade.

Termos em que o recurso improcede também neste segmento

[...]

- Da alegada não verificação de pressupostos que sustentem a declaração de excecional complexidade.

Nos termos do disposto no artigo 215.º, n.º 3, do CPP, os prazos referidos no n.º 1 são elevados, respetivamente, para um ano, um ano e quatro meses, dois anos e seis meses e três anos e quatro meses, quando o procedimento for por um dos crimes referidos no número anterior e se revelar de excecional complexidade, devido, nomeadamente, ao número de arguidos ou de ofendidos ou ao caráter altamente organizado do crime.

[...]

O juízo sobre a complexidade do processo é um juízo prudencial, de razoabilidade, de critério da justa medida de apreciação e avaliação das dificuldades suscitadas pelo procedimento. As dificuldades de investigação, o número de intervenientes processuais, a deslocalização dos atos, as diversas contingências procedimentais, a intensidade da utilização dos meios são elementos a considerar no critério do juiz, para determinar a excecional complexidade do processo, nos termos do artigo 215.º, n.º 3, do C.P.P.

Como se disse no Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 287/2005, a declaração de excecional complexidade, com a consequência inerente em termos de prazo de prisão preventiva, «é justificada na perspetiva da lei por especiais dificuldades que a investigação, num caso concreto, possa encontrar. [...] Em casos deste tipo é suscitada uma ponderação entre os valores de justiça prosseguidos pela investigação e os direitos do arguido sujeito à prisão preventiva que justificará um aumento proporcionado dos prazos da prisão preventiva. Ora, não é contrário à Constituição, de acordo com um parâmetro de proporcionalidade, que nessas situações especiais um certo alargamento dos prazos se verifique. Mas não se esgotam nos casos referidos, porventura paradigmáticos, as possibilidades de aplicação do preceito em causa, podendo circunstâncias várias da investigação justificar idêntica ponderação.»

Para a declaração de excecional complexidade de um processo ainda em fase de inquérito há que vê-lo como uma realidade dinâmica.

No caso em apreço está em causa a investigação de crimes de fraude fiscal, branqueamento de capitais e corrupção, sendo densa a matéria factual constante dos autos, traduzindo-se em plúrimos atos.

Suscitam-se questões complexas e morosas, desde logo, e atentando nos elementos constantes deste Apenso, resultantes das circunstâncias, como referido na promoção para que remete o despacho recorrido, dos factos em causa se traduzirem 'na utilização de dezenas de sociedades para a circulação de fundos', com 'dispersão de entidades, a que acresce a dimensão internacional da origem dos fundos e a repetição dos factos ao longo do tempo, por mais de três anos', para além de diligências de índole técnica, designadamente no que tange à análise e perícia a diversa documentação financeira e contabilística, diligências essas, por norma, complexas e morosas, sendo certo que não é a perícia ou a sua realização que justificam, sem mais, a declaração de excecional complexidade, havendo que atentar, sim, no processo em que é ordenada, os factos a que se refere e a apreciação do seu resultado, esses sim suscetíveis de apresentar elevado grau de dificuldade, e, por essa via, fundamentar também a declaração de excecional complexidade, que depende, também, da configuração complexa dos factos que a perícia se destina a esclarecer.

Os autos - já com milhares de páginas - evidenciam a vasta dimensão do processo, a extensão das diligências investigatórias já realizadas e das que ainda estão em curso, avultando a essencialidade para o caso do prosseguimento de diligências no sentido de reconstituição de circuitos financeiros, com variada e abundante documentação destinada a estabelecer esses circuitos, e audição de pessoas conexas aos mesmos, algumas das quais ausentes do país, bem como a análise de cartas rogatórias expedidas, defrontando a investigação particulares dificuldades no seu desenvolvimento também por se encontrar dependente de cooperação judiciária internacional.

E é sabido que com a expedição de cartas rogatórias para a realização de diligências processuais, a tempestividade no cumprimento das mesmas não pode ser gerida, ou condicionada, pelas autoridades judiciárias portuguesas.

Com efeito, os autos espelham a dimensão transnacional dos indícios, o que acarreta que a despistagem e confirmação dos mesmos por forma a apurar-se a sua extensão torna necessárias diligências cuja realização não é compatível com os prazos normais do inquérito.

Existe, por conseguinte, grande dificuldade em concretizar a investigação de forma célere, ocorrendo a necessidade de apurar os factos através de um complexo de diligências de prova a decorrer, com vista a que o Ministério Público possa ficar habilitado a cumprir os objetivos da investigação, de descoberta da verdade material, em ordem à formulação fundamentada de uma decisão final do inquérito.

A extensão e complexidade das diligências, realizadas e em curso, determina uma maior dilação na decisão final do inquérito, estando presentes, no caso, as razões subjacentes à norma do artigo 215.º, n.º 3, do C.P. Penal: atender a casos especiais de processos onde se manifestem problemas que demandem uma maior disponibilidade de meios por parte dos serviços da justiça, com a consequente dilação dos prazos, designadamente os de prisão preventiva.

A excecional complexidade do procedimento decorre, como se referiu e resulta da decisão recorrida, das dificuldades de investigação do processo, encontrando fundamento na factualidade objetiva invocada na promoção a requerer a declaração de excecional complexidade, no despacho recorrido e plasmada nos elementos recolhidos na análise dos autos.

Neste quadro, face ao supra exposto, entendemos justificar-se, no caso, a declaração de excecional complexidade do procedimento.

Assim, o prazo de duração do inquérito é de dezoito meses, a que acresce o prazo de nove meses, nos termos do disposto no artigo 276.º, n.os 3, alínea c) e 5, do CPP, sendo que o inquérito, considerando os elementos constantes deste Apenso, teve o seu início em 19 de julho de 2013.

Por conseguinte, não se mostram ultrapassados os prazos estipulados nos artigos 276.º e 215.º, n.º 3, do CPP.

Não tendo o despacho que declara o processo de especial complexidade por fundamento a posição processual do arguido, mas sim a complexidade do procedimento, importa, todavia, referir que, estando numa fase indiciária, as medidas de coação estão sujeitas à regra rebus sic stantibus, podendo ser alteradas ou revogadas a todo o tempo, sem necessidade de esperar pelo decurso do prazo de três meses nos casos de prisão preventiva e de permanência na habitação, desde que se tenham alterados os pressupostos que ditaram a sua aplicação, alterados que se mostrem os elementos dos autos, no decurso do processo, designadamente por via da investigação, quanto à indiciação ou quanto às exigências cautelares.

E considerando que o artigo 212.º, n.º 3, do CPP prescreve que, quando se verificar uma atenuação das exigências cautelares que determinaram a aplicação de uma medida de coação, o juiz substitui-a por outra menos grave ou determina uma forma menos gravosa da sua execução, o alargamento dos prazos de prisão preventiva não colide em nada com os direitos, liberdades e garantias do arguido/recorrente.

'Com efeito, o alargamento dos prazos de duração da prisão preventiva, em virtude da declaração de excecional complexidade do procedimento, não viola o preceituado no artigo 28.º, n.º 4, da CRP, já que este confere ao legislador uma margem de liberdade de conformação larga e suficiente, observado o princípio da proporcionalidade, para diferenciar os ditos prazos em função da gravidade objetiva dos crimes e da complexidade dos processos" (cf. Ac. do TRE, de 17.3.2015, in www.dgsi.pt).

Face a tudo o exposto, entende-se não ter havido violação de qualquer norma ou princípio processual penal, nem de qualquer norma ou princípio de natureza constitucional, nomeadamente dos alegados pelo recorrente, artigos 215.º do CPP, 27.º, 28.º e 32.º da CRP e 6.º, da CEDH.

O recurso improcede também neste particular.

[...]

Decisão

Pelo exposto, acordam os Juízes na 3.ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa em:

- Julgar improcedente o recurso interposto pelo arguido José Sócrates Carvalho Pinto de Sousa, mantendo-se o despacho recorrido.

- Condenar o recorrente no pagamento das custas, fixando-se a taxa de justiça em 3 Ucs.

[...]".

1.6.1 - Notificado deste acórdão, veio o arguido ora recorrente apresentar (cf. fls. 1173/1185) requerimento de 'reclamação por nulidade e por erro manifesto", alegando, inter alia, o seguinte:

"[...]

[A declaração de excecional complexidade do processo] exige (como doutamente foi entendido, e feito, no Acórdão-projeto, e registado na declaração de voto e no voto de vencido), antes de considerações dessas ou desse ou doutro tipo, antes de mais nada, a descrição exaustiva dos factos e indícios objeto do inquérito, a apreciação da sua concreta relevância criminal e da concreta adequação e necessidade de, em função da ainda concreta complexidade da investigação, serem alargados os prazos de inquérito e de prisão preventiva - considerando que eles (apenas) servem para permitir ao MP sujeitar por mais tempo os arguidos a prisão e ao regime do segredo de justiça, e que devem por isso ser excecionalmente bem justificados (até por atenção e respeito pelos artigos 20.º, n.º 3 e 28.º, n.º 2 da CRP).

[...]

O próprio regime de declaração de excecional complexidade de um processo e as normas que o regulam e preveem, nomeadamente as dos artigos 215.º, n.º 3 e 4, e as das alíneas b) e c) do n.º 2 e do n.º 3 do artigo 276.º do Código de Processo Penal, deveriam ser julgadas inconstitucionais se interpretadas no sentido de admitir que a declaração de excecional complexidade pode ser proferida ou mantida em recurso, com efeitos sobre o prazo de inquérito e de prisão preventiva, que amplia, sem a consideração e apreciação concreta dos factos objeto do processo, pelo menos de um núcleo mínimo de factos que permitam compreender o que está em causa e assim ajuizar de forma prudente aquela mesma complexidade - por violação do disposto no artigo 20.º, n.º 4, no artigo 28.º e no artigo 32.º, n.º 1 e 8 da Constituição.

[...]

[Na sequência da alegação de envio de elementos ao processo, por parte do titular do inquérito, na pendência do recurso:] O próprio regime de recursos e as normas que o regulam, nomeadamente as citadas dos artigos 413.º e 417.º do Código de Processo Penal, deverão ser julgadas inconstitucionais - por violação do disposto no artigo 20.º, n.º 4 e no artigo 32.º, n.º 1, 5 e 8 da Constituição, designadamente do direito a um processo equitativo e ao contraditório - quando interpretadas no sentido de admitir que o Ministério Público aporte para os autos de recurso novas informações e meios de prova e outros elementos após a resposta e o parecer previstos em tais normas sem que tais informações, meios de prova e outros elementos ou, pelo menos, nos casos excecionalmente previstos na lei, a iniciativa de junção aos autos de tais informações, meios de prova e outros elementos tenham sido notificados ao recorrente antes da decisão do recurso.

[...]".

1.6.2 - Recaiu sobre tal requerimento o acórdão de 16/07/2015 (fls. 1212/1240), do qual transcrevemos as seguintes passagens:

"[...]

O arguido apresenta um requerimento, que rotula de 'reclamação', tendendo a pretender invocar a nulidade do acórdão proferido em 17 de junho de 2015, por, alega, 'omissão de pronúncia acerca das questões colocadas nas conclusões HHH e III', 'omissão de pronúncia acerca dos factos objeto do inquérito (e a conclusão JJJ)', 'falta de notificação e audição do recorrente acerca de informações prestadas e elementos processuais relevantes para a decisão enviados pelo titular do inquérito após a resposta ao recurso', e 'omissão de pronúncia e desconsideração pelo alegado na conclusão F do recurso erro manifesto sobre os factos e erro manifesto sobre a norma aplicável e falta de fundamentação'.

Ao longo do requerimento vai invocando o artigo 425.º, n.º 4, do CPP, artigo que dispõe que é correspondentemente aplicável aos acórdãos proferidos em recurso o disposto nos artigos 379.º e 380.º, sendo o acórdão ainda nulo quando for lavrado contra o vencido, ou sem o necessário vencimento.

Dispõe o artigo 379.º, n.º 1, do CPP: [...]

Aqui há então que distinguir: se da sentença cabe recurso ordinário, as nulidades devem ser arguidas no recurso e aí conhecidas; se da sentença não cabe recurso ordinário, as nulidades devem ser arguidas nos termos gerais, isto é, no prazo de dez dias previsto no artigo 105.º, n.º 1, do C.P.P., junto do Tribunal que proferiu a decisão.

Do acórdão de 17 de junho de 2015 não cabe recurso ordinário, pelo que compete ao Tribunal da Relação apreciar as nulidades invocadas.

Vejamos.

- Da alegada, sob os pontos 1 e 2, omissão de pronúncia, e das alegadas, sob o ponto 4, omissão de pronúncia e falta de fundamentação.

Como é sabido os recursos constituem o meio processual destinado a sujeitar a decisão a um novo juízo de apreciação por um tribunal hierarquicamente superior. Os recursos são, pois, face ao ordenamento processual penal vigente, o único meio de por cobro a erros ou vícios de fundo das decisões judiciais penais. E o Código assume-os como remédio jurídico, afastando-se, assim, da ideia, presente em muitos sistemas, de que os mesmos constituem meio de refinamento jurisprudencial. (cf. Simas Santos e Leal Henriques, "Recursos em Processo Penal", 5.ª Edição, pp.24).

Assim, ainda no dizer dos mencionados autores (cf. ob. cit. pp. 72/73), o objeto legal dos recursos é a decisão recorrida, abrindo-se, com o recurso, somente uma reapreciação dessa decisão.

Visando os recursos modificar as decisões impugnadas e não criar decisões sobre matéria nova, só é lícito na motivação ou nas alegações invocar questões que tenham sido objeto das decisões recorridas, e não questões novas ou já decididas.

Ora, no caso sub judice, a decisão recorrida foi o despacho proferido em 16 de dezembro de 2014, transcrito a fls.14 a 32 do Acórdão proferido em 17 de junho de 2015.

E, como tal, objeto do recurso são questões efetivamente apreciadas no despacho recorrido.

Consequentemente no âmbito desse recurso só as sobreditas questões podiam ser apreciadas.

Assim, tendo desde logo em consideração esta limitação, atendendo às conclusões do recurso, e sendo certo que o âmbito deste é delimitado em função do teor das conclusões extraídas pelo recorrente da motivação apresentada, só sendo lícito ao tribunal ad quem apreciar as questões desse modo sintetizadas, sem prejuízo das que importe conhecer oficiosamente, como são os vícios da sentença previstos no artigo 410.º, n.º 2, do CPP, mesmo que o recurso se encontre limitado à matéria de direito, entendeu-se que as questões que cumpria apreciar, eram: [...]

E tais questões foram apreciadas, pelo que, ressalvado sempre o devido respeito, não assiste razão ao requerente.

Dir-se-á, desde já, no que concerne à nulidade por omissão de pronúncia, que é fundamental aqui realçar que a nulidade de sentença por omissão de pronúncia refere-se a questões e não a razões ou argumentos invocados pela parte ou pelo sujeito processual em defesa do seu ponto de vista.

[...]

Com efeito, e com relevo para o que agora importa, as matérias contidas nas conclusões referidas nos pontos 1 e 2 do requerimento apresentado pelo arguido foram expressamente apreciadas e decididas no acórdão, naturalmente estruturado em função do objeto do recurso, como claramente resulta de fls. 111 a 118 do mesmo Acórdão proferido em 17 de junho de 2015 e manifestamente flui da leitura do mesmo.

[...]

Na situação em apreço este Tribunal pronunciou-se também quanto à matéria contida na conclusão referida no ponto 4 do requerimento ora apresentado, e fê-lo de forma clara e fundamentada, fáctica e legalmente, como resulta de fls.103 a 108 do Acórdão, não lhe sendo exigível que aprecie cada um dos argumentos apresentados por cada um dos sujeitos processuais sobre aquela questão.

Em face do que fica exposto, poderá o requerente discordar quanto à livre convicção firmada pelo Tribunal da Relação. Não poderá, todavia, por óbvio, falar em omissão de pronúncia e falta de fundamentação.

O que vale por dizer que, atento o teor de fls. 103 a 107 do Acórdão, o requerente carece também de razão no que concerne à alegada nulidade por omissão de pronúncia e falta de fundamentação invocados sob o ponto 4.

[...]

No que concerne ao alegado sob o ponto 3 do requerimento, dir-se-á antes de mais, que há que considerar a previsão do artigo 425.º, n.º4, do CPP, onde não cabe a arguição de quaisquer outras nulidades para além das previstas no artigo 379.º do CPP.

Ora, não obstante alegar a nulidade do acórdão invocando a alínea b) do n.º 1 do artigo 379.º do C.P.P., que, como já supra dito, dispõe que é nula a sentença que 'condenar por factos diversos dos descritos na acusação ou na pronúncia, se a houver, fora dos casos e das condições previstos nos artigos 358.º e 359.º', certo é que o requerente não aponta ao Acórdão visado qualquer destes factos, sendo manifesto que no Acórdão proferido não se verificou o circunstancialismo previsto no referido normativo, pelo que invoca-lo não tem qualquer suporte.

Tanto basta para concluir pela inexistência da invocada nulidade.

[...]

Quanto ao mais alegado sob os pontos 2 e 4, dir-se-á, como já supra referido, que a decisão judicial se basta com a sua fundamentação; não tem que exaustivamente apreciar cada um dos raciocínios aduzidos pelos sujeitos processuais, sendo que muitas vezes, como sucede no caso em apreço, a fundamentação da decisão afasta por razões puramente lógicas pontos de vista diversos.

A manifesta discordância da fundamentação da decisão judicial justifica que se recorra desta; não que se pretenda a alteração dela pela instância que a proferiu.

E o que verdadeiramente acontece é que o recorrente e ora requerente, por outras palavras, retoma questões já decididas.

[...]

Mais, objeto do recurso é a decisão recorrida e só essa. Não qualquer outra anterior ou posterior que eventualmente tenha sido tomada, ainda que com ela de alguma forma correlacionada ou correlacionável.

Tenha-se em conta também, por outro lado, que a motivação é uma peça processual autónoma, pelo que irreleva a remissão operada para exposições, memoriais ou requerimentos que tenham sido antes ou depois introduzidos em juízo pelos recorrentes ou qualquer articulado que os mesmos tenham apresentado para assumir posição sobre questão substantiva ou incidência processual que não esteja vertida no recurso e nas suas conclusões.

Por maioria de razão, e contrariamente ao pretendido, a arguição de nulidade do acórdão não confere qualquer faculdade ou oportunidade para 'aditar' o quer que seja que, oportunamente, no local próprio, não tenha sido invocado, como não pode, obviamente, pretender um segundo julgamento ou uma outra apreciação do recurso.

E o que se constata é que o requerente põe em causa a decisão proferida por este Tribunal, da qual discorda, do que não decorre, naturalmente, que, ao arguir a nulidade do Acórdão possa pretender a apreciação do mérito do mesmo, e, consequentemente, outra apreciação do recurso. Tal extravasaria, manifestamente, o âmbito da faculdade conferida pelo artigo 425.º, n.º 4, do CPP.

[...]

Decisão

Nos termos e pelos fundamentos expostos, acordam os Juízes na 3.ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa em:

- indeferir o requerimento apresentado pelo arguido José Sócrates Carvalho Pinto de Sousa.

- Condenar o requerente em 3 Uc de taxa de justiça.

[...]".

1.7 - Inconformado - e é este o trecho processual diretamente respeitante ao recurso de constitucionalidade -, recorreu o arguido ora recorrente para este Tribunal (requerimento de fls. 1260/1265), invocando os "[...] artigos 70.º, n.º 1, alínea b), 71.º, 72.º, n.º 1, alínea b) e n.º 2, 75.º, n.º 1 e 75.º-A, n.os 1 e 2 da Lei 28/82, de 15 de novembro", indicando referir-se tal recurso "[ao] acórdão que, julgando improcedente a reclamação apresentada pelo recorrente, confirma o acórdão que manteve a decisão de declaração de excecional complexidade de 16/12/2014 [a indicada no item 1.4.2., supra]". E acrescentou, particularizando o objeto do recurso de constitucionalidade, ter em vista o seguinte pronunciamento por banda do Tribunal Constitucional:

"[...]

A. Ser julgada ilegal, por violação das normas dos artigos 2.º, alíneas a) e b), e 3.º da Lei Quadro da Politica Criminal e dos artigos 1.º e 2.º n.º 1 do Estatuto do Ministério Público (Lei 47/86), que se deverão considerar para estes efeitos lei de valor reforçado, o entendimento que parece resultar das decisões citadas, no sentido de que as estratégias investigativas se não subordinam à lei, maxime ao Código de Processo Penal, e a interpretação que ali parece feita do disposto no artigo 272.º, n.º 1 do mesmo diploma, no sentido de que a escolha do momento próprio para a constituição de um suspeito como arguido cabe no poder discricionário ou mesmo arbitrário do MP.

B. Ser julgada inconstitucional essa mesma norma do artigo 272.º n.º 1 do Código de Processo Penal, quando interpretada nesse sentido - de que a escolha do momento próprio para a constituição de um suspeito como arguido cabe no poder discricionário ou mesmo arbitrário do MP -, por violação dos artigos 2.º, 17.º, 26.º, 27.º, 32.º e 219.º n.º 1 da Constituição da República Portuguesa.

C. Serem julgadas inconstitucionais as normas dos artigos 61.º, n.º 1, alínea b), do artigo 215.º, n.º 4, por remissão das alíneas b) e c) dos n.os 2 e 3 do artigo 276.º, e do artigo 272.º, n.º 1 do Código de Processo Penal quando interpretadas no sentido, seguido nas decisões citadas, de que, não obstante o inquérito correr já contra pessoas determinadas relativamente às quais o MP e o Senhor Juiz de Instrução consideravam haver fortes e fundadas suspeitas da prática de crimes, e de se mostrar conveniente ou necessário, ainda no entender do MP e do Senhor Juiz de Instrução, declarar a excecional complexidade do processo, a lei aplicável, nomeadamente, as mesmas não obrigavam a que esses suspeitos fossem constituídos arguidos e ouvidos como tal, acerca da matéria pertinente, previamente a essa declaração - por violação dos direitos e garantias de defesa e do principio do contraditório e dos artigos 2.º, 17.º, 26.º, 27.º, 32.º, n.º.s 1 e 5, e 219.º n.º 1 da Constituição da República Portuguesa, e o parágrafo 1.º do artigo 6.º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem.

D. Serem julgadas inconstitucionais as normas dos artigos 61.º, n.º 1, alínea b), 97.º, n.º 5, 215.º, n.º 4, 272.º, n.º 1 e as alíneas b) e c) dos n.os 2 e 3 do artigo 276.º do CPP quando interpretadas no sentido, seguido nas decisões citadas, de que a decisão de não proceder, previamente à declaração de excecional complexidade de um processo, à constituição e audição de arguido de pessoa determinada contra quem corra o inquérito e relativamente à qual existam fundadas suspeitas da prática de crime, reconhecidas designadamente pela autorização judicial de interceções telefónicas, não está subordinada ao dever geral de fundamentação das decisões judiciais, de que tal dever não impõe a explanação e especificação das respetivas razões de direito e dos motivos concretos de facto que a motivam e de que a mesma se basta com a mera invocação da estratégia ou interesses investigativos, nomeadamente pela genérica afirmação da necessidade de manter sigilo para evitar repercussão económica e social e a frustração da descoberta da verdade material - por violação do dever de fundamentação consagrado no artigo 205.º, n.º 1 da CRP e das garantias de defesa e principio do contraditório consagrados no artigo 32.º, n.os 1 e 5 e na norma citada da Convenção Europeia dos Direitos do Homem.

E. Serem julgadas inconstitucionais as normas dos artigos 97.º, n.º 5, 120.º, n.º 2, alínea d), 379.º, n.º 1, alínea a) e 380.º, n.º 3 do Código de Processo Penal, se forem interpretadas no sentido, seguido nas decisões citadas, de que apenas as sentenças e não também os restantes atos decisórios previstos no citado artigo 97.º, estão protegidas da violação do dever de fundamentação pela sanção de nulidade - por violação do dever geral de fundamentação das decisões judiciais e dos direitos de defesa, incluindo o direito ao recurso, consagrados respetivamente nos artigos 205.º, n..º 1 e 32.º n.º 1 da Constituição da República Portuguesa.

F. Ser julgada inconstitucional a norma do artigo 410.º do Código de Processo Penal quando interpretada no sentido, acolhido nas decisões citadas, de excluir a possibilidade de ser apreciada e corrigida em recurso a violação do dever de fundamentação de despachos judiciais que declarem a excecional complexidade de um processo - por violação precisamente do direito ao recurso consagrado no citado artigo 32.º, n.º 1.

G. Ser julgada inconstitucional a norma do artigo 122.º do Código de Processo Penal quando interpretado no sentido, acolhido nas decisões citadas, de que a invalidade ou ineficácia em causa, decorrente da violação do disposto no artigo 215 n.º 4, e também do disposto nos artigos 172.º, n.º 1 e 61.º, n.º 1 do CPP, não seria impeditiva da produção de efeitos previstos nas alíneas b) e c) dos n.os 2 e 3 do artigo 176.º, porventura subjacente à decisão recorrida - por violação do artigo 32.º, n.os 1 e 5 da CRP.

H. Serem julgadas inconstitucionais as normas dos artigos 276.º, 204.º e 215.º do Código de Processo Penal quando interpretados no sentido, acolhido nas decisões citadas, de permitir justificar a prisão preventiva com base nos fundamentos previstos na alínea b) do artigo 204.º, fá-las-á enfermar de inconstitucionalidade por violação do disposto no artigo 28.º n.º 2 da CRP, que deve ser interpretado no sentido de se referir também aos prazos máximos de inquérito fixados por lei.

I. Ser julgada inconstitucional, por violação da reserva de juiz e do dever de fundamentação das decisões judiciais, consagrados nos artigos 32.º, n.º 4, e 205.º, n.º 1, da Constituição da República), a norma do n.º 4 do artigo 97.º do CPP, na interpretação acolhida nas decisões citadas, segundo a qual a fundamentação dos atos decisórios do juiz, quando disponham sobre matérias atinentes aos direitos fundamentais, designadamente quanto aos prazos máximos de prisão preventiva, pode ser feita por remissão para a promoção do Ministério Público.

J. Ser julgada inconstitucional, pelas mesmas razões, a norma do n.º 4 do artigo 215.º do CPP, quando interpretada no sentido acolhido nas decisões citadas de que o despacho que declara a excecional complexidade pode ser fundamentado por remissão para a promoção do Ministério Público ou por mera transcrição ou reprodução dessa promoção.

K. Ser julgado inconstitucional o próprio regime de declaração de excecional complexidade de um processo e as normas que o regulam e preveem, nomeadamente as dos artigos 215.º n.os 3 e 4 e as das alíneas b) e c) do n.º 2 e do n.º 3 do artigo 276.º do Código de Processo Penal, quando interpretadas no sentido acolhido nas decisões citadas, de admitir que a declaração de excecional complexidade pode ser proferida ou mantida em recurso, com efeitos sobre o prazo de inquérito e de prisão preventiva, que amplia, sem a consideração e apreciação concreta dos factos objeto do processo, pelo menos de um núcleo mínimo de factos que permitam compreender o que está em causa e assim ajuizar de forma prudente daquela mesma complexidade - por violação do disposto no artigo 20.º n.º 4, no artigo 28.º e no artigo 32.º n.os 1 e 8 da Constituição.

L. E ainda, e pelas mesmas razões, quando interpretadas no sentido de admitir que o Ministério Público aporte para os autos de recurso novas informações e meios de prova e outros elementos após a resposta e o parecer previstos em tais normas sem que tais informações, meios de prova e outros elementos, ou pelo menos, nos casos excecionalmente previstos na lei, a iniciativa de junção aos autos de tais informações, meios de prova e outros elementos tenha sido notificados ao recorrente antes da decisão do recurso.

[...]".

1.7.1 - Neste Tribunal foi o recorrente notificado para alegar e para se pronunciar sobre a possibilidade de não conhecimento do recurso relativamente às questões enunciadas nos pontos F e G (cf. transcrição constante do item anterior), por se tratar de interpretações não integrando a ratio decidendi do acórdão recorrido.

1.7.2 - Apresentou o arguido ora recorrente as suas alegações e, relativamente à questão prévia do não conhecimento do recurso quanto às questões enunciados nos pontos F e G, veio reconhecer que [...] tais interpretações foram invocadas no Acórdão recorrido, mas de forma subsidiária - sendo outras, em rigor, as primeiras razões invocadas para as pertinentes decisões", abandonando, pois, tais questões e, bem assim, a enunciada no ponto E do seu requerimento de recurso.

1.7.3 - Paralelamente, a rematar as alegações formulou o recorrente as seguintes conclusões:

"[...]

A. Deverá ser julgada ilegal, por violação das normas dos artigos 2.º, alíneas a) e b), e 3.º da Lei Quadro da Politica Criminal (LQPC) e dos artigos 1.º e 2.º n.º 1 do Estatuto do Ministério Público (Lei 47/86) (EMP), que se deverão considerar para estes efeitos lei de valor reforçado, a norma do artigo 272.º n.º 1 do Código de Processo Penal (CPP) quando interpretado no sentido, que parece resultar das decisões citadas, de que as estratégias investigativas se não subordinam à lei, maxime ao Código de Processo Penal e de que a escolha do momento próprio para a constituição de um suspeito como arguido cabe no poder discricionário ou mesmo arbitrário do MP.

B. Deverá ser julgada inconstitucional essa mesma norma do artigo 272.º n.º 1 do CPP, quando interpretada nesse sentido - de que a escolha do momento próprio para a constituição de um suspeito como arguido cabe no poder discricionário ou mesmo arbitrário do MP -, por violação dos artigos 2.º, 17.º, 26.º, 27.º, 32.º e 219.º n.º 1 da Constituição da República Portuguesa (CRP).

C. Deverão ser julgadas inconstitucionais as normas dos artigos 61.º n.º 1 alínea b), do artigo 215.º n.º 4 por remissão das alíneas b) e c) dos n.os 2 e 3 do artigo 276.º, e do artigo 272.º n.º 1 do CPP quando interpretadas no sentido, seguido nas decisões citadas, de que, não obstante o inquérito correr já contra pessoas determinadas relativamente às quais o MP e o Senhor Juiz de Instrução consideravam haver fortes e fundadas suspeitas da prática de crimes, e de se mostrar conveniente ou necessário, ainda no entender do MP e do Senhor Juiz de Instrução, declarar a excecional complexidade do processo, a lei aplicável, nomeadamente, as mesmas não obrigavam a que esses suspeitos fossem constituídos arguidos e ouvidos como tal, acerca da matéria pertinente, previamente a essa declaração - por violação dos direitos e garantias de defesa e do principio do contraditório e dos artigos 2.º, 17.º, 26.º, 27.º, 32.º n.os 1 e 5, e 219.º n.º 1 da CRP, e o parágrafo 1.º do artigo 6.º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem (CEDH).

D. Deverão ser julgadas inconstitucionais as normas dos artigos 61.º n.º 1 alínea b), 97 n.º 5, 215 n.º 4, 272 n.º 1 e as alíneas b) e c) dos n.os 2 e 3 do artigo 276 do CPP quando interpretadas no sentido, seguido nas decisões citadas, de que a decisão de não proceder, previamente à declaração de excecional complexidade de um processo, à constituição e audição de arguido de pessoa determinada contra quem corra o inquérito e relativamente à qual existam fundadas suspeitas da prática de crime, reconhecidas designadamente pela autorização judicial de interceções telefónicas, não está subordinada ao dever geral de fundamentação das decisões judiciais, de que tal dever não impõe a explanação e especificação das respetivas razões de direito e dos motivos concretos de facto que a motivam e de que a mesma se basta com a mera invocação da estratégia ou interesses investigativos, nomeadamente pela genérica afirmação da necessidade de manter sigilo para evitar repercussão económica e social e a frustração da descoberta da verdade material - por violação do dever de fundamentação consagrado no artigo 205 n.º 1 da CRP e das garantias de defesa e principio do contraditório consagrados no artigo 32 n.os 1 e 5 e na norma citada da CEDH.

E. Deverão ser julgadas inconstitucionais as normas dos artigos 276, 204 e 215 do CPP quando interpretados no sentido, acolhido nas decisões citadas, de permitir justificar a prisão preventiva com base nos fundamentos previstos na alínea b) do artigo 204, fá-las-á enfermar de inconstitucionalidade por violação do disposto no artigo 28 n.º 2 da CRP, que deve ser interpretado no sentido de se referir também aos prazos máximos de inquérito fixados por lei.

F. Deverá ser julgada inconstitucional, por violação da reserva de juiz e do dever de fundamentação das decisões judiciais, consagrados nos artigos 32, n.º 4, e 205, n.º 1, da CRP), as normas do n.º 4 do artigo 97.º do CPP, na interpretação acolhida nas decisões citadas, segundo a qual a fundamentação dos atos decisórios do juiz, quando disponham sobre matérias atinentes aos direitos fundamentais, designadamente quanto aos prazos máximos de prisão preventiva, pode ser feita por remissão para a promoção do Ministério Público.

G. Deverá ser julgada inconstitucional, pelas mesmas razões, a norma do n.º 4 do artigo 215 do CPP, quando interpretada no sentido acolhido nas decisões citadas de que o despacho que declara a excecional complexidade pode ser fundamentado por remissão para a promoção do Ministério Público ou por mera transcrição ou reprodução dessa promoção.

H. Deverão ser julgados inconstitucionais o próprio regime de declaração de excecional complexidade de um processo e as normas que o regulam e preveem, nomeadamente as dos artigos 215.º n.os 3 e 4 e as das alíneas b) e c) do n.º 2 e do n.º 3 do artigo 276.º do CPP, quando interpretadas no sentido acolhido nas decisões citadas, de admitir que a declaração de excecional complexidade pode ser proferida ou mantida em recurso, com efeitos sobre o prazo de inquérito e de prisão preventiva, que amplia, sem a consideração e apreciação concreta dos factos objeto do processo, pelo menos de um núcleo mínimo de factos que permitam compreender o que está em causa e assim ajuizar de forma prudente daquela mesma complexidade - por violação do disposto no artigo 20.º n.º 4, no artigo 28.º e no artigo 32.º n.os 1 e 8 da Constituição.

I. Deverão ser julgados inconstitucionais o próprio regime de recursos e as normas que o regulam, nomeadamente as citadas dos artigos 413.º e 417.º do Código de Processo Penal, deverão ser julgadas inconstitucionais - por violação do disposto no artigo 20.º n.º 4 e no artigo 32.º n.os 1, 5 e 8 da Constituição, designadamente do direito um processo equitativo e ao contraditório - quando interpretadas no sentido de admitir que o Ministério Público aporte para os autos de recurso novas informações e meios de prova e outros elementos após a resposta e o parecer previstos em tais normas sem que tais informações, meios de prova e outros elementos, ou pelo menos, nos casos excecionalmente previstos na lei, a iniciativa de junção aos autos de tais informações, meios de prova e outros elementos tenha sido notificados ao recorrente antes da decisão do recurso.

[...]".

1.7.4 - O Ministério Público, por sua vez, contra-alegou, concluindo o seguinte:

"[...]

1 - Questões "A" e "B":

1.1 - Para além de não terem natureza normativa as 'interpretações' que vêm questionadas, não foram aplicadas pela decisão recorrida, não devendo, pois, conhecer-se do recurso, nesta parte.

1.2 - Cabe ao Ministério Público o exercício da ação penal (artigo 219.º, n.º 1, da Constituição) e a direção do inquérito (artigo 263.º do CPP).

1.3 - Tendo em atenção as finalidades e âmbito do inquérito (artigo 262.º do CPP), fora dos casos legalmente previstos, é o Ministério Público que, agindo com respeito pelo princípio da legalidade, cabe, "determinar o momento em que alguém deve ser constituído arguido, no quadro da estratégia defendida em concreto para o inquérito".

1.4 - Assim, as normas, tal como foram interpretadas e aplicadas na decisão recorrida, não violam os artigos 2.º, 17.º, 26.º, 27.º, 32.º e 219.º, n.º 1 da Constituição.

2 - Questões "C" e "D":

2.1 - As questões tal como identificadas, não têm natureza normativa, não podendo constituir objeto idóneo do recurso de constitucionalidade.

2.2 - Não existe consonância entre o objeto do recurso, tal como identificado pelo recorrente, e a base normativa aplicada na decisão recorrida, como ratio decidendi.

2.3 - Não deve, consequentemente, conhecer-se do recurso, nesta parte.

2.4 - A interpretação dos artigos 215.º, n.º 4, e 276.º, n.º 2, alínea c), do CPP, perfilhada no acórdão recorrido, segundo a qual não havendo, no inquérito, arguidos constituídos no momento da declaração, pelo Juiz de Instrução Criminal, da excecional complexidade, deve tal decisão ser notificada quando da constituição como arguido, para que, após o exercício do contraditório, seja proferida decisão - naturalmente recorrível - a confirmar, ou não, a anterior, não viola qualquer princípio constitucional.

2.5 - Com esse procedimento, consegue-se um equilíbrio constitucionalmente aceitável, entre "os valores de justiça prosseguidos pela investigação" e o direito de defesa do arguido.

3 - Questão "E":

3.1 - Não vem enunciada adequadamente uma questão de inconstitucionalidade, reportada à dimensão normativa efetivamente aplicada na decisão recorrida.

3.2 - De qualquer forma o conhecimento da questão não se revestiria de utilidade processual tendo em atenção que o recurso de constitucionalidade tem natureza instrumental.

3.3 - Assim, também nesta parte, não deve conhecer-se do objeto do recurso.

4 - Questões "F" e "G":

4.1 - As interpretações identificadas não constituem ratio decidendi do acórdão recorrido, pelo que não deverá conhecer-se do recurso, nesta parte.

4.2 - Como não foram especificamente apresentadas alegações quanto a estas duas questões, sempre o recurso deveria ser julgado deserto.

5 - Questão "H":

5.1 - A decisão recorrida, não aplicou, nem poderia ter aplicado, a norma identificada.

5.2 - Com efeito, a declaração de excecional complexidade que alarga os prazos de inquérito tem repercussão apenas no quantum da prisão preventiva, sendo para essa decisão irrelevantes os fundamentos que determinaram a sua aplicação.

5.3 - Só as decisões que apliquem ou mantenham, como medida de coação, a prisão preventiva com base naquele fundamento, podem aplicar, como ratio decidendi, a norma em causa.

5.4 - Não deve, pois, nesta parte, conhecer-se do objeto do recurso.

6 - Questões "I" e "J":

6.1 - A normado artigo 97.º n.º 4, do CPP, na interpretação segundo a qual a fundamentação dos atos decisórios do juiz, quando disponham sobre matérias atinentes aos direitos fundamentais, designadamente aquela que declara a excecional complexidade do processo, pode ser feita por remissão para a promoção do Ministério Público não por violação da reserva de juiz e do dever de fundamentar, garantidos pelos artigos 32.º, n.º 4, e 205.º, n.º 1, da Constituição.

6.2 - O Tribunal Constitucional, numa jurisprudência uniforme, tem entendido que não viola o dever de fundamentação constitucionalmente consagrada (artigo 205.º, n.º 1 da Constituição), a possibilidade de o despacho que determinou a prisão preventiva ser fundamentado por remissão para a promoção do Ministério Público.

6.3 - Não inconstitucionalidade que na situação dos autos, em que está em causa a decisão que qualificou o processo como de excecional complexidade, é evidente porque a promoção do Ministério Público mostrava-se pormenorizada e desenvolvida e a transcrição e remissão não foi por mera adesão e acrítica, ficando assim criadas todas as condições para que o recorrente pudesse impugnar amplamente a decisão e a Relação pudesse reapreciá-la, plenamente, como ocorreu.

7 - Questão "K":

7.1 - Como nãofoi cumprido o ónus da suscitação prévia, falta esse requisito de admissibilidade do recurso.

7.2 - Não sendo identificada de forma clara e concreta a inconstitucionalidade de uma norma ou interpretação, mas antes do "próprio regime de declaração de excecional complexidade", estamos perante objeto inidóneo do recurso.

7.3 - O afirmado na enunciação da questão não encontrava respaldo na decisão recorrida, pelo que, não se verificando estes três requisitos de admissibilidade, não deverá conhecer-se do objeto do recurso.

8 - Questão "L":

8.1 - Considerando-se como decisão recorrida a proferida pela Relação de Lisboa que negou provimento ao recurso, ali não foi aplicada a "norma" questionada.

8.2 - Considerando como decisão recorrida aquela que indeferiu a reclamação por nulidade, nela também não se faz a aplicação da norma, tal como foi identificada, quer no requerimento de interposição do recurso, quer na reclamação por nulidades.

8.3 - Circunstâncias relevantes e essenciais que, necessariamente, teriam de moldar ou refletir-se na dimensão normativa, estão ausentes da "interpretação" cuja inconstitucionalidade se questiona.

[...]" (sublinhados no original).

1.7.5 - O Recorrente foi notificado para, "[...] em cinco dias, se pronunciar, querendo, quanto às questões prévias novas abordadas pelo Ministério Público nas respetivas contra-alegações", correspondendo estas "tão-somente às identificadas nas conclusões dessa peça como «Questões "A" e "B"», «Questões "C" e "D"», «Questão "E"», «Questão "H"», «Questão "K"» e "Questão "L"»" (cf. despacho de fls. 1390). Findo o prazo que lhe foi fixado, o Recorrente nada veio dizer.

II - Fundamentação

2 - Caracterizado o desenvolvimento do processo-base - um inquérito crime -, no qual a presente instância de recurso de constitucionalidade interlocutório nos aparece, importa apreciar a impugnação visada pelo Recorrente em tal quadro, sendo que o âmbito objetivo dessa impugnação corresponde tematicamente ao rol das questões que o Recorrente apresenta, elencando-as de "A." a "L." no requerimento de interposição indicado no item 1.7., supra.

Note-se que, das doze questões de inconstitucionalidade indicadas no requerimento de interposição de recurso, o Recorrente abandonou três delas nas alegações (as que havia indicado, ao interpor o recurso, nos pontos "E.", "F." e "G."). Quanto a estas três questões, não apresentou alegações, admitindo não se ter tratado, relativamente a qualquer delas, de norma correspondente à ratio decidendi da decisão recorrida (cf. supra, ponto 1.7.2.). Assim, atenta a mencionada restrição voluntária do objeto do recurso pelo Recorrente, o Tribunal apreciará, unicamente, as questões suscitadas nos pontos "A.", "B.", "C.", "D.", "H.", "I.", "J.", "K." e "L." do requerimento de interposição de recurso (tendo por referência a ordenação - de "A." a "L." - do respetivo requerimento de interposição, e não a diferente ordenação apresentada em conclusão das alegações produzidas neste Tribunal de "A." a "I.").

2.1 - Preambularmente, com interesse para a generalidade das questões suscitadas pelo Recorrente, importa ter presente a circunstância de o recurso de fiscalização concreta de constitucionalidade - o tipo de recurso aqui em causa - assumir caráter incidental, enxertando-se na dinâmica de um processo pré-existente, visando solucionar neste âmbito questões de constitucionalidade surgidas como incidências relevantes, no sentido de serem aptas a moldar o percurso ou o resultado desse processo.

Ademais, no que constitui um traço distintivo central do nosso sistema de controlo judicial da constitucionalidade, o qual não conhece (não prevê) a espécie processual noutros sistemas designada como amparo ou recurso de queixa constitucional, as questões de constitucionalidade colocadas têm de assumir, necessariamente, natureza normativa, devendo expressar-se numa afirmação, sustentada em ambiente processual, de desconformidade de determinada(s) norma(s) com regras ou princípios constitucionais, no sentido em que o texto constitucional confere, no artigo 204.º, acesso a todos os juízes à Constituição - afirmando que, "[n]os feitos submetidos a julgamento não podem os tribunais aplicar normas que infrinjam o disposto na Constituição ou os princípios nela consignados" -, e também no sentido em que o texto constitucional legitima o recurso de constitucionalidade, nas alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 280.º da CRP, pela existência de uma decisão judicial de recusa de aplicação de qualquer norma com fundamento na sua inconstitucionalidade (alínea a), ou por uma decisão judicial que aplique uma norma cuja inconstitucionalidade haja sido suscitada durante o processo (alínea b).

Todavia, o conceito de «norma» pressuposto pelo Tribunal Constitucional, para efeitos de acesso à sua jurisdição, concretamente em sede de fiscalização concreta, não deixa de aceitar como objeto idóneo de fiscalização o elemento dinâmico referente à atuação de uma norma em ambiente processual. Trata-se da realidade que usualmente é referida na jurisprudência deste Tribunal, desde o Acórdão 55/85 (este, e todos os outros adiante mencionados, disponíveis no sítio do Tribunal em www.tribunalconstitucional.pt), como respeitando ao específico sentido interpretativo que na decisão recorrida tenha sido conferido a uma concreta norma, sempre que tal sentido possa ser destacado do próprio ato de julgamento, como "[...] critério normativo da decisão, sobre uma regra abstratamente enunciada e vocacionada para uma aplicação potencialmente genérica [...]" (Carlos Lopes do Rego, Os Recursos de Fiscalização Concreta na Lei e na Jurisprudência do Tribunal Constitucional, Coimbra, 2010, p. 32).

Não vale, porém, como «norma», neste sentido dinâmico - e não legitima, pois, o recurso de constitucionalidade, conduzindo a uma decisão de não conhecimento -, a referenciação como objeto do recurso da própria decisão judicial ou a descrição das simples vicissitudes processuais conducentes à decisão pretendida afastar (cf. Carlos Lopes do Rego, Os Recursos de Fiscalização Concreta..., cit., p. 33). É assim que (e a citação afigura-se-nos particularmente adequada a várias incidências do caso concreto):

"[...]

[Q]uando se pretenda questionar a constitucionalidade de uma dada interpretação normativa, é indispensável que a parte identifique expressamente essa interpretação ou dimensão normativa, em termos de o Tribunal, no caso de a vir julgar inconstitucional, a poder enunciar na decisão, de modo a que os respetivos destinatários e os operadores do direito em geral fiquem a saber que essa norma não pode ser aplicada com tal sentido [...].

Não é, deste modo, como vem reiteradamente decidindo o Tribunal Constitucional, forma idónea e adequada de suscitar uma questão de inconstitucionalidade normativa a simples invocação de que seria inconstitucional um vasto e heterogéneo conjunto de preceitos legais 'quando aplicados ao caso dos autos'; ou certa ou certas normas legais 'na interpretação que a decisão das instâncias lhes conferiu', não suficientemente definida ou precisada pelo recorrente [...], cabendo à parte que pretende suscitar adequadamente uma questão de inconstitucionalidade normativa o ónus de especificar qual é, no seu entendimento, o concreto sentido com que tal norma ou normas foram realmente tomadas no caso concreto pela decisão que se pretende impugnar perante o Tribunal Constitucional, delimitando e definindo adequadamente o objeto do recurso.

Não basta, porém, que a parte tenha, de um ponto de vista formal, equacionado uma questão de inconstitucionalidade de normas [...], já que [...] importa prevenir os casos de 'abuso' ou 'ficção' do conceito de 'interpretação normativa', apenas com o objetivo de forjar artificialmente uma 'norma' sindicável pelo Tribunal Constitucional.

É, aliás, percetível que, em numerosos recursos, - embora sob a capa formal da invocação da inconstitucionalidade de certo preceito legal 'tal como foi aplicado pela decisão recorrida' - o que realmente se pretende controverter é a concreta e casuística valoração pelo julgador das múltiplas e específicas circunstâncias do caso sub juditio, censurando, por exemplo, [...] a estrita qualificação jurídica dos factos relevantes para a aplicação do direito ordinário (Acórdão 301/02) [...].

[...]" (Carlos Lopes do Rego, ob. cit., pp. 33/35).

É com esta base - aplicando o sentido de norma ou de interpretação normativa acabado de caracterizar como sendo o relevante, no quadro da legitimação de um recurso de constitucionalidade -, é com esta base, dizíamos, que este Tribunal apreciará de seguida as questões - qualifiquemo-las por ora assim - apresentadas pelo Recorrente à consideração do Tribunal, no requerimento de interposição do recurso e, posteriormente, na motivação deste, sendo que esta apreciação, não estando o Tribunal vinculado pela admissão do recurso na instância recorrida (artigo 76.º, n.º 3 da LTC), incidirá, antes de mais, sobre essa admissibilidade, por via dos múltiplos objetos deste, construídos e apresentados pelo Recorrente.

Seguiremos, pois, na subsequente exposição, como dissemos no final do item 2., supra, o elenco de questões colocadas pelo Recorrente no requerimento de interposição do recurso.

Questões sob os pontos "A." e "B" do requerimento de interposição de recurso

2.2 - O Recorrente começou por suscitar as seguintes duas questões (pretensões):

"[...]

A. Ser julgada ilegal, por violação das normas dos artigos 2.º, alíneas a) e b), e 3.º da Lei-quadro da Politica Criminal e dos artigos 1.º e 2.º n.º 1 do Estatuto do Ministério Público (Lei 47/86), que se deverão considerar para estes efeitos lei de valor reforçado, o entendimento que parece resultar das decisões citadas, no sentido de que as estratégias investigativas se não subordinam à lei, maxime ao Código de Processo Penal, e a interpretação que ali parece feita do disposto no artigo 272.º n.º 1 do mesmo diploma, no sentido de que a escolha do momento próprio para a constituição de um suspeito como arguido cabe no poder discricionário ou mesmo arbitrário do MP.

B. Ser julgada inconstitucional essa mesma norma do artigo 272.º n.º 1 do Código de Processo Penal, quando interpretada nesse sentido - de que a escolha do momento próprio para a constituição de um suspeito como arguido cabe no poder discricionário ou mesmo arbitrário do MP -, por violação dos artigos 2.º, 17.º, 26.º, 27.º, 32.º e 219.º n.º 1 da Constituição da República Portuguesa.

[...]".

Ambos os pontos repousam sobre uma mesma ideia básica: expressar a discordância relativamente ao momento em que o Recorrente foi constituído arguido (assinalámos esse momento no item 1.2.1., supra). No entanto, sob essa única divergência encontram-se projeções que importa aqui diferenciar.

2.2.1 - A primeira questão colocada - sob a alínea "A." - é de ilegalidade, não de inconstitucionalidade, correspondendo, pois - corresponderia à primeira vista - , à previsão da alínea f) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC, e não à previsão da alínea b) do mesmo preceito, nos termos da qual vem interposto o recurso (circunstância que, todavia, não impediria este Tribunal de operar a convolação para a alínea/pressuposto adequado).

De todo o modo, a ilegalidade a que se refere a alínea f), à semelhança do que ocorre com a alínea c) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC, deve ser entendida com um sentido específico de relação entre atos legislativos de diferente valor, circunstância que o Tribunal vem realçando - cf., inter alia, a Decisão Sumária n.º 306/09, disponível na página web do Tribunal Constitucional, www.tribunalconstitucional.pt/:

"[...]

[P]ressupõe uma relação de parametricidade entre uma norma de um ato legislativo de valor reforçado e uma norma de um ato legislativo de valor ordinário ou comum. A competência do Tribunal Constitucional para apreciar da ilegalidade, em sentido próprio, apenas abrange tal contradição entre normas de ato legislativo, de distinto valor hierárquico.

[...]".

Ora, nos termos do n.º 3 do artigo 112.º, da CRP, têm valor reforçado, além das leis orgânicas, as leis que carecem de aprovação por maioria de dois terços, bem como aquelas que, por força da Constituição, sejam pressuposto normativo necessário de outras leis ou que por outras devam ser respeitadas. Não é o caso de qualquer dos Diplomas aqui chamados à colação pelo Recorrente.

A Lei-Quadro da Política Criminal (Lei 17/2006, de 23 de maio) foi aprovada nos termos da alínea c) do artigo 161.º da CRP, não estando, pois, sujeita à aprovação por maioria qualificada de dois terços. Não se trata de lei orgânica, já que nesses termos a não prevê a Constituição. Por outro lado, tratando-se de lei que visa enquadrar as leis sobre política criminal, cujas propostas são apresentadas pelo Governo à Assembleia da República (cf. o seu artigo 7.º), não configura, todavia, pressuposto normativo necessário de outras leis ou que por outras leis deva ser respeitada - e sublinha-se a asserção que se segue - por força da Constituição, como ocorre, por exemplo, com a lei de enquadramento orçamental (artigo 106.º, n.º 2 da CRP), com a lei-quadro das privatizações (artigo 293.º da CRP), com as leis de adaptação do sistema fiscal às especificidades regionais (artigo 227.º, alínea i) da CRP), com as leis-quadro das regiões administrativas (artigos 255.º e 256.º da CRP), com as leis das grandes opções dos planos face aos planos nacionais (artigo 91.º da CRP), com a lei das finanças regionais (artigo 227.º, alínea j) da CRP) e com a lei das finanças locais (artigos 165.º e 238.º, n.º 2 da CRP) (cf. Gomes Canotilho, Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, vol. II, 4.ª ed., Coimbra, 2010, pág. 56/57).

Pois bem, só o valor reforçado de uma lei que for resultante de previsão constitucional pode gerar a ilegalidade a que se referem os artigos 280.º, n.º 2, alíneas a) e d) da CRP e 70.º, n.º 1, alíneas c) e f) da LCT. Como, a este respeito, salientam Jorge Miranda e Rui Medeiros (Constituição Portuguesa Anotada, Tomo II, Coimbra, 2006, p. 271):

"[...]

Na medida em que a força específica de uma lei de valor reforçado decorre de normas constitucionais, a sua infração envolve inconstitucionalidade. Mas trata-se de inconstitucionalidade indireta - tal como a contradição entre lei interna e tratado ou entre regulamento e lei. Quer dizer: a lei contrária a lei de valor reforçado vem a ser inconstitucional, não porque ofenda uma norma constitucional de fundo, de competência ou de forma, mas porque agride uma norma interposta constitucionalmente garantida.

E, precisamente, o critério para se reconhecer se uma lei é reforçada ou não está em saber se se verifica ou não tal ocorrência; está em saber se a inconstitucionalidade surge imediatamente ou se é consequência da ilegalidade. E é esse o critério adotado pela Constituição, ao distinguir, nos artigos 280.º, 281.º e 282.º, inconstitucionalidade e ilegalidade.

[...]".

Deste modo, uma eventual infração ao disposto na Lei-Quadro da Política Criminal, mesmo referenciada a uma norma em determinada interpretação, em termos aptos a fundar um recurso para o Tribunal Constitucional, não poderia configurar, em caso algum, questão de ilegalidade no sentido em causa na alínea f) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC.

Idêntica conclusão vale para o Estatuto do Ministério Público (Lei 47/86, de 15 de outubro, republicada pela Lei 60/98, de 27 de agosto, e sucessivamente alterada pelas leis 42/2005, de 29 de agosto, 67/2007, de 31 de dezembro, 52/2008, de 28 de agosto, 37/2009, de 20 de julho, 55-A/2010, de 31 de dezembro e 9/2011, de 12 de abril) - que o Recorrente igualmente pretende apresentar como lei de valor reforçado. Trata-se este de um diploma aprovado nos termos da alínea c) do artigo 161.º e da alínea p) do artigo 165.º da Constituição, não se encontrando previsto como lei orgânica na CRP (artigo 166.º, n.º 2 da CRP). Sucede que a qualificação jurídico-constitucionalmente relevante de "lei orgânica" se encontra sujeita a um princípio de tipicidade (Acórdão 709/97). A sua designação pode, assim, induzir em erro, como justamente observam Gomes Canotilho e Vital Moreira (ob. cit., p. 58):

"[...]

A designação de leis orgânicas não é muito feliz, dado que estabelece equivocidade com as leis com o mesmo nome que entre nós regulam tradicionalmente a organização de certas entidades ou serviços (por ex., lei orgânica do Ministério Público, lei orgânica da Polícia Judiciária), mas que no mais são leis comuns, sem nenhum valor qualificado."[Note-se, aliás, que a designada 'lei orgânica do Ministério Público" foi republicada pela Lei 60/98, de 27 de agosto, passando a denominar-se "Estatuto do Ministério Público"]

[...]".

Conclui-se, pois, que qualquer hipotética infração ao disposto do Estatuto do Ministério Público não poderia configurar, em caso algum, questão de ilegalidade que competisse ao Tribunal Constitucional apreciar, por força das alíneas c) e f) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC.

Assim, não se conhecerá do objeto do recurso relativamente à questão suscitada sob o ponto "A." do requerimento de interposição do recurso.

2.2.2 - A segunda questão colocada - sob a alínea "B." - pretende suscitar a inconstitucionalidade "da norma do artigo 272.º, n.º 1 do Código de Processo Penal, quando interpretada [no] sentido de que a escolha do momento próprio para a constituição de um suspeito como arguido cabe no poder discricionário ou mesmo arbitrário do MP".

A norma em causa tem o seguinte teor:

Artigo 272.º

Primeiro interrogatório e comunicação ao arguido

1 - Correndo inquérito contra pessoa determinada em relação à qual haja suspeita fundada da prática de crime é obrigatório interrogá-la como arguido, salvo se não for possível notificá-la.

Importa ter presente o modo como a decisão recorrida interpretou e aplicou esta disposição. Ali se escreveu (fls. 1051/1054 do processo, fls. 77/80 do Acórdão):

"[...]

Em determinado tipo de crime, o Estado age oficiosamente: não necessita da participação, ou do impulso particular, para que se desencadeie todo o processo de investigação, com vista a determinar quem foram os agentes e a decisão de os submeter ou não a julgamento, competindo o exercício da ação penal ao Ministério Público. E nisto se traduz o princípio da oficialidade, o caráter público da promoção processual, sendo o princípio da legalidade que domina o processo penal português, quer de um ponto de vista legal - arts. 262.º, n.º 2 e 283.º do CPP - quer de um ponto de vista constitucional - artigo 219.º da CRP, do qual resulta no seu n.º 1 'Ao Ministério Público compete [...] exercer a ação penal orientada pelo princípio da legalidade [...]'.

[...]

E estabelece o artigo 272.º, n.º 1, do CPP a obrigatoriedade de se proceder a interrogatório de arguido nos inquéritos que correm contra pessoa determinada em relação à qual haja fundada suspeita da prática de um crime, dispondo o artigo 58.º, n.º 1 do mesmo diploma legal que, correndo inquérito contra pessoa determinada em relação à qual haja suspeita fundada da prática de crime, é obrigatória a constituição de arguido logo que aquela prestar declarações perante qualquer autoridade judiciária ou órgão de polícia criminal.

Da leitura destes normativos resulta, assim, também a obrigatoriedade de no inquérito se interrogar como arguido pessoa contra a qual haja fundada suspeita da prática de um crime. Apesar da imposição daquela obrigatoriedade, nada de concreto se dispõe, porém, sobre o momento preciso em que haja de ocorrer esse interrogatório. Indispensável é que ele se verifique durante o inquérito (cf. acórdão de fixação de jurisprudência 1/2006, de 23-11-2005).

Mas, 'a injunção legal de interrogatório de pessoa determinada contra quem corre o inquérito dirige-se à entidade estadual que dirige o inquérito mas não compreende uma diretriz sobre o tempo do interrogatório do suspeito que deve ser decidido no quadro da estratégia definida em concreto para o inquérito como atividade. Isto é não se encontra consagrada uma prescrição legal que obrigue ao imediato interrogatório de pessoa determinada contra quem corre o inquérito' (cf. Dá Mesquita, Direção do Inquérito Penal e Garantia Judiciária, pp. 105-106).

Fundamental é que a constituição de arguido obedeça à já acima referida lógica nuclear de chamada a juízo de alguém contra quem se mostram reunidos pressupostos que a colocam numa posição que demanda pelo menos a possibilidade do exercício de defesa, de acordo com as previsões identificadas nos artigos 57.º a 59.º do CPP, sendo que a definição desse momento se enquadra nos poderes de discricionariedade técnica pertencentes ao titular do inquérito.

Ora, aquando da constituição do Recorrente como arguido, o inquérito ainda não se mostrava findo, como não se mostrava findo até ao momento em que foi interposto o presente recurso. E sendo assim, não obstante o inquérito se ter iniciado em julho de 2013, imperioso será concluir que o facto de o Recorrente não ter sido constituído arguido anteriormente a 21 de novembro de 2014, decorrente da estratégia de investigação adotada pelo titular da ação penal, não configura qualquer ilegalidade nem integra qualquer nulidade tipificada no CPP, designadamente as previstas no artigo 119.º/c) ou no artigo 120.º/2/d) do CPP, ao invés do que é invocado pelo Recorrente, não havendo preterição dos direitos de defesa e da equidade no processo.

[...]".

Do n.º 1 do artigo 272.º do CPP resulta que o interrogatório da pessoa relativamente à qual exista suspeita fundada de um crime constitui ato obrigatório do inquérito, salvo em caso de impossibilidade de notificação.

Trata-se de norma que não dispõe sobre o momento da constituição de arguido, prevendo apenas a sua realização. Recuperando a evolução do preceito, cumpre recordar que, na versão original do Código, inexistia regra paralela, que veio a ser consagrada pela Lei 59/98, de 25 de agosto nos termos seguintes: "[c]orrendo inquérito contra pessoa determinada é obrigatório interrogá-la como arguido. Cessa a obrigatoriedade quando não for possível a notificação". Só com a Lei 48/2007, de 29 de agosto, adquiriu o artigo 272.º, n.º 1 a sua redação atual, aditando-se a exigência de uma "[...] suspeita fundada da prática de crime [...]" para que o interrogatório de alguém como arguido adquira o estatuto de ato obrigatório. A ratioda alteração da lei em 2007 foi a de evitar a constituição e o interrogatório como arguido em caso de notícias de crime infundadas (cf. Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do Código de Processo Penal à luz da Constituição da República e da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, 2.ª edição, Lisboa, 2008, p. 707, e Código de Processo Penal anotado pelos Magistrados do Ministério Público do Distrito Judicial do Porto, Coimbra, 2009, p. 685).

As normas que dispõem sobre os momentos legalmente vinculados da constituição como arguido são as dos artigos 57.º a 59.º do CPP. Aliás, respondendo às mesmas preocupações que presidiram à alteração do artigo 272.º, a Lei 48/2007, de 29 de agosto, alterou também a alínea a) do n.º 1 do artigo 58.º do CPP, de forma que, onde se previa que "[é] obrigatória a constituição de arguido logo que, correndo inquérito contra pessoa determinada, esta prestar declarações perante qualquer autoridade judiciária ou órgão de polícia criminal", passou a prever-se que "[é] obrigatória a constituição de arguido logo que, correndo inquérito contra pessoa determinada em relação à qual haja suspeita fundada da prática de crime, esta prestar declarações perante qualquer autoridade judiciária ou órgão de polícia criminal" (sublinhado ausente no original).

Do exposto retiramos, pois, um diferente posicionamento, na dinâmica processual penal, quanto à constituição dos suspeitos como arguidos, do artigo 272.º do CPP, por um lado, e dos artigos 57.º a 59.º do mesmo diploma, por outro. Daquele primeiro - assumindo sempre a presença de fundadas suspeitas - resulta que o ato em causa é obrigatório na fase de inquérito; dos demais resultam os específicos momentos, ao longo do processo, em que aquela obrigatoriedade também se materializa.

Esta cisão está clara e perfeitamente presente na decisão recorrida, como resulta do excerto acima transcrito, ao referir em primeiro lugar o disposto no artigo 272.º do CPP, para depois se centrar nos artigos 57.º a 59.º do mesmo Diploma. Só a propósito destes se refere a margem de discricionariedade (e nunca o mero "arbítrio", como sugere o Recorrente, extravasando de qualquer afirmação do Tribunal a quo) do Ministério Público na definição do momento da constituição como arguido: "[f]undamental é que a constituição de arguido obedeça à já acima referida lógica nuclear de chamada a juízo de alguém contra quem se mostram reunidos pressupostos que a colocam numa posição que demanda pelo menos a possibilidade do exercício de defesa, de acordo com as previsões identificadas nos artigos 57.º a 59.º do CPP, sendo que a definição desse momento se enquadra nos poderes de discricionariedade técnica pertencentes ao titular do inquérito" (ênfase acrescentado).

Assim, não foi o artigo 272.º do CPP que constituiu a ratio decidendi da verificação de conformidade do ato de constituição do Recorrente como arguido, quanto ao momento em que ocorreu, mas sim os artigos 57.º a 59.º, mais concretamente o artigo 58.º Isto porque, a existir de um modo relevante (o que não é o caso, como se verá), a questão colocada não se reconduziria ao artigo 272.º do CPP, mas sim ao artigo 58.º do mesmo diploma, na medida em que este não prevê, como momento obrigatório de constituição do suspeito como arguido, para além dos ali elencados, o da simples verificação de suspeitas fundadas. Para além de não se tratar de uma norma (mas de uma ausência de norma), certo é que não se trata daquela que - na sua voluntária delimitação temática do recurso - o Recorrente indicou no respetivo requerimento.

O exposto (em suma, a desconformidade entre a norma da questão suscitada e a que constituiu a ratio decidendi da decisão que se pretende afastar) bastaria - recuperando as considerações iniciais que supra se teceram quanto às condições a que deve obedecer o recurso de inconstitucionalidade (item 2.1., supra) - para não conhecer o objeto do recurso, quanto à suscitação aqui em causa.

2.2.2.1 - Acresce, todavia - uma vez mais reiterando tais considerações iniciais - que tal questão não apresenta a imprescindível dimensão normativa, essencial ao conhecimento de um recurso de constitucionalidade.

Na verdade, a sua apreciação, reconduzindo-se apenas às incidências do caso concreto, remeteria o Tribunal para o conhecimento de questões de interpretação e aplicação da lei infraconstitucional (designadamente, quanto ao conceito de "fundadas suspeitas" e a sua verificação ou incidência no caso concreto) e, acima de tudo, não permitiria que a decisão se circunscrevesse à interpretação de uma norma com potencialidade de generalização a outros casos. Ora - e na linha do sentido geral do recurso de inconstitucionalidade, já traçado em 2.1., supra -, a necessária dimensão normativa do recurso de constitucionalidade, mesmo no "alargamento" a uma concreta dimensão interpretativa de uma norma (que este Tribunal, como dissemos, formulou pela primeira vez no Acórdão 55/85), "[...] obsta a que o recurso possa reportar-se a uma casuística e concreta valoração de circunstâncias próprias e específicas de um caso concreto, ao concreto juízo aplicativo, expresso no acerto lógico-jurídico da subsunção do caso em apreço, conexionado indissoluvelmente com os factos apurados, com a ocorrência de certas vicissitudes processuais específicas; ou, bem assim, com o resultado da adoção de critérios de conveniência ou oportunidade na dirimição judicial do caso ou com o controlo do processo interpretativo seguido pelo Tribunal a quo [...]" (Carlos Lopes do Rego, Os Recursos de Fiscalização Concreta..., cit., p. 107).

O Recorrente não apresenta - e o Tribunal não consegue construir, a partir das suas alegações e, em bom rigor, não conseguiria sequer construir a partir do processo - uma dimensão normativa com suficiente autonomia do (e identidade bastante com) o caso dos autos, sendo certo que, nas palavras do Acórdão 58/2014 (dando como reproduzida decisão sumária anterior e na linha de um entendimento absolutamente pacífico do Tribunal):

"[...]

[F]ace à inexistência, no nosso ordenamento jurídico, da figura do 'recurso de amparo' ou da ação constitucional para defesa de direitos fundamentais, na apreciação de alegadas inconstitucionalidades, apenas normas ou interpretações normativas suscetíveis de generalização podem constituir objeto idóneo do recurso de constitucionalidade em sede de fiscalização concreta.

[...]" (ênfase acrescentado).

As alegações do Recorrente constituem, aliás, exemplo impressivo da apontada falta de dimensão normativa da questão suscitada (cf. páginas 9 e 10 das alegações), na medida em que delas se encontra praticamente omissa uma referência de inconstitucionalidade, desenvolvendo-se a argumentação pelo caminho enumeração das circunstâncias particulares do caso, irrepetíveis e irreproduzíveis num julgamento de fiscalização concreta nos termos da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC.

Não se conhecerá, pois, do objeto do recurso relativamente às questões suscitadas em "A." e "B." do respetivo requerimento de interposição.

Questão sob o ponto "C." do requerimento de interposição de recurso

2.3 - O Recorrente suscita, adicionalmente, neste ponto "C", a questão que enuncia nos termos seguintes:

"[...]

C. Serem julgadas inconstitucionais as normas dos artigos 61.º, n.º 1, alínea b), do artigo 215.º, n.º 4, por remissão das alíneas b) e c) dos n.os 2 e 3 do artigo 276.º, e do artigo 272.º, n.º 1 do Código de Processo Penal quando interpretadas no sentido, seguido nas decisões citadas, de que, não obstante o inquérito correr já contra pessoas determinadas relativamente às quais o MP e o Senhor Juiz de Instrução consideravam haver fortes e fundadas suspeitas da prática de crimes, e de se mostrar conveniente ou necessário, ainda no entender do MP e do Senhor Juiz de Instrução, declarar a excecional complexidade do processo, a lei aplicável, nomeadamente, as mesmas não obrigavam a que esses suspeitos fossem constituídos arguidos e ouvidos como tal, acerca da matéria pertinente, previamente a essa declaração - por violação dos direitos e garantias de defesa e do principio do contraditório e dos artigos 2.º, 17.º, 26.º, 27.º, 32.º, n.º.s 1 e 5, e 219.º n.º 1 da Constituição da República Portuguesa, e o parágrafo 1.º do artigo 6.º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem.

[...]".

2.3.1 - A questão colocada desenvolve-se em dois planos, pondo em causa - numa indisfarçável redundância relativamente às questões anteriormente equacionadas - o momento da constituição do Recorrente como arguido, agora por referência à decisão de declarar a excecional complexidade do processo, por referência à circunstância de tal declaração ter assentado em decisão tomada no processo, pelo Senhor Juiz de Instrução (a promoção do Ministério Público) sem que essa constituição (como arguido) ocorresse.

Em geral, quanto ao momento da constituição de arguido, valem - e damo-las aqui por reproduzidas - as razões supra expostas ao longo de todo o item 2.2.. A recolocação do problema no confronto da decisão de declarar a excecional complexidade do processo não altera a sua substância: continua a ser questionado o quando da constituição do suspeito como arguido - com as fragilidades já apontadas - agora por referência ao momento da prática de um determinado ato processual.

Importa notar, ainda assim, que são unicamente as incidências do caso concreto que guiam a argumentação do Recorrente. No caso, a apreciação da questão reconduziria o Tribunal à (re)apreciação do juízo feito pelas instâncias relativamente à verificação de indícios e suspeitas, aos respetivos fundamentos, coerência e densificação em determinado momento do processo, juízo sem o qual se não poderia compreender a decisão, para nela isolar uma certa interpretação normativa. Tratar-se-ia, em suma, de fixar uma parte da matéria de facto atinente à maior ou menor complexidade de um processo no Tribunal Constitucional, o que excede o âmbito desta jurisdição.

A dimensão normativa apontada é meramente aparente, não conseguindo autonomizar-se das circunstâncias particulares do caso concreto.

Não se conhecerá, pois, do objeto do recurso relativamente à questão suscitada em "C." do respetivo requerimento de interposição.

Questões sob os pontos "D." e "K." do requerimento de interposição de recurso

2.4 - O Recorrente suscita, ainda, as seguintes questões:

"[...]

D. Serem julgadas inconstitucionais as normas dos artigos 61.º, n.º 1, alínea b), 97.º, n.º 5, 215.º, n.º 4, 272.º, n.º 1 e as alíneas b) e c) dos n.os 2 e 3 do artigo 276.º do CPP quando interpretadas no sentido, seguido nas decisões citadas, de que a decisão de não proceder, previamente à declaração de excecional complexidade de um processo, à constituição e audição de arguido de pessoa determinada contra quem corra o inquérito e relativamente à qual existam fundadas suspeitas da prática de crime, reconhecidas designadamente pela autorização judicial de interceções telefónicas, não está subordinada ao dever geral de fundamentação das decisões judiciais, de que tal dever não impõe a explanação e especificação das respetivas razões de direito e dos motivos concretos de facto que a motivam e de que a mesma se basta com a mera invocação da estratégia ou interesses investigativos, nomeadamente pela genérica afirmação da necessidade de manter sigilo para evitar repercussão económica e social e a frustração da descoberta da verdade material - por violação do dever de fundamentação consagrado no artigo 205.º, n.º 1 da CRP e das garantias de defesa e principio do contraditório consagrados no artigo 32.º, n.os 1 e 5 e na norma citada da Convenção Europeia dos Direitos do Homem.

[...]

K. Ser julgado inconstitucional o próprio regime de declaração de excecional complexidade de um processo e as normas que o regulam e preveem, nomeadamente as dos artigos 215.º n.os 3 e 4 e as das alíneas b) e c) do n.º 2 e do n.º 3 do artigo 276.º do Código de Processo Penal, quando interpretadas no sentido acolhido nas decisões citadas, de admitir que a declaração de excecional complexidade pode ser proferida ou mantida em recurso, com efeitos sobre o prazo de inquérito e de prisão preventiva, que amplia, sem a consideração e apreciação concreta dos factos objeto do processo, pelo menos de um núcleo mínimo de factos que permitam compreender o que está em causa e assim ajuizar de forma prudente daquela mesma complexidade - por violação do disposto no artigo 20.º n.º 4, no artigo 28.º e no artigo 32.º n.os 1 e 8 da Constituição.

[...]".

2.4.1 - Sob um único ponto ("D.") apresentam-se duas questões substancialmente diversas.

Na primeira parte, o Recorrente questiona a decisão de não o constituir arguido, por (supostamente) se ter considerado não estar sujeita ao dever de fundamentação ["[...] quando interpretadas no sentido, seguido nas decisões citadas, de que a decisão de não proceder, previamente à declaração de excecional complexidade de um processo, à constituição e audição de arguido de pessoa determinada contra quem corra o inquérito e relativamente à qual existam fundadas suspeitas da prática de crime, reconhecidas designadamente pela autorização judicial de interceções telefónicas, não está subordinada ao dever geral de fundamentação das decisões judiciais" (sublinhado acrescentado)].

Na segunda parte, questiona-se algo absolutamente diverso e, até certo ponto, contraditório: o conteúdo do dever de fundamentação ["[...] quando interpretadas no sentido, seguido nas decisões citadas, de que [...] tal dever [de fundamentação]não impõe a explanação e especificação das respetivas razões de direito e dos motivos concretos de facto que a motivam e de que a mesma se basta com a mera invocação da estratégia ou interesses investigativos, nomeadamente pela genérica afirmação da necessidade de manter sigilo para evitar repercussão económica e social e a frustração da descoberta da verdade material"].

A contradição lógica é patente: a decisão recorrida só pode ter considerado que a "decisão de não constituição como arguido" não está sujeita ao dever de fundamentação, ou que está sujeita a esse dever, caso em que pode ser questionado o modo como o mesmo foi entendido. A divergência é, todavia, bem mais profunda, como a leitura das alegações acaba por ilustrar, porque, na segunda parte, o Recorrente não se refere já à (suposta) decisão de não o constituir como arguido, mas sim à fundamentação da decisão de declarar a excecional complexidade do processo.

Importa, pois, analisar separadamente cada um dos segmentos.

2.4.1.1 - No primeiro segmento do ponto "D.", nos termos em que o Recorrente coloca o problema, não se encontra uma questão de que o Tribunal possa conhecer.

Desde logo, lido o ponto "5." das alegações do Recorrente (o qual corresponde a essa questão "D."), não se encontra colocada nenhuma questão substancial quanto à (suposta) decisão de não o constituir como arguido, pelo que, em bom rigor, o recurso estaria deserto, nesta parte (as conclusões podem restringir o âmbito do recurso - artigo 635.º, n. 4 do Código de Processo Civil -, não podem, todavia, ampliar esse objeto).

Por outro lado, não se trata de qualquer decisão jurisdicional. Não há, no processo - tanto quanto os autos nos documentam - uma "decisão" de não constituir o Recorrente como arguido, mas sim uma decisão (necessariamente do Ministério Público, em fase de inquérito, e não do juiz de instrução - cf., a propósito, o disposto no artigo 58.º, n.º 2 e n.º 3 do CPP) de constituição do Recorrente como arguido. Faltaria, pois, de todo o modo, uma decisão (positiva) de aplicação de determinada norma jurídica, por referência à qual se pudesse pôr em causa uma dimensão normativa, fixada pela interpretação e com um mínimo de vocação de abstração, relativa ao dever de fundamentação.

Daí que, nesta parte, não seja de conhecer o objeto do recurso.

2.4.1.2 - No segundo segmento do ponto "D.", questiona-se um (também suposto) entendimento, na decisão recorrida, de que o cumprimento do dever de fundamentação da declaração de excecional complexidade do processo "[...] se basta[ria] com a mera invocação da estratégia ou interesses investigativos, nomeadamente pela genérica afirmação da necessidade de manter sigilo para evitar repercussão económica e social e a frustração da descoberta da verdade material".

Antes de mais, é de apontar o caráter marcadamente conclusivo das afirmações do Recorrente quanto à circunstância de as afirmações feitas na fundamentação serem "genéricas".

De todo o modo, o sentido da decisão recorrida não é aquele que o Recorrente invoca. Na verdade, a fundamentação daquela decisão não se limita às invocadas referências "genéricas", nem ali se afirma serem elas bastantes, antes se realizando uma verdadeira apreciação fundamentada da verificação concreta dos requisitos da declaração de excecional complexidade do processo, como resulta dos seguintes excertos da decisão recorrida:

"[...]

Ora, ao invés do que defende o recorrente, não ocorre, no caso, a omissão do dever de fundamentação porquanto o despacho em crise contém as razões de facto e de direito que suportam a decisão, que é fundamentada, legal e faticamente, e esclarecedora das premissas da mesma, explicitando em termos lógicos a razão pela qual o Tribunal decidiu nos termos plasmados no despacho recorrido, cumprindo, cabalmente, tal dever, o qual, tratando-se de decisão interlocutória, não tem paralelo com o que é exigível na sentença, que a final conhece do mérito.

[...]

No caso em apreço está em causa a investigação de crimes de fraude fiscal, branqueamento de capitais e corrupção, sendo densa a matéria factual constante dos autos, traduzindo-se em plúrimos atos.

Suscitam-se questões complexas e morosas, desde logo, e atentando nos elementos constantes deste Apenso, resultantes das circunstâncias, como referido na promoção para que remete o despacho recorrido, dos factos em causa se traduzirem "na utilização de dezenas de sociedades para a circulação de fundos", com "dispersão de entidades, a que acresce a dimensão internacional da origem dos fundos e a repetição dos factos ao longo do tempo, por mais de três anos", para além de diligências de índole técnica, designadamente no que tange à análise e perícia a diversa documentação financeira e contabilística, diligências essas, por norma, complexas e morosas, sendo certo que não é a perícia ou a sua realização que justificam, sem mais, a declaração de excecional complexidade, havendo que atentar, sim, no processo em que é ordenada, os factos a que se refere e a apreciação do seu resultado, esses sim suscetíveis de apresentar elevado grau de dificuldade, e, por essa via, fundamentar também a declaração de excecional complexidade, que depende, também, da configuração complexa dos factos que a perícia se destina a esclarecer.

Os autos - já com milhares de páginas - evidenciam a vasta dimensão do processo, a extensão das diligências investigatórias já realizadas e das que ainda estão em curso, avultando a essencialidade para o caso do prosseguimento de diligências no sentido de reconstituição de circuitos financeiros, com variada e abundante documentação destinada a estabelecer esses circuitos, e audição de pessoas conexas aos mesmos, algumas das quais ausentes do país, bem como a análise de cartas rogatórias expedidas, defrontando a investigação particulares dificuldades no seu desenvolvimento também por se encontrar dependente de cooperação judiciária internacional.

E é sabido que com a expedição de cartas rogatórias para a realização de diligências processuais, a tempestividade no cumprimento das mesmas não pode ser gerida, ou condicionada, pelas autoridades judiciárias portuguesas.

Com efeito, os autos espelham a dimensão transnacional dos indícios, o que acarreta que a despistagem e confirmação dos mesmos por forma a apurar-se a sua extensão torna necessárias diligências cuja realização não é compatível com os prazos normais do inquérito.

Existe, por conseguinte, grande dificuldade em concretizar a investigação de forma célere, ocorrendo a necessidade de apurar os factos através de um complexo de diligências de prova a decorrer, com vista a que o Ministério Público possa ficar habilitado a cumprir os objetivos da investigação, de descoberta da verdade material, em ordem à formulação fundamentada de uma decisão final do inquérito.

A extensão e complexidade das diligências, realizadas e em curso, determina uma maior dilação na decisão final do inquérito, estando presentes, no caso, as razões subjacentes à norma do artigo 215.º, n.º 3, do C.P. Penal: atender a casos especiais de processos onde se manifestem problemas que demandem uma maior disponibilidade de meios por parte dos serviços da justiça, com a consequente dilação dos prazos, designadamente os de prisão preventiva.

A excecional complexidade do procedimento decorre, como se referiu e resulta da decisão recorrida, das dificuldades de investigação do processo, encontrando fundamento na factualidade objetiva invocada na promoção a requerer a declaração de excecional complexidade, no despacho recorrido e plasmada nos elementos recolhidos na análise dos autos.

Neste quadro, face ao supra exposto, entendemos justificar-se, no caso, a declaração de excecional complexidade do procedimento.

[...]".

Ponderando estas observações, que aqui repetimos por encerrarem o entendimento do Tribunal a quo sobre o dever de fundamentação da declaração de especial complexidade, forçoso é concluir que a decisão recorrida não acolheu qualquer noção minimalista do dever de fundamentação da opção processual aqui em causa, ou seja, que a dimensão normativa constante do requerimento de interposição do recurso não corresponde à - aliás, até falseia a... - ratio decidendi adotada na decisão recorrida.

2.4.2 - A apreciação efetuada no anterior item (2.4.1.) vale, mutatis mutandis, relativamente à questão suscitada em "K.". Ali se afirma que a declaração de excecional complexidade do processo foi mantida "[...] sem a consideração e apreciação concreta dos factos objeto do processo, pelo menos de um núcleo mínimo de factos que permitam compreender o que está em causa e assim ajuizar de forma prudente daquela mesma complexidade".

Tal afirmação é vincadamente conclusiva, não assentando em quaisquer premissas objetivas que o processo evidencie. Para apreciá-la, o Tribunal teria que (re)interpretar e (re)apreciar as normas da lei ordinária relativas à declaração de excecional complexidade do processo, o que se traduziria numa mera reapreciação do mérito dessa declaração, incidência que compete às instâncias.

Acresce que se trata, uma vez mais, de refletir na construção de um objeto para o recurso, arvorando-as à categoria de "norma", as concretas e irrepetíveis vicissitudes do caso concreto numa suposta (e, por isso, aparente) dimensão normativa construída ad hoc, no propósito indisfarçado de alcançar a todo custo uma aparência de objeto apto a abrir a via do recurso de constitucionalidade.

Por fim, e à semelhança do que se concluiu relativamente ao segundo segmento do ponto "D." do requerimento de interposição do recurso, ainda que a questão colocada revestisse algo aparentado a uma dimensão normativa, não foi esse, manifestamente, o sentido da decisão recorrida, como os excertos transcritos em 2.4.1.2., supra, confirmam, pelo que se verificaria uma manifesta incongruência entre a interpretação normativa suscitada no recurso e aquela que constituiu a ratio decidendi da decisão recorrida.

Não se conhecerá, pois, do objeto do recurso relativamente às questões suscitadas em "D." e "K." do respetivo requerimento de interposição.

Questão sob o ponto "H." do requerimento de interposição de recurso

2.5 - Identificada como "H.", suscita o Recorrente, ainda, a seguinte questão:

"[...]

H. Serem julgadas inconstitucionais as normas dos artigos 276.º, 204.º e 215.º do Código de Processo Penal quando interpretados no sentido, acolhido nas decisões citadas, de permitir justificar a prisão preventiva com base nos fundamentos previstos na alínea b) do artigo 204.º, fá-las-á enfermar de inconstitucionalidade por violação do disposto no artigo 28.º n.º 2 da CRP, que deve ser interpretado no sentido de se referir também aos prazos máximos de inquérito fixados por lei.

[...]".

2.5.1 - A questão em causa reconduz-se, no essencial, aos pontos "XX.", "YY.", "ZZ.", "AAA." e "BBB." das alegações do Recorrente para o Tribunal da Relação de Lisboa, com o seguinte teor:

"[...]

XX. [O prazo de duração máxima do inquérito] neste caso é de 8 meses e terminou em 31 de março último.

YY. Da fixação de prazos máximos de inquérito no artigo 276 do CPP resulta que a lei processual penal portuguesa não permite que, depois de esgotado o prazo de duração máxima do inquérito previsto na lei para o caso de haver arguidos presos, se justifique a prisão preventiva com base nos interesses, as necessidades ou as cautelas da investigação.

ZZ. Sendo certo que uma das hipóteses previstas como fundamento da aplicação de qualquer medida de coação, para além do termo de identidade e residência (TIR), é a verificação em concreto, no momento da aplicação de qualquer dessas medidas, do perigo de perturbação do decurso do inquérito (cf. alínea b) do artigo 204, a invocação dessa hipótese só pode justificar a necessidade da concreta medida de coação a aplicar, maxime da prisão preventiva, enquanto os prazos máximos de inquérito não se mostrarem excedidos.

AAA. Os prazos previstos no artigo 276 do CPP, na medida em que mostrando-se excedidos fazem caducar também a possibilidade do perigo de perturbação do inquérito como causa de aplicabilidade dessas medidas de coação, constituem também um limite à possibilidade de aplicar qualquer outra medida para além do TIR, com esse fundamento ou justificação.

BBB. Diferente interpretação de tal norma do artigo 276.º, e dos artigos 204.º e 215.º citados, nomeadamente no sentido de permitir justificar a prisão preventiva com base nos fundamentos previstos naquela alínea b) do artigo 204.º, fá-las-á enfermar de inconstitucionalidade por violação do disposto no artigo 28.º, n.º 2 da CRP, que deve ser interpretado no sentido de se referir também aos prazos máximos de inquérito fixados por lei.

[...]".

Disto resulta, em suma, que o Recorrente, afirmava, ali, que: (1) antes da sua constituição como arguido e da aplicação da medida de coação de prisão preventiva, já se mostravam esgotados os prazos máximos do inquérito previstos no artigo 276.º do CPP; (2) a prisão preventiva foi justificada nos termos da alínea b) do artigo 204.º do CPP, ou seja, em face do perigo de perturbação do decurso do inquérito; e (3) que o artigo 28.º, n.º 2 da CRP impõe que a prisão preventiva não possa justificar-se com aquele fundamento a partir do momento em que se encontrarem esgotados os prazos máximos de inquérito. É esta questão que corresponde à ora suscitada.

2.5.1.1 - A conexão destas questões com a definição do inquérito como de excecional complexidade (o que estava em causa no recurso para o Tribunal da Relação), é difícil de vislumbrar. Todavia, no acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa - porventura em excesso de pronúncia - apreciou-se a questão da contagem do prazo máximo do inquérito (fls. 1047 e 1077 a 1081), concluindo-se a tal propósito (fls. 1081) que, "[...] tendo o recorrente sido constituído arguido em 21 de novembro de 2014 (16 meses e 2 dias depois do início do inquérito), é inquestionável que tal ato ocorreu dentro do prazo de inquérito e, por conseguinte, do segredo de justiça".

Consequentemente, ficou precludida - e não foi apreciada pelo Tribunal da Relação de Lisboa - qualquer questão que tivesse como pressuposto o esgotamento dos prazos máximos do inquérito, designadamente a que constava das conclusões "XX.", "YY.", "ZZ.", "AAA." e "BBB." das alegações do Recorrente para aquele Tribunal. O ora Recorrente conformou-se, aliás, com tal entendimento, visto que, no seu requerimento de arguição de nulidades do acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, não fez constar a aludida questão.

Por outro lado, a contagem dos prazos máximos de inquérito reconduz-se - sempre se reconduzirá - à interpretação e aplicação do disposto no artigo 276.º do CPP, ou seja, trata-se de mera interpretação e aplicação da lei ordinária, não cumprindo ao Tribunal Constitucional sindicá-la. O mesmo é dizer que está definitivamente estabelecida no processo.

Do exposto resulta, pois, que não foi aplicada como ratio decidendi, pelo Tribunal da Relação de Lisboa, a norma invocada pelo Recorrente, na específica interpretação que consta do seu requerimento de interposição do recurso.

Não se conhecerá, assim, do objeto do recurso relativamente à questão suscitada em "H." do respetivo requerimento de interposição.

Questão sob o ponto "L." do requerimento de interposição de recurso

2.6 - Como ponto "L" - e continuamos na senda das questões elencadas no item 1.7., supra - , o Recorrente suscita, ainda, a seguinte questão:

"[...]

L. E ainda, e pelas mesmas razões [suscitadas em "K."], quando interpretadas no sentido de admitir que o Ministério Público aporte para os autos de recurso novas informações e meios de prova e outros elementos após a resposta e o parecer previstos em tais normas sem que tais informações, meios de prova e outros elementos, ou pelo menos, nos casos excecionalmente previstos na lei, a iniciativa de junção aos autos de tais informações, meios de prova e outros elementos tenha sido notificados ao Recorrente antes da decisão do recurso.

[...]".

2.6.1 - Reconduz-se esta questão à alegada interpretação e aplicação dos artigos 413.º e 417.º do CPP (embora a invocação das normas não tenha sido expressa no requerimento de interposição do recurso, seriam estas as relevantes, como o Recorrente veio a indicar nas suas alegações). A sua invocação tem por base ocorrências processuais alegadas pelo Recorrente no ponto 3. do seu requerimento de arguição de nulidades perante o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa (fls. 1178 a 1181). Ali alegou o ora Recorrente, em suma, que houve remessa de documentos aos autos pelo titular do inquérito, já em fase de recurso, dos quais não foi notificado para se poder pronunciar.

2.6.1.1 - Dos autos resulta, antes de mais, que o Tribunal da Relação de Lisboa não conheceu daquela questão. No seu acórdão de 16/07/2015, a propósito da mesma, decidiu-se indeferir o requerido com a seguinte fundamentação: "[...] não obstante alegar a nulidade do acórdão invocando a alínea b) do n.º 1 do artigo 379.º do CPP, que, [...], dispõe que é nula a sentença que 'condenar por factos diversos dos descritos na acusação ou na pronúncia, se a houver, fora dos casos e das condições previstos nos artigos 358.º e 359.º', certo é que o requerente não aponta ao Acórdão visado qualquer destes factos, sendo manifesto que no Acórdão proferido não se verificou o circunstancialismo previsto no referido normativo, pelo que invocá-lo não tem qualquer suporte"(fls. 1236 e ss.).

Não se prefigura, pois, uma questão de inconstitucionalidade especificamente apreciada que o Tribunal pudesse conhecer em sede de recurso.

Não obstante, certo é que o acórdão teve um primeiro relator que ficou vencido (fls. 1093 e 1094). Foi, algo paradoxalmente, o primitivo Relator que solicitou os elementos em causa (fls. 747) e os mesmos relevaram unicamente, depois, para fundamentar o seu (do primitivo Relator) voto de vencido (fls. 1135 a 1141), não tendo servido - direta ou indiretamente - como critério de decisão no acórdão que constitui a decisão recorrida. E o voto de vencido - qualquer voto de vencido - não constitui decisão de um tribunal, para efeito de integração do pressuposto correspondente de um recurso de constitucionalidade, no sentido do n.º 2 do artigo 280.º da CRP e do n.º 1 do artigo 70,º da LTC (cf. os Acórdãos n.os 464/94 e 137/2002).

Não pode, pois, extrair-se da decisão recorrida - do que aqui constitui a decisão recorrida - qualquer interpretação dos artigos 413.º e 417.º do CPP no sentido de admitir que o Ministério Público aporte para os autos de recurso novas informações e meios de prova e outros elementos, após a resposta e o parecer previstos em tais normas sem que tais informações, meios de prova e outros elementos, ou pelo menos, nos casos excecionalmente previstos na lei, a iniciativa de junção aos autos de tais informações, meios de prova e outros elementos tenha sido notificada ao recorrente antes da decisão do recurso. Ou seja, a dimensão normativa invocada não corresponde, parece-nos claro, à ratio decidendi da decisão recorrida.

Não se conhecerá, pois, do objeto do recurso relativamente à questão suscitada em "L." do requerimento de interposição.

Questões sob os pontos "I." e "J." do requerimento de interposição de recurso

2.7 - Estabelecido que todas as questões antecedentemente apreciadas neste acórdão não constituem, por diversos motivos, objetos idóneos de um recurso de constitucionalidade, resta-nos apreciar, finalmente, as questões colocadas sob os pontos "I." e "J." do requerimento de interposição do recurso. Foram estas enunciadas pelo Recorrente nos termos seguintes:

"[...]

I. Ser julgada inconstitucional, por violação da reserva de juiz e do dever de fundamentação das decisões judiciais, consagrados nos artigos 32.º, n.º 4, e 205.º, n.º 1, da Constituição da República), a norma do n.º 4 do artigo 97.º do CPP, na interpretação acolhida nas decisões citadas, segundo a qual a fundamentação dos atos decisórios do juiz, quando disponham sobre matérias atinentes aos direitos fundamentais, designadamente quanto aos prazos máximos de prisão preventiva, pode ser feita por remissão para a promoção do Ministério Público.

J. Ser julgada inconstitucional, pelas mesmas razões, a norma do n.º 4 do artigo 215.º do CPP, quando interpretada no sentido acolhido nas decisões citadas de que o despacho que declara a excecional complexidade pode ser fundamentado por remissão para a promoção do Ministério Público ou por mera transcrição ou reprodução dessa promoção.

[...]".

2.7.1 - Esta questão aqui suscitada pelo Recorrente - em suma, a conformidade à Constituição da fundamentação das decisões judiciais por remissão para anterior promoção do Ministério Público sobre a mesma questão - foi já apreciada por este Tribunal, que tem vindo a concluir que a interpretação segundo a qual a fundamentação pode utilizar como referencial expositivo a promoção do Ministério Público, de alguma forma aderindo a esta, não é, em si mesma, inconstitucional. Assim, no Acórdão 189/99, entendeu-se ser verdadeiramente decisivo que o contexto do processo revele que o juiz procedeu a uma "real, efetiva e aprofundada ponderação das questões suscitadas", ali se salientando que a proibição da fundamentação por remissão apenas ocorre quando esta, no contexto do processo, "for suscetível de, legitimamente, criar a dúvida sobre se [a decisão] é [...] pessoal do juiz ou apenas um 'ir atrás' do Ministério Público". A mesma posição foi retomada no Acórdão 396/2003, que, citando o anterior, fez notar que a remissão para fundamentos invocados na promoção do Ministério Público não impede que se trate de uma "[...] decisão pessoal do juiz, [...] cujos fundamentos são controláveis". Decorre, em suma, da jurisprudência citada que a opção de fundamentar por remissão não se revela, só por si, incompatível com a efetiva apreciação das questões suscitadas, nem com a sua adequada ponderação numa decisão própria do juiz, isto é, autónoma face à posição a que aderiu. Essencial é que essa remissão não esconda uma demissão da função decisória, com o que esta implica de reflexão pessoal e decisão própria.

Mais recentemente, no Acórdão 391/2015 - proferido no mesmo processo de inquérito que originou o presente recurso e tendo por base a mesma forma de fundamentação de decisões por remissão do mesmo juiz de instrução - apreciou-se novamente a questão, mantendo, no essencial, a linha traçada pela jurisprudência anterior, referindo-se o seguinte:

"[...]

A função de tutela preventiva dos direitos fundamentais que o Juiz de Instrução Criminal desempenha impõe seguramente que ele ajuíze, de forma crítica e autónoma, as razões de facto e de direito invocadas pelo Ministério Público para promover a medida de prisão preventiva. Na verdade, só uma decisão que resulte de uma ponderação própria dá conteúdo material efetivo à reserva de juiz.

A satisfação, em grau máximo, desta exigência, só se dá quando o juiz 'subjetiva' a fundamentação da prisão preventiva [a decisão que estava em causa neste Acórdão 391/2015], formulando, através de palavras suas, a convicção, que o determinou, de que qualquer outra das medidas de coação é inadequada e insuficiente. Quando assim é, fica patente aos olhos de todos, sem margem para qualquer dúvida, que estamos perante uma decisão pessoal do juiz, cujo conteúdo é da sua responsabilidade e não 'preformatado' pelo requerimento do Ministério Público. Como se deixou escrito no Acórdão 189/99 (acessível em www.tribunalconstitucional.pt): «[...] É óbvio que o despacho, que melhor espelha a responsabilização pessoal do juiz pela ordem de prisão que dá, é aquele em que o juiz enuncia, ele próprio, os motivos de facto da decisão tomada, em vez de se remeter para as razões invocadas pelo Ministério Público».

Mas a circunstância da fundamentação da decisão que coloca um arguido em prisão preventiva, proferida por um juiz, remeter para anterior promoção do Ministério Público, não permite, só por si, retirar a conclusão que ela não traduz uma opção livre, autónoma e independente do seu subscritor, uma vez que o quadro em que é feita a remissão pode revelar que a decisão tomada não deixou de ser o resultado duma ponderação própria. A adoção de tal técnica na exposição dos motivos que fundamentam a escolha dessa medida de coação pode significar que o seu autor considerou boas as razões que o Ministério Público invocou para fundamentar a sua proposta de decisão, pelo que as acolheu e fez suas, não tendo visto necessidade de recorrer a outras linhas de fundamentação ou de as expor em redação própria.

[...]

Só em concreto se poderá avaliar se a decisão proferida, neste ou em qualquer outro processo, pelo Juiz de Instrução Criminal é suscetível de originar dúvidas sobre se a mesma transmite um juízo autónomo e pessoal do seu subscritor ou representa um simples «'ir atrás' do Ministério Público» (Acórdão 189/99). E esse é um juízo que cabe exclusivamente às instâncias, não tendo o Tribunal Constitucional competência para o formular.

Quanto à observância do dever de fundamentação, o artigo 205.º da Constituição impõe que as decisões dos tribunais que não sejam de mero expediente devam ser fundamentadas na forma prevista na lei.

Como é consabido e tem sido referido em variados arestos deste Tribunal, o cumprimento do dever de fundamentação das decisões judiciais pode assumir, conforme os casos, uma certa geometria variável, sendo entregue ao legislador ordinário a tarefa de definir as formas e o grau de fundamentação exigível.

Relativamente às medidas de coação [da aplicação destas se tratou neste Acórdão 391/2015], com exceção do termo de identidade e residência, o artigo 194.º, n.º 6, do Código de Processo Penal, exige que a fundamentação do despacho que as aplique contenha, sob pena de nulidade:

'a) A descrição dos factos concretamente imputados ao arguido, incluindo, sempre que forem conhecidas, as circunstâncias de tempo, lugar e modo;

b) A enunciação dos elementos do processo que indiciam os factos imputados, sempre que a sua comunicação não puser gravemente em causa a investigação, impossibilitar a descoberta da verdade ou criar perigo para a vida, a integridade física ou psíquica ou a liberdade dos participantes processuais ou das vítimas do crime;

c) A qualificação jurídica dos factos imputados;

d) A referência aos factos concretos que preenchem os pressupostos de aplicação da medida, incluindo os previstos nos artigos 193.º e 204.º'.

Constitucionalmente é exigível que na fundamentação seja visível uma racionalização dos motivos da decisão, revelando-se aos sujeitos processuais e à comunidade o conhecimento das razões que subjazem ao concreto juízo decisório, devendo, para isso, a fundamentação revelar uma aptidão comunicativa na exteriorização das premissas que presidem à sua conclusão, assim como o respetivo juízo de valoração, de modo a transmitir, como condição de inteligibilidade, a intrínseca validade substancial do decidido. E numa decisão como a que decreta a prisão preventiva de uma pessoa, dado estar em causa a aplicação de uma medida que restringe de uma forma particularmente intensa o direito à liberdade do detido, a necessidade de observância daqueles requisitos faz-se sentir de uma forma mais intensa.

Contudo, tais exigências não ficam materialmente prejudicadas quando uma decisão que decrete a prisão preventiva, perante uma pronúncia anterior fundamentada sobre a questão a decidir emitida por um dos intervenientes processuais, designadamente o Ministério Público, remeta para as razões aí invocadas, subscrevendo um juízo que se considera totalmente adequado. Na verdade, nada impede que o resultado de uma avaliação crítica efetuada com total autonomia pelo julgador acabe por conduzir ao acolhimento integral dos argumentos explicitados previamente pelo Ministério Público, remetendo-se a fundamentação da decisão, por economia de meios, para aquela pronúncia, o que não deixa de permitir aos interessados e à comunidade o cabal conhecimento das razões determinantes do que se decidiu. Elas são as que foram avançadas pelo Ministério Público na sua promoção e que o juiz acolheu e declarou fazê-las suas, constituindo uma fundamentação cognoscível da decisão tomada.

E se é verdade que, estando em causa a aplicação de uma medida que restringe severamente o direito à liberdade, as exigências de explicitação da fundamentação são maiores, também é verdade que a necessidade dessa decisão ser proferida imediatamente ao termo do interrogatório do arguido e após audição dos intervenientes processuais, sem demoras nem hiatos que acarretem uma dilação desrazoável da decisão (vide Acórdão 135/2005, deste Tribunal, acessível em www.tribunalconstitucional.pt), justifica que se recorra a técnicas de fundamentação que privilegiem uma economia de meios.

Por estas razões é de manter a jurisprudência deste Tribunal no sentido de que não viola qualquer parâmetro constitucional, designadamente o princípio da reserva de juiz e o dever de fundamentação das decisões judiciais, a norma constante do artigo 97.º, n.º 5, do Código de Processo Penal, na interpretação segundo a qual a fundamentação da decisão que decreta a medida de prisão preventiva, pode ser feita por remissão para a promoção do Ministério Público, assim improcedendo este fundamento do recurso.

[...]" (sublinhados acrescentados).

2.7.1.1 - Não ocorrem neste caso motivos que destaquem a situação que nos é presente da que, nos seus pressupostos de facto, determinou a pronúncia do Tribunal Constitucional no referido Acórdão 391/2015, cujo teor, por isso mesmo, ora assumimos como precedente persuasivo.

Cumpre apenas assinalar três aspetos tributários de alguma singularidade do caso dos presentes autos.

Em primeiro lugar, a norma reputada de inconstitucional será, em qualquer dos casos, o n.º 5 (não o n.º 4) do artigo 97.º do CPP, por ser aquela, e não esta, a que prevê que os atos decisórios são sempre fundamentados, devendo ser especificados os motivos de facto e de direito da decisão, levando-se a indicação do n.º 4 à conta de lapso de escrita. Tal lapso resultou, aliás, corrigido implicitamente nas alegações do Recorrente, quer na indicação formal do preceito, quer no respetivo conteúdo, visto que se argumenta unicamente no plano do conteúdo do dever de fundamentação das decisões.

Em segundo lugar, deve notar-se que o Tribunal da Relação de Lisboa considerou a fundamentação suficientemente inteligível (fls. 1059 e 1060), apreciação que - como se referiu no citado Acórdão 391/2015, e vale aqui o argumento por identidade de razão - corresponde a uma competência das instâncias. De todo o modo, estando aqui em causa, quanto à questão da fundamentação da declaração de especial complexidade, no quadro dos desvalores que o Recorrente apontou no trecho processual relatado no item 1.4. supra, a conjugação de mais do que um despacho do juiz de instrução (o de 16/12/2014, item 1.4.2., supra e, antecedentemente, o de 04/07/2014, item 1.1., supra), cumpre assinalar que se observa, compaginando as duas posições, uma ponderação do caso concreto pelo decisor, da qual não emerge, desde logo pela convocação de argumentos mais desenvolvidos que os invocados na promoção de fls. 213/215 (cf. item 1., supra), a aposição pelo juiz de uma mera chancela de validação, não deixando de se manifestar, nessa conjugação, uma vontade decisória própria, ainda que coincidente com a argumentação do Ministério Público.

Por outro lado (em terceiro lugar), os fundamentos que conduzem ao juízo de não inconstitucionalidade da interpretação relativamente à fundamentação por remissão da decisão de aplicação da medida de coação de prisão preventiva - o que estava em causa no Acórdão 391/2015 - valem, também por identidade de razão, para concluir pela admissibilidade, face à Constituição, da fundamentação por remissão para a promoção do Ministério Público da decisão relativa aos prazos máximos de prisão preventiva e da decisão que declara a excecional complexidade do processo.

2.8 - Aqui chegados, apreciados que estão os fundamentos do recurso subsistentes após a produção das alegações pelo Recorrente (cf. o segundo parágrafo do item 2., supra, na caracterização do acervo de questões a apreciar no recurso), poderemos resumir o resultado final como correspondendo ao não conhecimento do recurso quanto aos pontos "A.", "B.", "C.", "D.", "K.", "H." e "L.", e, enfim, conhecimento dos fundamentos subjacentes aos pontos "I." e "J.", com um pronunciamento de conformidade constitucional das normas aí em causa na específica interpretação delineada.

É a este resultado que importa dar, enfim, expressão decisória.

III - Decisão

Em face do exposto, decide-se:

a) Não julgar inconstitucional a norma constante do artigo 97.º, n.º 5, do Código de Processo Penal, na interpretação segundo a qual a fundamentação da decisão relativa aos prazos máximos de prisão preventiva pode ser feita por remissão para a promoção do Ministério Público, desde que revele o exercício de uma ponderação própria pelo juiz;

b) não julgar inconstitucional a norma constante do artigo 97.º, n.º 5, do Código de Processo Penal, na interpretação segundo a qual a fundamentação da decisão quanto à excecional complexidade do processo pode ser feita por remissão para a promoção do Ministério Público, desde que revele o exercício de uma ponderação própria pelo juiz; e

c) não conhecer do recurso quanto às demais questões de inconstitucionalidade invocadas pelo Recorrente.

Custas pelo Recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 21 unidades de conta, ponderados os critérios referidos no artigo 9.º, n.º 1, do Decreto-Lei 303/98, de 7 de outubro (artigo 6.º, n.º 1, do mesmo diploma).

Lisboa, 15 de dezembro de 2015. - Teles Pereira - Maria de Fátima Mata-Mouros - João Pedro Caupers - Maria Lúcia Amaral - Joaquim de Sousa Ribeiro.

209374069

Anexos

  • Extracto do Diário da República original: https://dre.tretas.org/dre/2520250.dre.pdf .

Ligações deste documento

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  • Tem documento Em vigor 1982-11-15 - Lei 28/82 - Assembleia da República

    Aprova a organização, funcionamento e processo do Tribunal Constitucional - repete a publicação, inserindo agora a referenda ministerial.

  • Tem documento Em vigor 1986-09-26 - Lei 43/86 - Assembleia da República

    Autorização legislativa em matéria de processo penal.

  • Tem documento Em vigor 1986-10-15 - Lei 47/86 - Assembleia da República

    Aprova a orgânica do Ministério Público.

  • Tem documento Em vigor 1998-01-20 - Acórdão 709/97 - Tribunal Constitucional

    Não se prununcia pela inconstitucionalidade da norma constante do numero 2 do artigo 1º do decreto 190/VII, aprovado em 9 de Outubro de 1997 pela Assembleia da República, subordinado ao título «Lei de Criação das Regiões Administrativas»; Pronuncia-se pela inconstitucionalidade da norma constante do numero 3 do mesmo artigo 1º por violação dos artigos 255º e 256º da Constituição; Pronuncia-se pela inconstitucionalidade da norma constante do numero 1 do artigo 11º do citado decreto por violação do princípio (...)

  • Tem documento Em vigor 1998-08-25 - Lei 59/98 - Assembleia da República

    Altera o Código do Processo Penal, aprovado pelo Decreto-Lei 78/87 de 17 de Fevereiro, na redacção introduzida pelos Decretos-Leis 387-E/87, de 29 de Dezembro, 212/89, de 30 de Junho e 317/95, de 28 de Novembro. Republicado na integra, o referido código, com as alterações resultantes deste diploma.

  • Tem documento Em vigor 1998-08-27 - Lei 60/98 - Assembleia da República

    Altera a orgânica do Ministério Público, aprovada pela Lei nº 47/86 de 15 de Outubro passando a denominar-se Estatuto, e procede à sua republicação.

  • Tem documento Em vigor 1998-10-07 - Decreto-Lei 303/98 - Ministério da Justiça

    Dispõe sobre o regime de custas no Tribunal Constitucional.

  • Tem documento Em vigor 2005-08-29 - Lei 42/2005 - Assembleia da República

    Altera a Lei n.º 3/99, de 13 de Janeiro (Lei de Organização e Funcionamento dos Tribunais Judiciais) (terceira alteração), oitava alteração à Lei n.º 21/85, de 30 de Julho (Estatuto dos Magistrados Judiciais), quinta alteração à Lei n.º 47/86, de 15 de Outubro (Estatuto do Ministério Público), e quarta alteração ao Decreto-Lei n.º 343/99, de 26 de Agosto (Estatuto dos Funcionários de Justiça), diminuindo o período de férias judiciais no Verão.

  • Tem documento Em vigor 2006-05-23 - Lei 17/2006 - Assembleia da República

    Aprova a Lei Quadro da Política Criminal.

  • Tem documento Em vigor 2007-08-29 - Lei 48/2007 - Assembleia da República

    Altera (15.º alteração) e republica o Código de Processo Penal.

  • Tem documento Em vigor 2007-12-31 - Lei 67/2007 - Assembleia da República

    Aprova o regime da responsabilidade civil extracontratual do Estado e demais entidades públicas e altera (sexta alteração) o Estatuto do Ministério Público.

  • Tem documento Em vigor 2008-08-28 - Lei 52/2008 - Assembleia da República

    Aprova a Lei de Organização e Funcionamento dos Tribunais Judiciais. Altera o Código de Processo civil, aprovado pelo Decreto-Lei 44129 de 28 de Dezembro de 1961, bem como o Código de Processo Penal aprovado pelo Decreto-Lei 78/87 de 17 de Fevereiro, o Estatuto dos Magistrados Judiciais, aprovado pela Lei 21/85 de 30 de Julho, o Estatuto do Ministério Público aprovado pela Lei 47/86 de 15 de Outubro, o Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais, aprovado pela Lei 13/2002 de 19 de Fevereiro, o código d (...)

  • Tem documento Em vigor 2009-07-20 - Lei 37/2009 - Assembleia da República

    Procede à décima segunda alteração da Lei n.º 21/85, de 30 de Julho (Estatuto dos Magistrados Judiciais), e à oitava alteração da Lei n.º 47/86, de 15 de Outubro (Estatuto do Ministério Público), no sentido de conferir aos magistrados direito ao abono de ajudas de custo e de transporte para a frequência em acções de formação contínua.

  • Tem documento Em vigor 2010-12-31 - Lei 55-A/2010 - Assembleia da República

    Aprova o Orçamento do Estado para o ano de 2011. Aprova ainda o sistema de incentivos fiscais em investigação e desenvolvimento empresarial II (SIFIDE II) e o regime que cria a contribuição sobre o sector bancário.

  • Tem documento Em vigor 2011-04-12 - Lei 9/2011 - Assembleia da República

    Altera (décima quarta) alteração o Estatuto dos Magistrados Judiciais e altera (décima alteração) o Estatuto do Ministério Público, em matéria de aposentação, reforma e jubilação e de adaptação do regime de proibição de valorizações remuneratórias de 2011 ao sistema judiciário.

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