de 26 de Outubro
A delimitação do domínio público hídrico encontrava-se regulada nos artigos 10.º e 11.º do Decreto-Lei 468/71, de 5 de Novembro. A Lei 54/2005, de 15 de Novembro (Lei da Titularidade dos Recursos Hídricos), no seu artigo 17.º, veio reformular alguns aspectos do seu regime jurídico, atribuindo ao Ministério do Ambiente, do Ordenamento do Território e do Desenvolvimento Regional a iniciativa de promover a constituição de comissões de delimitação.Complementarmente, a Lei 58/2005, de 29 de Dezembro (Lei da Água), conferiu ao Instituto da Água (INAG), I. P., funções de autoridade nacional da água, unificando sob a sua égide os regimes jurídicos da protecção e gestão dos recursos hídricos que eram diferenciados consoante se tratasse de águas marítimas e não marítimas. O INAG, I. P., como organismo integrado no Ministério do Ambiente, do Ordenamento do Território e do Desenvolvimento Regional, deve assumir assim um papel dinamizador nos processos de delimitação dominial, que antes não estava consagrado, e alargar este processo a todos os recursos hídricos dominiais.
Por outro lado, cabe agora, aproveitando a experiência adquirida dos organismos e estruturas que intervêm no actual processo de delimitação dominial, aperfeiçoar o processo de delimitação, o qual tem por propósito fundamental clarificar, sob iniciativa pública, as condições do exercício do poder de gestão dos recursos hídricos do domínio público quando existam dúvidas fundadas quanto aos limites das áreas dominiais. Subsiste, em todo o caso, o processo de delimitação por iniciativa particular, o qual, refira-se, não substitui nem prejudica a possibilidade de os interessados obterem essa delimitação por via judicial. Por essa razão, a delimitação por iniciativa particular deve ser admitida na medida em que não prejudique o programa de delimitação de iniciativa pública.
Em face do exposto, é manifesta a necessidade de desenvolver e regulamentar o disposto no artigo 17.º da Lei 54/2005, de 15 de Novembro, conferindo ao processo de delimitação maior dinamismo e eficácia, de modo a garantir uma oportuna clarificação das situações, como condição para uma gestão eficiente dos recursos hídricos, públicos e privados.
Foram ouvidos os órgãos de governo próprio das Regiões Autónomas, a Associação Nacional de Municípios e a Associação Nacional de Freguesias.
Assim:
Nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 198.º da Constituição, o Governo decreta o seguinte:
Artigo 1.º
Objecto
O presente decreto-lei estabelece o regime a que fica sujeito o procedimento de delimitação do domínio público hídrico.
Artigo 2.º
Delimitação
1 - A delimitação do domínio público hídrico é o procedimento administrativo pelo qual é fixada a linha que define a estrema dos leitos e margens do domínio público hídrico confinantes com terrenos de outra natureza.2 - A abertura de um procedimento de delimitação apenas ocorre quando haja dúvidas fundadas na aplicação dos critérios legais à definição no terreno dos limites do domínio público hídrico, devendo ser tidos ainda em consideração os recursos disponíveis e o interesse público da delimitação.
Artigo 3.º
Iniciativa
1 - O procedimento de delimitação de iniciativa pública inicia-se sob impulso do Instituto da Água (INAG), I. P.2 - Pode ainda ser requerida a abertura de um procedimento de delimitação de iniciativa pública:
a) Pela Administração da Região Hidrográfica (ARH), I. P., com jurisdição na área em causa, ou do organismo regional com competência correspondente;
b) Pela autoridade marítima, na área da sua jurisdição;
c) Pelas entidades a quem for delegada competência para a gestão dos recursos hídricos envolvidos;
d) Pelas autarquias locais, quanto à delimitação dos leitos e margens dominiais de que são titulares ou cuja gestão asseguram.
3 - Os proprietários, públicos e privados, de terrenos nas áreas confinantes com o domínio público hídrico podem requerer ao INAG, I. P., a delimitação do domínio público com os seus imóveis, preenchendo para esse efeito o modelo fornecido pelo INAG, I. P., no seu sítio na Internet, instruído com os elementos a definir por portaria do membro do Governo responsável pela área do ambiente.
4 - A apresentação de requerimento para a abertura do procedimento de delimitação é objecto de publicitação mediante colocação de um aviso no sítio na Internet do INAG, I.
P.
5 - O processo de delimitação é preparado pelo INAG, I. P., cabendo-lhe inventariar e avaliar de forma preliminar as questões que condicionam a delimitação, podendo, nos casos a que se referem os n.os 2 e 3, notificar o requerente ou os proponentes para juntarem ao processo outros elementos e documentos julgados necessários.
6 - Na preparação do processo de delimitação, o INAG, I. P., pode solicitar a cooperação das autarquias locais afectadas, da ARH, I. P., do organismo regional com jurisdição na área ou das demais entidades com competência própria ou delegada para a gestão dos recursos hídricos em causa e da autoridade marítima no âmbito dos elementos ou informações técnicas de cariz oceânico ou hidrográfico.
Artigo 4.º
Constituição da comissão de delimitação
1 - O INAG, I. P., elabora uma proposta de constituição da comissão de delimitação no prazo de dois meses, com indicação de quem deve exercer a respectiva presidência, devendo ainda, para os efeitos do disposto no número seguinte, solicitar às entidades participantes e aos interessados a indicação prévia dos seus representantes no prazo de 15 dias.
2 - A comissão de delimitação integra, em função das particularidades reveladas pela situação em apreço:
a) Em posição maioritária, representantes do Ministério do Ambiente, do Ordenamento do Território e Desenvolvimento Regional, dos organismos e entidades dotadas de competência própria ou delegada para a gestão do domínio público hídrico envolvido, e ainda, consoante os casos, do Ministério da Defesa Nacional, quando esteja em causa o domínio público marítimo, e das autarquias locais afectadas;
b) Em posição minoritária, representantes dos titulares de direitos privados e públicos nas áreas confinantes com o domínio público hídrico.
3 - A constituição da comissão de delimitação realiza-se mediante portaria aprovada pelo membro do Governo responsável pela área do ambiente e:
a) Sempre que a comissão integre um representante do Ministério da Defesa Nacional, do membro do Governo responsável pela área da defesa nacional;
b) Sempre que a comissão integre um representante de uma autoridade portuária, do membro do Governo responsável pela área dos transportes;
c) Sempre que a comissão integre um representante de autarquias locais, do membro do Governo responsável pela área das autarquias locais.
Artigo 5.º
1 - Sempre que à comissão de delimitação se deparem questões de índole técnica ou jurídica que não esteja em condições de decidir, pode o seu presidente solicitar:a) Ao Ministro da Defesa Nacional, a emissão de parecer da Comissão de Domínio Público Marítimo, no caso de estar em causa a delimitação de domínio público marítimo;
b) Apoio jurídico, através de parecer ou a colaboração do delegado da Procuradoria-Geral da República da comarca onde se situem os terrenos a delimitar;
c) O necessário apoio técnico do INAG, I. P.
2 - Não sendo os pareceres emitidos no prazo de 45 dias ou sempre que se revele inviável obter os referidos pareceres em tempo útil, deve a comissão de delimitação promover, por outras vias ao seu dispor, o esclarecimento das questões pendentes.
Artigo 6.º
Apoio administrativo
O INAG, I. P., presta o necessário apoio administrativo às comissões de delimitação, suportando cada um dos organismos representados os encargos gerados pelo respectivo representante.
Artigo 7.º
Tramitação subsequente
1 - A comissão de delimitação realiza as diligências necessárias ao apuramento dos termos concretos da delimitação, colhendo novos elementos de prova, documentais ou testemunhais, mas sempre sem prejuízo da observância das disposições legais aplicáveis e das presunções nela estabelecidas.2 - A comissão de delimitação pode concluir os seus trabalhos propondo ao INAG, I.
P., o arquivamento do processo ou a homologação de um auto de delimitação de que constem as coordenadas dos vértices que definem a poligonal, ou poligonais se houver descontinuidade, que delimita o domínio público hídrico, sendo anexa a respectiva planta.
Artigo 8.º
Definição de procedimentos
A comissão de delimitação observa em tudo o mais os procedimentos que venham a ser definidos pelo INAG, I. P., ouvida a Comissão do Domínio Público Marítimo.
Artigo 9.º
Homologação e arquivamento
1 - A proposta de delimitação elaborada pela comissão de delimitação, instruída com parecer favorável do INAG, I. P., é submetida à homologação do Conselho de Ministros pelo membro do Governo responsável pela área do ambiente.2 - A homologação da proposta de delimitação é publicada no Diário da República e no sítio na Internet do INAG, I. P., devendo este organismo comunicar aos intervenientes e aos organismos consultados o termo do processo.
3 - Os procedimentos iniciados por iniciativa particular são arquivados sempre que os interessados tenham instaurado acção judicial com o mesmo objecto.
4 - O membro do Governo responsável pela área do ambiente pode determinar o arquivamento do procedimento quando se verifiquem razões que inviabilizem a conclusão da delimitação ou, no caso de procedimento de delimitação iniciado por interessado e sob proposta da comissão de delimitação ao INAG, I. P., sempre que o interessado ou o seu representante não prestem a colaboração adequada à rápida e eficiente conclusão dos trabalhos.
5 - O INAG, I. P., pode ainda determinar a todo o tempo o arquivamento antecipado do procedimento de delimitação com fundamento na existência de prioridades estabelecidas quanto ao interesse público em jogo, na indisponibilidade de meios ou na clarificação entretanto obtida.
6 - A decisão de arquivamento é objecto de notificação ao requerente do processo ou ao organismo que o propôs e deve ser publicitada no sítio na Internet do INAG, I. P.
Artigo 10.º
Efeito vinculativo
1 - A homologação da proposta de delimitação quando publicada no Diário da República é vinculativa para todas as autoridades públicas, sem prejuízo de decisão judicial que venha a ser proferida que vincule o Estado nos termos do número seguinte ou que anule o acto de delimitação nos termos do n.º 3 do presente artigo.2 - A delimitação administrativa realizada nos termos do presente decreto-lei não preclude a competência dos tribunais comuns para decidir da demarcação das propriedades ou da propriedade ou posse dos leitos e margens ou suas parcelas, nos termos da lei processual civil.
3 - A impugnação judicial do acto de delimitação com fundamento em vícios próprios do acto que se não traduzam numa questão de propriedade ou posse realiza-se nos termos do Código de Processo nos Tribunais Administrativos.
Artigo 11.º
Taxas
1 - A apreciação dos processos de iniciativa dos particulares está sujeita ao pagamento de uma taxa destinada a custear os encargos administrativos inerentes ao procedimento, cujo valor é fixado em portaria a aprovar pelo membro do Governo responsável pela área do ambiente.2 - O pagamento da taxa é prévio à apresentação do requerimento, devendo o mesmo ser liminarmente rejeitado se não for instruído com o comprovativo de pagamento, sendo a taxa restituída por inteiro se o procedimento vier a ser arquivado antecipadamente nos termos do n.º 5 do artigo 9.º 3 - A receita gerada pela cobrança da taxa constitui receita própria do INAG, I. P.
Artigo 12.º
Regime transitório
1 - Sem prejuízo do disposto na Lei 54/2005, de 15 de Dezembro, os processos de delimitação pendentes à data da entrada em vigor do presente decreto-lei são apreciados ao abrigo e nos termos das normas procedimentais aplicáveis à data do seu início, excepto se vierem ser submetidos ao regime do presente decreto-lei por despacho conjunto dos membros do Governo responsáveis pelas áreas da defesa nacional e do ambiente, considerando o período de tempo decorrido desde o seu início e desde que salvaguardados os actos praticados e as diligências efectuadas.2 - A homologação da proposta de delimitação elaborada pela comissão de delimitação compete, em qualquer caso, ao Conselho de Ministros ou, por sua delegação, ao membro do Governo responsável pela área do ambiente.
3 - Os interessados nos processos de delimitação em curso devem ser notificados pelo INAG, I. P., para declararem, no prazo de um mês, se desejam continuar os processos respectivos, atento o disposto no n.º 1 do artigo 15.º da Lei 54/2005, de 15 de Novembro, devendo os mesmos ser arquivados se os interessados assim o declararem.
Artigo 13.º
Entrada em vigor
O presente decreto-lei entra em vigor no dia seguinte ao da sua publicação.Visto e aprovado em Conselho de Ministros de 28 de Junho de 2007. - José Sócrates Carvalho Pinto de Sousa - Henrique Nuno Pires Severiano Teixeira - Alberto Bernardes Costa -Francisco Carlos da Graça Nunes Correia - Mário Lino Soares Correia.
Promulgado em 27 de Setembro de 2007.
Publique-se.O Presidente da República, Aníbal Cavaco Silva.
Referendado em 1 de Outubro de 2007.
O Primeiro-Ministro, José Sócrates Carvalho Pinto de Sousa.