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Acórdão do Tribunal Constitucional 476/2025, de 3 de Julho

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Sumário

Declara a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral: das normas emergentes dos artigos 11.º, n.º 1, e 12.º do Decreto Legislativo Regional n.º 8/2020/A, de 30 de março, na medida em que, respetivamente, atribuem ao Conselho de Governo Regional a competência para a homologação de propostas de delimitação do domínio público marítimo do Estado no território da Região Autónoma dos Açores, elaboradas pelas comissões de delimitação, mediante proposta de um membro do Governo Regional, homologação essa vinculativa para todas as autoridades públicas; das normas emergentes do artigo 15.º, n.os 1 e 2, do Decreto Legislativo Regional n.º 8/2020/A, de 30 de março, na medida em que possibilitam a desafetação, mediante decreto legislativo regional, de qualquer parcela do leito ou da margem do domínio público marítimo; das normas que emergem dos n.os 1 e 2 do artigo 1.º, do artigo 2.º e do artigo 3.º do Decreto Legislativo Regional n.º 26/2020/A, de 15 de outubro, na sua redação atual, bem como das normas resultantes dos artigos 1.º, 2.º e 3.º do Decreto Legislativo Regional n.º 41/2023/A, de 28 de novembro, na medida em que procedem à desafetação das parcelas aí identificadas pertencentes ao domínio público marítimo, e que estabelecem consequências dessa mesma desafetação; não declara a inconstitucionalidade das demais normas que integram o objeto do pedido.

Texto do documento

Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 476/2025

Processo 378/24

Acordam, em Plenário, no Tribunal Constitucional:

I-Relatório 1-O PrimeiroMinistro, nos termos do artigo 281.º, n.º 1, alíneas a) e c), e n.º 2, alínea c), da Constituição da República Portuguesa, requereu a apreciação e declaração, com força obrigatória geral, da inconstitucionalidade e da ilegalidade das normas constantes do n.º 1 do artigo 11.º, do artigo 12.º, do artigo 14.º e dos n.os 1 e 2 do artigo 15.º, todos do Decreto Legislativo Regional 8/2020/A, de 30 de março; e, por conexão instrumental com tais normas, o Requerente pede, ainda, que também se declare, com força obrigatória geral, a inconstitucionalidade e a ilegalidade das normas constantes dos n.os 1 e 2 do artigo 1.º, do artigo 2.º e do artigo 3.º do Decreto Legislativo Regional 26/2020/A, de 15 de outubro, na sua redação atual, bem como das normas constantes dos artigos 1.º, 2.º e 3.º do Decreto Legislativo Regional 41/2023/A, de 28 de novembro. Em síntese, o Requerente fundamenta o pedido I-Relatório 1-O PrimeiroMinistro, nos termos do artigo 281.º, n.º 1, alíneas a) e c), e n.º 2, alínea c), da Constituição da República Portuguesa, requereu a apreciação e declaração, com força obrigatória geral, da inconstitucionalidade e da ilegalidade das normas constantes do n.º 1 do artigo 11.º, do artigo 12.º, do artigo 14.º e dos n.os 1 e 2 do artigo 15.º, todos do Decreto Legislativo Regional 8/2020/A, de 30 de março; e, por conexão instrumental com tais normas, o Requerente pede, ainda, que também se declare, com força obrigatória geral, a inconstitucionalidade e a ilegalidade das normas constantes dos n.os 1 e 2 do artigo 1.º, do artigo 2.º e do artigo 3.º do Decreto Legislativo Regional 26/2020/A, de 15 de outubro, na sua redação atual, bem como das normas constantes dos artigos 1.º, 2.º e 3.º do Decreto Legislativo Regional 41/2023/A, de 28 de novembro. Em síntese, o Requerente fundamenta o pedido:

(i) em inconstitucionalidade por violação do disposto no artigo 84.º, n.º 1, alínea a), conjugado com o artigo 165.º, n.º 1, alínea v), e no artigo 112.º, n.º 4, conjugado com artigo 227.º, n.º 1, alínea a), da Constituição da República Portuguesa (doravante, “CRP”), em razão de as normas sindicadas disporem sobre bens dominiais do Estado, extravasando a reserva de lei parlamentar quanto à delimitação do domínio público marítimo, bem como o âmbito regional como limite do poder legislativo regional;

(ii) em ilegalidade por violação do disposto no artigo 22.º, n.º 3, do Estatuto PolíticoAdministrativo da Região Autónoma dos Açores (Lei 39/80, de 5 de agosto, na redação emergente da Lei 2/2009, de 12 de janeiro; doravante, “EPARAA”), em razão de as normas sindicadas

«

disporem sobre o domínio público marítimo como se o mesmo integrasse o domínio público da Região Autónoma dos Açores ou como se a Região pudesse regular a titularidade de bens dominiais do Estado

»

.

2-Mais especificamente, destaca-se o seguinte do pedido (descontados aspetos de enquadramento, reproduções normativas das normas objeto, bem como as conclusões que se encontram já sintetizadas no ponto precedente):

«

(...)

I. Da impugnação das normas dos artigos 11.º e 12.º do Decreto Legislativo Regional 8/2020/A Fundamentos de inconstitucionalidade e ilegalidade das normas impugnadas no presente requerimento Atento o enquadramento jurídico acabado de referir, 19.º I. Da impugnação das normas dos artigos 11.º e 12.º do Decreto Legislativo Regional 8/2020/A Fundamentos de inconstitucionalidade e ilegalidade das normas impugnadas no presente requerimento Atento o enquadramento jurídico acabado de referir, 19.º Resulta do disposto no n.º 2 do Artigo 2.º da Lei 54/2005, conjugado com a alínea a) do n.º 2 do seu Artigo 22.º, que lagos, lagoas e cursos de água não compreendidos no domínio público marítimo, e salvaguardado o domínio público autárquico, integram o domínio público regional.

20.º

Será, assim, constitucionalmente admissível, o sentido normativo decorrente dos artigos 11.º, 12.º e 15.º do DLR n.º 8/2020/A, no segmento ideal que atribui efeito vinculativo para todas as autoridades públicas, do ato de homologação pelo Governo Regional de propostas de delimitação do domínio público regional bem como de atos de desafetação desse domínio público que incidam sobre recursos hídricos que se circunscrevam a áreas lacustres e fluviais não sujeitas à influência das marés e não atribuídas ao domínio público militar.

Contudo, 21.º Contudo, 21.º Resulta ser organicamente inconstitucional a parcela normativa do n.º 1 do Artigo 11.º do DLR n.º 8/2020/A, que estipula a homologação da proposta da comissão de delimitação pelo “membro do Governo Regional com competência em matéria de gestão da orla costeira, quando esteja em causa a delimitação do domínio público marítimo, conjugada com o Artigo 12.º, na medida em que este último preceito confere a vinculatividade desse ato de homologação sobre qualquer autoridade (estadual ou regional).

Com efeito, 22.º Com efeito, 22.º A norma resultante da conjugação entre os dois preceitos do decreto legislativo regional acabados de mencionar, invade a reserva de competência legislativa dos órgãos de soberania, dado que:

A matéria respeitante à definição e delimitação do domínio público hídrico atribuído às diversas coletividades territoriais integra a reserva legislativa de competência da Assembleia da República nos termos do n.º 4 do Artigo 84.º conjugado com a alínea v) do n.º 1 do Artigo 165.º da CRP, não podendo as regiões autónomas legislar inovatoriamente sobre a matéria;

O Artigo 4.º da Lei 54/2005, emitida ao abrigo dessa reserva de competência da Assembleia da República, determina que o domínio público marítimo é afeto ao Estado, sem exceções, o qual exerce, de acordo com a lei e a jurisprudência em vigor, poderes dispositivos sobre a titularidade dos bens do seu domínio, pelo que um diploma legislativo regional, como o que ora se impugna, que regule a delimitação de áreas do domínio público marítimo, contraria o Artigo 4.º da referida lei e invade matéria da competência legislativa dos órgãos de soberania que constitui limite negativo à liberdade conformadora do legislador regional (n.º 4 do Artigo 112.º e alínea a) do n.º 1 do Artigo 227.º da CRP);

Sobre esta matéria, cumpre atentar na seguinte passagem do Ac. n.º 136/2016 do Tribunal Constitucional:

“Pelo que respeita ao domínio público marítimo, pertencendo ele necessariamente ao Estado, então, além da sua titularidade propriamente dita, não poderão ser transmitidos a outras entidades os poderes que efetivamente a justificam. Atribuir em exclusivo ao Estado a titularidade dos bens em causa, por poderosas razões que se prendem com a soberania, identidade e unidade do Estado, e depois admitir a possibilidade de tal atribuição, através da transmissão a outras entidades, ou de partilha com outras entidades, dos poderes essenciais associados ao domínio, seria uma opção constitucional destituída de sentido, pois esvaziaria de conteúdo essa posição dominial. Aceites as premissas, esta conclusão é inelutável, constituindo, portanto, jurisprudência uniforme e constante deste Tribunal (Acórdãos n.os 330/99, 131/2003, 402/2008 e 315/2014).”

23.º

Devendo, igualmente, os atos legislativos regionais circunscrever-se ao âmbito regional como limite positivo e negativo à competência das assembleias legislativas (n.º 4 do Artigo 112.º e alíneas a) a c) do n.º 1 do Artigo 227.º da CRP) parece claro que as normas sindicadas violam estas disposições constitucionais, pelo facto de excederem manifestamente esse âmbito, ao verterem com pretensões vinculantes sobre uma matéria respeitante ao domínio de outra pessoa coletiva, o Estado, como é o caso do domínio público marítimo.

24.º

Sobre o tema, o Tribunal Constitucional é claro (Ac. n.º 258/2007) quando precisa que as leis regionais desrespeitam o critério do “âmbito regional” no caso de afetarem a ordem jurídica nacional, atentas as pessoas envolvidas e os valores em jogo.

25.º

A par dos fundamentos de inconstitucionalidade orgânica do n.º 1 do Artigo 11.º e do Artigo 12.º do Decreto Legislativo Regional 8/2020/A, ocorre igualmente uma relação de desvalor de ilegalidade radicada na inobservância do EPARAA.

Na verdade, 26.º Na verdade, 26.º A norma do n.º 3 do Artigo 22.º do Estatuto PolíticoAdministrativo da RA dos Açores exclui explicitamente do domínio público regional, o domínio público marítimo que, tal como se observou, pertence ao Estado.

Pelo que, 27.º Pelo que, 27.º As normas impugnadas, ao disporem sobre o domínio público marítimo, como se o mesmo integrasse o domínio público da Região ou como se a região pudesse regular a titularidade de bens dominiais do Estado, enfermam de ilegalidade, nos termos da alínea c) do n.º 1 do Artigo 281.º da CRP, pela circunstância de contrariarem no Estatuto, com evidência, o n.º 3 do seu Artigo 22.º, norma que procede à delimitação negativa do domínio público regional.

28.º

Foi observado nos n.os 9.º, 12.º e 13.º deste requerimento que, embora as águas interiores fluviais e lacustres com os seus leitos e margens integrem o domínio público regional, já as parcelas sujeitas à influência das marés fazem parte do domínio público marítimo, pelo que uma parte do leito e margens acabam por estar compreendidas na esfera dos bens dominiais do Estado (alínea b) do Artigo 3.º e Artigo 4.º da Lei 54/2005).

29.º

O Artigo 17.º da Lei 54/2005 regula o procedimento administrativo de fixação dos limites dos leitos e margens dos domínios públicos do Estado e regiões, incluindo as margens dominiais confinantes com terrenos de outra natureza e, no âmbito desse procedimento, importa reter que:

Relativamente ao domínio público marítimo prevê-se a criação de comissões de delimitação estaduais homologadas por órgãos governativos (n.os 3 a 8 do Artigo 17.º); e quanto ao domínio público regional estipula-se, igualmente, a criação de comissões da mesma natureza nas regiões autónomas cujas propostas são homologadas pelo Executivo das regiões Relativamente ao domínio público marítimo prevê-se a criação de comissões de delimitação estaduais homologadas por órgãos governativos (n.os 3 a 8 do Artigo 17.º); e quanto ao domínio público regional estipula-se, igualmente, a criação de comissões da mesma natureza nas regiões autónomas cujas propostas são homologadas pelo Executivo das regiões;

Não é atribuída competência às comissões de delimitação regionais, mas sim às estaduais, a fixação de limites aos leitos e margens das zonas fluviais e lacustres sujeitos à influência das marés pois essas áreas integram o domínio público marítimo;

Será, algo duvidosa a competência das comissões regionais quanto à propositura desses limites, mas é, em qualquer caso, inequivocamente inconstitucional a conjugação normativa do n.º 1 do Artigo 11.º com o Artigo 12.º do DLR n.º 8/2020/A que atribui ao ato de homologação do Governo regional efeito vinculativo relativamente aos limites propostos quando afetem bens dominiais do Estado;

Governo Regional não tem competência para a homologar unilateralmente propostas de delimitação das comissões regionais das águas interiores fluviais e lacustres e respetivos leitos e margens em zonas sujeitas à influência das marés e, mesmo havendo águas interiores lagos e lagoas onde convergem o domínio público regional e o domínio público do Estado não é possível reconhecer às Regiões poderes de disposição sobre o domínio que frustrem o objetivo que fundamenta a titularidade do Estado sobre o domínio ou uma parcela deste, não sendo admitidas transferências de poderes dominiais;

O Ac. n.º 136/2016 do Tribunal Constitucional reforça esta conclusão no seguinte passo:

“Da jurisprudência do Tribunal Constitucional sobre o domínio público marítimo resulta, assim, de forma clara, que os poderes de domínio que respeitem à integridade e soberania do Estado, assim como aqueles cuja transferência frustraria a finalidade que justifica a atribuição da titularidade dominial ao Estado não podem ser transferidos para outras entidades”. (...) “A intransferibilidade de poderes essenciais relativos a bens do domínio público, (...) decorre em primeira linha, como vimos, da própria Constituição (...).

Por mera hipótese, 30.º Por mera hipótese, 30.º Poderia, em tese, em abono da constitucionalidade das normas impugnadas, sustentar-se a partir do n.os 1, 2 e 3 do Artigo 8.º do EPARAA, a existência de uma competência legislativa concorrente entre o Estado e a RA dos Açores quanto à definição dos critérios de gestão partilhada do domínio público marítimo dos Açores e que permitiria, em face de inexistência de uma divisão explicita de competências executivas sobre a matéria entre o Governo da República e do Governo da RA, ser defendido que o n.º 1 do Artigo 11.º e o Artigo 12.º do Decreto Legislativo Regional 8/2020/A cumpririam essa tarefa legiferante que mais não seria do que a expressão de uma concertação de vontades decisórias.

Todavia, 31.º Todavia, 31.º Esse entendimento violaria o limite constitucional do âmbito regional (n.º 4 do Artigo 112.º da CRP) invadindo a reserva de competência dos órgãos de soberania, dado que permitiria que um ato legislativo regional dispusesse primariamente sobre a afetação e gestão de bens e interesses que respeitam à pessoa coletiva Estado e, isso mesmo é tornado claro pela jurisprudência do Tribunal Constitucional nas seguintes passagens:

“A competência concorrente entre o Estado e o Região significa que os poderes de gestão são repartidos por órgãos administrativos das duas pessoas coletivas. Mas isso não quer dizer que qualquer um dos órgãos competentes os possa exercer sozinho, (...)-isto é, ficando excluída, com o seu exercício, a possibilidade de outro órgão competente os poder exercer. É que os poderes de gestão são atribuídos à Região para um exercício conjunto, no quadro de uma gestão partilhada, o que convoca a existência de estruturas organizatóriofuncionais e procedimentais que tornem possível a participação e a obtenção do acordo dos vários órgãos competentes.”(Ac. n.º 315/2014);

Para além do necessário limite da integridade e soberania do Estado, o artigo 8.º do EPARAA não densifica o princípio da gestão partilhada. Em cada utilização concreta do domínio público marítimo não se sabe como é que os diversos órgãos competentes podem partilhar a gestão dessa utilização. Ora, num domínio em que existem atribuições de exercício comum e repartido tem que haver uma definição prévia daquilo que pode ou não ser partilhado, assim como dos termos concretos em que se processa a partilha.

Enquadrando-se os termos de determinada repartição de competências nas “condições de utilização” e “limites” do domínio público marítimo estadual, só os órgãos de soberania, através de intervenção parlamentar ou governamental, poderão decidir o que pode ser partilhado e em que termos. Com efeito, as concretas formas de utilização do domínio público, nomeadamente quanto ao regime de licenciamento e contratos de concessão, são uma das matérias incluídas no n.º 2 do artigo 84.º da CRP que escapam à previsão do artigo 165.º, n 1, alínea v) da CRP e por isso, cabem na

«

concorrência legislativa concorrente da AR e do Governo

»

(cf. Gomes Canotilho e Vital Moreira, ob. cit. pág. 1007 e Acórdão 402/2008). A Região Autónoma dos Açores não pode unilateralmente definir os termos da gestão partilhada do domínio público marítimo, justamente porque a regulação primária dessa matéria contenderia com as competências das autoridades nacionais. O parâmetro do “âmbito regional” (alínea a) do n.º 1 do artigo 227.º da CRP), na sua componente institucional, impede que os parlamentos insulares produzam legislação destinada a produzir efeitos relativamente a pessoas coletivas que se encontram fora do âmbito de jurisdição natural das Regiões Autónomas, como é o caso do próprio Estado (cf. Acórdãos 258/2007 e n.º 304/2011).

“A competência legislativa para densificar o modelo de gestão contido nos n.os 1 e 3 do artigo 8.º do EPARAA pertence aos órgãos de soberania e não à Região Autónoma dos Açores, ainda que o n.º 1 do artigo 53.º do EPARAA disponha que

«

compete à Assembleia Legislativa legislar em matéria de pescas, mar e recursos marinhos

»

, especificando a alínea a), do n.º 2, que nessa matéria estão incluídas as

«

condições de acesso às águas interiores e mar territorial pertencentes ao território da Região

»

, e que, por sua vez, o artigo 57.º disponha que

«

compete à Assembleia Legislativa legislar em matérias de ambiente e ordenamento do território”. (Ac 484/2022).

Em suma, 32.º Em suma, 32.º As normas impugnadas dos artigos 11.º e 12.º do DLR 8/2020/A regularam de forma primária a definição de atributos de titularidade e da gestão de bens públicos em domínios ou em parcelas territoriais que contendem com o domínio público hídrico do Estado e por isso violaram o limite constitucional do âmbito regional, sem prejuízo de nada impedir a RA dos Açores de legislar sobre gestão do domínio público hídrico regional, contanto que o não exceda e não interfira unilateral e inovatoriamente, como o fez, com parcelas próprias do domínio público marítimo do Estado.

II. Da inconstitucionalidade e ilegalidade das normas do n.º 1 e do n.º 2 do Artigo 15.º do Decreto Legislativo Regional 8/2020/A e, a título consequencial, das normas do Artigo 14.º 33.º Dispõe o n.º 1 do Artigo 15.º do DLR n.º 8/2020/A:

“Mediante decreto legislativo regional, desde que por motivo de interesse público devidamente fundamentado, pode ser desafetada do domínio público marítimo qualquer parcela do leito ou da margem.”

34.º

Pelo seu turno reza o Artigo 19.º da Lei 54/2005:

“Pode, mediante diploma legal, ser desafetada do domínio público qualquer parcela do leito ou da margem que deva deixar de ser afeto exclusivamente ao interesse público do uso das águas que serve, passando a mesma, por esse facto, o integrar o património do ente público a que estava afeto.”

Ora, 35.º Ora, 35.º Na medida que se esteja diante de domínio público regional integral, a desafetação pode naturalmente ser operada, na base do que foi referido no n.º 20.º deste requerimento, mediante decreto legislativo regional.

Contudo, 36.º Contudo, 36.º Estando em causa o domínio público marítimo, o qual pertence ao Estado, a desafetação deverá ser formalizada em lei ou decretolei, porque só o Estado, como se demonstrou supra (n.os 29.º e 31.º deste requerimento), pode dispor sobre a afetação de bens do seu domínio ou regular os termos da gestão partilhada desses bens com a Região.

37.º

Por consequência, a norma do n.º 1 do Artigo 15.º do DLR n.º 8/2020/A, ao permitir a desafetação do domínio público marítimo de “qualquer parcela do leito ou da margem” viola:

A reserva de competência dos órgãos de soberania (resultante do disposto no n.º 4 do Artigo 84.º conjugado com a alínea v) do n.º 1 do Artigo 165.º da CRP);

O limite constitucional do âmbito regional ao regular primariamente sobre a disponibilidade de bens cuja titularidade pertence a outro ente territorial e que não respeitam especialmente à região (n.º 4 do Artigo 112.º da CRP).

A norma 3 do Artigo 22.º do EPARAA, padecendo de ilegalidade.

38.º

Do mesmo modo, devem ser julgadas inconstitucionais a título consequente, por dependerem instrumentalmente da normação impugnada no número precedente e no n.º 32.º deste requerimento:

A normas do n.º 2 do Artigo 15.º que concretiza o n.º 1 e remete para o Artigo 14.º os termos do conteúdo do diploma de desafetação;

As normas dos n.os 1 e 2 do Artigo 14.º que regulam o conteúdo do diploma de desafetação de bens do domínio hídrico lacustre e das restantes águas apenas e na medida que se apliquem a bens do Estado compreendidos no domínio público marítimo:

III. Da impugnação n.os 1 e 2 do Artigo 1.º e dos n.os 1, 2 e 3 do Artigo 3.º do Decreto Legislativo Regional 26/2020/A, de 15 outubro 39.º O diploma em epígrafe procede à desafetação de um conjunto de terrenos compreendidos no domínio público marítimo integrandoos no domínio privado da RA dos Açores, habilitando, posteriormente, a celebração de um contrato de cedência dos mesmos à associação Clube Naval de Santa Maria, dispondo sobre a matéria nos seguintes termos:

(...)

40.º

Esta desafetação do domínio público é realizada, de acordo com o Artigo 2.º do Decreto Legislativo Regional 26/2020/A, ao abrigo do regime cuja inconstitucionalidade e ilegalidade foi invocada neste requerimento, nomeadamente as normas do Artigo 15.º, cujo n.º 2 remete para o artigo 14.º do Decreto Legislativo Regional 8/2020/A, cumprindo transcrever o disposto no mencionado Artigo 2.º do primeiro diploma:

“Os elementos a que se refere o n.º 2 do artigo 14.º do Decreto Legislativo Regional 8/2020/A, de 30 de março, são os constantes do anexo ii do presente diploma e que dele fazem parte integrante.”

Assim, 41.º Assim, 41.º As normas dos artigos 1.º, 2.º e 3.º e a título instrumental as restantes que integram o Decreto Legislativo Regional 26/2020/A padecem de inconstitucionalidade e ilegalidade consequente, dado o facto de darem concretização a normas do Decreto Legislativo Regional 8/2020/A cuja inconstitucionalidade e ilegalidade foi invocada nos n.os 37.º e 38.º neste requerimento, com os fundamentos que aí constam.

IV. Da impugnação dos artigos 1.º, 2.º e 3.º do Decreto Legislativo Regional 41/2023/A, de 28 de novembro 42.º O diploma em epígrafe procede à desafetação de uma parcela de terreno compreendida no domínio público marítimo integrandoos no domínio privado da RA dos Açores, dispondo sobre a matéria nos seguintes termos:

(...)

43.º

Esta desafetação do domínio público é realizada, de acordo com o Artigo 2.º do Decreto Legislativo Regional 41/2023/A, ao abrigo do regime cuja inconstitucionalidade e ilegalidade foi invocada neste requerimento, nomeadamente as normas do Artigo 15.º, cujo n.º 2 remete para o artigo 14.º do Decreto Legislativo Regional 8/2020/A, cumprindo transcrever o disposto no mencionado Artigo 2.º do primeiro diploma:

“Os elementos a que se refere o n.º 2 do artigo 14.º do Decreto Legislativo Regional 8/2020/A, de 30 de março, são os constantes do anexo i ao presente diploma e que dele fazem parte integrante.”

Assim, 44.º Assim, 44.º As normas dos artigos 1.º, 2.º e 3.º e a título instrumental as restantes que integram o Decreto Legislativo Regional 41/2023/A padecem de inconstitucionalidade e ilegalidade consequente, dado o facto de darem concretização a normas do Decreto Legislativo Regional 8/2020/A cuja inconstitucionalidade e ilegalidade foi invocada nos n.os 37.º e 38.º neste requerimento, com os fundamentos que aí constam.

V. Conclusões (...)

»

.

3-Notificado nos termos e para os efeitos dos artigos 54.º e 55.º, n.º 3, ambos da Lei 28/82, de 15 de novembro, na sua redação atual (doravante,

«

LTC

»

), para, querendo, se pronunciar sobre o pedido, veio o Presidente da Assembleia Legislativa da Região Autónoma dos Açores alegar, em síntese, o seguinte (descontados aspetos de enquadramento e notas de rodapé com referências jurisprudenciais e doutrinais [que são trazidas para o texto apenas quando se trate de citações diretas]; não foram formuladas conclusões):

«

§1.º

DA PRETENSA INCONSTITUCIONALIDADE DO N.º 1 DO ARTIGO 11.º E DO ARTIGO 12.º DO DECRETO LEGISLATIVO REGIONAL 8/2020/A (...) 3-No requerimento de fiscalização de constitucionalidade, não se questiona a legitimidade da solução normativa de que se deu eco no parágrafo anterior, na parte em que respeita à competência do Governo Regional para homologar, com efeitos vinculativas, a delimitação do domínio público lacustre, já que este integra o domínio público regional (cf. artigo 22.º, n.º 2, alínea a), do Estatuto Político Administrativo da Região Autónoma dos Açores).

Porém, suscita-se a inconstitucionalidade dos artigos 11.º, n.º 1, e 12.º do Decreto Legislativo Regional 8/2020/A, na parte em que tais preceitos disciplinam a delimitação do domínio público marítimo, reconhecendo, nessa matéria, competência ao Governo Regional.

Sustenta-se no mencionado requerimento que tal solução se revela inconstitucional por três razões.

Em primeiro lugar, porque sendo o domínio público marítimo da titularidade do Estado, este tem de dispor de todos os poderes essenciais relativos a esses bens, que justificam essa titularidade. Ora, no entendimento do autor do pedido de fiscalização da constitucionalidade, os mencionados artigos 11.º, n.º 1, e 12.º do Decreto Legislativo Regional 8/2020/A representariam a atribuição ao Governo Regional de alguns desses poderes essenciais, permitindolhe beneficiar de poderes de disposição [do domínio público marítimo] que frustram o objetivo que fundamenta a titularidade do Estado sobre esse domínio.

Em segundo lugar, alega-se que a “matéria respeitante à definição e delimitação do domínio público hídrico atribuído às diversas coletividades territoriais” a qual integra a reserva legislativa de competência da Assembleia da República, nos termos do n.º 4 do artigo 84.º e da alínea v) do n.º 1 do artigo 165.º da Constituição, não podendo as Regiões Autónomas legislar inovatoriamente sobre a matéria”.

E, finalmente, invoca-se que as normas em causa violam as regras do n.º 4 do artigo 112.º e das alíneas a) e c) do n.º 1 do artigo 227.º da Constituiçãoque definem o âmbito regional como limite positivo e negativo à competência das assembleias legislativas regionais na medida em que “excedem manifestamente esse âmbito, ao regularem com pretensões vinculantes uma matéria respeitante ao domínio de outra pessoa coletiva, o Estado, como é o caso do domínio público marítimo”.

A verdade, porém, é que nenhum destes argumentos procedepelas razões que se apresentarão em seguida sendo os dispositivos legais em causa totalmente conformes ao quadro constitucional aplicável.

1.1-Os poderes reconhecidos ao Governo Regional pelos artigos 11.º, n.º 1, e 12.º do Decreto Legislativo Regional 8/2020/A como poderes que não respeitam ao núcleo da dominialidade e que podem ser transferidos para entes públicos regionais

(...)

6-No caso em apreço, não existe qualquer motivo para sustentarcomo se defende no requerimento de fiscalização da constitucionalidadeque os artigos 11.º, n.º 1, e 12.º do Decreto Legislativo Regional 8/2020/A representariam a atribuição ao Governo Regional de poderes primários, que integram o núcleo essencial dos poderes dominiais e que não possam deixar de pertencer ao Estado.

a) Com efeito, como resulta da jurisprudência constitucional acima mencionada, a única razão pela qual o exercício de uma determinada faculdade sobre um bem dominial tem de estar indissociavelmente ligado ao Estado, não podendo ser objeto de qualquer partilha, é o de tal faculdade poder influir decisivamente com o cumprimento do fim público que justifica a definição de um estatuto dominial para esse bem.

Ora, como já se salientou, o domínio público marítimo integra “bens que habitualmente designamos como domínio público material (ou necessário) por oposição ao domínio público formal (ou por determinação da lei)”, uma vez que “estamos diante de bens conexionados de uma forma muito especial como a integridade territorial do Estado e com a respetiva sobrevivência enquanto tal, senão mesmo com a própria identificação nacional” [cf. ANA RAQUEL MONIZ, “Os direitos da Região Autónoma dos Açores sobre as zonas marítimas portuguesas”, in Gestão Partilhada dos Espaços MarítimosPapel das Regiões Autónomas, Coimbra, 2018, p. 123]. Na génese da solução de dominialização de certos bens do espaço marítimo radica uma ideiaque remonta à formação do próprio direito internacional público e do seu ramo específico de direito do mar segundo a qual a reivindicação e a utilização desses espaços possuem uma ligação incindível à definição da identidade do Estado e, sobretudo, ao exercício de prerrogativas de soberania, nomeadamente as ligadas à defesa e à segurança nacional. Por isso, em relação a estes espaços marítimos o Estado exerce poderes dominiais “resultantes da jurisdição incluída no senhorio da entidade soberana sobre o território onde tem assento (o chamado domínio eminente)” [cf. MARCELO CAETANO, Manual de Direito Administrativo, Lisboa, 10.ª ed., Vol I, p. 893].

Neste quadro, aquilo que se afigura essencial, para garantir o vetor funcional que justifica o estatuto de dominialidade, é que estejam reservados ao titular (Estado) os poderes que sejam diretamente relevantes para o exercício de funções que se prendem com a soberaniacomo a defesa nacional e a segurança interna.

b) Ora, estes aspetos são devidamente salvaguardados pelos artigos 11.º, n.º 1, e 12.º do Decreto Legislativo Regional 8/2020/A.

Como acima se explicou, a definição dos limites das margens do domínio público hídrico pressupõe a aplicação dos critérios legais definidores de “leito” e de “margem”, que constam dos artigos 10.º e 11.º da Lei 54/2005. Sempre que seja necessário para a aplicação, em concreto, desses critérios, pode desencadear-se-por iniciativa pública ou de particularesum procedimento administrativo de delimitação do domínio público hídrico, que visa apenas fixar “as margens dominiais confinantes com terrenos de outra natureza” (cf. artigo 17.º, n.º 1 da Lei 54/2005). É no âmbito desse procedimento que o artigo 11.º, n.º 1, prevê a intervenção administrativa do membro do Governo Regional com competência em matéria de gestão da orla costeira, para homologarcom efeitos vinculativos nos termos do artigo 12.º-a proposta de delimitação apresentada pela comissão de delimitação.

Assim, não se vislumbra como é que o exercício destes poderes possa de algum modo colocar em causa interesses relativos à integridade e soberania do Estado.

Na verdade, tais interesses estão acautelados, nesta situação, pelo legislador da República:

foi ele que definiu, nos mencionados artigos 10.º e 11.º, os critérios espaciais que permitem identificar o leito e as margens das águas territoriais. Ao fazêlo, tal legislador teve necessariamente em conta a relevância que tais espaços podem ter para o exercício, pelo Estado, das suas prerrogativas de tutela da integridade territorial e de defesa nacional:

por exemplo, se o artigo 11.º da Lei 54/2005 prevê que a margem das águas do mar tem a largura de 50 metros (ou até uma estrada regional ou municipal, nas Regiões) é porque o legislador da República considerou tal amplitude suficiente para a salvaguarda das funções essenciais do Estado que a dominialização visa assegurar.

Os artigos 11.º, n.º 1, e 12.º do Decreto Legislativo Regional 8/2020/A de modo algum interferem com esse juízo, pois não permitem ao Governo Regional substituir ou sequer alterar os critérios que estão definidos na Lei 54/2004. Aquilo que está somente em causa é um mero procedimento administrativo tendente à aplicação desses critérios em determinados casos concretos. Estamos perante o exercício de uma função administrativa isto é, de uma função secundária, que se “limita à mera execução de decisões previamente adotadas no exercício das funções primárias” (função política e legislativa), sabendo-se que a “chave do caráter secundário da função administrativa reside na sua subordinação às funções primárias, que se traduz na não interferência na formulação das escolhas essenciais da coletividade política” [cf. MARCELO REBELO DE SOUSA/ANDRÉ SALGADO MATOS, Direito Administrativo Geral, Tomo I, Lisboa, 5.ª ed., p. 39].

Neste contexto, e como é evidente, ao contrário do que é sustentado no requerimento de fiscalização da constitucionalidade, não está em causa a atribuição a órgãos regionais de “poderes essenciais” e definidores da dominialidade, de “poderes de disposição [do domínio público marítimo] que frustram o objetivo que fundamenta a titularidade do Estado sobre esse domínio”. Ao homologar propostas de delimitação de bens do domínio público hídrico, incluindo marítimo, os órgãos regionais não estão a dispor livremente sobre esses bens ou a determinar aspetos essenciais do estatuto da dominialidade (definidores do seu objeto, das regras de aquisição e cessação desse estatuto e dos parâmetros nucleares da sua exploração).

Estão simplesmente a exercer uma atividade administrativa secundária, determinada por condicionantes legais definidas ex ante, que vinculam o responsável pela sua execução por força do princípio da legalidade.

Neste quadro, a regra do artigo 12.º do Decreto Legislativo Regional 8/2020/A-que reconhece o caráter vinculativo da homologação da delimitação-é, para estes efeitos (de apreciação da constitucionalidade), uma norma totalmente irrelevante, porque se limita a prescrever algo que já resulta da ordem jurídica na sua globalidade:

isto é, que um ato administrativocomo é tipicamente um ato de homologação-é um ato com uma dimensão constitutiva ou conformadora da realidade, introduzindo, imperativamente, uma definição inovatória de uma situação jurídicoadministrativa concreta. Na verdade, essa imperatividade resulta da própria noção legal de ato administrativocf. artigo 148.º do Código de Procedimento Administrativo e, como é sabido, não se projeta apenas entre os sujeitos da relação jurídica regulada pelo ato, antes se impondo a todos os órgãos e entidades do Estado.

Em suma, as regras dos artigos 11.º, n.º 1, e 12.º do Decreto Legislativo Regional 8/2020/A não põem de modo algum em causa aquilo que se afigura essencial para garantir o vetor funcional que justifica o estatuto de dominialidade, que é que estejam reservados ao titular (Estado) os poderes que sejam diretamente relevantes para o exercício de funções que se prendem com a soberaniacomo a defesa nacional e a segurança interna. Está em causa o mero exercício de uma função administrativa, de mera aplicação de critérios de delimitação do domínio público que são previamente fixados na lei, em termos precisos e tendo em conta esses interesses, função essa cujo não reconhecimento aos órgãos regionais seria, além do mais, absolutamente contrário à autonomia administrativa das Regiões Autónomas, num quadro em que a Constituição lhes reconhece poder executivo próprio [cf. artigo 227.º, n.º 1, alínea g)], dando um amplo alcance e força expansiva a tal autonomia.

c) Note-se, aliás, que os mencionados preceitos se limitam a definir a tramitação administrativa do procedimento de delimitação, exercendo uma competência que a própria Lei 54/2005 reconhece às Regiões. Com efeito, como já se sublinhou, o artigo 17.º daquele diplomaque regula a “delimitação do domínio público hídrico” (n.º 1), abrangendo, portanto, a delimitação do domínio público marítimoprevê que “nas Regiões Autónomas dos Açores e da Madeira, o processo de delimitação dos leitos e margens dominiais e as comissões de delimitação que lhe são inerentes constituem uma competência dos respetivos Governos Regionais e são regulamentados por diploma próprio das Assembleias Legislativas daquelas Regiões Autónomas” (n.º 9).

d) Deve, pois, concluir-se que o poder administrativo de homologação de propostas de delimitação do domínio público marítimo não é um poder primáriouma vez que a sua detenção pelo Estado não se afigura necessária para assegurar o cumprimento da funcionalidade específica que justificou a submissão desse bem a um regime de dominialidade-, pelo que os artigos 11.º, n.º 1, e 12.º do Decreto Legislativo Regional 8/2020/A, ao atribuírem tal poder a órgãos regionais, não só consagram uma solução totalmente justificada em face da amplitude da autonomia administrativa regional (seja em geral, seja em concreto, face ao que dispõe o n.º 9 do artigo 17.º da Lei 54/2005), como não incorrem em qualquer violação do artigo 84.º da Constituição (tal como este tem vindo a ser interpretado pelo Tribunal Constitucional no que respeita à existência de um domínio público marítimo estatual necessário).

1.2-Da inexistência de violação da reserva legislativa de competência da Assembleia da República

7-Também desprovida de fundamento é a alegação, constante do requerimento de fiscalização da constitucionalidade, de que a

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matéria respeitante à definição e delimitação do domínio público hídrico atribuído às diversas coletividades territoriais integra a reserva legislativa de competência da Assembleia da República, nos termos do n.º 4 do artigo 84.º e da alínea v) do n.º 1 do artigo 165.º da Constituição, não podendo as Regiões Autónomas legislar inovatoriamente sobre a matéria”.

8-Em primeiro lugar, a reserva da Assembleia da República abrange apenas

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a definição e regime dos bens do domínio público

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(cf. artigo 165.º, n.º 1, alínea v)), o que significa que não é uma reserva total. De facto, como esclarecem Gomes CANOTILHO e Vital Moreira, “no programa normativo atribuído à lei pelo n.º 2 do artigo 84.º-definição do domínio público dos diferentes entes territoriais, regime, condições de utilização e limites-a mencionada alínea do artigo 165.º só menciona a definição e o regime” [cf. Cfr. GOMES CANOTILHO/VITAL MOREIRA, Constituição da República Portuguesa Anotada, vol. I, Coimbra, 4.ª ed., p. 1007].

Neste contexto, a reserva legislativa deve apenas abranger aquilo que seja necessário para assegurar as razões motivadoras dessa reserva, que são, segundo o próprio Tribunal Constitucional, “a necessidade de preservar a integridade dos bens públicos e o respeito pela sua afetação a finalidades de indiscutível interesse nacional” (cf. Acórdão 330/94).

Assim, deverá caber nessa reserva:

(i) a identificação do tipo de bens que se encontram subordinados a este regime especial de direito administrativo;

(ii) a definição da titularidade dominial, quer em geral, quer em relação a determinados bens; e (iii) o desenho do regime do domínio público, que poderá incluir “os aspetos da aquisição, modificação e extinção do estatuto da dominialidade, bem como a definição dos princípios que hãode pautar a gestão” [cf. ANA RAQUEL MONIZ, O direitos da Região Autónoma dos Açores cit., p. 115]. A Constituição pretende assim cometer à Assembleia da República apenas “as decisões fundamentais ou essenciais nesta matéria, os aspectos básicos e centrais do estatuto da dominialidade”. Deste modo, a reserva de lei parlamentar na matéria respeitante ao domínio público “não impõe sempre à Assembleia da República (...) o dever de a disciplinar de modo integral, nem proíbe, por conseguinte, que aspetos não fundamentais possam constituir objeto de decreto legislativo regional ou mesmo de regulamento administrativo” [cf. ANA RAQUEL MONIZ, O direitos da Região Autónoma dos Açores cit., p. 115].

O próprio Tribunal Constitucional já reconheceupor exemplo, no Acórdão 402/2008-que “faz todo o sentido separar os aspetos básicos e centrais do estatuto da dominialidade, definidores do seu objeto (categorias de bens), das regras de aquisição e cessação desse estatuto e dos parâmetros nucleares da sua exploração (nomeadamente, as constrições impostas pelos interesses públicos coenvolvidos)-aquilo “que a dominialidade tem de essencial”, como se diz no voto de vencida da conselheiro MARIA DOS PRAZERES BELEZA, aposto no Acórdão 330/99-de todos os outros aspectos mais

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regulamentares

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(...). Estes aspetos estão sujeitos a uma apreciação mais conjuntural e a determinantes mais particularizadas, pelo que se justifica não impor uma lei da República para os fixar”.

Em suma, aquilo que se integra na reserva prevista na alínea v) do n.º 1 do artigo 165.º da Constituição são as decisões essenciais em matéria de domínio público, não obstando tal normativo a que, enquanto coletividade primária titular de uma autonomia normativa constitucionalmente reconhecida, as Regiões Autónomas possuam uma zona de competências normativas nessa matéria.

9-Acontece que, no caso em apreço, a regulamentação do procedimento administrativo de delimitação do domínio público hídrico não constitui, manifestamente, um aspeto básico e central do estatuto de dominial idade, que se possa considerar integrado na reserva de competência legislativa parlamentar.

Desde logo, é a própria Assembleia da República que o assume, na medida em que, como já aqui se sublinhou, o artigo 17.º, n.º 9, da Lei 54/2005 reconhece expressamente às assembleias legislativas regionais a competência para regulamentar aquele procedimento, sabendo-se que ele tem como finalidadetambém expressamente prevista nesse preceito-a de concretizar, quando necessário, os limites dos leitos e das margens dominiais previstos naquela lei.

Por outro lado, pelas razões já explicitadas no ponto precedente, não se pode considerar que, ao regular tal procedimento, a Região participe na definição “[d]as decisões fundamentais ou essenciais nesta matéria, [d]os aspetos básicos e centrais do estatuto da dominialidade”. Nos artigos 11.º, n.º 1, e 12.º do Decreto Legislativo Regional 8/2020/A, a Assembleia Legislativa Regional dos Açores não está a identificar que tipos de bens é que tem o estatuto de domínio público marítimo, nem a disciplinar ou modificar a sua titularidade ou tão pouco a definir parâmetros fundamentais do regime desses bens. Está tãosomente a concretizar os tramites que, na Região Autónoma dos Açores, integram o procedimento administrativo de demarcação do domínio público hídrico, procedimento esses cujos aspetos fundamentaisisto é, os critérios que definem os limites dos leitos e das margens dominiaissão objeto de regulação em lei da Assembleia da República (a Lei 54/2005). De facto, aquele Decreto Legislativo Regional, incluindo naqueles preceitos, limita-se a definir apenas aspetos acessórios do regime legal em causa, que o legislador nacional entendeu necessário e conveniente serem regulados pelas assembleias legislativas regionais, na medida em que se prendem, designadamente, com o modo como deve ser conformado aquele procedimento administrativo nas Regiões Autónomas, tendo em conta questões de competência e organização próprias das estruturas administrativas regionais.

Afigura-se, pois, inequívoco que, ao aprovar os artigos 11.º, n.º 1, e 12.º do Decreto Legislativo Regional 8/2020/A, a Assembleia Legislativa Regional dos Açores não violou a reserva de competência legislativa da Assembleia da República prevista no artigo 165.º, n.º 1, alínea v), da Constituição.

1.3-Do respeito pelo critério do “âmbito regional”

10-Finalmente, também é desprovido de sentido invocar que tais disposições violam as regras do n.º 4 do artigo 112.º e das alíneas a) e c) do n.º 1 do artigo 227.º da Constituiçãoque definem o âmbito regional como limite positivo e negativo à competência das assembleias legislativas regionais-, por alegadamente “excederem manifestamente esse âmbito, ao regularem com pretensões vinculantes uma matéria respeitante ao domínio de outra pessoa coletiva, o Estado, como é o caso do domínio público marítimo”.

11-O novo modelo constitucional de repartição de competências legislativas entre o Estado e as Regiões Autónomastal como gizado no âmbito da revisão constitucional de 2004-assenta na limitação do exercício do poder legislativo regional em torno de três pressupostos (dois positivos e um negativo) especificamente identificados no texto constitucional:

assim, em termos positivos o texto constitucional determina que (i) as Assembleias Legislativas apenas podem legislar sobre matérias referidas no respetivo Estatuto Político Administrativo (que assim assume um lugar central na determinação da competência legislativa regional), e que (ii) só podem legislar no âmbito regional; assim, em termos positivos o texto constitucional determina que (i) as Assembleias Legislativas apenas podem legislar sobre matérias referidas no respetivo Estatuto Político Administrativo (que assim assume um lugar central na determinação da competência legislativa regional), e que (ii) só podem legislar no âmbito regional; já em termos negativos, a Constituição determina que (iii) não podem legislar em matérias reservadas à competência dos órgãos de soberania (cf. n.º 4 do artigo 112.º, alínea a) do n.º 1 do artigo 227.º e n.º 1 do artigo 228.º).

Ora, ao introduzir no léxico constitucional o conceito de “âmbito regional”, a revisão constitucional de 2004, longe de reeditar a dimensão material associada ao requisito do “interesse específico” até então existente, terá pretendido delimitar a esfera de competência legislativa da Região Autónoma em coerência com a base territorial da pessoa coletiva Região Autónoma, assumindo que o seu território representa o limite espacial absoluto da sua competência legislativaaliás, tal como já vinha sendo reconhecido pela doutrina e pela jurisprudência.

12-Não se ignora que o Tribunal Constitucional tem vindo a adotar um sentido de “âmbito regional” significativamente mais amplo, associandolhe um elemento institucional que impediria os parlamentos regionais de emanarem legislação destinada a produzir efeitos na esfera de outras pessoas coletivas públicas. Como se decidiu, por exemplo, no Acórdão 304/2011, “sem prejuízo de esta expressão ter antes de mais um sentido geográfico, traçando os limites espaciais de vigência dos decretos legislativos regionais, ela tem também forçosamente um sentido institucional, que impede os Parlamentos insulares de emanar legislação destinada a produzir efeitos relativamente a outras pessoas coletivas públicas que se encontram fora do âmbito de jurisdição natural das Regiões Autónomas”.

A verdade, porém, é que mesmo nesta perspetiva jurisprudencial, restritiva da autonomia legislativa regional, nada há a apontar ao Decreto Legislativo Regional 8/2020/A.

Com efeito, ao contrário do que se alega no requerimento de fiscalização da constitucionalidade, ao aprovar tais preceitos, a Assembleia Legislativa da Região Autónoma dos Açores não está a regular uma matéria respeitante ao domínio de outra pessoa coletiva, o Estado, como é o caso do domínio público marítimo”. Tal só sucederia se o objeto daquela regulamentação fosse o de definir quais os tipos de bens que integram o domínio público marítimo do Estado, o que manifestamente não sucede. Quem define esses bensincluindo a disciplina da largura e limites dos leitos e margens das águas costeiras-é uma lei nacional, a Lei 54/2005. A definição dos efeitos jurídicos que, nesta matéria, se projetam na esfera do Estado cabe, assim, integralmente, a esta lei.

O Decreto Legislativo Regional 8/2020/A apenas procede-e em cumprimento de um “mandato” expressamente contido na Lei 54/2005-à regulamentação do procedimento administrativo necessário à execução e aplicação prática desses efeitos jurídicos, que é o procedimento de demarcação. O que está em causa é a definição dos tramites necessários à concretização, no plano dos factos, das regras legais definidoras dos bens do domínio público marítimo e dos seus limites; é a procedimentalização necessária a adequar a situação de facto aos efeitos jurídicos que a legislação da República-e apenas estadetermina que devem ser produzidos no que respeita a tais bens dominiais.

A Assembleia da República já definiu, na Lei 54/2005, que bens integram o domínio público marítimo estadual, conformando a esfera jurídica do Estado quanto a este aspeto, pelo que a regulamentação regional em causa não se destina a determinar a produção de efeitos jurídicos inovadores relativamente ao Estado.

Assim, mesmo que se dê ao critério do “âmbito regional” o alcance amplo que a jurisprudência do Tribunal Constitucional lhe tem atribuído, não se pode de modo algum considerar que os artigos 11.º, n.º 1, e 12.º do Decreto Legislativo Regional 8/2020/A incumprem as regras constitucionais que definem esse critério como limite ao exercício do poder legislativo regional.

13-Em suma, os artigos 11.º, n.º 1, e 12.º do Decreto Legislativo Regional 8/2020/A são totalmente conformes ao quadro constitucional aplicável, pelo que o pedido para que seja reconhecida a inconstitucionalidade desses preceitos deve ser recusado por este Tribunal.

§2.º

Da pretensa inconstitucionalidade do artigo 15.º do Decreto Legislativo Regional 8/2020/A 14-Em segundo lugar, no requerimento de fiscalização abstrata sucessiva da constitucionalidade o PrimeiroMinistro solicita a declaração de inconstitucionalidade do artigo 15.º do Decreto Legislativo Regional 8/2020/A, que prevê a possibilidade de, por decreto legislativo regional, se proceder à desafetação de parcelas do leito ou da margem de bens “do domínio público marítimo”, desde que por “motivo de interesse público devidamente fundamentado”.

Para fundar tal pedido, alega-se que, estando em causa bens que são necessariamente da titularidade do Estado (como seriam todos os bens que integram o domínio público marítimo), “só o Estado pode dispor sobre a afetação ou desafetação desses bens”, pelo que aquele preceito violaria (i) a reserva de competência da Assembleia da República prevista na alínea v) do n.º 1 do artigo 165.º da Constituição e (ii) o âmbito regional como condicionante ao exercício do poder legislativo regional.

15-É sabido que, na nossa ordem jurídica, “perante a existência de dúvidas de constitucionalidade relativamente ao conteúdo de uma disposição normativa dotada de uma pluralidade de sentidos alternativos, a Justiça Constitucional deve optar por realizar uma interpretação conforme à Constituição e evitar o recurso a uma decisão de inconstitucionalidade”. Tal opção configura, mesmo, um “ónus do Tribunal Constitucional, justificado “pelas exigências de proporcionalidade e de respeito pelo imperativo de conservação dos atos, as quais fundamentam a interpretação em conformidade à Constituição” [cf. RUI MEDEIROS, A Decisão de Inconstitucionalidade, Lisboa, 1999, pp. 381 ss;

CARLOS BLANCO DE MORAIS, Justiça Constitucional, Tomo II, 2.ª ed., Coimbra, p. 388].

De facto, “no campo específico da atuação da Justiça Constitucional, a interpretação conforme é um método de fiscalização da constitucionalidade e não apenas um preceito hermenêutico”, o qual pode fundamentar uma sentença de recusa de declaração de inconstitucionalidade de uma disposição normativa impugnada [cf. JORGE MIRANDA, Manual de Direito Constitucional, Vol. II, Coimbra, 2007, p. 312].

O próprio Tribunal Constitucional reconhece que, entre duas interpretações possíveis da mesma norma se háde necessariamente optar por aquela que a torna compatível com a Constituição, salvo se essa mesma interpretação se revelar como inequivocamente incomportável face à letra e ao espírito do preceito em causa” [cf. Acórdão 90/88]. Assim, tal Tribunal só deve optar pela declaração de inconstitucionalidade se “a única interpretação da norma em apreço compatível com a Constituição se tenha de considerar como insustentável” [cf. Acórdão 90/88]. Caso contrário, “perante duas interpretações possíveis de uma norma legaluma, incompatível com a Constituição e outra que, com ela, se compatibiliza-o intérprete deve decidir-se por esta última, ou seja, pela interpretação conforme à Constituição [cf. Acórdão 364/94], por ser essa uma exigência decorrente “do princípio da conservação das normas” [cf. Acórdão 184/2008].

16-Ora, no caso em apreço, há pelo menos um sentido da mencionada norma do artigo 15.º do Decreto Legislativo Regional 8/2020/A que se revela compatível face ao que dispõe a Constituição, devendo, portanto, o Tribunal Constitucional recusar a sua declaração de inconstitucionalidade. Com efeito, tal preceito não incorre em qualquer violação da Constituição se entendido no sentido de que aquilo que visa permitir é apenas a desafetação, por decreto legislativo regional, do leito ou da margem de águas interiores sujeitas à influência das marés.

As águas interiores sujeitas à influência das marés são tradicionalmente qualificadas, bem como os seus leitos e margens, como parte integrante do domínio público marítimo, pelo que tais bens cabem numa interpretação literal do conceito de “domínio público marítimo” mencionado no artigo 15.º do Decreto Legislativo Regional 8/2020/A.

Contudo, não existe, na Constituição, qualquer determinação quanto à integração daquelas águas interiores ou das suas margens e leitos no domínio público estadual. A Lei Fundamental, como já se sublinhou, apenas reconhece a dominialidade das “águas territoriais com os seus leitos e os fundos marinhos contíguos” (cf. artigo 84.º, n.º 1, alínea a)), e nem sequer determina, de forma expressa e imperativa, quem deve ser o titular de tais bens (cf. artigo 84.º, n.º 2).

Por outro lado, inexiste jurisprudência constitucional que, pronunciando-se especificamente sobre as margens e leitos das águas interiores sujeitas à influência das marés, considere que, também aqui, está em causa um domínio público necessário do Estado.

Na verdade, se atendermos aos critérios que tem vindo a ser definidos pelo Tribunal Constitucional para justificar essa dominialidade necessária, verificamos que tais critérios não permitem fundamentar, no caso dessas margens e leitos, tal dominialidade.

Como já se explicitou, a justificação dada para legitimar a construção jurisprudencial do conceito de “domínio público necessário” é de que estão em causa bens que “são inerentes ao próprio conceito de soberania” [cf. Acórdão 330/1999], que têm uma “incindível conexão com os vetores da identidade e soberania nacionais’’ [cf. Acórdão 402/2008], sendo fundamentais para o exercício de certas funções-como a defesa e a segurança nacionalque apenas cabem ao Estado. Aquilo que está em causa são espaçoscomo as águas territoriais e as suas margensque possuem uma ligação incindível à definição da identidade do Estado e, sobretudo, ao exercício de prerrogativas de soberania, nomeadamente as ligadas à defesa e à segurança nacional.

17-Ora, no caso específico das margens e leitos das águas interiores sujeitas à influência das marés, não se vislumbra como pode ser justificada essa ligação incindível ao exercício destas funções de soberania.

A defesa nacional é uma obrigação do Estado (cf. artigo 273.º, n.º 1, da Constituição), que tem por objetivos garantir, no respeito da ordem constitucional, das instituições democráticas e das convenções internacionais, a independência nacional, a integridade do território e a liberdade e a segurança das populações contra qualquer agressão ou ameaça externas (cf. artigo 273.º, n.º 2).

A defesa nacional tem assim, como componente estruturante ou principal, a defesa da integralidade e soberania do Estado, enquanto entidade política, contra a ocupação ou anexação por outro Estado. Neste quadro, a defesa nacional é sinónimo de defesa militar, e tem como principal expoente as Forças Armadas, instituição a quem a Constituição atribui a responsabilidade pela defesa da integridade do território nacional por meios armados (cf. artigo 275.º).

Ora, não se vê como uma determinada conformação das margens e leitos das águas interiores sujeitas à influência das marés da Região Autónoma dos Açores possa efetivamente impedir ou condicionar, de modo substancialmente limitativo, o exercício de funções de defesa militar que o Estado exerce no mar português. Uma coisa é admitir (como o Tribunal Constitucional tem considerado) que as águas costeiras e as respetivas margens têm uma conexão íntima com tais funções, até porque, mesmo historicamente, são suporte físico às atividades de cariz militar através das quais se procura assegurar a garantia da integridade territorial do Estado. Outra coisa é sustentar que tal conexão também abrange margens e leitos de águas interiores (ainda que sujeitas à influência das marés), que são espaços integrados no território regional, desligados da realidade marítima em sentido estrito, e relativamente aos quais não se conhece qualquer papel relevante para o exercício de funções que se possam considerar essenciais à defesa nacional.

Uma margem de águas interiores da região não é, manifestamente, um bem que está conexionado de forma direta e especial à integridade territorial do Estado, que se possa dizer ser imprescindível para a garantia da própria identidade nacional ou que configure um verdadeiro elemento constitutivo do Estado”-justificações usadas pelo Tribunal Constitucional para sustentar a dominialidade necessáriapelo que não existem razões materiais para se reconhecer, quanto a esse bem, essa dominialidade.

18-Não sendo de reconhecer qualquer ligação incindível e comprovável entre esses espaços e o exercício de prerrogativas de soberania, nomeadamente as ligadas à defesa e à segurança nacional, a verdade é que todos os restantes vetores da ordem jurídica propendem no sentido da sua não inclusão no domínio público necessário do Estado, mas sim no domínio público regional.

Na verdade, estão em causa parcelas de terreno que podem ser particularmente relevantes para o exercício de uma visão omnicompreensiva do status dominial, não centrada apenas na garantia da integridade dos bens, mas dirigida à salvaguarda de diversas outras dimensões (ambiental, cultural, turística ou comunicacional) que neles relevam e à respetiva rentabilidade e rentabilização. E a Região Autónoma dos Açores é a entidade que está em melhores condições para executar essa visão, assumindo poderes de disposição dessas parcelas por força da sua exclusão do domínio público necessário estadual e integração no domínio público regional.

Tal soluçãocompatível com o Estatuto Político Administrativo dos Açores, que reconhece a integração das águas interiores, mas não das suas margens e leitos, no domínio publico marítimo estadual (cf. artigo 8.º, n.º 1)-é a mais conforme ao regime autonómico insular, que constitui um princípio determinante de organização do Estado português, assumindo as Regiões Autónomas o nível mais amplo de autonomia no direito portuguêsuma “autonomia qualificada”-que visa assegurar a defesa dos interesses próprios (específicos hoc sensu) das comunidades humanas que constituem o seu substrato subjetivo e que se traduz num leque substancial de missões que são confiadas à Região Autónoma dos Açores (por exemplo, em matéria de desenvolvimento económico e social, bem estar e qualidade de vida das populações, defesa e proteção do ambiente, da natureza, da paisagem e dos recursos naturaiscf. artigo 3.º, alíneas d) e m) do Estatuto).

Por outro lado, tal solução afigura-se também a mais consentânea com o princípio da subsidiariedadeenquanto vetor que propende para a limitação relativa dos poderes das macrocomunidades em favor das comunidades intermédias, na medida em que estas, em razão da sua proximidade, se revelam suscetíveis de desempenhar determinada tarefa de modo mais eficiente-e, em particular, o princípio da subsidiariedade vertical, hoje constitucionalmente consagrado no n.º 1 do artigo 6.º da Lei Fundamental. Tal princípio claramente justifica que à Região Autónoma dos Açores seja dado um papel constitutivo no exercício de poderes de afetação ou desafetação das parcelas territoriais contíguas às águas interiores sujeitas a influência das mares do espaço marítimo, uma vez que, estando os órgãos regionais mais próximos da realidade regional, estarão também em melhor posição para anteciparem as melhores soluções de ordenamento e gestão daqueles espaços territoriais, tendo em conta todos os interesse multifacetados que, atualmente, o domínio público deve procurar assegurar.

Neste quadro, a atribuição de poderes de decisão à Região Autónoma dos Açores em matéria de desafetação das margens e leitos das águas interiores sujeitas à influência das marés, sendo plenamente justificada pelo princípio da subsidiariedade e pelo contexto constitucionalestatutário de reforço dos poderes da Região Autónoma dos Açores, não se afigura, de modo algum, incompatível com os fundamentos justificativos do domínio publico necessário, tal como este foi construído pelo Tribunal Constitucional. O que está em causa é o ordenamento de um espaço territorial que, ainda que contíguo a águas interiores, tem como esfera de intervenção paradigmática a esfera social, económica e ambiental e não desempenha qualquer papel minimamente relevante para o exercício de funções que se possam considerar essenciais à defesa nacional ou possam ter impacto direto na soberania e integridade territorial.

19-Deve, pois, este Tribunal cumprir a exigênciaque como se viu, constitui um verdadeiro ónusde proceder a uma interpretação em conformidade à Constituição do artigo 15.º do Decreto Legislativo Regional 8/2020/A, interpretando tal preceito o sentido de que aquilo que visa permitir é apenas a desafetação, por decreto legislativo regional, de bens que não fazem do domínio público estadual necessário-o leito ou a margem de águas interiores sujeitas à influência das marés e assim recusar a pretensa declaração de inconstitucionalidade daquela regra.

§3.º

DA PRETENSA INCONSTITUCIONALIDADE DOS ARTIGOS 1.º E 3.º DO DECRETO LEGISLATIVO REGIONAL 26/2020/A 20-Em terceiro lugar, o PrimeiroMinistro requereu a declaração de inconstitucionalidade dos n.os 1 e 2 do artigo 1.º e dos n.os 1, 2 e 3 do artigo 3.º do Decreto Legislativo Regional 26/2020/A, normas que procedem à desafetação de uma “área de domínio público marítimo” situada na freguesia de Vila do Porto, na Ilha de Santa Maria e autorizam a sua cedência à Associação ao Clube Naval de Santa Maria.

Alega-se que tais disposições são viciadas de inconstitucionalidade consequente porque a desafetação e posterior cedência são feitas com fundamento no artigo 15.º do Decreto Legislativo Regional 26/2020/A, preceito que, pelas razões mencionadas no parágrafo anterior, o autor do pedido de fiscalização da constitucionalidade reputa como inconstitucional, por permitir a desafetação por decreto legislativo regional de bensneste caso, bens situados nas margens de águas costeirasque integram o domínio público estadual necessário.

21-Como se percebe pelo preâmbulo do Decreto Legislativo Regional 26/2020/A e pelo seu Anexo I, as parcelas que são objeto de desafetação são parcelas adjacentes a um cais-o cais de Vila do Portoonde estava implantada uma Lota, entretanto desativada.

E verdade que, nesse diploma, se qualifica tal parcela de terreno como uma “área do domínio público marítimo”. Mas, em face dos elementos disponíveis, é possível, por interpretação jurídica, concluir que verdadeiramente estamos perante um domínio público de diferente natureza:

o domínio público infraestrutural.

a) Com efeito, é sabido que o domínio público marítimo não esgota a categorias de bens dominiais existentes no território nacional. Uma outra categoria de bens dominiais é a que corresponde ao domínio público infraestruturalisto é, ao conjunto de infraestruturas que constituem o suporte físico artificial de uma determinada atividade ligada à satisfação da utilidade pública de circulação, entendida no seu sentido amplo (ou seja, exprimindo a aceção de movimentação de pessoas, bens, energia ou dados). Por imposição constitucional, apenas as estradas e as linhas férreas nacionais pertencem ao domínio público que cumpre esta funcionalidade (cf. artigo 84.º, n.º 1, alíneas d) e e) da Constituição). Mas a lei, através do artigo 4.º do Decreto Lei 477/80, de 15 de outubroque estabelece o inventário geral do património do Estadoamplia o domínio público infraestrutural, sendo que uma das categorias que integra nesta classe de bens dominiais são exatamente “os portos artificiais e docas, os aeroportos e aeródromos de interesse público” (alínea e)).

A ratio da individualização de um domínio público infraestrutural radica num elemento funcional:

nele se incluem os bens que, compostos por uma universalidade de elementos, constituem o suporte físico para o cumprimento de uma finalidade determinadapermitir o transporte de algo ou de alguém. Está-se a falar de infraestruturas rodoviárias, ferroviárias, portuárias, aeroportuárias, energéticas ou de telecomunicações, normalmente organizadas em rede, e identificadas com a prestação de um serviço de transporte, mediante a oferta de prestações tendencialmente homogéneas a uma pluralidade de utilizadores, de relevância não despicienda para o funcionamento do sistema económico e socioeconómico.

b) Ora, um caiscomo é o cais de Vila do Porto-é um bem que preenche claramente este elemento funcional:

o que está em causa é um porto artificial, isto é, um conjunto de infraestruturas (instalações e equipamentos) implementados numa área marítima, fluvial ou lacustre tendo em vista a movimentação de fluxos (embarque, desembarque) de passageiros e/ou de mercadorias. Tais bens estão indissociavelmente ligados a um interesse coletivo específico, que é o da satisfação de uma utilidade pública de circulação, o que justifica a sua classificação como integrando o domínio público infraestrutural.

Esse estatuto dominial abrange todos os bens, instalações e equipamentos que integram o cais e sirvam de suporte à satisfação desse interesse pois eles constituem uma universalidade tal como ela é concebida no direito do domínio público-ou seja, um complexo de coisas pertencentes ao mesmo sujeito de direito público e afetadas ao mesmo fim de utilidade pública.

Ora, importando decisivamente, neste quadro, esclarecer com rigor o estatuto jurídico dos bens desafetados pelo Decreto Legislativo Regional 26/2020/A-a parcela adjacente ao cais de Vila do Porto onde está implementada a Lota-, parecenos que, pelas razões apontadas, o entendimento correto é o de qualificar tal bem como fazendo parte do domínio público infraestrutural, na medida em que estão em causa bens implementados numa área marítima, tendo em vista a movimentação de fluxos (embarque, desembarque) de passageiros (e/ou de mercadorias).

Deste modo, tem de concluir-se que tais bens integram o domínio público regional, na medida em que o Estatuto Político Administrativo dos Açores integra nesse domínio os portos artificiais, docas e ancoradouros” (cf. artigo 22.º, n.º 1, alínea i)). Sendo certo que, como explicita Ana Raquel Moniz, ‘’devem conceber-se como integrantes na noção de porto (e por consequência excluídos do âmbito do domínio público marítimo), quer as construções humanas e equipamentos imobiliários, quer as faixas de terreno sobre as quais estes se encontram implantados, todos eles formando a universidade pública que constitui a infraestrutura portuária-a qual, localizada em território da região autónoma, integrará o respetivo domínio público regional” [cf. ANA RAQUEL MONIZ, Os direitos da Região Autónoma dos Açores cit., p. 106].

Sublinhe-se que o próprio Tribunal Constitucional já reconheceupor exemplo, no Acórdão 654/2009-que “é, de facto, verdade que a questão do domínio público se coloca de modo diverso consoante estejam em causa construções humanas, as infraestruturas e os equipamentos imobiliários, ou bens do domínio público natural”. Nesse Acórdão, admite-se expressamente a necessidade de estabelecer uma diferença de regime entre “as infraestruturas específicas” e as “margens como um todo”, argumentando-se que “por um lado, não se pode afirmar que a titularidade regional de infraestruturas específicas existentes no perímetro normal das margens tenha necessariamente relevância estratégica sob o ponto de vista da “defesa nacional” (...); e por outro lado, as infraestruturas carecem de cuidados de conservação e manutenção que deverão ficar a cargo de quem está mais próximo delas e mais diretamente delas retira benefícios. E neste sentido que se fala de um “domínio público infra-estrutural” (Ana Raquel Moniz, O Domínio Público, págs. 221-251), e é nessa linha de raciocínio que se defende a titularidade regional das infraestruturas portuárias existentes nas Regiões Autónomas (ibidem, pág. 238)”.

É exatamente isto que sucede no caso em apreço:

a área desafetada pelo Decreto Legislativo Regional 26/2020/A é uma área portuária onde estava edificada uma “infra-estrutura específica existente no perímetro normal das margens” (neste caso, um cais e uma Lota), que não tem qualquer relevância estratégica sob o ponto de vista da “defesa nacional” e que, por estar localizada numa zona portuária, se deve considerar, por força de disposição expressa do Estatuto Político Administrativo dos Açores, parte integrante do domínio público infraestrutural regional relativo aos “portos artificiais, docas e ancoradouros” (cf. artigo 22.º, n.º 1, alínea i)).

Deve, pois, este Tribunal cumprir a exigência de proceder a uma interpretação em conformidade à Constituição dos artigos 1.º e 2.º do Decreto Legislativo Regional 26/2020/A, interpretando tais preceitos no sentido de que aquilo que visam permitir é apenas a desafetação e posterior cedência de um bem que integra o domínio público infraestrutural, de titularidade regional, inexistindo, portanto, qualquer inconstitucionalidade por violação das regras relativas à titularidade estadual do domínio público marítimo. Em consequência, impõe-se recusar a declaração de inconstitucionalidade daquelas regras.

§4.º

DA PRETENSA INCONSTITUCIONALIDADE DOS ARTIGOS 1.º, 2.º E 3.º DO DECRETO LEGISLATIVO REGIONAL 41/2023/A 22-Por último, o PrimeiroMinistro requereu a declaração de inconstitucionalidade dos artigos 1.º, 2.º e 3.º do Decreto Legislativo Regional 41/2023/A, normas que procedem à desafetação de uma “parcela de terreno onde se encontram implantadas as ruínas do Forte de São João Baptista da Praia Formosa”.

Também aqui se alega que tais disposições são viciadas de inconstitucionalidade consequente porque a desafetação de tal parcela é feita com fundamento no artigo 15.º do Decreto Legislativo Regional 26/2020/A, preceito que, pelas razões mencionadas no parágrafo §2.º, o autor do pedido de fiscalização da constitucionalidade reputa como inconstitucional, por permitir a desafetação por decreto legislativo regional de bensneste caso, bens situados nas margens de águas costeirasque integram o domínio público estadual necessário.

23-Verifica-se, contudo, que tal como no parágrafo precedente, não obstante o diploma qualificar a desafetação em causa como uma “desafetação do domínio público marítimo”, a verdade é que, face aos elementos do conhecimento deste Tribunal, é possível, por interpretação jurídica, concluir que verdadeiramente estamos perante um domínio público de diferente natureza:

o domínio público cultural.

a) O domínio público cultural abrange, nos termos da alínea m) do artigo 4.º do Decreto Lei 477/80, os “palácios, monumentos, museus, bibliotecas, arquivos e teatros nacionais”. Estão em causa bens que possuem um interesse cultural relevantedesignadamente, a nível histórico, arqueológico, arquitetónico, linguístico, artístico ou etnográfico-, por refletirem valores de memória, antiguidade, autenticidade, originalidade ou singularidade.

No caso da Região Autónoma dos Açores, estes bens com interesse cultural reconhecidamente relevante integram o domínio público regional. É isso que resulta da alínea i) do n.º 1 do artigo 22.º do Estatuto Político Administrativo dos Açores, que qualifica como bens dominiais regionais “os palácios, monumentos, museus, bibliotecas, arquivos e teatros”.

b) Ora, as ruínas do Forte de São João Baptista da Praia Formosa constituem, manifestamente, um bem de interesse cultural, mais propriamente um monumento. De facto, estamos perante um bem com interesse histórico e arqueológico indesmentível, considerando, designadamente, e como se explicita no preâmbulo do Decreto Legislativo Regional aqui em causa, “que as campanhas de prospeção arqueológicas desenvolvidas no Forte de São João Baptista da Praia Formosa levantam a possibilidade de esta ser a mais antiga estrutura de fortificação no arquipélago, remontando ao século XVI, a que acresce “a sua importância como referência na história militar dos Açores’’.

c) Estando em causa um bem do domínio público regional, da titularidade da Região Autónoma dos Açores, cabe a esta definir qual o estatuto que melhor permite prosseguir a finalidade de interesse público a que ele deve estar adstrito, tendo a Assembleia Legislativa Regional entendido neste caso que, por forma a garantir a sua “fruição pública pela população residente e visitantes”, era necessário “proceder a obras de recuperação” desse monumento, o que justificava a sua desafetação.

Em qualquer caso, o que interessa aqui sublinhar é que, por força de disposição expressa do Estatuto Político Administrativo dos Açores, se devem considerar as ruínas do Forte de São João Baptista da Praia Formosa parte integrante do domínio público cultural regional relativo aos “palácios, monumentos, museus, bibliotecas, arquivos e teatros” (cf. artigo 22.º, n.º 1, alínea i)).

d) Deve, pois, este Tribunal cumprir a exigência de proceder a uma interpretação em conformidade à Constituição dos artigos 1.º, 2.º e 3.º do Decreto Legislativo Regional 41/2023/A, interpretando tais preceitos no sentido de que aquilo que visam permitir é apenas a desafetação de um bem que integra o domínio público cultural, de titularidade regional, inexistindo, portanto, qualquer inconstitucionalidade por violação das regras relativas à titularidade estadual do domínio público marítimo. Em consequência, impõe-se recusar a declaração de inconstitucionalidade daquelas regras.

24-Sem prescindir, sem conceder quanto aos fundamentos do pedido de fiscalização da inconstitucionalidade das citadas normas constantes dos Decretos Legislativos Regionais n.os 8/2020/A, de 30 de março, 26/2020/A, de 15 de outubro, e 41/2023/A, de 28 de novembro, apresentado pelo PrimeiroMinistro, e apenas por mera cautela, os efeitos de uma eventual declaração de inconstitucionalidade devem ser limitados pelo Tribunal Constitucional, por estarem em causa razões segurança jurídica, de equidade e de interesse público de excecional relevo, que impõem tal limitação, nos termos e para os efeitos previstos no n.º 4 do artigo 282.º da Constituição.

A limitação de efeitos da inconstitucionalidade justifica-se por forma a proteger as situações concretas que se tenham constituído ao abrigo das normas que se propõe eliminar da ordem jurídica, de modo a salvaguardar a estabilidade das relações jurídicas, desde logo de natureza económica ou patrimonial que se tenham estabelecido tendo por fundamento ou em resultado da execução dos atos administrativos ou decisões administrativas praticadas pela Região Autónoma dos Açores ao abrigo das normas agora em crise e que permitiram aos particulares a consolidação de relações jurídicas, assentes em contratos celebrados e já executados antes da declaração de inconstitucionalidade, com base nos princípios da confiança, da boafé e da certeza.

Tais contratos geraram direitos e deveres para as partes envolvidas e a sua afetação pela declaração de inconstitucionalidade ofenderiade modo grave e desproporcionadoas exigências de segurança jurídica e de equidade, as quais merecem um tratamento e proteção análogos ao que é que é previsto para o caso julgado no n.º 3 do artigo 282.º da Constituição. A ponderação da limitação de efeitos da inconstitucionalidade deve ser feita pelo Tribunal Constitucional com base num juízo de proporcionalidade, o que significa que “nesta ponderação, o Tribunal Constitucional deve atender às exigências da segurança jurídica (entendida em sentido estrito), da equidade (como solução justa a aplicar aos efeitos concretamente já produzidos pela norma declarada inconstitucional) e do interesse público (de excepcional relevo), cumprindo o mandamento do n.º 4 do artigo 282.º da Constituição”, como o Tribunal Constitucional já decidiu [Acórdão 308/93].

O Tribunal Constitucional deve ponderar “”se as consequências gerais da declaração de inconstitucionalidade são ou não excessivas, devendo, para o efeito ponderar os diferentes interesses em jogo e, concretamente, confrontar os interesses afectados pela lei inconstitucional com aqueles que hipoteticamente seriam sacrificados em consequência da declaração de inconstitucionalidade com eficácia retroactiva e repristinatória”. [Jorge Miranda e Rui Medeiros, Constituição Portuguesa Anotada, Tomo III, Coimbra Editora, Coimbra, 2007, Anotação ao artigo 282.º, pg. 845] Como já decidiu o Tribunal Constitucional “com efeito, em situações anteriores o Tribunal Constitucional considerou que se justificava a limitação de efeitos atendendo à necessidade de cotejar o interesse na reafirmação da ordem jurídica com o interesse na eliminação do factor de insegurança, através de um “juízo de proporcionalidade” em que o interesse público seria ponderado (cf Acórdão 308/93, cit.). E, muito incisivamente, no Acórdão 57/95 (cit.), o Tribunal considerou, a propósito da utilidade de uma eventual declaração de inconstitucionalidade de várias normas tributárias já revogadas, que não deixaria, “manifestamente”, de limitar os efeitos dessa eventual declaração, por razões de segurança jurídica. [Ac. 430/93] Nestes termos, justifica-se que o Tribunal Constitucional limite os efeitos de uma eventual declaração de inconstitucionalidade, nos termos e para os efeitos previstos no n.º 4 do artigo 282.º da Constituição.

Termos em que se requer que o pedido de fiscalização da constitucionalidade das normas constantes dos Decretos Legislativos Regionais n.os 8/2020/A, de 30 de março, 26/2020/A, de 15 de outubro, e 41/2023/A, de 28 de novembro, seja julgado totalmente improcedente.

(...)

»

.

4-Discutido o memorando elaborado pelo Presidente do Tribunal, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 63.º, n.º 1 da LTC, e tendo este sido submetido a debate, de acordo com o n.º 2 do referido preceito, cumpre agora decidir em conformidade com a orientação então fixada.

Cumpre apreciar e decidir.

IIFundamentação

a) Questões prévias 5-As normas do artigo 281.º, n.º 1, alíneas a) e c), e n.º 2, alínea c), da CRP, conferem ao PrimeiroMinistro legitimidade para requerer ao Tribunal Constitucional a declaração de inconstitucionalidade ou de ilegalidade de quaisquer normas com força obrigatória geral. Tendo em conta que o pedido foi subscrito pelo PrimeiroMinistro do XXIII Governo Constitucional, tem-se por verificada a legitimidade processual ativa.

b) As normas objeto 6-O objeto dos presentes autos é composto, primariamente, pelas normas emergentes do n.º 1 do artigo 11.º, do artigo 12.º, do artigo 14.º e dos n.os 1 e 2 do artigo 15.º, todos do Decreto Legislativo Regional 8/2020/A, de 30 de março; e, por conexão instrumental com tais normas, pelas normas resultantes dos n.os 1 e 2 do artigo 1.º, do artigo 2.º e do artigo 3.º do Decreto Legislativo Regional 26/2020/A, de 15 de outubro, na sua redação atual, bem como das normas constantes dos artigos 1.º, 2.º e 3.º do Decreto Legislativo Regional 41/2023/A, de 28 de novembro.

7-Os preceitos do Decreto Legislativo Regional 8/2020/A, de 30 de março, têm a seguinte redação:

«

Artigo 11.º

Homologação ou arquivamento 1-A proposta de delimitação elaborada pelas comissões de delimitação, instruída com o seu parecer favorável, é submetida à homologação do Conselho de Governo Regional pelo membro do Governo Regional com competência em matéria de recursos hídricos, quando esteja em causa a delimitação do domínio público lacustre, ou pelo membro do Governo Regional com competência em matéria de gestão da orla costeira, quando esteja em causa a delimitação do domínio público marítimo.

2-[...]

3-[...]

4-[...]

5-[...]

6-[...]

7-[...]

Artigo 12.º

Efeito vinculativo A homologação da proposta de delimitação é vinculativa para todas as autoridades públicas, sem prejuízo de decisão judicial que venha a ser proferida que vincule o Estado e a Região Autónoma dos Açores.

(...)

Artigo 14.º

Desafetação do domínio público hídrico lacustre e das restantes águas 1-Mediante decreto legislativo regional pode ser desafetada do domínio público hídrico lacustre e das restantes águas qualquer parcela do seu leito ou da margem que deva deixar de estar afeta exclusivamente ao interesse público do uso das águas que serve.

2-Para efeitos do disposto no número anterior, o diploma que proceda à desafetação do domínio público hídrico ali referido deve conter os seguintes elementos:

a) A identificação completa do bem, do fim público que lhe estava associado e do fim privado a que se destina;

b) A fundamentação da extinção da utilidade pública a que a parcela do leito ou margem estava afeta, ou a demonstração da existência de um fim de interesse público geral melhor prosseguido através da integração daquela parcela no domínio privado.

Artigo 15.º

Desafetação do domínio público marítimo 1-Mediante decreto legislativo regional, desde que por motivo de interesse público devidamente fundamentado, pode ser desafetada do domínio público marítimo qualquer parcela do leito ou da margem.

2-Para efeitos do disposto no número anterior, o diploma que proceda à desafetação do domínio público marítimo deve conter os elementos referidos no n.º 2 do artigo anterior.

»

8-Os preceitos do Decreto Legislativo Regional 26/2020/A, de 15 de outubro, têm a seguinte redação:

«

Artigo 1.º

Objeto 1-Pelo presente diploma, os terrenos integrados em área de domínio público marítimo representados na planta constante do anexo i do mesmo e que dele faz parte integrante são objeto de desafetação do domínio público marítimo, por motivos de interesse público.

2-Os terrenos dominiais referidos no número anterior e que são objeto de desafetação pelo presente diploma passam a integrar o domínio privado da Região Autónoma dos Açores.

Artigo 2.º

Procedimentos Os elementos a que se refere o n.º 2 do artigo 14.º do Decreto Legislativo Regional 8/2020/A, de 30 de março, são os constantes do anexo ii do presente diploma e que dele fazem parte integrante.

Artigo 3.º

Cedência 1-Verificada a desafetação do domínio público marítimo e a sua integração no domínio privado regional, os terrenos objeto do presente diploma podem ser objeto de contrato de cedência a título definitivo e gratuito a realizar com a associação Clube Naval de Santa Maria, nos termos que forem aprovados por resolução do Governo Regional.

2-O contrato de cedência referido no número anterior é realizado com observância do Regime Jurídico da Gestão dos Imóveis do Domínio Privado da Região Autónoma dos Açores, aprovado pelo Decreto Legislativo Regional 11/2008/A, de 19 de maio, alterado e republicado pelo Decreto Legislativo Regional 8/2017/A, de 10 de outubro.

3-O contrato de cedência referido no n.º 1 deve prever, obrigatoriamente, a possibilidade de reversão dos terrenos.

»

9-Os preceitos do Decreto Legislativo Regional 41/2023/A, de 28 de novembro, têm a seguinte redação:

«

Artigo 1.º

Objeto O presente diploma procede à desafetação do domínio público marítimo, por motivos de interesse público, da parcela de terreno onde se encontram implantadas as ruínas do Forte de São João Baptista da Praia Formosa, situada na freguesia de Almagreira, concelho de Vila do Porto, ilha de Santa Maria.

Artigo 2.º

Procedimentos Os elementos a que se refere o n.º 2 do artigo 14.º do Decreto Legislativo Regional 8/2020/A, de 30 de março, são os constantes do anexo I ao presente diploma e que dele fazem parte integrante.

Artigo 3.º

Integração no domínio privado da Região Autónoma dos Açores A parcela de terreno referida no artigo anterior, representada na planta constante do anexo II ao presente diploma, do qual faz parte integrante, passa a integrar o domínio privado da Região Autónoma dos Açores.

»

10-Como resulta do seu requerimento, o Requerente estrutura o pedido em três blocos normativos, segundo critérios de “consequencialidade” e “conexão instrumental”

:

a) O primeiro bloco (I) é composto pelas normas emergentes do n.º 1 do artigo 11.º, do artigo 12.º, do Decreto Legislativo Regional 8/2020/A.

b) O segundo bloco (II) é composto pelas normas emergentes dos n.os 1 e 2 do artigo 15.º e, a “título consequencial”, pelas normas emergentes do artigo 14.º, ambos ainda do Decreto Legislativo Regional 8/2020/A.

c) O terceiro bloco (III) é composto pelas normas que emergem dos n.os 1 e 2 do artigo 1.º, do artigo 2.º e do artigo 3.º do Decreto Legislativo Regional 26/2020/A, na sua redação atual, bem como pelas normas resultantes dos artigos 1.º, 2.º e 3.º do Decreto Legislativo Regional 41/2023/A, que o Requerente considera estarem numa relação de “conexão instrumental” com as normas dos blocos I e II.

11-Seguir-se-á a sequência desses blocos normativos, conforme apresentados pelo Requerente, sendo certo que no bloco normativo II a relação de consequencialidade das normas que o compõem é interna; enquanto a “conexão instrumental” que o Requerente entende caracterizar o bloco III é externa, pois é determinada por uma relação com as normas dos blocos I e II que pertencem a um diploma diferente.

c) Os parâmetros convocados 12-O Requerente convoca como parâmetros do seu pedido de fiscalização da constitucionalidade o disposto no artigo 84.º, n.º 1, alínea a), conjugado com o artigo 165.º, n.º 1, alínea v), e no artigo 112.º, n.º 4, conjugado com artigo 227.º, n.º 1, alínea a), todos da CRP, em razão de-a seu veras normas sindicadas disporem sobre bens dominiais do Estado, extravasando a reserva de lei parlamentar quanto à delimitação do domínio público marítimo, bem como o âmbito regional como limite do poder legislativo regional. E, como parâmetro do seu pedido de fiscalização da legalidade, o disposto no artigo 22.º, n.º 3 do EPARAA, em razão de as normas sindicadas

«

disporem sobre o domínio público marítimo como se o mesmo integrasse o domínio público da Região Autónoma dos Açores ou como se a Região pudesse regular a titularidade de bens dominiais do Estado

»

.

13-A relação que o Requerente estabelece entre as normas objeto do pedido de fiscalização e os parâmetros convocados situa os temas a decidir entre (i) as vinculações constitucionais em matéria de domínio público do Estado e das Regiões Autónomas, em especial, o domínio público marítimo, e (ii) as vinculações e liberdade do legislador regional nesse domínio específico. Mas em rigor, não só nesse domínio específico. Com efeito, o apelo ao artigo 112.º, n.º 4 e ao artigo 227.º, n.º 1, alínea a), ambos da CRP, chama à presença de tais parâmetros constitucionais as normas objeto do pedido para que as mesmas respondam pela sua manutenção dentro do âmbito regional.

14-Recorde-se que, em primeiro lugar, o Tribunal Constitucional pode declarar a inconstitucionalidade ou a ilegalidade das normas objeto do pedido com fundamentação na violação de regras ou princípios constitucionais diversos daqueles cuja violação haja sido invocada (cf. artigo 51.º, n.º 5 parte final, da LTC). Em segundo lugar, a apreciação das questões de constitucionalidade precede as de legalidade (por violação de lei de valor reforçado), que só serão conhecidas se não existir uma decisão positiva de inconstitucionalidade, logicamente precedente, e que consuma a utilidade da sua apreciação.

d) Enquadramento do regime em análise 15-O pedido de fiscalização da constitucionalidade que ora se aprecia é situado pelo Requerente no âmbito temático do domínio público estadual e regional, em especial no tocante ao domínio público marítimo, em razão da matéria sobre a qual as normas objeto dispõem, mas também em face da jurisprudência constitucional sobre a mesma. Com efeito, a jurisprudência constitucional, na linha dos Acórdãos n.os 330/1999, 654/2009, 315/2014 e 136/2016, veio a assentar que o domínio público marítimo é necessariamente estadual, posição que ficou sintetizada, por último, no Acórdão 484/2022, nos seguintes termos:

«

8-De harmonia com o disposto no artigo 84.º n.º 1, alínea a), da CRP, são bens do domínio público as “águas territoriais com os seus leitos e fundos marinhos contíguos”. No mesmo sentido, o artigo 3.º da Lei 54/2005 dispõe que integram o domínio público marítimo as águas costeiras, territoriais e interiores sujeitas à influência das marés, nos rios, lagos e lagoas, assim como o respetivo leito e margens, e os fundos marinhos contíguos da plataforma continental, abrangendo toda a zona económica exclusiva.

O conceito constitucional de

«

águas territoriais

» abrange as águas marítimas interiores e o mar territorial; e o conceito de
«

fundos marinhos contíguos

» pretende abranger a plataforma continental. De modo que o domínio público marítimo integra as águas territoriais (águas internas e mar territorial) e a plataforma continental, ficando de fora a zona contígua e as águas (coluna de água e superfície) da zona económica exclusiva.

A integração do mar territorial e da plataforma continental no domínio público marítimo fundamenta-se essencialmente na ligação que têm com a soberania do Estado. De facto, além de se tratar de bens cuja existência e estado resultam de fenómenos naturais, qualidade que já impõe a sua dominialidade (domínio público natural), a utilidade que apresentam à coletividade pública está conexionada

«

de uma forma muito especial com a integridade territorial do Estado, e com a respetiva sobrevivência enquanto tal, senão mesmo com a própria identidade (identificação) nacional

»

(Ana Raquel Gonçalves Moniz, “O Domínio Público”, in O Critério e o Regime Jurídico da Dominialidade, Almedina, pág. 292). São zonas marítimas que pertencem ao domínio público necessário, por serem

«

bens que não podem pertencer senão ao Estado, e o seu estatuto jurídico não pode ser outro senão o da dominialidade

»

(Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, Vol. I, 4.º ed. pág. 1002). A conexão íntima do mar territorial e da plataforma continental com as funções de soberania e defesa do Estado e mesmo com a sua identidade, sujeitam esses espaços a um regime de domínio público estadual.

9-Aditado pela revisão constitucional de 1989, o artigo 84.º da Constituição vem dispor que pertencem ao domínio público

«

as águas territoriais com os seus leitos e os fundos marinhos contíguos

»

-cf. n.º 1, alínea a)-, não se dispondo diretamente sobre o domínio público marítimo em toda a sua extensão. A delimitação deste último foi deixada ao critério do legislador ordinário, limitando-se a alínea f) da mesma disposição constitucional a dar guarida à inclusão no domínio público de

«

outros bens como tal classificados por lei

»

. O n.º 2 deste artigo 84.º esclarece ainda, que compete também à lei

«

definir quais os bens que integram o domínio público do Estado, o domínio público das regiões autónomas e o domínio público das autarquias locais, bem como o seu regime, condições de utilização e limites

»

. Ou seja, a Constituição limitou-se a garantir a existência de um regime jurídico de domínio público, marcado pela exclusão do comércio jurídicoprivado de determinados bens, bens estes não inventariados exaustivamente na Lei Fundamental, do mesmo passo que garante ainda a titularidade de bens dominiais por parte das pessoas coletivas de população e território e remete para a lei ordinária

«

o regime, condições de utilização e limites

» do domínio público. Correspondentemente, a alínea v) do n.º 1 do artigo 165.º da Constituição inclui, na reserva relativa de competência legislativa da Assembleia da República, a
«

definição e regime dos bens do domínio público

»

.

Conforme esclarecem os últimos Autores, o conceito de águas territoriais, a que alude a alínea a) do n.º 1 do artigo 84.º da Constituição, refere-se às águas marítimas e abrange o mar territorial, enquanto a menção ao leito das águas territoriais e aos fundos marinhos contíguos às águas territoriais pretende abranger as plataformas continentaisibidem, p. 228-, zonas hoje reguladas e descritas, como já se referiu acima, na Lei 34/2006, de 28 de julho, em linha com a CNUDM. Vale isto por dizer que, das três zonas que, nos termos do também já referido artigo 2.º da Lei 17/2014, compõem o espaço marítimo nacional, integram o domínio público o mar territorial e a plataforma continental por força da própria Constituição. Já a outra zona contemplada nesse preceito legal-a zona económica exclusivanão integra o domínio público, nem nos termos da Constituição, nem nos termos da lei ordinária, sendo o mesmo objeto de meros direitos de fruição e não de verdadeiros direitos sobre o espaço ou o território (como seria próprio da dominialidade), ainda que a Constituição inclua a zona económica exclusiva no artigo 5.º relativo ao território nacional.

Como salientam ainda GOMES CANOTILHO/VITAL MOREIRA,

«

compete à lei a determinação do sujeito titular dos diversos tipos de bens do domínio público, embora pareça natural que certos bens não podem deixar de integrar o domínio público do Estado, por serem inerentes ao próprio conceito de soberania (como sucede com o domínio público marítimo e aéreo), não podendo por isso pertencer ao domínio público de entes públicos intraestaduais

»

-ibidem, p. 1005.

Este tem sido o entendimento da jurisprudência deste Tribunal, que reiteradamente considera o mar circundante das regiões autónomas um bem dominial integrado necessariamente no domínio público marítimo estadual, atenta a incindível conexão com a identidade e a soberania nacionais (Acórdãos n.os 280/90, 330/99, 131/2003, 654/2009, 402/2008, 315/2014 e 136/2016).

Também a doutrina tem excluído do domínio público regional as águas territoriais e os fundos marinhos contíguos da plataforma continental integrados no território regional pelo facto de serem

«

inerentes ao próprio conceito de soberania

»

(Gomes Canotilho e Vital Moreira, ob. cit. pág. 1004;

Jorge Miranda/Rui Medeiros, Constituição Portuguesa Anotada, Tomo II, Coimbra Editora, 2006, pág. 92;

Rui Medeiros/Tiago Fidalgo de Freitas/Rui Lanceiro, Enquadramento da Reforma do Estatuto PolíticoAdministrativo da Região Autónoma dos Açores, 2006, pág. 190;

Ana Raquel Gonçalves Moniz, “Direito do Domínio Público”, in Tratado de Direito Administrativo Especial, Vol. V, Almedina, pág. 109; e Fernando Alves Correia/Ana Raquel Gonçalves Moniz, Estudo sobre os Regimes Jurídicos das Zonas Costeiras da Região Autónoma dos Açores, Coimbra Ana Raquel Gonçalves Moniz, “Direito do Domínio Público”, in Tratado de Direito Administrativo Especial, Vol. V, Almedina, pág. 109; e Fernando Alves Correia/Ana Raquel Gonçalves Moniz, Estudo sobre os Regimes Jurídicos das Zonas Costeiras da Região Autónoma dos Açores, Coimbra:

CEDOUA, Instituto Jurídico da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, 2015, pág. 26).

Em conformidade com esta jurisprudência e doutrina, o n.º 2 do artigo 22.º do EPARAA, após a 3.ª revisão, acabou por excetuar do domínio público regional os bens afetos ao domínio público militar, ao domínio público marítimo, ao domínio público aéreo e, salvo quando classificados como património cultural, os bens dominiais afetos a serviços públicos não regionalizados.

»

16-Pode não ser necessário, porém, mobilizar plenamente esta jurisprudência constitucional. As normas objeto do presente recurso foram todas elas aprovadas pela ALRAA, assumindo a forma de decreto legislativo regional (não era esse o caso no Acórdão 484/2022, cujo objeto consistia integralmente em normas constantes de lei parlamentar, a saber:

as

«

normas constantes do n.º 3 do artigo 8.º e do artigo 31.º-A-e, pela sua conexão, do segmento final do n.º 1 do artigo 8.º-da Lei 17/2014, de 10 de abril, na redação que lhes foi dada pela Lei 1/2021, de 11 de janeiro, que procede à primeira alteração à Lei de Bases da Política de Ordenamento e de Gestão do Espaço Marítimo Nacional, aprovada pela referida Lei 17/2014, de 10 de abril

»

). Assim, ainda que possa discutir-se a natureza das normas do bloco (III), pertencentes aos Decretos Legislativos Regionais n.os 26/2020/A e 41/2023/A (cf. infra), não há dúvida de que todas as normas objeto do pedido (i) são oriundas do poder legislativo regional, tendo sido aprovadas pelo órgão regional com competência legislativa e com invocação das regras constitucionais e estatutárias que, a priori, lhe atribuem e delimitam tal competência (no caso do Decreto Legislativo Regional 8/2020/A, o disposto nos artigos 112.º, n.º 4 e 227.º, n.º 1, alínea a), ambos da CRP, e o disposto nos artigos 37.º e 57.º, ambos do EPARAA; no caso daqueles outros dois diplomas, o disposto no artigo 227.º, n.º 1, alínea a) da CRP, e no artigo 37.º, n.º 1 do EPARAA);

(ii) e preenchem o conceito funcional de norma que a jurisprudência constitucional consagrou como relevante para efeitos de identificação de um objeto (normativo) idóneo a submeter a fiscalização da constitucionalidade (cf. Acórdãos n.os 654/2009, 130/2006, 529/2001, 1058/96, 24/1998, 1/1997, 80/86 e 26/85).

17-Assim sendo, o controlo de constitucionalidade das normas em apreço deve iniciar-se pelo confronto com os parâmetros mais próximos, que são os diretamente respeitantes ao exercício da competência legislativa regional. Não é o caso do disposto no artigo 84.º, n.º 1 da CRP, do qual irradia (pois outros se lhe podem juntar) a normatividade constitucional na qual se suporta a afirmação do domínio público marítimo como necessariamente estadual, que se dirige tanto ao legislador nacional como regional, e quaisquer outros poderes normativos. Tal posição de parametricidade prima facie é, neste caso, ocupada pelas normas constitucionais imediatamente respeitantes ao poder legislativo regional, designadamente, constantes dos artigos 112.º, n.º 4, 225.º, 227.º e 228.º, todos da CRP.

18-A eleição do(s) parâmetro(s) imediatamente relevante(s) para o caso em apreço depende de uma caracterização jurídica das soluções normativas que o Tribunal Constitucional é chamado a apreciar. Trata-se de uma caracterização instrumental à identificação da questão de constitucionalidade, percurso esse que, uma vez iniciado, terá a sua “primeira paragem” no momento em que permitir estabelecer uma “primeira correspondência”, i. e., uma relação imediata com certo parâmetro constitucional.

19-O Decreto Legislativo Regional 8/2020/A, ao qual pertencem todas as normas em fiscalização dos blocos (I) e (II) (cf. supra, § 10), intitula-se “regime jurídico do processo de delimitação e desafetação do domínio hídrico na Região Autónoma dos Açores”. As normas do bloco (I), emergentes do n.º 1 do artigo 11.º, e do artigo 12.º, estão inseridas no Capítulo II, respeitante à delimitação dos leitos e margens dominiais. As normas emergentes dos n.os 1 e 2 do artigo 15.º e, a “título consequencial”, as normas emergentes do artigo 14.º, compõem e esgotam o Capítulo III, relativo à desafetação do domínio público hídrico. Já as normas do bloco (III) constituem concretizações das normas pertencentes àqueles dois primeiros blocos, em especial do bloco (II), pois procedem à desafetação em concreto de determinadas parcelas (sem prejuízo de outros desenvolvimentos:

cf. infra).

20-Tenhamos em conta, de momento, apenas as normas pertencentes aos blocos (I) e (II). Todas respeitam ao domínio público hídrico na Região Autónoma dos Açores e, em especial, ao procedimento tendente à decisão sobre o que o integra ou dele é excluído. Com efeito, a delimitação consiste na identificação da linha

«

que define a estrema dos leitos e margens do domínio hídrico confinantes com terrenos de outra natureza

»

(definição constante do artigo 2.º, alínea c) do Decreto Legislativo Regional 8/2020/A, essencialmente coincidente com a que se encontra no artigo 17.º, n.º 1 da Lei 54/2005, de 15 de novembro, que estabelece a titularidade dos recursos hídricos, na redação que lhe foi dada pelas Leis 78/2013, de 21 de novembro, 34/2014, de 19 de junho e 31/2016, de 23 de agosto). A delimitação traça, pois, uma “fronteira” entre o que é domínio público hídrico (leitos e margens) e o que não o é. O que o não for, por força da delimitação, será de outra natureza, i. e., suscetível de outro regime e/ou de outra titularidade. A delimitação visa uma separação entre “terrenos”, que tem o propósito prático de permitir a estabilização da sua titularidade. A delimitação pode coincidir com a separação do que sejam “recursos hídricos patrimoniais” (que podem pertencer a entes públicos ou privados, assumindo neste último caso a designação de “águas” ou “recursos hídricos particulares”

:

cf. artigo 18.º n.os 1 e 2 da Lei 54/2005). O propósito da delimitação, porém, não é simplesmente uma qualificação descritiva, mas antes normativa, respeitante prima facie à titularidade ou à sua suscetibilidade, designadamente, de titularidade de direito privado:

daí que o n.º 3 deste mesmo artigo 18.º estabeleça que

«

[c]onstituem designadamente recursos hídricos particulares aqueles que, nos termos da lei civil, assim sejam caracterizados, salvo se, por força dos preceitos anteriores, deverem considerar-se integrados no domínio público

»

. A reforçar esta conclusão está o disposto no artigo 3.º, n.º 2 do Decreto Legislativo Regional 8/2020/A, que assenta que

«

[c]onstituem propriedade privada, dispensando o processo de delimitação previsto no número anterior, as situações seguintes:

a) [q]uando os terrenos estejam localizados junto à crista das arribas alcantiladas;

b) [s]empre que entre os terrenos e a margem se interponha uma via regional ou municipal;

c) [q]uando os terrenos estejam integrados em núcleos urbanos consolidados.

»

21-O domínio público hídrico compreende o domínio público marítimo, o domínio público lacustre e fluvial e o domínio público das restantes águas (cf. artigo 2.º, n.º 1 da Lei 54/2005). Se o domínio público hídrico, categoria mais ampla, pode pertencer ao Estado, às Regiões Autónomas e aos municípios e freguesias (cf. artigo 2.º, n.º 1 da Lei 54/2005), o domínio público marítimo, compreendido naquele, pelo menos por força da lei pertence ao Estado (cf. artigo 4.º da Lei 54/2005); e diz-se “pelo menos” porque, como se sabe também, a CRP é expressa quanto à qualificação dominial de alguns “espaços marítimos” (para usar uma expressão de origem jusinternacional:

cf. artigo 84.º, n.º 1 da CRP), mas a necessidade da respetiva titularidade estadual resulta da hermenêutica que a jurisprudência constitucional vem desenvolvendo (cf. supra, § 15).

22-Deste modo, se a delimitação do domínio público hídrico visa estabilizar a correspondente titularidade, o procedimento (ou a parte dele) disciplinado pelo disposto nas normas do bloco (I) parece suscetível de ter efeitos na delimitação do domínio público do Estado na Região Autónoma dos Açores. A ser o caso, trata-se de normas regionais que afetam a compleição do domínio público estadual. Vejamos mais atentamente.

23-A Constituição estabelece, no seu artigo 84.º, n.º 1, alínea a), que pertencem ao domínio público-i. e., que são bens do domínio público-

«

[a]s águas territoriais com os seus leitos e os fundos marinhos contíguos, bem como os lagos, lagoas e cursos de água navegáveis ou flutuáveis, com os respetivos leitos

»

. Por sua vez, o n.º 2 do mesmo artigo afirma que

«

[a] lei define quais os bens que integram o domínio público do Estado, o domínio público das regiões autónomas e o domínio público das autarquias locais, bem como o seu regime, condições de utilização e limites.

»

24-O significado constitucional de

«

águas territoriais

» e
«

fundos marinhos contíguos

» tem sido trabalhado pela jurisprudência deste Tribunal. Nas palavras do Acórdão 136/2016 (que seriam depois recuperadas no Acórdão 484/2022):
«

O conceito constitucional de

«

águas territoriais

» abrange as águas marítimas interiores e o mar territorial; e o conceito de
«

fundos marinhos contíguos

» pretende abranger a plataforma continental. De modo que o domínio público marítimo integra apenas as águas territoriais (águas internas e mar territorial) e a plataforma continental, ficando de fora a zona contígua e as águas (coluna de água e superfície) da zona económica exclusiva. Na alínea d), do artigo 3.º da Lei 54/2005 de 15 de novembro faz-se referência a esta última zona, mas só os recursos nela existentes é que podem pertencer ao domínio público, uma vez que decorre do artigo 56.º da [Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar. de 10 de dezembro de 1982] que nessa zona o Estado português apenas detém direitos de soberania no que tange à exploração, aproveitamento e gestão dos recursos naturais.

A integração do mar territorial e da plataforma continental no domínio público marítimo fundamenta-se essencialmente na ligação que têm com a soberania do Estado. De facto, além de se tratar de bens cuja existência e estado resultam de fenómenos naturais, qualidade que já impõe a sua dominialidade (domínio público natural), a utilidade que apresentam à coletividade pública está conexionada

«

de uma forma muito especial com a integridade territorial do Estado, e com a respetiva sobrevivência enquanto tal, senão mesmo com a própria identidade (identificação) nacional

»

(Ana Raquel Gonçalves Moniz, in, O Domínio Público. O Critério e o Regime Jurídico da Dominialidade, Almedina, pág. 292).

»

25-Assim, o domínio público marítimo abrange todo o mar territorial e toda a plataforma continental, mesmo que estejam integrados em áreas adjacentes das Regiões Autónomas dos Açores e da Madeira. É verdade que, no que especificamente diz respeito ao EPARAA, o seu artigo 2.º determina que fazem parte do território regional as nove ilhas do arquipélago, bem como as suas águas interiores, o mar territorial e a plataforma continental, contíguos a esse mesmo arquipélago. Contudo, tal não significa que tudo isso faça parte do domínio público regional. Pelo contrário, e atendendo ao que agora se expôs, fazer parte do território regional não implica fazer parte do domínio público regionalque é o mesmo que dizer:

a partir do momento em que a titularidade dessas zonas marítimas é do Estado, então, e qualquer que seja a sua localização, elas fazem parte do domínio público marítimo estadual. De novo, quer a jurisprudência, quer a doutrina, são contundentes nesta conclusão:

«

Os espaços marinhos territoriais, ainda que integrados no território regional (artigo 2.º, n.º 2 do EPARAA), pertencem ao domínio público estadual, porque conaturais à caracterização do território do Estado Português, enquanto lugar de exercício da soberania estadual, mas também pelo significado que revestem para a própria identidade e soberania nacional e pelas funções que podem desempenhar, designadamente as de defesa e segurança nacional.

Este tem sido o entendimento da jurisprudência deste Tribunal, que reiteradamente considera o mar circundante das regiões autónomas um bem dominial integrado necessariamente no domínio público marítimo estadual, atenta a incindível conexão com a identidade e a soberania nacionais (Acórdãos n.os 280/90, 330/99, 131/2003, 654/2009, 402/2008 e 315/2014).

De igual modo defende a doutrina, que exclui do domínio público regional as águas territoriais e os fundos marinhos contíguos da plataforma continental integrados no território regional pelo facto de serem

«

inerentes ao próprio conceito de soberania

»

(Gomes Canotilho e Vital Moreira, ob. cit. pág. 1004;

Jorge Miranda/Rui Medeiros, Constituição Portuguesa Anotada, Tomo II, Coimbra Editora, 2006, pág. 92;

Rui Medeiros/Tiago Fidalgo de Freitas/Rui Lanceiro, Enquadramento da Reforma do Estatuto PolíticoAdministrativo da Região Autónoma dos Açores, 2006, pág. 190;

Ana Raquel Gonçalves Moniz, “Direito do Domínio Público”, in Tratado de Direito Administrativo Especial, Vol. V, Almedina, pág. 109; e Fernando Alves Correia/Ana Raquel Gonçalves Moniz, Estudo sobre os Regimes Jurídicos das Zonas Costeiras da Região Autónoma dos Açores, Coimbra Ana Raquel Gonçalves Moniz, “Direito do Domínio Público”, in Tratado de Direito Administrativo Especial, Vol. V, Almedina, pág. 109; e Fernando Alves Correia/Ana Raquel Gonçalves Moniz, Estudo sobre os Regimes Jurídicos das Zonas Costeiras da Região Autónoma dos Açores, Coimbra:

CEDOUA, Instituto Jurídico da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, 2015, pág. 26)

»

(cf., Acórdão 136/2016).

»

26-É, aliás, esta mesma conclusão que explica que, em coerência, o n.º 2 do artigo 22.º do EPARAA, após a sua 3.ª revisão, tenha acabado por excluir do domínio público regional os bens afetos (não só, mas também) ao domínio público marítimo.

27-De acordo com o artigo 3.º da Lei 54/2005, que estabelece a titularidade dos recursos hídricos, o domínio público marítimo compreende (não só, mas também)

«

[o] leito das águas costeiras e territoriais e das águas interiores sujeitas à influência das marés

»

(alínea c)), bem como

«

[a]s margens das águas costeiras e das águas interiores sujeitas à influência das marés

»

(alínea e)). Nos termos do artigo 10.º, n.os 1 e 2 desta mesma Lei,

«

[e]ntende-se por leito o terreno coberto pelas águas quando não influenciadas por cheias extraordinárias, inundações ou tempestades

»

, sendo que

«

[o] leito das águas do mar, bem como das demais águas sujeitas à influência das marés, é limitado pela linha da máxima preiamar de águas vivas equinociais

»

. O artigo 11.º do mesmo diploma legal dispõe que

«

[e]ntende-se por margem uma faixa de terreno contígua ou sobranceira à linha que limita o leito das águas

»

, sendo que

«

[a] margem das águas do mar, bem como a das águas navegáveis ou flutuáveis sujeitas à jurisdição dos órgãos locais da DireçãoGeral da Autoridade Marítima ou das autoridades portuárias, tem a largura de 50 m

»

(n.os 1 e 2 do referido artigo), sem prejuízo de

«

[n]as regiões autónomas, se a margem atingir uma estrada regional ou municipal existente, a sua largura só se estende[r] até essa via

»

(n.º 7 do referido artigo).

28-Ainda no âmbito da Lei 54/2005, e tendo em conta o que acabou de se referir, pode suceder que os leitos e as margens dominiais estejam confinantes com terrenos de outra natureza:

na verdade, isso acaba por ser inevitável. Pode ser necessário, então, fixar limites, sendo que, nos termos do artigo 17.º, n.º 1, do mencionado diploma, a

«

delimitação do domínio público hídrico é o procedimento administrativo pelo qual são fixados [esses] limites

»

(n.º 1 do referido artigo), competindo essa delimitação

«

ao Estado ou às regiões autónomas, que a ela procedem oficiosamente, quando necessário, ou a requerimento dos interessados

»

(n.º 2 do referido artigo).

29-Ora, foi exatamente neste contexto que surgiu o Decreto Lei 353/2007, de 6 de outubro, que estabelece o procedimento de delimitação do domínio público hídrico. Este diploma tinha (e tem) como desiderato aperfeiçoar e desenvolver o processo de delimitação consagrado no mencionado artigo 17.º da Lei 54/2005, sendo de especial relevância atentar no respetivo artigo 2.º, que dispõe que o procedimento consiste na fixação da

«

linha que define a estrema dos leitos e margens do domínio público hídrico confinantes com terrenos de outra natureza

»

(n.º 1 do referido artigo), e que a abertura desse mesmo procedimento

«

apenas ocorre quando haja dúvidas fundadas na aplicação dos critérios legais à definição no terreno dos limites do domínio público hídrico, devendo ser tidos ainda em consideração os recursos disponíveis e o interesse público da delimitação.

»

(n.º 2 do referido artigo).

30-A Lei 54/2005 estabelece em termos gerais, no artigo 28.º, n.º 1, a sua aplicação

«

às Regiões Autónomas dos Açores e da Madeira sem prejuízo do diploma regional que proceda às necessárias adaptações

»

. Mas dispõe o seu artigo 17.º, n.º 9, em especial, que

«

nas Regiões Autónomas dos Açores e da Madeira, o processo de delimitação dos leitos e margens dominiais e as comissões de delimitação que lhe são inerentes constituem uma competência dos respetivos Governos Regionais e são regulamentados por diploma próprio das Assembleias Legislativas daquelas regiões autónomas

»

.

31-Assim, no que diz respeito à Região Autónoma dos Açores, o Decreto Legislativo Regional 18/2010/A, de 21 de maio, veio adaptar a essa mesma região

«

o regime a que fica sujeito o procedimento de delimitação do domínio público hídrico, aprovado pelo Decreto Lei 353/2007, de 26 de outubro

»

. Como se percebe, este diploma regional visava, em especial, proceder à adaptação à estrutura da administração regional autónoma do procedimento de delimitação do domínio público hídrico na Região. Com efeito, os seis artigos que compõem este Decreto Legislativo Regional limitavam-se, no essencial, a proceder a uma atualização terminológica ao nível orgânico-i. e., estabelecendo que as referências que no Decreto Lei 353/2007 são feitas a órgãos e organismos do Governo da República se consideravam reportadas aos seus equivalentes na Região Autónoma dos Açores (artigo 2.º)-e a determinar que a constituição da comissão de delimitação fosse feita por portaria do membro do Governo Regional com competência em matéria de recursos hídricos (artigo 3.º).

32-Do exposto, resulta claramente que foi opção do legislador regional dos Açores, com o Decreto Legislativo Regional 18/2010/A, que se aplicasse na Região Autónoma o núcleo da regulamentação do procedimento de delimitação do domínio público hídrico aprovado pelo legislador da República, constante do Decreto Lei 353/2007.

33-Já não é assim hoje, porém. De facto, com o Decreto Legislativo Regional 8/2020/A, ao qual pertencem as normas objeto do presente recurso, e cujo artigo 21.º revogou o mencionado Decreto Legislativo Regional 18/2010/A, de 21 de maio, o mesmo legislador regional decidiu disciplinar in totum, para a Região Autónoma dos Açores, o procedimento de delimitação do domínio público hídrico, bem como o procedimento de reconhecimento de direitos de propriedade privada sobre parcelas de leitos e margens públicos.

34-O referido procedimento de delimitação, de iniciativa pública ou dos interessados (artigos 3.º a 5.º), é conduzido por uma comissão de delimitação (artigo 7.º), à qual compete, designadamente, promover as

«

diligências necessárias ao apuramento dos termos concretos dos processos de delimitação objeto da respetiva apreciação, colhendo, sempre que necessário, novos elementos de prova, documentais ou testemunhais, observando as disposições legais aplicáveis

»

(artigo 10.º, n.º 1). Feita a instrução do procedimento, a comissão de delimitação ou propõe o arquivamento do processo ou, ao invés, a

«

[h]omologação de um auto de delimitação onde constem as coordenadas dos vértices que definem a poligonal, ou poligonais se houver descontinuidade, que delimita o domínio público hídrico, sendo anexa a respetiva planta

»

(artigo 10.º, n.º 2).

35-Se for este último o caso, a proposta de delimitação será

«

submetida à homologação do Conselho de Governo Regional pelo membro do Governo Regional com competência em matéria de recursos hídricos, quando esteja em causa a delimitação do domínio público lacustre, ou pelo membro do Governo Regional com competência em matéria de gestão da orla costeira, quando esteja em causa a delimitação do domínio público marítimo

»

(artigo 11.º, n.º 1), sendo esta mesma homologação

«

vinculativa para todas as autoridades públicas, sem prejuízo de decisão judicial que venha a ser proferida que vincule o Estado e a Região Autónoma dos Açores

»

(artigo 12.º).

36-Ora, se a titularidade do domínio público marítimo reside exclusivamente no Estado, e se do domínio público hídrico também fazem parte o domínio público lacustre e fluvial, bem como o domínio público das restantes águas, compreende-se que a Lei 54/2005 determine que a titularidade desses restantes domínios possa pertencer ao Estado ou a uma das duas Regiões Autónomas, ou ainda a municípios ou freguesias (artigos 5.º a 8.º da Lei 54/2005). No que diz respeito ao domínio público lacustre e fluvial, verifica-se que, nos termos do artigo 5.º do mencionado diploma, ele abrange (não só, mas também) lagos, lagoas, bem como os respetivos leitos e margens. Se esta constatação pode ser evidente, a verdade é que assume especial relevância quando de novo se atenta naquilo que compreende o domínio público marítimo.

37-Com efeito, nos termos do artigo 3.º da Lei 54/2005, na sua redação atual, fazem parte do domínio público marítimo:

as águas interiores sujeitas à influência das marés, nos rios, lagos e lagoas; as águas interiores sujeitas à influência das marés, nos rios, lagos e lagoas; o leito dessas mesmas águas (bem como das costeiras e territoriais) sujeito à influência das marés, bem como a margem das águas costeiras e das águas interiores sujeita à influência das marés. Por sua vez, recordemolo, estabelece o artigo 10.º, n.º 2, do mesmo diploma, que

«

[o] leito das águas do mar, bem como das demais águas sujeitas à influência das marés, é limitado pela linha da máxima preiamar de águas vivas equinociais. Essa linha é definida, para cada local, em função do espraiamento das vagas em condições médias de agitação do mar, no primeiro caso, e em condições de cheias médias, no segundo

»; enquanto os n.os 2 e 3 do artigo 11.º determinam que
«

[a] margem das águas do mar, bem como a das águas navegáveis ou flutuáveis sujeitas à jurisdição dos órgãos locais da DireçãoGeral da Autoridade Marítima ou das autoridades portuárias, tem a largura de 50 m

»

, e

«

[a] margem das restantes águas navegáveis ou flutuáveis, bem como das albufeiras públicas de serviço público, tem a largura de 30m

»

.

38-Tendo presente o percurso antecedente, tornam-se mais claras as consequências da hipótese normativa a concretizar na aplicação do regime emergente das normas do bloco (I). De acordo com a noção legal de “delimitação” já apontada, esta não tem por objeto imediato um certo terreno ou parcela (que serão quando muito objetos mediatos), mas antes a própria “linha” que estabelece a delimitação. De resto, se essa linha define a estrema dos leitos e das margens do domínio público hídrico confinantes com terrenos de outra natureza (artigo 2.º, alínea c) do Decreto Legislativo Regional 8/2020/A), em princípio não estarão em causa terrenos de mais do que um tipo ou categoria de domínio público hídrico, mas de um dos seus tipos, de um lado, e, na hipótese que se crê mais usual, particulares de outro lado.

39-Pertencendo o terreno que faz parte do domínio público hídrico ao tipo ou categoria do domínio público marítimo, o regime de delimitação constante do capítulo II (do qual fazem parte integrante as normas do bloco (I)) do Decreto Legislativo Regional 8/2020/A estabelece diversas especificidades, a saber, e sem prejuízo de outras:

(i) quando a iniciativa seja pública (a qual se contrapõe à dos “interessados”), a mesma pertence aos

«

serviços do departamento do Governo Regional com competência em matéria de gestão da orla costeira

»

(cf. artigo 4.º, n.º 1);

(ii) pode ser solicitada a cooperação da Autoridade Marítima

«

no âmbito dos elementos ou informações técnicas de natureza oceânica ou hidrográfica

»;

(iii) a comissão de delimitação integra

«

um representante do departamento do Governo Regional com competência em matéria de gestão da orla costeira

» e
«

um representante da autoridade marítima

»

, sempre na qualidade de vogais, e a respetiva constituição é determinada por portaria

«

do membro do Governo Regional com competência em matéria de gestão da orla costeira

»

(cf. artigo 7.º, n.os 2, 3 e 5).

40-O artigo 8.º, em matéria de pareceres externos, estabelece que

«

[n]os processos de delimitação previstos no n.º 1 do artigo 3.º [isto é, os procedimentos de delimitação do domínio público hídrico por iniciativa pública ou particularquer dizer, todos-, o que apenas exclui as situações que dispensam o próprio procedimento, nos termos do n.º 2 daquele mesmo preceito], a comissão de delimitação deve solicitar, através do respetivo presidente, parecer ao Ministério da Defesa Nacional, sempre que esteja em causa matéria de defesa nacional, bem como parecer a outras entidades, públicas ou privadas, ou personalidades de reconhecido mérito, sempre que tal se afigure necessário

»

. Visto que o domínio público marítimo, e em especial a sua necessária titularidade por parte do Estado, tem uma ligação essencial à defesa nacional justamente em razão da sua importância em matéria de soberania nacionalassim o tem sublinhado a jurisprudência constitucional-, seria então sempre necessário um parecer do Ministério da Defesa Nacional? E seria então a Região Autónoma dos Açores a determinar quando existiria um tal interesse público, por natureza nacional, e a determinar o exercício de uma competência por parte de um ministério, que é parte de um órgão de soberania? Muito embora esta última norma não integre o objeto do recurso ora em apreço, a leitura sistemática deste artigo 8.º, a caminho e em benefício da interpretação do artigo 11.º (este sim, integrante do arco normativo do recurso), já revela uma conexão forte com um parâmetro constitucional relevante:

o do âmbito regional, que limita a competência legislativa regional.

e) O primeiro bloco normativo (I):

as normas emergentes do n.º 1 do artigo 11.º, do artigo 12.º, do Decreto Legislativo Regional 8/2020/A

41-De acordo com o disposto no artigo 10.º, n.º 2 do Decreto Legislativo Regional 8/2020/A, os trabalhos das comissões de delimitação podem ser concluídos com uma proposta de decisão de arquivamento ou de homologação de

«

um auto de delimitação onde constem as coordenadas dos vértices que definem a poligonal, ou poligonais se houver descontinuidade, que delimita o domínio público hídrico, sendo anexa a respetiva planta

»

.

42-Essa proposta de delimitação,

«

instruída com o seu parecer favorável, é submetida à homologação do Conselho de Governo Regional (...) pelo membro do Governo Regional com competência em matéria de gestão da orla costeira, quando esteja em causa a delimitação do domínio público marítimo

»:

assim dispõe, no que agora releva, o artigo 11.º, n.º 1 do Decreto Legislativo Regional 8/2020/A. Por outras palavras, o Conselho de Governo Regional homologará (rectius, decidirá se homologa) uma “proposta” de delimitação do domínio público marítimo, da iniciativa do (em princípio) seu secretário regional competente em matéria de gestão da orla costeira. Tal homologação

«

é vinculativa para todas as autoridades públicas, sem prejuízo de decisão judicial que venha a ser proferida que vincule o Estado e a Região Autónoma dos Açores

»:

é quanto resulta do artigo 12.º do Decreto Legislativo Regional 8/2020/A.

43-A homologação é um ato administrativo secundário integrativo:

tem por objeto imediato um ato primário anterior, completa-o e faz seus os respetivos fundamentos e conclusões. A homologação pode recair sobre uma proposta ou um parecer, mas é ela que constitui o ato administrativo final ou principal, não o ato homologado (cf. DIOGO FREITAS DO AMARAL, Curso de Direito Administrativo, II, Almedina, Coimbra, 2001, pp. 264 ss.).

44-Quer isto dizer que o Conselho de Governo Regional, ao homologar a proposta do seu secretário regional com competência em matéria de gestão da orla costeira, aprova um ato administrativo na plenitude do seu sentido (cf. artigo 148.º do atual Código do Procedimento Administrativo) e com as consequências jurídicas que tal importa. Ora, tal ato administrativo será já à partida vinculativorectius, terá essa aptidão a prioriem razão do preenchimento da categoria ontológica “ato administrativo” (sem prejuízo de problemas quanto à sua validade em concreto poderem negar tal vinculatividade, por exemplo se o ato for nulo; mas isso é um problema de requisitos de validade, não de elementos existenciais).

45-Sendo assim, ao estabelecer que essa homologação é vinculativa, no artigo 12.º do Decreto Legislativo Regional 8/2020/A, o legislador regional vai além da mera afirmação das aptidões jurídicoontológicas (dogmáticas) dos atos administrativos de homologação; só pode ir mais além, visto que não é ao legislador que cabe estabelecer tais aptidões (que são aspeto científico-dogmático). A afirmação daquela vinculatividade do ato de homologação tem o sentido (normativo-objetivo:

dispensa-se aqui a mens legislatoris) de constranger ao seu reconhecimento todas as autoridades públicas, i. e., além da própria Região, o Estado, autarquias locais, institutos públicos, entre outros. Tal vinculatividade só cederia perante decisão judicial que vinculasse o Estado e a própria Região (aparentemente, em litígio em que ambos fossem partes).

46-O disposto no artigo 11.º, n.º 1 do Decreto Legislativo Regional 8/2020/A estabelece, pois, uma competência do Conselho de Governo Regional dos Açores, sob proposta de um seu membro, para delimitar domínio público marítimo, decisão essa oponível a (vinculativa para) quaisquer entidades públicas, de acordo com o artigo 12.º do mesmo diploma. Assim, na medida em que assenta uma competência administrativa de delimitação de bens na titularidade do Estado e, por conseguinte, dos limites dessa mesma titularidade, e impõe a respetiva vinculatividade para quaisquer entidades públicas ainda que fora do perímetro regional, as normas que compõem o bloco (I) confrontam o limite do “âmbito regional” em que a legislação regional se contém:

artigos 112.º, n.º 4; artigos 112.º, n.º 4; e 227.º, n.º 1, alínea a), ambos da CRP.

47-O confronto com este parâmetro constitucional já foi realizado no passado pelo Tribunal Constitucional, conforme, aliás, o já citado supra Acórdão 484/2022 não deixou de recordar e trazer para o seu recente argumentário. Assim, no Acórdão 315/2014, afirmou-se claramente que:

«

A Região Autónoma dos Açores não pode unilateralmente definir os termos da gestão partilhada do domínio público marítimo, justamente porque a regulação primária dessa matéria contenderia com as competências das autoridades nacionais. O parâmetro do “âmbito regional” (alínea a) do n.º 1 do artigo 227.º da CRP), na sua componente institucional, impede que os parlamentos insulares produzam legislação destinada a produzir efeitos relativamente a pessoas coletivas que se encontram fora do âmbito de jurisdição natural das Regiões Autónomas, como é o caso do próprio Estado (cf. Acórdãos n.º 258/2007 e n.º 304/2011)

»

(sublinhados acrescentados).

48-Também no Acórdão 316/2016:

«

Como o artigo 8.º do EPARAA não densifica o princípio da gestão conjunta ou partilhada, nem dá indicações sobre o respetivo “modus faciendi”, é necessário determinar um conteúdo prescritivo que permita uma aplicação vinculada. É o que se refere no Acórdão 315/2014:

«

num domínio em que existem atribuições de exercício comum e repartido tem que haver uma definição prévia daquilo que pode ou não ser partilhado, assim como dos termos concretos em que se processa a partilha

»

.

Nos termos do disposto nos artigos 227.º, n.º 1, alínea a), e 112.º, n.º 4, da Constituição, tal tarefa incumbe ao legislador da República. E assim é, porque o requisito do “âmbito regional”, a que se encontra sujeita a competência legislativa regional, tem um duplo sentido:

«

sem prejuízo de esta expressão ter antes de mais um sentido geográfico, traçando os limites espaciais de vigência dos decretos legislativos regionais, ela tem também forçosamente um sentido institucional, que impede os Parlamentos insulares de emanar legislação destinada a produzir efeitos relativamente a outras pessoas coletivas públicas que se encontram fora do âmbito de jurisdição natural das Regiões Autónomas

»

(Acórdãos n.os 258/2007, 402/2008, 304/2011 e 793/2013).

Ora, a concretização do disposto nos n.os 1 e 3 do artigo 8.º do EPARAA envolve a repartição de competências entre órgãos da República e da Região, e consequentemente, produz efeitos em relação a pessoas coletivas públicas-neste caso, o próprio Estadoque se encontram fora da jurisdição natural da Região Autónoma dos Açores. Por isso, deverá ser efetuada pelos órgãos da República e não pelos da Região

»

. (sublinhados acrescentados).

49-A jurisprudência que acaba de citar-se insere-se ela própria numa linha estabilizada e da qual ali se dá nota; toda ela, aliás, posterior à revisão constitucional de 2004, que substituiu a cláusula do interesse específico pela do âmbito regional como “critério de atribuição e limite” do poder legislativo regional, em particular nos artigos 112.º, n.º 4, e 227.º, n.º 1, alíneas a) e c), ambos da CRP (cf. JORGE MIRANDA, Atos Legislativos, Almedina, Coimbra, 2019, pp. 319 ss.).

50-O mais antigo dos arestos ali referidos-o Acórdão 258/2007-já esclarecia o propósito de uma decomposição do âmbito regional naquelas duas vertentes, geográfica e institucional:

«

Ora, sendo assim, afigura-se que a Assembleia Legislativa exerceu as suas faculdades normativas fora daquilo a que a alínea a) do n.º 1 do artigo 227.º designa hoje, após a revisão constitucional de 2004, como o

«

âmbito regional

»

. De facto, sem prejuízo de esta expressão ter antes de mais um sentido geográfico, traçando os limites espaciais de vigência dos decretos legislativos regionais, ela tem também forçosamente um sentido institucional, que impede os Parlamentos insulares de emanar legislação destinada a produzir efeitos relativamente a outras pessoas colectivas públicas que se encontram fora do âmbito de jurisdição natural das Regiões Autónomascomo sucede, sem sombra de dúvida, com o próprio Estado e, bem ainda, com outras pessoas que integram constitucionalmente a Administração Autónoma territorial e institucional (autarquias locais, associações públicas e universidades). Diga-se, inclusivamente, que se a referência ao

«

âmbito regional

» tivesse uma conotação exclusivamente geográfica não passaria de uma pura tautologia, em face da territorialidade que caracteriza de raiz tudo o que respeita à autonomia das Regiões insulares.
»

51-O âmbito regional é delimitador da jurisdição regional no plano legislativo, i. e., da suscetibilidade de criação de normas jurídicas por parte do poder legislativo regional (numa noção mais ampla de jurisdição regional, a mesma estende-se ao próprio poder administrativo e à criação de normas, ali apenas legislativas, aqui também regulamentares). Esta dualidadeâmbito regional em sentido geográfico e âmbito regional em sentido institucional-, analiticamente cindível mas inseparável em termos de concretização práticonormativa do conceito normativo de âmbito regional, deixa de parte, aliás, outros elementos que podem ser relevantes em geral. Com efeito, a jurisdição de qualquer entidade pública, no sentido que acabou de apontar-se, reparte-se em quatro categorias determinantes:

ratione loci (âmbito geográfico ou territorial), ratione materiae (âmbito material), ratione personae (âmbito pessoal) e ratione temporis (âmbito temporal). Em função do estatuto da entidade em causa e da sua origem (v.g., de direito interno ou extra-nacional), tais categorias podem estar necessariamente agregadas ou não. No caso em apreço, o âmbito regional institucional relevante é o resultado da combinação de duas destas quatro categorias, a segunda e a terceira, dado que se está em presença de legislação regional que pretende regular um aspeto do regime do domínio público marítimo (ratione materiae) que interfere no estatuto ou situação jurídicoestatutária de outro ente público, o Estado, em relação a certos bens (ratione personae).

52-As normas emergentes da parte final do artigo 11.º, n.º 1, e do artigo 12.º, ambos do Decreto Legislativo Regional 8/2020/A pretendem entregar à Região Autónoma dos Açoresmais concretamente, ao Conselho de Governo Regional-a competência para a delimitação de domínio público do Estado (domínio público marítimo), vinculando este último. Por outras palavras, pretende-se entregar à administração regional a competência para a prática de atos administrativos que têm por objeto bens do domínio público do Estado, ficando este obrigado ao reconhecimento da respetiva vinculatividade. Ora, a delimitação do domínio público estadual implica juízos de interesse público que só o próprio Estado está em condições de realizar. Isso resulta da funcionalidade dos bens dominiais e da relação que se estabelece entre a respetiva administração (em sentido material) e o conjunto de atribuições estaduais, depois vazadas em competências específicas, que visam assegurar e concretizar o cumprimento daquela mesma funcionalidade. Se isso é assim em geral, sê-lo-á a fortiori quando os bens dominiais em causa pertencem a uma categoria de domínio público imperativamente estadual, como é o caso do domínio público marítimo (até mesmo, em termos lógicos, antes de apurar se tal imperatividade quanto à titularidade é de fonte constitucional ou meramente legal).

53-Deste modo, o que as normas em apreço pretendem é uma substituição do Estado pela Regiãorectius, da administração estadual pela administração regionalque a Constituição não cauciona. A administração estadual-o Governo-é desapropriado de um juízo de interesse público que só a ele cabe realizar, o que resulta, não apenas da sua qualificação constitucional como órgão superior da administração pública (artigo 182.º da CRP), mas, também, e mais especificamente, das matérias e tipo de juízo de interesse público aqui envolvidos. É imperioso ter presentes as razões subjacentes à dominialização dos bens em causa. Como a jurisprudência constitucional tem vindo a sublinhar, e com forte apoio doutrinário (cf. supra), o domínio público marítimo encontra justificação na sua ligação incindível à soberania nacional, em termos finalísticos (aqui entroncando, como já visto, elementos identitários e de integridade territorial), ao que se associa, instrumentalmente, uma vertente de defesa nacional. Como tal, qualquer juízo de interesse público determinante da delimitação dos bens dominiais que integram o domínio público marítimo tem de tomar tais finalidades em consideração. Trata-se de uma componente institucional do domínio público-em especial, do domínio público marítimoque determina uma ligação estatutária entre o mesmo e a administração governamental.

54-Nem a Constituição nem o EPARAA estendem à Região Autónoma das Açores quaisquer atribuições e competências nos âmbitos materialmente relevantes que habilitem órgãos regionais a realizar tais juízos de interesse público. Bem pelo contrário. O artigo 22.º do EPARAA (domínio público regional), no seu n.º 3, expressamente afirma que

«

[e]xcetuam-se do domínio público regional os bens afetos ao domínio público militar, ao domínio público marítimo, ao domínio público aéreo e, salvo quando classificados como património cultural, os bens dominiais afetos a serviços públicos não regionalizados

»

. Por seu turno, o artigo 23.º do EPARAA (domínio público do Estado na Região), no seu n.º 1, estabelece que

«

[a] cessação da efetiva e direta afetação de bens do domínio público do Estado a serviços públicos não regionalizados e a manutenção dessa situação por um período de três anos determina a faculdade de a Região requerer a respetiva desafetação e vincula o Estado, em caso de oposição, a indicar os fins a que os destina

»

. Isto é, quando a Região entenda que certos bens do domínio público estadual situados no seu território já não estão a desempenhar a sua função, tem de requerer a sua desafetação, o que comprova que o próprio Estatuto excluiu qualquer possibilidade de determinação unilateral por parte da Região quanto ao destino desses bens. (O n.º 2 daquele mesmo artigo 23.º determina depois que

«

[o] decurso de dois anos sobre a indicação referida no número anterior, sem que haja efetiva e direta afetação dos bens a serviços públicos não regionalizados, determina a sua transferência automática para a esfera patrimonial da Região, conferindo a esta correspondente direito de posse

»

.)

55-Poderia dizer-se que este problema-o da desafetação-é um problema específico do bloco normativo seguinte, o bloco normativo (II). Mas, na verdade, não o é, ou não o é apenas. Com efeito, a delimitação dos bens do domínio público marítimo tem um efeito excludente, na medida em que, quanto ao que fica além da linha de delimitação cessa ou não se verifica a qualificação como domínio público marítimo. Ainda que a lei contenha critérios relativamente estritos para tal, a estipulação de um procedimento administrativo específico e complexo para a delimitação prende-se, necessariamente, com juízos administrativos de interesse público subjacentes.

56-Importa ainda esclarecer dois aspetos. Em primeiro lugar, não está em causa qualquer alargamento da reserva de competência legislativa dos órgãos de soberanianomeadamente, daquela que emerge do disposto no artigo 165.º, n.º 1, alínea v) da CRP-à luz de uma conceção ampliativa ou deslizante do âmbito regional que condiciona a competência legislativa das regiões autónomas. O âmbito regional não é um sucedâneo do interesse específico. Com efeito, não se trata de justificar a competência legislativa regionalrectius, o seu âmbito-a partir dos fundamentos da autonomia regional que a CRP expressou no seu artigo 225.º, fundamentos esses que funcionariam como uma pleura (de)limitadora dos poderes do legislador regional, expansível em razão da hermenêutica, mas agora, depois de eliminada a cláusula do interesse específico do texto constitucional, sem a respetiva tradução positiva:

isso seria paradoxal atentas finalidades declaradas (e expressas) na revisão constitucional de 2004. De resto, o âmbito regional não é apenas algo a definir nos estatutos políticoadministrativos, tanto que constitui um limite à competência legislativa regional autorizada, apesar de não ser um limite expressamente constante do artigo 227.º, n.º 1, alínea b) da CRP, e de esta última norma ser bastante como norma de competência legislativa no que respeita às matérias sobre as quais as regiões podem ser autorizadas a legislar pela Assembleia da República, sem necessidade de repetição ou conformação estatutária dessa competência ou do seu âmbito (cf. RUI MEDEIROS, “Artigo 227.º-Poderes das regiões autónomas”, in Jorge Miranda/Rui Medeiros, Constituição Portuguesa Anotada, III, 2.ª ed., Universidade Católica Editora, 2020 p. 317). Aliás, o âmbito regional não é necessariamente limitativo, pode ser ampliativo (designadamente, se associado a uma reserva de regulamentação da legislação regional ou de atos legislativos dos órgãos de soberania que não lhes estejam reservadas ou incluídas nos estatutos políticoadministrativos como matéria necessariamente legislativa:

cf. RUI MEDEIROS, “Artigo 227.º-Poderes das regiões autónomas”, cit., p. 272).

57-Em segundo lugar, a questão de constitucionalidade aqui em causa é prévia ao apuramento do âmbito da reserva de lei emergente do artigo 84.º, n.º 2, e da reserva de lei parlamentar do artigo 165.º, n.º 1, alínea v), ambos da CRP (e à determinação das diferenças entre o âmbito de cada uma delas). Rigorosamente, é até questão independente (i) da fonte (constitucional ou legal) da necessidade da titularidade estadual do domínio público marítimo. Note-se que-sublinhou-se supraestamos em presença de normas oriundas do poder legislativo regional, e não de normas emanadas do poder legislativo da República. São, portanto, as condições de exercício do primeiro que estão em causa, e não a disponibilidade da matéria do domínio público marítimo por qualquer deles. Ora, como diz RUI MEDEIROS, mutatis mutandis, justamente a respeito do elemento institucional do âmbito regional,

«

[n]aturalmente, a dimensão institucional não é irrelevante na delimitação da autonomia políticoadministrativa das Regiões Autónomas. As Assembleias Legislativas não podem, concretamente, proceder à transferência de competências do Estado para as Regiões Autónomas ou intervir unilateralmente nos serviços periféricos do Estado situados no território regional. Como resulta do Acórdão 11/07, e independentemente da questão de saber em que medida as Regiões Autónomas devem participar numa tal decisão, a transferência de competências dos serviços estaduais para os serviços regionais não pode ser realizada por intermédio de diploma emanado dos órgãos de governo próprio das Regiões Autónomas. A fundamentação jurisprudencial tradicional desta conclusão assentava na falta de interesse específico (ou, pelo menos, atendendo à necessidade de uma ponderação comparada entre interesses regionais e nacionais em presença, na sua não relevância cf., sobre o sentido da jurisprudência, RUI MEDEIROS/JORGE PEREIRA DA SILVA, Estatuto, págs. 126-127). A solução hoje deve buscar-se no artigo 229.º, n.º 4. Com efeito, em coerência com a qualificação do Governo como órgão superior da Administração Pública, o legislador constitucional não autoriza atos de transferência ou de delegação de competência do Estado para uma Região Autónoma impostos unilateralmente pelos órgãos de governo próprio regional

»

(cf. RUI MEDEIROS, “Artigo 227.º-Poderes das regiões autónomas”, cit., pp. 306-307).

58-Em razão do que antecede, conclui-se pela inconstitucionalidade das normas emergentes dos artigos 11.º, n.º 1, e 12.º, ambos do Decreto Legislativo Regional 8/2020/A, na medida em que, respetivamente, atribuem ao Conselho de Governo Regional a competência para a homologação de propostas de delimitação do domínio público marítimo do Estado no território da Região Autónoma dos Açores, elaboradas pelas comissões de delimitação, mediante proposta de um membro do Governo Regional, homologação essa vinculativa para todas as autoridades públicas, por excederem o âmbito regional institucional da competência legislativa regional, em violação do disposto nos artigos 112.º, n.º 4 e 227.º, n.º 1, alínea a), ambos da CRP.

f) O segundo bloco normativo (II):

as normas emergentes dos n.os 1 e 2 do artigo 15.º e, a “título consequencial”, as normas emergentes do artigo 14.º, ambos ainda do Decreto Legislativo Regional 8/2020/A

59-O segundo bloco (II) é composto pelas normas emergentes dos n.os 1 e 2 do artigo 15.º e, a “título consequencial”, pelas normas emergentes do artigo 14.º, ambos ainda do Decreto Legislativo Regional 8/2020/A.

60-O artigo 15.º do Decreto Legislativo Regional 8/2020/A, que já se reproduziu (cf. supra, § 7), tem por epígrafe

«

[d]esafetação do domínio público marítimo

»

. Estabelece o seu n.º 1 que

«

[m]ediante decreto legislativo regional, desde que por motivo de interesse público devidamente fundamentado, pode ser desafetada do domínio público marítimo qualquer parcela do leito ou da margem

»

. Acrescenta o n.º 2 que

«

[p]ara efeitos do disposto no número anterior, o diploma que proceda à desafetação do domínio público marítimo deve conter os elementos referidos no n.º 2 do artigo anterior

»

.

61-O esclarecimento do sentido da norma em apreço, mais uma vez tendente à sua intersecção com parâmetros constitucionais relevantes, passa por vários aspetos. É evidente que se pretende habilitar o poder legislativo regional, através da Assembleia Legislativa (único órgão no sistema político regional com competência legislativa), a tomar decisões sobre o domínio público marítimocuja titularidade pertence indiscutivelmente ao Estado. Tais decisões consistem em desafetar do domínio público marítimo

«

qualquer parcela do leito ou da margem

»

, por motivo de interesse público devidamente fundamentado.

62-Nos termos do artigo 19.º da Lei 54/2005,

«

[p]ode, mediante diploma legal, ser desafetada do domínio público qualquer parcela do leito ou da margem que deva deixar de ser afeto exclusivamente ao interesse público do uso das águas que serve, passando a mesma, por esse facto, a integrar o património do ente público a que estava afeto

»

.

63-Esta noção legal constitui positivação de um conceito por longo tempo trabalhado pela jurisprudência e pela doutrina, e deixa claros dois aspetos essenciais:

(i) no domínio público hídrico só parcelas de leitos e margens podem ser objeto de desafetação;

(ii) a desafetação constitui a extração de uma parcela ao conjunto dos bens que integram domínio público:

trata-se de uma requalificação jurídica; trata-se de uma requalificação jurídica;

(iii) o elemento determinante dessa mesma requalificação é ter deixado de se justificar que a parcela em causa permaneça

«

exclusivamente

» ao serviço do interesse público das águas a que respeita;

(iv) a requalificação jurídica da parcela determina que a mesma passa a integrar o património do ente público ao qual cabia a sua titularidade como bem do domínio público (ou, como se diz também, para o “domínio privado” desse mesmo ente, com consequências várias, entre as quais o seu ingresso ou regresso ao comércio jurídico).

64-A desafetação não tem uma consequência imediata na titularidade do bem em causa, pois não é um ato de natureza translativa. Uma tal transferência pode ocorrer através de um ato posterior, uma vez que o bem regressou ao comércio jurídico. Mas, em tese, também poderia ter ocorrido sem qualquer desafetação do domínio público, contanto que o bem em causa pudesse entrar na titularidade do ente transmissário. Como se sabe, há várias condicionantes, constitucionais e legais, à titularidade de bens do domínio público e, por conseguinte, à sua transmissão. O caso do domínio público marítimo é um deles, como resulta da jurisprudência constitucional já referida, mas outros existem:

por exemplo, as camadas aéreas superiores ao território acima do limite reconhecido ao proprietário ou superficiário pertencem ao domínio público por determinação constitucional (artigo 84.º, n.º 1, alínea b) da CRP), e em especial ao domínio público do Estado que não pode transferir partes dessas camadas aéreas para as autarquias locais, apesar de estas poderem ser titulares de bens do domínio público.

65-Mas a requalificação implica uma apreciação do interesse público e da utilidade do bem em causa para a respetiva prossecução que cabe ao respetivo titular. Tendo em mente o que se disse já supra a respeito da delimitação, a (validade da) integração de um bem do domínio público na titularidade de certo ente público depende de este último prosseguir atribuições e competências numa área suscetível de beneficiar daquele bem dominial. Por outras palavras, a lei (ou a própria Constituição) atribui a esse ente público a prossecução de um certo interesse público que é a medida da possibilidade de titularidade de bens do domínio público:

seria inválida a integração de certo bem dominial de natureza militar para ser utilizado enquanto tal por uma região autónoma ou por uma autarquia local, justamente porque estas entidades não têm atribuições no domínio da defesa nacional. Vejam-se as coisas por outra perspetiva:

estas entidades não poderiam validamente utilizar as suas competências, através de atos administrativos, regulamentos ou contratos que tivessem tais bens militares por objeto porque isso extravasaria as suas atribuições, com a consequência da nulidade (ilustrativamente, quanto aos atos administrativos, cf. artigo 161.º, n.º 2, alínea b) do atual Código do Procedimento Administrativo).

66-A titularidade de bens do domínio público depende, pois, do interesse público prosseguido pelo titular. E a requalificação desses bens, a culminar na desafetaçãopassagem para o património ou domínio privado desse mesmo entesó por tal ente pode ser feita, pois só esse mesmo ente dispõe de atribuições e competências para a interpretação do interesse público relevante.

67-O que antecede não é negado pela possibilidade de reafectação de bens integrados no domínio público de certa entidade a outra entidade quando haja razões de interesse público que possam justificálo. O Código das Expropriações, aprovado pela Lei 168/99, de 18 de setembro (na última redação da Lei 56/2008, de 4 setembro), admite-o no seu artigo 6.º (

«

1-As pessoas colectivas de direito público têm direito a ser compensadas, em dinheiro ou em espécie, como melhor convier aos fins públicos em causa, dos prejuízos efectivos que resultarem da afectação definitiva dos seus bens de domínio público a outros fins de utilidade pública. [§] 2-Na falta de acordo, o montante da compensação é determinado por arbitragem, nos termos previstos neste Código, com as necessárias adaptações. [§] 3-Tornando-se desnecessária a afectação dos bens, estes são reintegrados no património das entidades a que se refere o n.º 1

»

). Mas isso implica a maior abrangência dos fins que habilitam a entidade que determina a transmissão, ou, dito de outra forma, que os fins desta suplantam ou prevalecem sobre os da entidade que perde a titularidade do bem dominial em causa.

68-O artigo 2.º, alínea d) do Decreto Legislativo Regional 8/2020/A define a

«

desafetação do domínio público hídrico

»

, do qual o domínio público marítimo é um dos tipos, como

«

o processo de extinção de utilidade pública a que uma parcela do leito ou margem estava afeta

»

. Esta noção legal acompanha, no essencial, a do artigo 19.º da Lei 54/2005.

69-O que se conclui, portanto, é que o disposto no artigo 15.º, n.º 1 do Decreto Legislativo Regional 8/2020/A pretende habilitar o poder legislativo regional a interpretar o interesse público de âmbito nacional que justifica a integração no domínio público do Estado de parcelas dos leitos ou margens do domínio público marítimo, interpretação essa que culmina com a conclusão de que uma certa parcela já não serve o interesse nacional e é, consequentemente desafetada do domínio público estadual (desafetação essa que, nos termos do artigo 19.º da Lei 54/2005, cabe aos órgãos de soberania com poder legislativo, dado que se trata de ato que deve assumir a forma de

«

diploma legal

»

).

70-Percebe-se, assim, que mais uma vez, a questão constitucional é primacialmente de confronto com o parâmetro constitucional do âmbito regional que determina o campo da competência legislativa regional. Na verdade, valem aqui as considerações e fundamentos que conduziram ao juízo de inconstitucionalidade sobre as normas do bloco (I) (cf. supra), e por maioria de razão. Com efeito, se a delimitação do domínio público marítimo envolve, já de si, juízos de interesse público cuja competência não pode ser subtraída ao Governo da República (ou à administração dele dependente), a desafetação implica-o com maior intensidade ainda:

a desafetação não encontra na lei critérios estabelecidos à partida com a estreiteza dos que condicionam a delimitação (cf. supra), o que significa que os juízos de interesse público que determinam a desafetação gozam de uma ainda mais ampla margem de apreciação.

71-O que antecede vale quanto ao disposto no artigo 15.º do Decreto Legislativo Regional 8/2020/A, que tem por objeto a desafetação do domínio público marítimo. Mas já não quanto ao disposto no artigo 14.º do mesmo diploma, que disciplina a desafetação do domínio público hídrico lacustre e das restantes águas. Com efeito, estas últimas categorias do domínio público hídrico integram o domínio público da própria Região Autónoma dos Açores, de acordo com o disposto no artigo 22.º, n.º 1, alíneas a) e d) do EPARAA. Ora, relativamente a estas categorias, não se colocam os problemas identificados a respeito do domínio público marítimo, porque quanto a elas não há uma desapropriação de competência do Governo da República (ou da administração dele dependente) para a realização dos juízos de interesse público subjacentes à desafetação; nem se vislumbra, nessa medida, qualquer relação de consequencialidade relevante nesta sede entre as normas emergentes do artigo 15.º e do artigo 14.º, ambos do Decreto Legislativo Regional 8/2020/A.

72-Em razão do que antecede, conclui-se pela inconstitucionalidade das normas emergentes do artigo 15.º, n.os 1 e 2, do Decreto Legislativo Regional 8/2020/A, de 30 de março, na medida em que possibilitam a desafetação, mediante decreto legislativo regional, de qualquer parcela do leito ou da margem do domínio público marítimo, por excederem o âmbito regional institucional da competência legislativa regional, em violação do disposto nos artigos 112.º, n.º 4 e 227.º, n.º 1, alínea a), ambos da CRP.

g) O terceiro bloco normativo (III):

as normas que emergem dos n.os 1 e 2 do artigo 1.º, do artigo 2.º e do artigo 3.º do Decreto Legislativo Regional 26/2020/A, na sua redação atual, e as normas resultantes dos artigos 1.º, 2.º e 3.º do Decreto Legislativo Regional 41/2023/A

73-O terceiro bloco (III) é composto pelas normas que emergem dos n.os 1 e 2 do artigo 1.º, do artigo 2.º e do artigo 3.º, todos do Decreto Legislativo Regional 26/2020/A, na sua redação atual, bem como pelas normas resultantes dos artigos 1.º, 2.º e 3.º, todos do Decreto Legislativo Regional 41/2023/A, que o Requerente considera estarem numa relação de “conexão instrumental” com as normas dos blocos I e II.

74-As normas em causa foram já reproduzidas (cf. supra, §§ 8 e 9). Em síntese, o artigo 1.º do Decreto Legislativo Regional 26/2020/A pretende proceder, ele próprio, à desafetação de certos terrenos (identificados em planta anexa) do domínio público marítimo, que passariam a integrar o património privado da Região Autónoma dos Açores. O artigo 2.º define os elementos que deveriam integrar o diploma de desafetação, por referência ao artigo 14.º, n.º 2 do Decreto Legislativo Regional 8/2020/A (que, como se viu já, diz respeito à desafetação do domínio público hídrico lacustre e das restantes águas, não à desafetação do domínio público marítimo). E o artigo 3.º estabelece um regime de cedência desses terrenos, subsequente à desafetação, à associação “Clube Naval de Santa Maria”.

75-Por seu turno, o artigo 1.º do Decreto Legislativo Regional 41/2023/A pretende proceder, ele próprio, à desafetação de certa parcela de terreno (identificado em planta anexa) do domínio público marítimo, onde se encontram as ruínas do Forte de São João Baptista da Praia Formosa, que passaria a integrar o domínio privado da Região Autónoma dos Açores, por força do artigo 3.º O artigo 2.º, mais uma vez, define os elementos que deveriam integrar o diploma de desafetação, por referência ao artigo 14.º, n.º 2 do Decreto Legislativo Regional 8/2020/A (que, como se viu já, diz respeito à desafetação do domínio público hídrico lacustre e das restantes águas, não à desafetação do domínio público marítimo).

76-Há que dizer que valem aqui as considerações e fundamentos expendidos supra e que conduziram a um juízo de inconstitucionalidade de todas as normas inseridas no bloco normativo (I) e das emergentes do artigo 15.º inserido no bloco normativo (II). De facto, a desafetação em concreto de parcelas determinadas do domínio público marítimo envolve juízos de interesse público que, em concreto, só podem ser realizados pelo Governo da República (ou pela administração dele dependente). Significa isto que, antes de qualquer consequencialidade face à inconstitucionalidade das normas dos blocos (I) e (II), os atos de desafetação constantes quer do artigo 1.º do Decreto Legislativo Regional 26/2020/A, quer do artigo 1.º do Decreto Legislativo Regional 41/2023/A, merecem o mesmo juízo de censura constitucional que as normas dos blocos (I) e (II). E inconstitucionais por consequencialidade imediata são todas as demais normas de ambos os diplomas identificados supra:

pois se a desafetação é inconstitucional, não podem subsistir as respetivas consequências, nomeadamente, a integração dos bens em causa no património da Região, nem qualquer regime respeitante à respetiva cedência.

77-São inconsequentes os argumentos da Requerida tendentes a demonstrar que os bens em causa, em especial o Forte de São João Baptista da Praia Formosa, deveriam ser qualificados como património cultural, com o propósito de os deslocar da categoria do domínio público marítimo para qualquer outra. Em primeiro lugar, a classificação desses bens como pertencentes ao domínio público marítimo foi inequívoca para o legislador regional. Em segundo lugar, não compete ao Tribunal Constitucional realizar qualquer requalificação dessa ordem. Em terceiro lugar, considerando que tais bens integram o domínio público marítimo, sempre seria ao abrigo do disposto no artigo 23.º do EPARAA, já referido supra, que a Região poderia requerer a respetiva desafetação ou reafectação ao Governo da República, e não substituindo-se a este através da utilização do seu poder legislativo, por todos os motivos já apontados.

78-Em razão do que antecede, conclui-se pela inconstitucionalidade das normas que emergem dos n.os 1 e 2 do artigo 1.º, do artigo 2.º e do artigo 3.º do Decreto Legislativo Regional 26/2020/A, de 15 de outubro, na sua redação atual, bem como das normas resultantes dos artigos 1.º, 2.º e 3.º, todos do Decreto Legislativo Regional 41/2023/A, de 28 de novembro, na medida em que procedem à desafetação das parcelas aí identificadas pertencentes ao domínio público marítimo, e que estabelecem consequências dessa mesma desafetação, por excederem o âmbito regional institucional da competência legislativa regional, em violação do disposto nos artigos 112.º, n.º 4 e 227.º, n.º 1, alínea a), ambos da CRP.

h) Limitação de efeitos 79-A Requerida peticiona a limitação de efeitos da (eventual) declaração de inconstitucionalidade, apresentando razões que refere ao disposto no artigo 282.º, n.º 4, da CRP, porém, sem explicitar se estariam em causa motivos de segurança jurídica, de equidade ou de interesse público de excecional relevo. Em síntese, argumenta com a constituição de situações jurídicas (direitos e deveres) emergentes de negócios jurídicos celebrados na sequência das desafetações ocorridas através dasou com base nasnormas aqui sob fiscalização.

80-A Requerida afirma que as situações jurídicas em causa

«

merecem um tratamento e proteção análogos ao que é previsto para o caso julgado no n.º 3 do artigo 282.º da Constituição

»

. Ora, a figura do caso julgado que a Constituição ali consagra não é suscetível de se estender, por analogia, para outras situações (cf. J. J. GOMES CANOTILHO/VITAL MOREIRA, Constituição da República Portuguesa Anotada, II, 4.ª Edição, Coimbra Editora, 2010, p. 977), sobretudo sem queapesar de jura novit curiaao Tribunal seja apresentada uma justificação jurídica sustentada para a qualificação de tais situações na qual se sustente uma tal extensão.

81-Por outro lado, invoca a Requerida que seria desproporcional que situações jurídicas constituídas na sequência das ditas desafetações, nomeadamente através de contratos, fossem afetadas pela declaração de inconstitucionalidade. Sucede que, num raciocínio de proporcionalidade, a limitação de efeitos da declaração de inconstitucionalidade não é necessária à salvaguarda da posição jurídica dos eventuais interessados afetados, que pode ser reintegrada ou compensada nos termos gerais de direito. Aliás, a limitação de efeitos da declaração de inconstitucionalidade não pode ser erigida em alternativa ao normal apuramento da responsabilidade civil ou outra, quer do Estado, quer das demais entidades públicas.

82-Acresce que, relativamente às normas do bloco (III)-emergentes dos n.os 1 e 2 do artigo 1.º, do artigo 2.º e do artigo 3.º do Decreto Legislativo Regional 26/2020/A, de 15 de outubro, na sua redação atual, bem como das normas resultantes dos artigos 1.º, 2.º e 3.º, todos do Decreto Legislativo Regional 41/2023/A-a pretensão da Requerida equivaleria, na prática, à não produção de efeitos da declaração de inconstitucionalidade, na medida em que essas normas ou não têm aplicação sucessiva, ou a têm limitada às consequências imediatas da desafetação (como no caso do regime de cedência constante do artigo 3.º do Decreto Legislativo Regional 26/2020/A).

83-Pelas razões expostas, improcede o pedido da Requerida de limitação de efeitos da declaração de inconstitucionalidade.

IIIDecisão Nestes termos, pelos fundamentos expostos, decide-se declarar a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral:

a) Das normas emergentes dos artigos 11.º, n.º 1, e 12.º, do Decreto Legislativo Regional 8/2020/A, de 30 de março, na medida em que, respetivamente, atribuem ao Conselho de Governo Regional a competência para a homologação de propostas de delimitação do domínio público marítimo do Estado no território da Região Autónoma dos Açores, elaboradas pelas comissões de delimitação, mediante proposta de um membro do Governo Regional, homologação essa vinculativa para todas as autoridades públicas, por excederem o âmbito regional institucional da competência legislativa regional, em violação do disposto nos artigos 112.º, n.º 4 e 227.º, n.º 1, alínea a), ambos da CRP;

b) Das normas emergentes do artigo 15.º, n.os 1 e 2, do Decreto Legislativo Regional 8/2020/A, de 30 de março, na medida em que possibilitam a desafetação, mediante decreto legislativo regional, de qualquer parcela do leito ou da margem do domínio público marítimo, por excederem o âmbito regional institucional da competência legislativa regional, em violação do disposto nos artigos 112.º, n.º 4 e 227.º, n.º 1, alínea a), ambos da CRP;

c) Das normas que emergem dos n.os 1 e 2 do artigo 1.º, do artigo 2.º e do artigo 3.º do Decreto Legislativo Regional 26/2020/A, de 15 de outubro, na sua redação atual, bem como das normas resultantes dos artigos 1.º, 2.º e 3.º do Decreto Legislativo Regional 41/2023/A, de 28 de novembro, na medida em que procedem à desafetação das parcelas aí identificadas pertencentes ao domínio público marítimo, e que estabelecem consequências dessa mesma desafetação, por excederem o âmbito regional institucional da competência legislativa regional, em violação do disposto nos artigos 112.º, n.º 4 e 227.º, n.º 1, alínea a), ambos da CRP;

d) Não declarar a inconstitucionalidade das demais normas que integram o objeto do pedido.

Sem custas.

Lisboa, 3 de junho de 2025.-Rui Guerra da FonsecaMaria Benedita UrbanoDora Lucas NetoAntónio José da Ascensão RamosJoão Carlos LoureiroCarlos Medeiros de CarvalhoJosé Teles PereiraGonçalo Almeida RibeiroJosé Eduardo Figueiredo DiasMariana Canotilho-Afonso Patrão [parcialmente vencido, não subscrevendo a alínea a) do dispositivo, nos termos da Declaração junta]-José João Abrantes.

O relator atesta o voto de conformidade da Senhora Conselheira Joana Fernandes Costa, que não assina por não estar presente.-Rui Guerra da Fonseca.

Declaração de voto Vencido quanto à alínea a) do dispositivo.

Em meu juízo, a Constituição não proíbe que a Assembleia da República, através da lei a que se refere o n.º 2 do artigo 84.º da Constituição, entregue à administração pública regional competências no domínio do procedimento de delimitação do domínio público estadual. Ora, tendo as normas fiscalizadas apenas reproduzido a decisão da Lei 54/2005, não ultrapassaram a competência legislativa das regiões autónomas.

1-Se é inequívoco que a Constituição impõe que o espaço marítimo aqui em causa integre o domínio público (alínea a) do artigo 84.º), a Constituição deixa ao legislador, sob reserva total da Assembleia da República, a definição do seu regime jurídico, o que inclui a definição dos bens e a respetiva titularidadeestadual ou regional (n.º 2 do artigo 84.º e alínea v) do n.º 1 do artigo 165.º da Constituição).

Como a fundamentação do presente Acórdão sublinha, o legislador democrático decidiu atribuir ao Estado (e não às regiões autónomas) a titularidade das parcelas do domínio público marítimo sub iudice. Na Lei 54/2005, define-se o domínio público marítimo (distinguindo-o do domínio público hidráulicolacustre e fluvial) e estabelece-se a sua titularidade pelo Estado (artigo 4.º).

2-A questão que se põe nos presentes autos é a de saber se, nos casos em que a Assembleia da República tenha atribuído a titularidade do domínio público ao Estado (e não às regiões autónomas), é admissível a outorga de competências à administração regional-e não à administração centralno procedimento de delimitação dos bens públicos estaduais situados na área territorial das regiões autónomas. Trata-se da viabilidade de exercício pela administração regional de competências que contendem com a consistência ou a subsistência do estatuto da dominialidade. Com efeito, a delimitação leva ínsita uma decisão sobre o estatuto ou sobre os limites de determinado bem, razão pela qual cabe, em princípio, ao titular dominial (ANA RAQUEL MONIZ, “Direito do domínio público”, Tratado de Direito Administrativo Especial, vol. 5, 2011, p. 113).

Não está em causa, repare-se, a transferência destes poderes para as regiões autónomas por decisão do titular dominial ou por opção da própria região autónoma. No exercício da sua competência legislativa reservada, foi a Assembleia da República, através da Lei 54/2005, que determinou serem bens dominais estaduais as águas referidas no seu artigo 3.º e estabeleceu um procedimento administrativo através do qual são fixados os seus limites (artigo 17.º). E é a própria Assembleia da República-que poderia ter atribuído a titularidade daquela parcela de domínio público às regiões autónomasque convoca a administração regional para esse procedimento administrativo, regulamentando e homologando a delimitação:

no n.º 9 do artigo 17.º da Lei 54/2005, estabelece-se que

«

Sem prejuízo do disposto nos números anteriores, nas Regiões Autónomas dos Açores e da Madeira, o processo de delimitação dos leitos e margens dominiais e as comissões de delimitação que lhe são inerentes constituem uma competência dos respetivos Governos Regionais e são regulamentados por diploma próprio das Assembleias Legislativas daquelas regiões autónomas

»

. E prescreve-se que a homologação é feita

«

no caso das regiões autónomas por resolução do Conselho de Governo Regional

»

(n.º 6 do artigo 17.º).

Isto é, o procedimento administrativo de delimitação é definido em lei da Assembleia da República, que concede à administração regional competência para a sua homologação na área territorial das regiões autónomas, nos termos regulamentados por diploma próprio das Assembleias Legislativas das regiões autónomas.

3-Por assim ser, não vislumbro qualquer vício de inconstitucionalidade no exercício de tais competências pela administração regional, tal como determinam as normas dos artigos 11.º e 12.º do Decreto Legislativo Regional 8/2020/A.

Tais normas limitam-se a executar o comando da lei da Assembleia da República:

é o Parlamento nacional (que podia até ter atribuído a titularidade daquela parcela de domínio público às regiões autónomas) que chama a administração regional para efetivar os critérios legais de delimitação, em estrito cumprimento do n.º 2 do artigo 84.º da Constituição. Foi a Assembleia da República que, no exercício da competência exclusiva que a Constituição lhe reserva, separou da titularidade do domínio (que atribuiu ao Estado) a competência para executar, decidir e regulamentar a sua delimitação (que conferiu às regiões autónomas).

Ora, não encontro fundamento constitucional para a conclusão de que a decisão parlamentar quanto à titularidade do bem público (ao Estado ou às regiões) pressuponha forçosamente que todos os poderes a ela inerentes se concentrem na mesma pessoa jurídica territorial. Se a Assembleia da República poderia ter decidido serem as regiões autónomas titulares do bem dominial, nada obsta a que determine a participação da administração pública regional no procedimento relativo a um dos atos tipicamente contidos na titularidade do domínio. Não se trata de uma opção de tudo ou nada:

a Constituição não proíbe à Assembleia da República, no uso da sua competência reservada, a repartição dos poderes correspondentes à titularidade do domínio público.

Em consequência, cingindo-se as normas fiscalizadas a reproduzir a opção da Assembleia da República-a quem compete definir a titularidade do domínio público-, não acompanho a conclusão de que a região autónoma dos Açores tenha ultrapassado a sua competência legislativa ao emanar as normas dos artigos 11.º e 12.º do Decreto Legislativo Regional 8/2020/A.-Afonso Patrão.

119241326

Anexos

  • Extracto do Diário da República original: https://dre.tretas.org/dre/6231666.dre.pdf .

Ligações deste documento

Este documento liga aos seguintes documentos (apenas ligações para documentos da Serie I do DR):

  • Tem documento Em vigor 1980-08-05 - Lei 39/80 - Assembleia da República

    Aprova o Estatuto Político-Administrativo da Região Autónoma dos Açores.

  • Tem documento Em vigor 1980-10-15 - Decreto-Lei 477/80 - Ministério das Finanças e do Plano - Secretaria de Estado das Finanças

    Cria o inventário geral do património do Estado.

  • Tem documento Em vigor 1982-11-15 - Lei 28/82 - Assembleia da República

    Aprova a organização, funcionamento e processo do Tribunal Constitucional - repete a publicação, inserindo agora a referenda ministerial.

  • Tem documento Em vigor 1988-05-13 - Acórdão 90/88 - Tribunal Constitucional

    DECLARA A INCONSTITUCIONALIDADE, PARCIAL DAS NORMAS CONSTANTES DOS ARTIGOS 76 E 82 DO REGULAMENTO DE DISCIPLINA MILITAR, APROVADO PELO DECRETO LEI NUMERO 142/77, DE 9 DE ABRIL, POR VIOLAÇÃO DOS ARTIGOS 18, NUMERO 2, 52, 32, NUMERO 3 E 269, NUMERO 3, DA CONSTITUICAO, E NAO DECLARA A INCONSTITUCIONALIDADE DA NORMA CONSTANTE DO NUMERO 2 DO ARTIGO 119 DO CITADO REGULAMENTO.

  • Tem documento Em vigor 1999-09-18 - Lei 168/99 - Assembleia da República

    Aprova, e publica em anexo, o Código das Expropriações.

  • Tem documento Em vigor 2004-12-03 - Lei 54/2004 - Assembleia da República

    Procede ao alargamento do Fundo de Compensação Salarial dos Profissionais da Pesca, estabelecendo o montante da compensação salarial e respectiva duração.

  • Tem documento Em vigor 2005-11-15 - Lei 54/2005 - Assembleia da República

    Estabelece a titularidade dos recursos hídricos.

  • Tem documento Em vigor 2006-07-28 - Lei 34/2006 - Assembleia da República

    Determina a extensão das zonas marítimas sob soberania ou jurisdição nacional e os poderes que o Estado Português nelas exerce, bem como os poderes exercidos no alto mar.

  • Tem documento Em vigor 2007-10-26 - Decreto-Lei 353/2007 - Ministério do Ambiente, do Ordenamento do Território e do Desenvolvimento Regional

    Estabelece o procedimento de delimitação do domínio público hídrico.

  • Tem documento Em vigor 2008-05-19 - Decreto Legislativo Regional 11/2008/A - Região Autónoma dos Açores - Assembleia Legislativa

    Estabelece o regime jurídico da gestão dos imóveis do domínio privado da Região Autónoma dos Açores.

  • Tem documento Em vigor 2008-09-04 - Lei 56/2008 - Assembleia da República

    Altera (quarta alteração) o Código das Expropriações, aprovado pela Lei n.º 168/99, de 18 de Setembro, e procede à sua republicação.

  • Tem documento Em vigor 2009-01-12 - Lei 2/2009 - Assembleia da República

    Aprova a terceira revisão do Estatuto Político-Administrativo da Região Autónoma dos Açores, aprovado pela Lei n.º 39/80, de 5 de Agosto, e procede à sua republicação

  • Tem documento Em vigor 2010-05-21 - Decreto Legislativo Regional 18/2010/A - Região Autónoma dos Açores - Assembleia Legislativa

    Adapta à Região Autónoma dos Açores o regime a que fica sujeito o procedimento de delimitação do domínio público hídrico, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 353/2007, de 26 de Outubro.

  • Tem documento Em vigor 2013-11-21 - Lei 78/2013 - Assembleia da República

    Altera (primeira alteração) à Lei n.º 54/2005, de 15 de novembro, que estabelece a titularidade dos recursos hídricos.

  • Tem documento Em vigor 2014-04-10 - Lei 17/2014 - Assembleia da República

    Estabelece as Bases da Política de Ordenamento e de Gestão do Espaço Marítimo Nacional.

  • Tem documento Em vigor 2014-06-19 - Lei 34/2014 - Assembleia da República

    Altera (segunda alteração) a Lei n.º 54/2005, de 15 de novembro, que estabelece a titularidade dos recursos hídricos.

  • Tem documento Em vigor 2016-08-23 - Lei 31/2016 - Assembleia da República

    Terceira alteração à Lei n.º 54/2005, de 15 de novembro, que estabelece a titularidade dos recursos hídricos

  • Tem documento Em vigor 2017-10-10 - Decreto Legislativo Regional 8/2017/A - Região Autónoma dos Açores - Assembleia Legislativa

    Primeira alteração ao Decreto Legislativo Regional n.º 11/2008/A, de 19 de maio - Regime Jurídico da Gestão dos Imóveis do Domínio Privado da Região Autónoma dos Açores

  • Tem documento Em vigor 2020-03-30 - Decreto Legislativo Regional 8/2020/A - Região Autónoma dos Açores - Assembleia Legislativa

    Regime jurídico do processo de delimitação e desafetação do domínio público hídrico na Região Autónoma dos Açores

  • Tem documento Em vigor 2020-10-15 - Decreto Legislativo Regional 26/2020/A - Região Autónoma dos Açores - Assembleia Legislativa

    Desafetação do domínio público marítimo, por motivos de interesse público, de parcela de terreno situado na freguesia de Vila do Porto, ilha de Santa Maria

  • Tem documento Em vigor 2021-01-11 - Lei 1/2021 - Assembleia da República

    Primeira alteração à Lei n.º 17/2014, de 10 de abril, que estabelece as Bases da Política de Ordenamento e de Gestão do Espaço Marítimo Nacional

  • Tem documento Em vigor 2023-11-28 - Decreto Legislativo Regional 41/2023/A - Região Autónoma dos Açores - Assembleia Legislativa

    Desafetação do domínio público marítimo, por motivos de interesse público, da parcela de terreno onde se encontram implantadas as ruínas do Forte de São João Baptista da Praia Formosa, situada na freguesia de Almagreira, concelho de Vila do Porto, ilha de Santa Maria

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