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Acórdão 579/2006, de 3 de Janeiro

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Sumário

Julga inconstitucional a norma constante do artigo 3.º, n.º 2, alínea a), do Decreto-Lei n.º 108/78, de 24 de Maio, que estabelece uma sanção penal (uma multa) fixa no seu valor, caso se verifique a situação descrita no tipo (utilização de transporte público sem título válido)

Texto do documento

Acórdão 579/2006

Processo 253/2006

Acordam na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional:

1 - Nos presentes autos, o Tribunal da Comarca de Oeiras proferiu a seguinte decisão:

I - Relatório. - O Ministério Público acusou, para julgamento em processo de transgressão, o arguido José Cândido Furtado Fernandes (id - a fl. 4), acusando-o da prática da contravenção de falta de título de transporte válido em transportes públicos, prevista e punível pelo artigo 3.º, n.º 2, alínea a), do Decreto-Lei 108/78, de 24 de Maio.

Procedeu-se a audiência de julgamento em conformidade, cumprindo agora apreciar e decidir.

II - Fundamentação. - 1 - Factos provados:

No dia 26 de Maio de 2004, pelas 14 horas e 50 minutos, em Linda-a-Velha, Oeiras, no autocarro n.º 219 da carreira 2 da empresa VIMECA, o arguido não se fazia transportar munido de título de transporte válido previamente adquirido para o efeito.

O que sabia ser necessário.

Mais sabendo que tal conduta era proibida por lei.

2 - Não houve quaisquer factos não provados.

3 - Motivação da decisão de facto.

A convicção do Tribunal quanto à factualidade provada formou-se nas declarações confessórias do arguido, confirmando do teor do auto de notícia.

4 - Fundamentação de direito:

4.1 - O arguido vem acusado da prática da infracção de falta de título de transporte válido em transportes públicos, constante do artigo 3.º, n.º 2, alínea a), do Decreto-Lei 108/78, de 24 de Maio, o qual dispõe:

"Nos casos em que a cobrança seja feita por qualquer outro processo, os infractores pagarão o preço do bilhete correspondente ao seu percurso, acrescido de uma multa do montante de:

a) 50% do preço do respectivo bilhete, mas nunca inferior a 100 vezes o mínimo cobrável no transporte utilizado, na hipótese de não terem adquirido qualquer título válido de transporte;

..."

4.2 - A infracção prevenida no referido dispositivo reveste a natureza de transgressão ou contravenção, regendo-se, ainda (ao menos do ponto de vista substantivo), pelo Código Penal de 1886. Na verdade, o artigo 6.º do Decreto-Lei 400/82, de 23 de Setembro, que aprovou o Código Penal vigente e revogou o anterior, expressamente manteve o regime do Código Penal de 1886 no que às contravenções concerne.

Sem outras considerações que, agora, se revelariam supérfluas, sobre, nomeadamente, a natureza penal das transgressões e a própria liquidez constitucional dessa realidade jurídica, actualmente, no ordenamento jurídico português, mormente face ao universo do direito das contra-ordenações (constituindo as transgressões, sem dúvida, um corpo estranho no ordenamento sancionatório português hodierno), importa, somente, assentar que essa natureza penal se mantém, e mais se mantém a definição que constava do vetusto Código Penal de 1886, segundo o qual "considera-se contravenção o facto voluntário punível que unicamente consiste na violação ou na falta de observância das disposições preventivas das leis e regulamentos, independentemente de toda a intenção maléfica" (artigo 3.º).

Isto posto, cabe questionar se, na infracção em causa, se estabelece uma pena (contravencional) fixa e, sendo assim, se tal é constitucionalmente aceitável.

Quanto ao primeiro ponto, crê-se que a resposta deve ser afirmativa. Com efeito, o preceito punitivo prevê duas penas fixas: a primeira consiste no preço do bilhete correspondente ao seu percurso acrescido de uma multa do montante de 50% do preço do respectivo bilhete; a segunda, prevenida na segunda parte da norma, redunda em 100 vezes o mínimo cobrável no transporte utilizado, no caso de a multa, se calculada de acordo com o primeiro critério, resultar em montante inferior a tal mínimo (é a hipótese que sucede na esmagadora maioria, se não na totalidade, das situações).

Isto significa, portanto, que o julgador não tem qualquer intervenção da determinação da pena concreta, em especial, adequando-a à culpa - que pode ser, desde logo, dolosa ou negligente - e à própria situação sócio-económica do agente da infracção. Tal equivale, afigura-se, a concluir que o normativo em apreço padece, irremediavelmente, de inconstitucionalidade por violação dos princípios da culpa, da igualdade, da proporcionalidade e da dignidade da pessoa humana (e, saliente-se, a adequação económico-financeira das penas pecuniárias pode considerar-se um princípio geral do direito penal, em sede de penas pecuniárias, com fundamento no próprio princípio constitucional da dignidade da pessoa humana).

4.3 - Como repetidamente tem sido afirmado pelo Tribunal Constitucional, o direito penal, no Estado de direito, tem de edificar-se sobre o homem como ser pessoal e livre, ancorado na dignidade da pessoa humana, que tenha a culpa como fundamento e limite da pena, pois não é admissível pena sem culpa, nem em medida tal que exceda a da culpa. Ou seja: há-de ser um direito penal de culpa. E é - ou deve ser - um direito penal que só pode intervir para a protecção de bens jurídicos com dignidade penal (ou, para utilizar uma expressão hoje corrente, com ressonância ética), sendo que uma tal danosidade social, capaz de justificar a imposição de uma punição, há-de ser ajuizada no plano ético-jurídico, e não num plano meramente sociológico.

O direito penal, enquanto direito de protecção, cumpre, por isso, uma função de ultima ratio, pois só se justifica que intervenha se a protecção dos bens jurídicos não puder ser assegurada com eficácia mediante o recurso a outras medidas de política social menos violentas e gravosas do que as sanções criminais. A necessidade da pena que, repete-se, há-de ser uma pena de culpa - limita, pois, o âmbito de intervenção do direito penal, ou é mesmo o critério decisivo dessa intervenção.

O legislador ordinário, além de um princípio de humanidade na previsão das penas, que logo releva do princípio da dignidade da pessoa humana (cf. artigos 25.º, n.os 1 e 2, da Constituição), há-de ainda ter em conta que a ideia de necessidade da pena leva implicada a da sua adequação e proporcionalidade.

4.4 - É bem certo que o Tribunal Constitucional, quando teve que ajuizar uma norma penal à luz do princípio constitucional da proporcionalidade, sempre sublinhou que o legislador goza de ampla liberdade na definição dos crimes e no estabelecimento das penas correspondentes. E sublinhou, bem assim, que, nessa matéria, só pode censurar-se, ratione constitutionis, as decisões legislativas que contenham incriminações arbitrárias ou punições excessivas: é que, no Estado de direito, o legislador está vinculado por concepções de justiça; ora, o princípio de justiça impede-o de actuar arbitrariamente ou de forma excessiva.

4.5 - O que se disse acima - em apertada síntese - resulta, entre outros, dos seguintes artigos da Constituição: do artigo 1.º, que baseia a República na dignidade da pessoa humana; do artigo 18.º, n.º 2, que condiciona a legitimidade das restrições de direitos à necessidade, adequação e proporcionalidade das mesmas; do artigo 25.º, n.º 1, que sublinha a inviolabilidade da integridade pessoal; e do artigo 30.º, n.º 1, que proíbe penas ou medidas de segurança privativas ou restritivas da liberdade com carácter perpétuo ou de duração ilimitada ou indefinida.

4.6 - O princípio da culpa, enquanto princípio conformador do direito penal de um Estado de direito, proíbe - já se disse - que se aplique pena sem culpa e, bem assim, que a medida da pena ultrapasse a medida da culpa.

Trata-se de um princípio que emana da Constituição e logo se decanta da dignidade da pessoa humana, em que se baseia a República (artigo 1.º da Constituição) e, bem assim, do direito de liberdade (artigo 27.º, n.º 1); No dizer de Jorge de Figueiredo Dias, vai buscar o seu "fundamento axiológico ao princípio da inviolabilidade da dignidade pessoal: o princípio axiológico mais essencial à ideia do Estado de direito democrático".

Ora, um direito penal de culpa não é compatível com a existência de penas fixas: de facto, sendo a culpa não apenas princípio fundante da pena, mas também o seu limite, é em função dela (e, obviamente também, das exigências de prevenção) que, em cada caso, se há-de encontrar a medida concreta da pena, situada entre o mínimo e o máximo previsto na lei para aquele tipo de comportamento. Ora, prevendo a lei uma pena fixa, o juiz não pode, na determinação da pena a aplicar ao caso que lhe é submetido, atender ao grau e intensidade de culpa do agente.

A previsão, pela lei, de uma pena fixa também não permite que o juiz, na determinação concreta da medida da pena, leve em consideração o grau de ilicitude do facto, o modo de execução do mesmo e a gravidade das suas consequências, nem tão-pouco o grau de violação dos deveres impostos ao agente, nem as circunstâncias do caso que, não fazendo parte do tipo de crime, deponham a favor ou contra ele; nem, enfim, à situação socio-económica do agente.

Ora, tal obriga a que o juiz se veja forçado a tratar de modo igual situações que só aparentemente são iguais, por, essencialmente, acabarem por ser muito diferentes. Ou seja: prevendo a lei uma pena fixa, o juiz não tem maneira de atender à diferença das várias situações que se lhe apresentam.

4.7 - Mas, o princípio da igualdade - que impõe se dê tratamento igual a situações essencialmente iguais, e se trate diferentemente as que forem diferentes - também vincula o juiz. A essência da aplicação do princípio da igualdade encontra o seu ponto de apoio na determinação dos fundamentos fácticos e valorativos da diferenciação jurídica consagrada no ordenamento. O que significa que a prevalência da igualdade como valor supremo do ordenamento tem de ser caso a caso compaginada com a liberdade que assiste ao legislador de ponderar os diversos interesses em jogo e diferenciar o seu tratamento no caso de entender que tal se justifica.

A lei que prevê uma pena fixa pode também conduzir a que o juiz se veja forçado a aplicar uma pena excessiva para a gravidade da infracção, assim deixando de observar o princípio da proporcionalidade, que exige que a gravidade das sanções criminais seja proporcional à gravidade das infracções (nos três vectores essenciais: necessidade, adequação e racionalidade).

Por isso, a norma legal que preveja uma pena fixa viola o princípio da culpa, o princípio da igualdade, e o princípio da proporcionalidade. E isto é assim para qualquer tipo de pena, máxime, pena de prisão ou pena de multa.

4.8 - O Tribunal Constitucional já se pronunciou sobre situações semelhantes (cf. os arestos citados na nota 3).

Em todas as situações foi considerada inconstitucional a norma constante da parte final do § único do artigo 67.º do Decreto 44 623, de 10 de Outubro de 1962, enquanto sanciona com uma pena fixa (consistente no máximo da pena prevista no artigo 64.º do mesmo decreto) o crime agravado de pesca ilegal em período de defeso.

Mas esta jurisprudência, até determinada altura, não foi unívoca. Assim, por exemplo, dissentiu o Acórdão 83/91 (Acórdãos do Tribunal Constitucional, vol. 18.º, pp. 493 e seguintes), o qual apreciou, justamente, a norma referida.

Sublinhou-se nesse aresto que "não se nega, em tese geral, que os princípios da igualdade e da proporcionalidade possam implicar o juízo de que a cominação de penas criminais fixas quanto a certo crime por uma concreta norma jurídica seja tida por materialmente inconstitucional". Acrescentou-se que "não se crê igualmente que destes princípios constitucionais tenha que decorrer necessariamente, de forma directa ou indirecta, a ilegitimidade constitucional de todas as chamadas penas fixas". Mais adiante, o aresto ponderou que, "no domínio do direito penal económico ou do direito penal de defesa do ambiente e da ecologia, pode aceitar-se, em casos pontuais e para certos tipos de infracções, a cominação de penas fixas, ainda que o juiz possa sempre recorrer aos meios gerais de suspensão da pena ou mesmo de dispensa da pena. Nessa medida, só tendencialmente as penas serão fixas".

Mais se transcreveu, a seguir, uma passagem de um estudo de Jorge de Figueiredo Dias ("Breves considerações sobre o fundamento, o sentido e a aplicação das penas em direito penal económico", in Direito Penal Económico, CEJ, Coimbra, 1985, p. 40), na qual o autor sustenta, em âmbitos determinados do direito penal económico, em conformidade com a ideia de que a este direito não só compete uma função de protecção de bens jurídicos, mas também de promoção de valores económico-sociais no seio da comunidade, a possibilidade de o legislador, legitimamente, proibir o juiz de impor uma pena inferior ao limite mínimo ditado pela culpa, mas sem que essa proibição possa ir tão longe que impeça a proporcionalidade entre a pena e a infracção, quando esta seja de pequena gravidade, pois, de contrário, estaria a ultrapassar-se o limite máximo permitido pela culpa, em homenagem a razões de pura prevenção geral negativa ou de intimidação o que seria, além do mais, duplamente inconstitucional por irremissível violação do princípio da culpa, imposto pelos artigos 1.º, 13.º e 25.º, n.º 1, da Constituição; e inconstitucional, por violação do princípio da proporcionalidade das sanções no direito penal económico, reconhecido sem quaisquer limitações pelo artigo 88.º da lei fundamental.

No dito aresto acrescentou-se: "Nesta linha de pensamento, não se crê que possa afirmar-se [...] que a cominação desta pena fixa concreta, quando surja uma circunstância agravante específica, viole intoleravelmente os princípios da culpa ou da proporcionalidade das sanções à gravidade das infracções. [...] Por um lado, não pode falar-se, no caso sub iudicio, de violação do princípio da igualdade, na medida em que a norma desaplicada considera manifestamente um grau de culpa que normalmente se verifica no comum dos casos de pesca ilegal nocturnas nos períodos de defeso, sendo certo que acentuado. Seja como for, tal norma (ou outras normas do diploma) não impede, de forma absoluta, que o juiz adeqúe a sanção à gravidade da infracção, de harmonia com os ditames da justiça distributiva."

E mais adiante: "No presente processo, e de forma decisiva, há-de considerar-se [...] que 'só em via de princípio', ou seja, tendencial mente, se pode ter por fixa a cominação de penas prevista nesta legislação sobre fomento da piscicultura e da defesa da pesca nos rios, já que [...] nada obsta a que no caso, desde que tal se justifique, se proceda à atenuação especial da pena (artigos 73.º e 74.º do Código Penal) ou mesmo à dispensa da pena (artigo 75.º do mesmo Código) [...]". Quer dizer, a norma sancionatória, devidamente interpretada no contexto sistemático do Código Penal, não conduz a resultados arbitrários, nem implica necessariamente uma igualdade de tratamento perante situações diversas de agentes com acentuadas diferenças de grau de culpabilidade. Na verdade, como se viu, não pode sustentar-se que a norma proíba de forma absoluta que o juiz estabeleça uma diferenciação na aplicação de sanções quanto a arguidos em situações materialmente diferentes, dando assim acolhimento à ideia de diversificação, em detrimento de uma ideia de tratamento uniforme, encarada, em princípio, pelo legislador.

A seguir, apreciando a norma à luz do princípio da proporcionalidade, ponderou o acórdão:

"Por outro lado, o estabelecimento de uma pena tendencialmente fixa nestes casos não pode considerar-se que viole o princípio da proporcionalidade, o qual postula, no direito penal, que a gravidade das sanções deve ser proporcional à gravidade das infracções. A melhor interpretação da norma desaplicada não acarreta um resultado que possa qualificar-se como manifesta violação do princípio da proporcionalidade, visto que o juiz dispõe sempre, como se viu, da possibilidade de recorrer a institutos de natureza geral como o de atenuação especial da pena e o da dispensa de pena, evitando que se atinjam, em concreto, resultados intoleráveis ou gravemente chocantes, 'em homenagem a razões de pura prevenção geral negativa ou de intimidação', para se utilizarem as expressões de Figueiredo Dias, no passo atrás transcrito. Acresce que a pena cominada para o comum dos casos se afigura como razoavelmente proporcionada ao conjunto de comportamentos recondutíveis a este específico tipo criminal, no comum dos casos da vida, não tendo este Tribunal razões para censurar a opção do legislador neste caso concreto.

Reafirma-se, assim, que tal pena tendencialmente fixa não ofende o princípio da proporcionalidade da sanção à gravidade da infracção, isto dando por adquirido que a eliminação do antigo artigo 880.º, da Constituição na segunda revisão constitucional, em 1989, não traduziu uma diferente valoração do legislador constitucional sobre os princípios básicos do direito penal, em especial do direito penal económico [...]."

Por fim, olhando a norma então sub iudicio sob a perspectiva do princípio da culpa, aditou-se:

"Por último, também para aqueles que sustentam que está constitucionalmente consagrado o princípio da culpa em matéria penal, tão-pouco se pode dizer que a cominação de penas fixas, com o sentido de tendencial fixidez atrás exposto, possa conduzir a uma 'irremissível violação do princípio da culpa', de novo se utilizando a expressão de Figueiredo Dias atrás transcrita. É que, já se viu, continua a reconhecer-se ao juiz uma apreciável intervenção na adequação da sanção ao agente, em função dos resultados apurados no julgamento, admitindo-se que seja determinada uma atenuação especial da pena ou, até, a dispensa de pena. O juiz não está limitado a condenar ou a absolver o arguido. No caso de ter de condenar, não tem necessariamente de lhe aplicar uma sanção rigidamente fixa, como mero efeito da lei. [...] Se é verdade que, em linha de princípio, se deve preferir um sistema de mobilidade das penas cominadas para cada tipo criminal, entre um mínimo e um máximo fixados na lei, de forma a que o juiz possa graduar a pena à gravidade da infracção e à culpabilidade do agente, não se pode dizer que o estabelecimento de uma pena tendencialmente fixa prive de todo em todo o juiz de levar em conta a individualidade concreta do agente e as específicas circunstâncias de cada caso, como atrás se viu. Também aqui se pode dizer que não é violado o princípio da culpa, dando como suposto que o mesmo tem consagração constitucional.

Tudo isto para concluir que não se mostram, assim, violados pela norma em análise os princípios constitucionais de igualdade e de proporcionalidade das sanções criminais."

4.9 - O Tribunal Constitucional retomou a doutrina deste Acórdão 83/91, aplicando-a no caso sobre que incidiu o Acórdão 441/93 (publicado nos Acórdãos do Tribunal Constitucional, vol. 25.º, p. 643), estando em causa, porém, já não uma sanção de natureza criminal mas uma coima; o mesmo sucedendo no Acórdão 175/97 (publicado nos Acórdãos do Tribunal Constitucional, vol. 36.º, pp. 103 e seguintes), confrontando-se com uma situação em que o limite mínimo de uma coima passará a ser igual ao seu limite máximo (ou seja, em que a coima passou a ser de montante fixo), embora neste último aresto, já se tenha chamado a atenção "de a possibilidade de aplicação de uma sanção não variável poder implicar uma frontal contradição com a vontade expressa do legislador no artigo 30.º da Lei 30/89, onde se estabelecem os critérios para a graduação e determinação, em concreto, dos montantes das coimas".

No entanto, em resposta a tal doutrina, seguiu-se o Acórdão 95/2001, publicado no Diário da República, 2.ª série, de 24 de Abril de 2002, o qual em seguida se transcreve para melhor elucidação:

"Pode dizer-se, em síntese, que o citado Acórdão 83/91 concluiu que a norma, que está sub iudicio nestes autos, não viola o princípio da igualdade, nem o da proporcionalidade, nem o da culpa - e, por isso, não é inconstitucional -, porque, não proibindo o juiz de lançar mão do instituto da atenuação especial da pena ou, sendo caso disso, mesmo do da isenção de pena, o que, ao cabo e ao resto, a norma em causa comina é uma pena tendencialmente fixa. Não uma pena rigidamente fixa. Ora - pondera o aresto -, só este último tipo de pena fixa a Constituição proíbe. Ou seja, ela só proíbe que a lei preveja penas que, no caso de se provar que 'o arguido agiu ilícita e culposamente, isto é, que é imputável e que não se verifica nenhuma causa de exclusão da ilicitude ou da culpabilidade', o juiz tenha que aplicar rigidamente, sem poder fazer outra coisa senão absolver ou condenar o arguido, pois, 'devendo condená-lo, terá de lhe aplicar a pena prevista na lei, sem possibilidade de qualquer graduação'. A Constituição - sublinha o acórdão - não proíbe as penas só tendencialmente fixas, ou seja, aquelas que o juiz, em princípio, não pode graduar, mas em que pode recorrer a institutos de carácter geral, como os da atenuação especial da pena ou da dispensa da pena, para adequar a sanção à personalidade do agente e às circunstâncias apuradas quanto à infracção.

Pois bem: flui do que se disse atrás que a proibição constitucional de penas fixas acarreta a ilegitimidade de todas as penas fixas: mesmo daquelas a que o Acórdão 83/91 chama penas só tendencialmente fixas.

Decorre, na verdade, dos princípios da culpa, da igualdade e da proporcionalidade a necessidade de a lei prever penas variáveis: é que, só desse modo o legislador abre ao juiz a possibilidade de graduar a pena, fixando-a entre o mínimo e o máximo que a lei prevê, de acordo com todas as circunstâncias atendíveis (grau de culpa, necessidades de prevenção e demais circunstâncias), por forma a punir diferentemente situações que, sendo aparentemente iguais, são, em si mesmas, diferentes, e de modo também a evitar o risco de aplicar penas desproporcionadas às infracções cometidas, tendo em consideração todo o quadro que envolveu a prática de cada uma delas. Ou seja: só prevendo o legislador penas variáveis, pode o juiz adequar a pena à culpa do agente, às exigências de prevenção e, bem assim, às demais circunstâncias que ele deve considerar para encontrar, em concreto, a pena ajustada a cada caso.

Esse resultado não o pode, com efeito, o juiz atingir, lançando mão do instituto da atenuação especial da pena ou, sendo o caso, do da dispensa de pena, a que faz apelo o Acórdão 83/91 para ver consagrada, na norma sub iudicio, uma pena que, tão-só tendencialmente, é uma pena fixa, e não uma pena rigidamente fixa: é que, desde logo, a atenuação especial da pena pressupõe que a pena (de prisão ou de multa) aplicável ao caso seja variável (cf. o artigo 73.º do Código Penal); e, depois, supõe a ocorrência de um quadro de circunstâncias com valor fortemente atenuativo ('quando existirem circunstâncias anteriores ou posteriores ao crime, ou contemporâneas dele, que diminuam por forma acentuada a ilicitude do facto, a culpa do agente ou necessidade da pena', diz o n.º 1 do artigo 72.º do mesmo Código). E, quanto à dispensa de pena, também só pode recorrer-se a ela, quando, estando em causa uma infracção de pequena gravidade (recte, uma infracção punível com prisão não superior a seis meses, ou só com multa não superior a 120 dias), o juiz verificar que são 'diminutas' 'a ilicitude do facto e a culpa do agente'; que o 'dano' já foi 'reparado'; e que 'à dispensa de pena' se não opõem 'razões de prevenção' (cf. o artigo 74.º do mesmo Código).

Estes mecanismos são, de facto inaptos para - como se escreveu no citado Acórdão 202/2000, a propósito da atenuação especial da pena - 'dar conta da necessária adequação da pena em concreto às circunstâncias a considerar - à culpa do agente e às necessidades de prevenção'.

Recorrendo, de novo, aos dizeres do Acórdão 202/2000:

Não pode aceitar-se o argumento de que, interpretando a norma em causa como prevendo uma pena apenas 'tendencialmente fixa' ela não viola o princípio da igualdade e da proporcionalidade, do qual decorre que a gravidade das penas (e das medidas de segurança) há-de ser proporcional à gravidade das infracções, encaradas sob o ponto de vista, respectivamente, da culpa e das necessidades de prevenção geral (e, para aquelas medidas, da prevenção especial, perante a perigosidade do agente).

E, mais adiante, ponderou ainda o mesmo Acórdão 202/2000:

A admissão de que o recurso a estas possibilidades, previstas na lei geral - de atenuação especial da pena e de dispensa de pena -, bastaria para permitir a graduação, no caso concreto, de uma pena prevista na lei como de duração fixa, assim a tornando proporcional às circunstâncias deste, se coerentemente seguida, conduziria, aliás, à conclusão da desnecessidade de previsão de quaisquer molduras penais abstractas, satisfazendo-se as exigências constitucionais da igualdade e da proporcionalidade através daqueles institutos gerais.

A norma constante da parte final do § único do artigo 67.º do Decreto 44 623, de 10 de Outubro de 1962, aqui sub iudicio ou seja: o segmento dele que manda aplicar o máximo da pena prevista no artigo 640.º para o crime de pesca em época de defeso, quando concorra a agravante de a pesca ter lugar em zona de pesca reservada - é, pois, inconstitucional: ela viola os princípios constitucionais da culpa, da igualdade e da proporcionalidade."

4.10 - Toda esta doutrina, que se sufraga, é aplicável à situação dos presentes autos. No caso em questão a lei determina a aplicação de uma multa correspondente do preço do bilhete acrescido de uma multa do montante de 50% do preço do respectivo bilhete; ou correspondente a 100 vezes o mínimo cobrável no transporte utilizado. Em qualquer caso, trata-se sempre de uma multa de valor fixo, que vem a ser aplicada em tribunal, caso o arguido, oportuna e voluntariamente não proceda ao pagamento da multa.

Embora a terminologia utilizada na norma constante do artigo 67.º do Decreto 44 623 citado seja algo diferente, pois manda aplicar os máximos das penas a partir de uma pena variável, a situação vem a ser idêntica. Cabe assim declarar em sede de fiscalização concreta da constitucionalidade, nos termos do artigo 280.º, n.º 1, alínea a), da CRP, a inconstitucionalidade da norma constante do artigo 3.º, n.º 2, alínea a), do Decreto-Lei 108/78, de 24 de Maio, por violação dos princípios constitucionais da culpa, da igualdade e da proporcionalidade.

III - Decisão. - Pelos fundamentos expostos, decide-se:

A) Julgar inconstitucional, por violação dos princípios constitucionais da culpa, da igualdade e da proporcionalidade, consagrados nos artigos 1.º, 13.º, n.º 1, 18.º, n.º 1, 25.º, n.º 1, e 30.º, n.º 1, da Constituição, a norma constante do artigo 3.º, n.º 2, alínea a), do Decreto-Lei 108/78, de 24 de Maio, e, em consequência;

B) Na não aplicação daquela norma, absolver o arguido José Cândido Furtado Fernandes da transgressão de que vinha acusado.

O Ministério Público interpôs recurso de constitucionalidade nos seguintes termos:

"O Ministério Público junto deste Tribunal, vem, nos termos do artigo 70.º, n.º 1, alínea a), da Lei de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional - Lei 28/82, de 15 de Novembro, com as alterações introduzidas pela Lei 85/89, de 7 de Setembro, pela Lei 88/95, de 1 de Setembro, e pela Lei 13-A/98, de 26 de Fevereiro -, interpor recurso para o Tribunal Constitucional do despacho de 14 de Dezembro de 2005, proferido no processo acima indicado que, com fundamento em inconstitucionalidade material, recusou aplicar o artigo 30.º, n.º 2, alínea a), do Decreto-Lei 108/78, de 24 de Maio.

Nestes termos, porque está em tempo e tem legitimidade, requer-se a V. Ex.ª se digne admitir o recurso, com efeito suspensivo, subida imediata e nos próprios autos, directamente para o Tribunal Constitucional, onde serão produzidas as alegações do recurso [artigos 72.º, n.os 1, alínea a), e 3 - recurso obrigatório para o Ministério Público -, 74.º, n.º 1, 75.º, n.º 1, 75.º-A, n.º 1, 76.º, n.º 1, 78.º, n.º 4, e 79.º, todos da referida Lei de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional]."

Junto do Tribunal Constitucional, o Ministério Público alegou, concluindo o seguinte:

"1 - É inconstitucional, por violação dos princípios da culpa, da igualdade e da proporcionalidade, a norma constante do artigo 3.º, n.º 2, alínea a), do Decreto-Lei 108/78, de 24 de Maio, na medida em que estabelece uma pena de multa de valor fixo, que o tribunal terá sempre de aplicar em caso de condenação.

2 - Termos em que deverá confirmar-se a decisão recorrida quanto à questão de inconstitucionalidade que é objecto de recurso."

Cumpre apreciar.

2 - A norma cuja apreciação é submetida ao Tribunal Constitucional tem a seguinte redacção:

"Nos casos em que a cobrança seja feita por qualquer outro processo, os infractores pagarão o preço do bilhete correspondente ao seu percurso, acrescido de uma multa de montante de:

a) 50% do preço do respectivo bilhete mas nunca inferior a 100 vezes o mínimo cobrável no transporte utilizado, na hipótese de não terem adquirido qualquer título válido de transporte;

..."

O tribunal a quo, invocando jurisprudência do Tribunal Constitucional, julgou tal norma inconstitucional, por violação dos princípios da culpa, da igualdade e da proporcionalidade.

3 - A norma sob apreciação estabelece uma sanção penal (uma multa) fixa no seu valor, caso se verifique a situação descrita no tipo (utilização de transporte público sem título válido). Trata-se, deste modo, de uma infracção penal (contravenção) à qual são aplicáveis os princípios que conformam o regime das penas criminais.

O Tribunal Constitucional, em diversos arestos (cf. Acórdãos n.os 95/2001, 202/2000, 20/2002 e 124/2004, www.tribunalconstitucional.pt) decidiu julgar inconstitucionais normas que consagrem penas fixas.

No mencionado Acórdão 124/2004, o Tribunal Constitucional julgou inconstitucional com força obrigatória geral a norma da parte final do § único do artigo 67.º do Decreto 44 623, de 10 de Outubro de 1962, enquanto manda aplicar o máximo da pena prevista no artigo 64.º do mesmo diploma para o crime de pescar em época de defeso, quando concorrer a agravante de a pesca ter lugar em zona de pesca reservada, por violação dos princípios constitutivos de culpa, da igualdade e da proporcionalidade. Nesse acórdão, o Tribunal Constitucional, transcrevendo o Acórdão 95/2001, considerou o seguinte:

"[...] O princípio da culpa, enquanto princípio conformador do direito penal de um Estado de direito, proíbe - já se disse - que se aplique pena sem culpa e, bem assim, que a medida da pena ultrapasse a da culpa.

Trata-se de um princípio que emana da Constituição e que, na formulação de José de Sousa e Brito (loc. cit., p. 199), se deduz da dignidade da pessoa humana, em que se baseia a República (artigo 1.º da Constituição), e do direito de liberdade (artigo 27.º, n.º 1); e, nos dizeres de Jorge de Figueiredo Dias, vai buscar o seu fundamento axiológico "ao princípio da inviolabilidade da dignidade pessoal: o princípio axiológico mais essencial à ideia do Estado de direito democrático" (Direito Penal Português. As Consequências Jurídicas do Crime, Lisboa, 1993, p. 73).

Pois bem: um direito penal de culpa não é compatível com a existência de penas fixas: de facto, sendo a culpa não apenas princípio fundante da pena, mas também o seu limite, é em função dela (e, obviamente também, das exigências de prevenção) que, em cada caso, se há-de encontrar a medida concreta da pena, situada entre o mínimo e o máximo previsto na lei para aquele tipo de comportamento. Ora, prevendo a lei uma pena fixa, o juiz não pode, na determinação da pena a aplicar ao caso que lhe é submetido, atender ao grau de culpa do agente - é dizer: à intensidade do dolo ou da negligência.

A previsão pela lei de uma pena fixa também não permite que o juiz, na determinação concreta da medida da pena, leve em consideração o grau de ilicitude do facto, o modo de execução do mesmo e a gravidade das suas consequências, nem tão-pouco o grau de violação dos deveres impostos ao agente, nem as circunstâncias do caso que, não fazendo parte do tipo de crime, deponham a favor ou contra ele.

Ora, isto pode ter como consequência que o juiz se veja forçado a tratar de modo igual situações que só aparentemente são iguais, por, essencialmente, acabarem por ser muito diferentes. Ou seja: prevendo a lei uma pena fixa, o juiz não tem maneira de atender à diferença das várias situações que se lhe apresentam. Mas, o princípio da igualdade - que impõe se dê tratamento igual a situações essencialmente iguais e se trate diferentemente as que forem diferentes - também vincula o juiz.

A lei que prevê uma pena fixa pode também conduzir a que o juiz se veja forçado a aplicar uma pena excessiva para a gravidade da infracção, assim deixando de observar o princípio da proporcionalidade, que exige que a gravidade das sanções criminais seja proporcional à gravidade das infracções.

Por isso, a norma legal que preveja uma pena fixa viola o princípio da culpa, que enforma o direito penal, e o princípio da igualdade, que o juiz há-de observar na determinação da medida da pena. E pode violar também o princípio da proporcionalidade. E isto é assim, quer a pena que a norma prevê seja uma pena de prisão, quer seja uma pena de multa.

Jorge de Figueiredo Dias (Direito Penal Português, cit., p. 193), depois de dizer que decorre da Constituição que a determinação da pena exige cooperação - "mas também, por outro lado, uma separação de tarefas e de responsabilidades tão nítida quanto possível entre o legislador e o juiz" -, sublinha que "uma responsabilização total do legislador pelas tarefas de determinação da pena conduziria à existência de penas fixas e, consequentemente, à violação do princípio da culpa e (eventualmente também) do princípio da igualdade".

Este Tribunal, no seu Acórdão 202/2000 (publicado no Diário da República, 2.ª série, de 11 de Outubro de 2000), debruçou-se sobre a norma constante do artigo 31.º, n.º 10, da Lei 30/86, de 27 de Agosto - que mandava aplicar a pena fixa de interdição do direito de caçar por um período de cinco anos àquele que caçasse em zonas de regime cinegético especial em épocas de defeso ou com o emprego de meios não permitidos - e concluiu que a mesma era inconstitucional, por violar os princípios constitucionais da igualdade e da proporcionalidade. Escreveu-se aí:

"Deve, pois, reconhecer-se que a cominação, pela norma em análise, de uma pena fixa, de quantum legalmente determinado sem possibilidade de individualização de acordo com as circunstâncias do caso concreto, não se acha em conformidade com a exigência de que à desigualdade da situação concreta (do facto cometido e das suas 'circunstâncias') corresponda também uma diferenciação da sanção penal que lhe é aplicada, e que esta seja proporcional às circunstâncias relevantes de tal situação concreta.

Os princípios constitucionais da igualdade e da proporcionalidade implicam, na verdade, o juízo de que a cominação de uma pena de interdição do direito de caçar invariável de cinco anos para o 'crime de caça' do artigo 31.º, n.º 10, da Lei 30/86 é materialmente inconstitucional.

Importa, então, saber se a norma sub iudicio prevê uma pena fixa, pois, tal sucedendo, ela é constitucionalmente ilegítima nos termos que se deixaram apontados.

[...] Decorre, na verdade, dos princípios da culpa, da igualdade e da proporcionalidade a necessidade de a lei prever penas variáveis: é que, só desse modo o legislador abre ao juiz a possibilidade de graduar a pena, fixando-a entre o mínimo e o máximo que a lei prevê, de acordo com todas as circunstâncias atendíveis (grau de culpa, necessidades de prevenção e demais circunstâncias), por forma a punir diferentemente situações que, sendo aparentemente iguais, são, em si mesmas, diferentes, e de modo também a evitar o risco de aplicar penas desproporcionadas às infracções cometidas, tendo em consideração todo o quadro que envolveu a prática de cada uma delas. Ou seja: só prevendo o legislador penas variáveis, pode o juiz adequar a pena à culpa do agente, às exigências de prevenção e, bem assim, às demais circunstâncias que ele deve considerar para encontrar, em concreto, a pena ajustada a cada caso.

Esse resultado não o pode, com efeito, o juiz atingir, lançando mão do instituto da atenuação especial da pena ou, sendo o caso, do da dispensa de pena, a que faz apelo o Acórdão 83/91 para ver consagrada, na norma sub iudicio, uma pena que, tão-só tendencialmente, é uma pena fixa, e não uma pena rigidamente fixa: é que, desde logo, a atenuação especial da pena pressupõe que a pena (de prisão ou de multa) aplicável ao caso seja variável (cf. o artigo 73.º do Código Penal); e, depois, supõe a ocorrência de um quadro de circunstâncias com valor fortemente atenuativo ('quando existirem circunstâncias anteriores ou posteriores ao crime, ou contemporâneas dele, que diminuam por forma acentuada a ilicitude do facto, a culpa do agente ou necessidade da pena', diz o n.º 1 do artigo 72.º do mesmo Código). E, quanto à dispensa de pena, também só pode recorrer-se a ela, quando, estando em causa uma infracção de pequena gravidade (recte, uma infracção punível com prisão não superior a seis meses, ou só com multa não superior a cento e 20 dias), o juiz verificar que são 'diminutas' 'a ilicitude do facto e a culpa do agente'; que o 'dano' já foi 'reparado'; e que 'à dispensa de pena' se não opõem 'razões de prevenção' (cf. o artigo 74.º do mesmo Código).

Estes mecanismos são, de facto inaptos para - como se escreveu no citado Acórdão 202/2000, a propósito da atenuação especial da pena - 'dar conta da necessária adequação da pena em concreto às circunstâncias a considerar - à culpa do agente e às necessidades de prevenção'."

Recorrendo, de novo, aos dizeres do Acórdão 202/2000:

"Não pode aceitar-se o argumento de que, interpretando a norma em causa como prevendo uma pena apenas 'tendencialmente fixa' ela não viola o princípio da igualdade e da proporcionalidade, do qual decorre que a gravidade das penas (e das medidas de segurança) há-de ser proporcional à gravidade das infracções, encaradas sob o ponto de vista, respectivamente, da culpa e das necessidades de prevenção geral (e, para aquelas medidas, da prevenção especial, perante a perigosidade do agente)."

E, mais adiante, ponderou ainda o mesmo Acórdão 202/2000:

"A admissão de que o recurso a estas possibilidades, previstas na lei geral - de atenuação especial da pena e de dispensa de pena -, bastaria para permitir a graduação, no caso concreto, de uma pena prevista na lei como de duração fixa, assim a tornando proporcional às circunstâncias deste, se coerentemente seguida, conduziria, aliás, à conclusão da desnecessidade de previsão de quaisquer molduras penais abstractas, satisfazendo-se as exigências constitucionais da igualdade e da proporcionalidade através daqueles institutos gerais."

Estas considerações são, no essencial, transponíveis para os presentes autos. Com efeito, as contravenções que o legislador manteve no sistema penal português, após a criação do Regime Geral das Contra-Ordenações (Decreto-Lei 433/82, de 27 de Outubro, agora na redacção do Decreto-Lei 356/85, de 17 de Outubro, e do Decreto-Lei 244/95, de 14 de Setembro), não estão em geral despenalizadas, isto é, subtraídas aos princípios constitucionais do direito penal, tal como o princípio da culpa e a proibição constitucional de penas fixas. Na verdade, o legislador, mesmo em termos processuais, subordinou a matéria de processamento e julgamento de contravenções a um regime processual penal simplificado, mas, em todo o caso, de natureza processual penal e não administrativa (Decreto-Lei 17/91, de 10 de Janeiro). E, apesar de as infracções terem sido despenalizadas nesta específica matéria através da Lei 28/2006, de 4 de Julho (artigos 7.º, 13.º e 14.º), é ainda aplicável aos processos pendentes o regime concretamente mais favorável ao agente, nomeadamente quanto à medida das sanções aplicáveis (artigo 14.º, n.º 2). A evolução legislativa impede, assim, não só de situar as infracções qualificadas como ilícito contravencional no direito de mera ordenação social, no direito civil ou em qualquer outro ramo do direito, mantendo-se a natureza que legal, doutrinária e jurisprudencialmente sempre lhe foi conferida (cf. Eduardo Correia, Direito Criminal, vol. I, reimpressão, 1996, pp. 213 e segs., Figueiredo Dias, Direito Penal, parte geral, t. I, "Questões fundamentais, a doutrina geral do crime", 2004, p. 145, e, ainda Maia Gonçalves, Código Penal Anotado, 3.ª ed., 1977, anotação ao artigo 3.º), como também, nesta matéria específica, é salvaguardada a subordinação a princípios do direito penal garantísticos. Também não há qualquer obrigação constitucional genérica de despenalizar o ilícito contravencional, na medida em que a opção do legislador ao nível do ilícito, da sanção e do processo não interfira com o princípio da necessidade da pena.

E, por fim, ainda o próprio direito de mera ordenação social adopta, no essencial, os princípios do direito penal (artigos 2.º, 3.º, 8.º e 9.º do Decreto-Lei 433/82), não sendo sequer os princípios da culpa e da proibição de penas fixas expressamente afastados por aquele regime legal.

Consequentemente, não existem razões substanciais, nem legais nem constitucionais, inerentes à menor gravidade do ilícito contravencional que tornem inadequada ou injustificada a aplicação daqueles princípios, sobretudo na medida em que eles se exprimam numa acentuação das garantias do arguido.

Razões de economia processual ou de celeridade bem como argumentos relacionados com a massificação das infracções não têm dignidade constitucional por si para prevalecer sobre princípios constitucionais que se aplicam directa, expressamente e sem excepções a matéria de ilícito e sanções penais e que não são sequer incompatíveis com a natureza do próprio direito de mera ordenação social.

E, finalmente, também não existem argumentos derivados da espécie de sanção - uma multa penal - que impeçam a sua adaptação aos princípios constitucionais.

Não suscitando o presente recurso qualquer outra questão que deva ser apreciada, remete-se para a jurisprudência constitucional citada (cujo fundamento é acolhido pela decisão recorrida), concluindo-se pela inconstitucionalidade da norma sob apreciação, por violação dos princípios da culpa, da igualdade e da proporcionalidade.

4 - Em face do exposto, o Tribunal Constitucional decide confirmar o juízo de inconstitucionalidade constante da decisão recorrida.

Lisboa, 18 de Outubro de 2006. - Maria Fernanda Palma - Mário José de Araújo Torres - Paulo Mota Pinto (vencido, nos termos da declaração de voto que junto) - Benjamim Rodrigues (vencido, nos termos da declaração anexa) - Rui Manuel Moura Ramos.

Declaração de voto. - Votei vencido por ter ficado com sérias dúvidas sobre a extensão da jurisprudência no sentido da inconstitucionalidade, por violação dos princípios constitucionais da culpa, da igualdade e da proporcionalidade, de penas fixas para crimes, que subscrevo (cf., aliás, o Acórdão 202/2000, de que fui relator), à infracção prevista no artigo 3.º do Decreto-Lei 108/78, de 24 de Maio, consistente na utilização de transportes colectivos de passageiros sem estar munido de título de transporte válido, e que está em causa no presente recurso de constitucionalidade. É certo que essa infracção é sancionada com uma "multa" que é receita do Estado, e que o próprio diploma remete o processo respectivo para os artigos 166.º e seguintes do Código de Processo Penal de 1929. Apesar disso, não pode esquecer-se que, nos casos em que o agente utiliza o serviço de transporte com intenção de não pagar e se nega a solver a dívida respectiva, a sua actuação é já prevista e punida (com uma pena a aplicar dentro de uma moldura penal, obviamente), como crime de "burla para obtenção de serviços", no artigo 220.º, n.º 1, alínea c), do Código Penal. Nas restantes hipóteses, penso que a conduta prevista como infracção no artigo 3.º do Decreto-Lei 108/78, por não atingir aquele "mínimo ético" que é protegido pela previsão de sanções criminais, melhor seria objecto de uma contra-ordenação, sendo, portanto, considerada como infracção de natureza não criminal, mas antes jurídico-administrativa - cf., aliás, a despenalização dessas condutas, também referida no acórdão, operada pela Lei 28/2006, de 4 de Julho (e em especial o artigo 7.º desta).

Acresce que estamos perante infracções que são tipicamente condutas que têm lugar no tráfico ou circulação de massas, em que é em regra particularmente difícil, logo pela "natureza das coisas", a averiguação de algumas das circunstâncias que podem justificar uma individualização e graduação da sanção. Esta averiguação poderia mesmo, ou impor um esforço que não parece exigível, ou, pelo seu carácter rotineiro, conduzir a situações de injustiça relativa. E, consistindo a infracção na utilização de um serviço de transporte sem o respectivo título, cuja obtenção custa certo montante, parece de admitir - como noutras infracções em que está em causa o não pagamento de um certo montante fixo para utilização de serviços postos à disposição do público - que a sanção consista num múltiplo ou fracção fixa desse montante, isto é, que seja fixada por referência a esse custo (e isto, mesmo que não seja uma sanção de tipo contratual ou convencional, mas antes uma sanção para uma infracção que está prevista na lei).

Estas considerações fizeram-me duvidar do acerto de uma ampla proibição constitucional de quaisquer sanções pecuniárias fixas, em casos como o presente, em que é de duvidar da natureza criminal (ou da justificação político-criminal) da sanção e em que a infracção, cometida no tráfico de massas, consiste no não pagamento de um preço pela utilização de um serviço disponibilizado ao público, pelo que parece mais simples que a sanção seja fixada num múltiplo ou fracção do montante que deveria ter sido pago. Perante tais dúvidas, não me pronunciei no sentido da inconstitucionalidade. - Paulo Mota Pinto.

Declaração de voto. - 1 - Não obstante acompanharmos as considerações tecidas no acórdão sobre a natureza e funcionalidade jurídico-constitucionais do direito penal e a sua sujeição aos princípios da necessidade das penas, da legalidade, da culpa, da proporcionalidade e da igualdade e aderirmos, igualmente, à tese segundo a qual um direito penal de culpa não é compatível com a existência de penas criminais fixas, nos termos afirmados, entre outros, pelo Acórdão 95/2001, a que o presente acórdão se arrimou, divergimos da posição que fez vencimento relativamente à concreta contravenção (hoje, contra-ordenação - cf. Lei 28/2006, de 4 de Julho) e à sanção que se encontram previstas no artigo 3.º, n.º 2, alínea a), do Decreto-Lei 108/78, de 24 de Maio.

2 - E dissentimos porque entendemos que aqueles princípios não postulam o mesmo grau de protecção constitucional quando o ilícito que está em causa não é o ilícito criminal, mas outro tipo de ilícito, como o contravencional ou, agora, o contra-ordenacional, bem podendo transportar um diferente grau de tutela constitucional para cada um destes dois últimos tipos de ilícito e, dentro deles, das concretas infracções que o legislador constitucionalmente competente modele.

O acórdão abona-se numa lógica apodíctica de total transponibilidade daqueles princípios constitucionais de direito penal para o direito contravencional e para o direito contra-ordenacional, não relevando suficientemente, segundo o nosso ponto de vista, o aspecto da lei fundamental os destrinçar.

Ora, acontece que esta apenas aludia, até à revisão de 1992, à "lei criminal" e aos "crimes" [cf., a título de exemplo, os artigos 29.º, 30.º, 32.º e 167.º, alínea e), na versão originária], omitindo qualquer referência às contravenções.

Deste modo, ao constituir, no uso da sua discricionariedade normativo-constitutiva, o ilícito contravencional, o legislador ordinário só estava obrigado à "Constituição criminal" onde pudesse surpreender-se uma identidade dos motivos constitucionais, ainda que com assento em outros preceitos constitucionais como, por exemplo, os artigos 2.º, 13.º, n.º 1, e 20.º da lei fundamental.

Por seu lado, a partir daquela revisão, a Constituição passou a falar em termos dicotómicos, de crimes e de contra-ordenações, continuando a silenciar a existência do ilícito contravencional [artigos 29.º, 30.º, 32.º e 168.º, n.º 1, alínea c)], para dizer, sucintamente, quanto ao último, que "nos processos de contra-ordenação são assegurados ao arguido os direitos de audiência e de defesa" e que era (como continua a ser) da competência reservada da Assembleia da República "legislar sobre o regime geral dos actos ilícitos de mera ordenação social".

Ora, conquanto admitamos, em tese geral, que os princípios da legalidade, da culpa, da proporcionalidade e da igualdade são também aplicáveis no direito contravencional (como no contra-ordenacional), entendemos, todavia, que eles têm, aqui, um diferente grau de intensidade de tutela constitucional.

Assim, segundo o nosso ponto de vista, o recorte normativo dos factos ilícitos poderá ser efectuado com mais plasticidade do que no direito penal, de modo a poder abarcar realidades que estão próximas, mas em que continua a estar presente a teleologia que justifica a criação da contravenção (ou contra-ordenação) - um princípio de legalidade menos sujeito à sua dimensão de tipicidade.

Assim, será lícita a utilização de conceitos com maior grau de indeterminação relativamente ao que se passa no direito criminal, na medida em que a sanção demandada pela prática dos factos ilícitos não contende com a garantia fundamental da liberdade e segurança da pessoa humana (artigo 27.º, n.º 1, da CRP), antes se quedando, primacialmente, pela imposição de um sacrifício pecuniário e que, desse modo, afecta, essencialmente, tão só uma das dimensões em que se desdobra a protecção constitucional do direito de propriedade, surgindo as sanções acessórias, mesmo quando não revistam a mesma natureza, como medidas de carácter especial, sendo que, no caso do concreto ilícito, elas nem sequer estão previstas.

Esta maior elasticidade do princípio da legalidade repercute-se, igualmente, no domínio da conformação legislativa das respectivas sanções, apontando no sentido de o legislador poder ampliar ou restringir a sua modelação ou concretização normativas (sobre a articulação entre o princípio da legalidade e o princípio da culpa, na projecção das penas, cf. o Acórdão 547/2001, disponível em www.tribunalconstitucional.pt).

Por outro lado, a culpa não contende com a violação, voluntária ou negligente, de concretos bens com essencial ressonância ética, referindo-se, essencialmente, à violação de padrões normativos de ordenação social, constantes, normalmente, de normas regulamentares.

Por isso, ela tende a manifestar-se através de tipos de comportamentos que são susceptíveis de acontecer em massa, em virtude de, por um lado, ser grande o universo das pessoas que estão sujeitas, na vida real, a esses padrões normativos, e, por outro, a violação se traduzir, normalmente, na simples produção do resultado que o legislador pretende evitar, seja ele positivo ou negativo.

Por fim, a especificidade que os princípios da legalidade e da culpa assumem no domínio das contravenções (contra-ordenações) não pode, também, deixar de ter reflexos, atento tal "padronamento", no domínio da necessidade de intervenção do juiz para concretizar o nível de ilícito e de culpa atingidos pelo concreto comportamento do agente.

Deste modo, não se vê que o legislador ordinário, colocado perante a possibilidade de verificação de infracções contravencionais (contra-ordenacionais) em massa, decorrente da opção legislativa de punir a esse título comportamentos violadores de simples regras de conduta ou de ordenação da comunidade social ou de colaboração com o Estado, não possa conferir maior relevo às exigências postuladas pelo princípio da legalidade em detrimento do sentido apontado pelo princípio da culpa e, nesse seu juízo, proceder a uma maior concretização das sanções aplicáveis nesses tipos de ilícito, afrouxando a necessidade da intervenção do juiz no apuramento efectivo do montante da sanção a aplicar, sem que possa sustentar-se existir uma violação intolerável dos princípios da igualdade e proporcionalidade.

Não pode, por outro lado, desconhecer-se que as sanções em causa não têm o sentido estigmatizante do direito criminal e que não atingem o direito fundamental da liberdade, tendo natureza, essencialmente, pecuniária.

Acresce que o respeito pelos referidos princípios constitucionais, com a intensidade de tutela demandada pelo direito criminal, se afigura tanto menos imperativa quanto menor for o valor pecuniário da sanção, na sua expressão absoluta: não é indiferente à lei fundamental uma sanção cujo montante máximo aplicável seja de elevadíssimo ou muito elevado valor pecuniário e uma outra sanção que se quede por valores baixos ou acessíveis ao comum das pessoas (abordando essa matéria, cf. o referido Acórdão 547/2001).

Trata-se de uma solução legislativa que pode encontrar especial justificação substancial nos princípios da necessidade, da proporcionalidade e da igualdade, bem como na concreta natureza dos bens ou deveres jurídicos que são violados, na natureza da sanção - pecuniária - e no montante absoluto das sanções abstractamente aplicáveis (afirmando, abertamente, a conformidade constitucional de algumas penas fixas, podem ver-se os Acórdãos n.os 83/91, 441/93 e 74/95, todos disponíveis em www.tribunalconstitucional.pt).

3 - Ora, é exactamente o que se passa com a norma objecto do recurso de constitucionalidade.

Ela pune o comportamento, no mínimo culposo, da falta de título válido de transporte, por banda do utilizador, nos casos em que a cobrança não é feita por agente cobrador mas por outro processo, prevendo que o infractor pague o preço do bilhete correspondente ao seu percurso, acrescido de uma multa de "50% do preço do respectivo bilhete, mas nunca inferior a 100 vezes o mínimo cobrável no transporte utilizado".

Para o conhecimento da questão em apreço apenas releva a norma, na parte em que esta sanciona o comportamento do infractor com multa, pois o pagamento do preço corresponde a uma mera dívida que encontra a sua causa jurídica no contrato de transporte (ainda que de simples adesão).

Antes de mais importa notar que não estamos, porém, perante uma sanção que se possa considerar rigidamente fixa.

Na verdade, a sanção prevista apenas coloca na mesma posição os infractores que utilizem, sem título válido, o transporte durante um mesmo percurso ou ainda aqueles em que o valor de 50% do preço do respectivo bilhete seja inferior a cem vezes o mínimo cobrável no transporte utilizado. Nos outros casos, a sanção é objectivamente variável.

Todavia, existem razões que podem sustentar, no plano constitucional, essa opção legislativa de igualação sancionatória.

A sanção pune a utilização dos transportes sem título válido de transporte, nos casos em que a cobrança do preço não é feita por cobrador.

O fim que ela prossegue é, pois, o de desencorajar, pelo modo tido como eficaz, a utilização dos transportes sem o pagamento da contraprestação devida pela prestação do transporte e de, por essa via, procurar garantir, na maior medida possível, a amortização dos custos do investimento e da prestação do serviço.

Ora, estes serviços de transporte são serviços de interesse geral, porquanto satisfazem necessidades básicas dos cidadãos, que são prestados em regime de concessão de serviço público e que estão sujeitos a princípios específicos, como o da universalidade, ou do acesso do maior número possível de pessoas, mesmo as economicamente desfavorecidas, neste se incluindo a inadmissibilidade legal da possibilidade de escolha do contraente e de recusa de contratar, possível relativamente a outros bens.

Deve notar-se, por outro lado, que a prestação de serviços deste tipo corresponde, de resto, a um modo de o Estado se desincumbir da tarefa fundamental cometida no artigo 9.º, alínea d), da Constituição ("promover o bem estar e a qualidade de vida do povo e a igualdade real entre os portugueses, bem como a efectivação dos direitos económicos, sociais, culturais e ambientais ...").

Acresce - como já se disse, no nosso voto de vencido aposto ao 1116/80, de 31 de Dezembro e 736-D/81, de 28 de Agosto, na parte em que a mesma exclui inteiramente a responsabilidade do caminho de ferro pelos danos causados aos passageiros resultantes de atrasos, supressão de comboios ou perdas de enlace. Decide não declarar a inconsti (...)">Acórdão 650/2004, publicado no Diário da República, 1.ª série-A, de 23 de Fevereiro de 2005, disponível em www.tribunalconstitucional.pt, a propósito do transporte ferroviário, mas não sendo diferente a valoração a estabelecer aqui - que "o fornecimento desse serviço está sujeito a um princípio de qualidade elevada que é normativamente definida (cf., hoje, o artigo 7.º da Lei 23/96, de 26 de Julho), afastando, assim, quaisquer critérios de padrões mínimos ou até de critérios médios na avaliação do grau de cumprimento da obrigação de transporte (cf. Carlos Ferreira de Almeida, 'Serviços públicos, contratos privados', in Estudos de Homenagem à Prof.ª Doutora Isabel de Magalhães Colaço, p. 132)".

Por estas razões, os preços relativos à prestação dos serviços de transporte são, por via de regra, "preços normativos" e não preços estabelecidos por acordo das partes ou segundo mecanismos de livre funcionamento do mercado, em cuja determinação intervêm, de modo relevante, factores normativos e ponderações "políticas" que são efectuadas pela competente administração pública, situando-se, normalmente, em patamares que se situam abaixo do que resultaria daquele mercado.

Mas demandando a actividade de prestação de tais bens avultados investimentos, não poderá, correspondentemente, o legislador deixar de adoptar, como se disse, já, instrumentos que garantam, eficazmente, o pagamento dos preços devidos.

Ora, se os preços são fixados em função de um paradigma económico dos seus utilizadores, que procura colocar todos os consumidores no mesmo plano, quanto à possibilidade de poder aceder a tais bens, dentro de uma óptica de igualdade de oportunidades, não se vê que o legislador, optando pela conformação de um ilícito contravencional (ou contra-ordenacional) perspectivado para conferir eficácia ao dever do seu pagamento/cobrança, não possa, por decorrência desses mesmos princípios, estabelecer um padrão de pena igual para todos aqueles que o violem, desde que ele se situe dentro de valores que não sejam desadequados, e exista uma infracção a punir.

A sanção fixa corresponderá, deste modo, a uma transposição para o campo sancionatório dos mesmos princípios a que obedece, precisamente, o estabelecimento dos preços normativos e a conformação do dever do seu pagamento/cobrança, máxime, dos princípios da proporcionalidade e da igualdade.

A sanção constitucionalmente impugnada enquadra-se, a nosso ver, dentro de tais exigências.

O que acaba de dizer-se não impede que o legislador ordinário, no uso da sua discricionariedade normativo-constitutiva, não possa optar por um sistema de sanções variáveis, como aquele que estabeleceu no artigo 7.º da recente Lei 28/2006, de 4 de Julho, que regulou em novos termos o "regime sancionatório aplicável às transgressões ocorridas em matéria de transportes colectivos de passageiros".

Eis porque entendemos que não é constitucionalmente proibida a existência, no ilícito contravencional e no contra-ordenacional, de sanções fixas, relativamente a infracções cuja conformação visa defender bens jurídicos relacionados com a prestação de bens em condições tendenciais de igualdade no seu acesso real. - Benjamim Rodrigues.

Anexos

  • Extracto do Diário da República original: https://dre.tretas.org/dre/1536145.dre.pdf .

Ligações deste documento

Este documento liga aos seguintes documentos (apenas ligações para documentos da Serie I do DR):

  • Tem documento Em vigor 1962-10-10 - Decreto 44623 - Ministério da Economia - Secretaria de Estado da Agricultura - Direcção-Geral dos Serviços Florestais e Aquícolas

    Aprova o regulamento da Lei 2097, de 6 de Junho de 1959, que promulga as bases do fomento piscícola nas águas interiores do País.

  • Tem documento Em vigor 1978-05-24 - Decreto-Lei 108/78 - Ministério dos Transportes e Comunicações - Gabinete do Ministro

    Estabelece normas relativas à fiscalização da cobrança nos transportes colectivos e penalizações das infracções.

  • Tem documento Em vigor 1980-12-31 - Portaria 1116/80 - Ministérios das Finanças e do Plano, do Comércio e Turismo e dos Transportes e Comunicações

    Altera alguns artigos da Portaria nº 403/75 de 30 de Junho, que aprova a Tarifa Geral de Transportes - Parte I «Passageiros e bagagens».

  • Tem documento Em vigor 1981-08-28 - Portaria 736-D/81 - Ministérios das Finanças e do Plano, do Comércio e Turismo e dos Transportes e Comunicações

    Altera as tabelas de preços constantes da Tarifa Geral de Transportes - Parte I «Passageiros e bagagens» dos Caminhos de Ferro Portugueses, E. P., aprovada pela Portaria n.º 403/75, de 30 de Julho, sucessivamente alterada pelas Portarias n.os 170/78, de 29 de Março, 526/79, de 29 de Setembro, e 1116/80, de 31 de Dezembro.

  • Tem documento Em vigor 1982-09-23 - Decreto-Lei 400/82 - Ministério da Justiça

    Aprova o Código Penal.

  • Tem documento Em vigor 1982-10-27 - Decreto-Lei 433/82 - Ministério da Justiça

    Institui o ilícito de mera ordenação social e respectivo processo.

  • Tem documento Em vigor 1982-11-15 - Lei 28/82 - Assembleia da República

    Aprova a organização, funcionamento e processo do Tribunal Constitucional - repete a publicação, inserindo agora a referenda ministerial.

  • Tem documento Em vigor 1985-09-02 - Decreto-Lei 356/85 - Ministério das Finanças e do Plano

    Define quais as entidades que suportarão, na vigência das operações de financiamento à construção e aquisição de habitação própria permanente, os acréscimos ou decréscimos das bonificações decorrentes de variações da taxa de juro contratual.

  • Tem documento Em vigor 1986-08-27 - Lei 30/86 - Assembleia da República

    Aprova e publica a lei da caça.

  • Tem documento Em vigor 1989-08-23 - Lei 30/89 - Assembleia da República

    Altera os limites da freguesia de Lapa do Lobo, no concelho de Nelas.

  • Tem documento Em vigor 1989-09-07 - Lei 85/89 - Assembleia da República

    Introduz alterações à Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, lei de organização, funcionamento e processo do Tribunal Constitucional.

  • Tem documento Em vigor 1991-01-10 - Decreto-Lei 17/91 - Ministério da Justiça

    Regula o processamento e julgamento das contravenções e transgressões.

  • Tem documento Em vigor 1995-09-01 - Lei 88/95 - Assembleia da República

    ALTERA A LEI 28/82, DE 15 DE NOVEMBRO, QUE APROVA A LEI ORGÂNICA DO TRIBUNAL CONSTITUCIONAL (NA REDACÇÃO CONFERIDA PELAS LEIS 143/85, DE 26 DE NOVEMBRO E 85/89, DE 7 DE SETEMBRO) NO ATINENTE AS CONTAS DOS PARTIDOS, AS DECLARAÇÕES DE TITULARES DE CARGOS POLÍTICOS, AO RECURSO DE APLICAÇÃO DE COIMAS, A APLICAÇÃO DE COIMAS EM MATÉRIA DE CONTAS DOS PARTIDOS POLÍTICOS, A NAO APRESENTAÇÃO DAS CITADAS CONTAS, ASSIM COMO NO QUE SE REFERE AOS PROCESSOS RELATIVOS A DECLARAÇÕES DE RENDIMENTOS E PATRIMÓNIO DOS TITULARES (...)

  • Tem documento Em vigor 1995-09-14 - Decreto-Lei 244/95 - Presidência do Conselho de Ministros e Ministério da Justiça

    ALTERA O DECRETO LEI NUMERO 433/82, DE 27 DE OUTUBRO (INSTITUI O ILÍCITO DE MERA ORDENAÇÃO SOCIAL E RESPECTIVO PROCESSO), COM A REDACÇÃO QUE LHE FOI DADA PELO DECRETO LEI NUMERO 356/89, DE 17 DE OUTUBRO. AS ALTERAÇÕES INTRODUZIDAS PELO PRESENTE DIPLOMA INCIDEM NOMEADAMENTE SOBRE OS SEGUINTES ASPECTOS: CONTRA-ORDENAÇÕES, COIMAS EM GERAL E SANÇÕES ACESSORIAS, PRESCRIÇÃO DO PROCEDIMENTO POR CONTRA-ORDENAÇÃO E PRESCRIÇÃO DAS COIMAS, PROCESSO DE CONTRA-ORDENAÇÃO (COMPETENCIA TERRITORIAL DAS AUTORIDADES ADMINISTR (...)

  • Tem documento Em vigor 1996-07-26 - Lei 23/96 - Assembleia da República

    Cria no ordenamento jurídico alguns mecanismos destinados a proteger o utente de serviços públicos essenciais, designadamente: serviço de fornecimento de água, serviço de fornecimento de energia eléctrica, serviço de fornecimento de gás e serviço de telefone (Lei dos serviços públicos).

  • Tem documento Em vigor 1997-04-24 - Acórdão 175/97 - Tribunal Constitucional

    Declara a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, por violação do preceituado na alínea d) do n.º 1 do artigo 168º da Constituição, da norma constante do artigo 27º do Decreto-Lei n.º 30/89, de 24 de Janeiro, - Disciplina o licenciamento, funcionamento e fiscalização dos estabelecimentos com fins lucrativos -, enquanto aplicável a pessoas singulares, mas tão só na parte em que ela, ao cominar a coima da contra-ordenação que define, fixa o seu limite máximo em montante superior ao limite máximo e (...)

  • Tem documento Em vigor 1998-02-26 - Lei 13-A/98 - Assembleia da República

    Altera a lei orgânica sobre a organização, funcionamento e processo do Tribunal Constitucional.

  • Tem documento Em vigor 2004-03-31 - Acórdão 124/2004 - Tribunal Constitucional

    Declara, com força obrigatória geral, a inconstitucionalidade da norma constante da parte final do § único do artigo 67.º do Decreto n.º 44623, de 10 de Outubro de 1962, (aprova o regulamento da Lei 2097, que promulga as bases do fomento piscícola nas águas interiores do País), enquanto manda aplicar o máximo da pena prevista no artigo 64.º do mesmo diploma para o crime de pesca em época de defeso, quando concorra a agravante de a pesca ter lugar em zona de pesca reservada - por violação dos princípios cons (...)

  • Tem documento Em vigor 2005-02-23 - Acórdão 650/2004 - Tribunal Constitucional

    Declara a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, da norma constante do primeiro período do n.º 1 do artigo 19.º da tarifa geral de transportes, aprovada pela Portaria n.º 403/75, de 30 de Junho, alterada pelas Portarias n.os 1116/80, de 31 de Dezembro, e 736-D/81, de 28 de Agosto, na parte em que a mesma exclui inteiramente a responsabilidade do caminho de ferro pelos danos causados aos passageiros resultantes de atrasos, supressão de comboios ou perdas de enlace. Decide não declarar a inconsti (...)

  • Tem documento Em vigor 2006-07-04 - Lei 28/2006 - Assembleia da República

    Aprova o regime sancionatório aplicável às transgressões ocorridas em matéria de transportes colectivos de passageiros.

Ligações para este documento

Este documento é referido nos seguintes documentos (apenas ligações a partir de documentos da Série I do DR):

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