de 27 de Janeiro
A Directiva n.º98/30/CE, de 22 de Junho, do Parlamento Europeu e do Conselho, estabeleceu as regras comuns para a concretização de um mercado concorrencial de gás natural que se insere no objectivo da criação do mercado interno da energia. A maior parte dos princípios estabelecidos nesta directiva já estão contemplados na legislação que define e regula o sistema, designadamente no Decreto-Lei 374/89, de 25 de Outubro, e no Decreto-Lei 232/90, de 16 de Julho, republicados recentemente com as alterações decorrentes do Decreto-Lei 8/2000, de 8 de Fevereiro, e do Decreto-Lei 7/2000, de 3 de Fevereiro, respectivamente, bem como, entre outros, no Decreto-Lei 274-B/93, de 4 de Agosto, no Decreto-Lei 274-C/93, de 4 de Agosto, no Decreto-Lei 33/91, de 16 de Janeiro, no Decreto-Lei 333/91, de 6 de Setembro, e no Decreto-Lei 203/97, de 8 de Agosto, que precederam a constituição das concessionárias de transporte e de distribuição, e ainda, na vertente técnica, o Decreto-Lei 521/99, de 10 de Dezembro.A dispersão destes diplomas justifica que, no futuro e de acordo com o desenvolvimento do mercado português de gás natural, se proceda à adopção duma lei quadro que sistematize as disposições legais aplicáveis às actividades do gás natural.
Neste sentido relevará a criação de uma entidade reguladora e a definição das suas atribuições e competências.
No entanto, impondo-se desde já proceder à transposição da referida directiva, por exigência do cumprimento de obrigações comunitárias, o regime jurídico que agora se consagra explicita, com maior clareza e objectividade, as normas relativas à organização e funcionamento do sector do gás natural gasoso e liquefeito no nosso país, à exploração das redes e aos critérios e mecanismos aplicáveis ao transporte, distribuição, fornecimento e armazenamento de gás natural.
São ainda estabelecidas regras quanto à separação e transparência das contas das respectivas empresas e quanto à prestação de informações para efeitos estatísticos.
Foram ouvidos os órgãos de governo próprio das Regiões Autónomas e as entidades representativas do sector envolvido.
Assim:
Nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 198.º da Constituição, o Governo decreta o seguinte:
Artigo 1.º
Âmbito de aplicação
O presente diploma estabelece as regras aplicáveis ao exercício das actividades de importação, transporte, distribuição, fornecimento e armazenamento de gás natural (GN), incluindo o gás natural liquefeito (GNL), bem como as regras relativas à organização e funcionamento do sector, ao acesso ao mercado, à exploração das redes e aos critérios e mecanismos aplicáveis à concessão de autorizações de transporte, distribuição, fornecimento e armazenamento de gás natural, procedendo à transposição da Directiva n.º 98/30/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 22 de Junho.
Artigo 2.º
Definições
Para efeitos da organização e funcionamento do sector do gás natural, entende-se por:a) «Empresa de gás natural» - uma pessoa singular ou colectiva que desempenhe, pelo menos, uma das seguintes funções: produção, importação, transporte, distribuição, fornecimento, compra ou armazenamento de GN, incluindo GNL, e que seja responsável pelas actividades comerciais, técnicas ou de manutenção ligadas a essas funções, com exclusão dos clientes finais;
b) «Rede de gasodutos a montante» - um gasoduto ou rede de gasodutos explorados ou construídos como parte de uma instalação de produção de hidrocarbonetos ou de gás, utilizados para transportar gás natural de uma ou mais dessas instalações para uma instalação de transformação, um terminal ou um terminal de descarga;
c) «Transporte» - o transporte de gás natural através de uma rede de gasodutos de alta pressão que não seja uma rede de gasodutos a montante, para fins de entrega a clientes;
d) «Empresa de transporte» - qualquer pessoa singular ou colectiva que desempenhe funções de transporte;
e) «Distribuição» - o transporte de gás natural através de redes regionais ou locais de gasodutos, incluindo redes locais autónomas abastecidas a partir de instalações autónomas de GNL, para fins de fornecimento a clientes;
f) «Empresa de distribuição» - qualquer pessoa singular ou colectiva que desempenhe funções de distribuição;
g) «Fornecimento» - a entrega ou venda de gás natural, incluindo o GNL, a clientes;
h) «Empresa de fornecimento» - qualquer pessoa singular ou colectiva que desempenhe funções de fornecimento;
i) «Instalação de armazenamento» - uma instalação utilizada para o armazenamento de gás natural, pertencente ou explorada por uma empresa de gás natural, excluindo a parte utilizada para operações de produção;
j) «Empresa de armazenamento» - qualquer pessoa singular ou colectiva que desempenhe funções de armazenamento;
k) «Instalação de GNL» - um terminal utilizado para a liquefacção de gás natural ou para a descarga, armazenamento e regaseificação do GNL;
l) «Rede» - qualquer rede de transporte ou distribuição ou instalação de GNL pertencente ou explorada por uma empresa de gás natural, incluindo as suas instalações prestadoras de serviços auxiliares, bem como as das empresas coligadas, necessárias para garantir o acesso ao transporte e à distribuição;
m) «Rede interligada» - um conjunto de redes ligadas entre si;
n) «Conduta directa» - um gasoduto de transporte de gás natural não integrado na rede interligada;
o) «Empresa coligada» - uma empresa filial, na acepção do artigo 41.º da Sétima Directiva n.º 83/349/CEE, do Conselho, de 13 de Junho, baseada no n.º 3, alínea g), do artigo 54.º do Tratado e relativa às contas consolidadas, ou uma empresa que pertença aos mesmos accionistas;
p) «Empresa verticalmente integrada» - uma empresa de gás natural que desempenhe, pelo menos, duas das seguintes funções: produção, transporte, distribuição, fornecimento ou armazenamento de gás natural;
q) «Empresa horizontalmente integrada» - uma empresa que desempenhe, pelo menos, uma das seguintes funções: produção, transporte, distribuição, fornecimento ou armazenamento de gás natural, e uma actividade não ligada ao sector do gás;
r) «Utilizador da rede» - qualquer pessoa singular ou colectiva que abasteça a rede ou seja por ela abastecida;
s) «Clientes» - os grossistas ou os clientes finais de gás natural ou as empresas de gás natural que compram gás natural;
t) «Cliente final» - o consumidor que compra gás natural para utilização própria;
u) «Clientes grossistas» - pessoa singular ou colectiva, cuja existência seja reconhecida pelo Estado, e que compre e venda gás natural e não assegure funções de transporte ou distribuição no interior ou no exterior da rede em que está estabelecida;
v) «Cliente elegível» - entidade que fora ou dentro do território nacional abrangido pela rede interligada possa aceder às redes exploradas pelas empresas de gás natural de uma forma que lhe permita celebrar contratos de fornecimento de gás natural com base em acordos comerciais voluntários;
w) «Planeamento a longo prazo» - o planeamento da capacidade de fornecimento e transporte das empresas de gás natural segundo uma perspectiva de longo prazo, a fim de satisfazer a procura de gás natural da rede, a diversificação das fontes, bem como garantir o fornecimento aos clientes;
x) «Mercado emergente» - um Estado membro em que o primeiro fornecimento comercial do seu primeiro contrato de fornecimento de gás natural de longa duração tenha sido efectuado há menos de 10 anos;
y) «Segurança» - a segurança do fornecimento e aprovisionamento, bem como a segurança técnica.
Artigo 3.º
Regras gerais de organização do sector
1 - No exercício das actividades previstas no presente diploma, na perspectiva da realização de um mercado do gás natural concorrencial, serão asseguradas às empresas de gás natural igualdade de tratamento, de oportunidades e de condições, não podendo ser estabelecidas discriminações entre essas empresas no que respeita a direitos e obrigações.
2 - A organização e o exercício das actividades de importação, de transporte, de armazenamento, de distribuição e de fornecimento de gás natural, incluindo o GNL, obedecem às disposições do Decreto-Lei 374/89, de 25 de Outubro, na redacção que lhe foi dada pelo Decreto-Lei 8/2000, de 8 de Fevereiro, e respectiva regulamentação.
3 - As empresas de gás natural, concessionárias ou licenciadas, no interesse económico geral, podem ser sujeitas ao cumprimento de obrigações de serviço público relativas à segurança, à regularidade, à qualidade, aos preços dos fornecimentos e à protecção do ambiente.
4 - As obrigações previstas no número anterior, e eventuais alterações, bem como as contrapartidas daí resultantes, são definidas nos respectivos contratos de concessão ou títulos de licença, de forma transparente, não discriminatória e controlável, sendo objecto de publicação.
5 - A fim de assegurar o cumprimento das obrigações de serviço público relativas à segurança, poderá ser instituído um sistema de planeamento a longo prazo.
Artigo 4.º
Requisitos técnicos
1 - Os requisitos técnicos mínimos de concepção e funcionamento em matéria de ligação à rede das instalações de GNL, instalações de armazenamento, outras redes de transporte ou distribuição e condutas directas são os constantes do Decreto-Lei 232/90, de 16 de Julho, na redacção que lhe foi dada pelo Decreto-Lei 7/2000, de 3 de Fevereiro, e legislação complementar.2 - Os requisitos referidos no número anterior asseguram, de forma objectiva e não discriminatória, a interoperabilidade das redes.
Artigo 5.º
Obrigações gerais das empresas de gás natural
1 - As empresas de gás natural estão obrigadas a explorar, manter e desenvolver, em condições economicamente viáveis, instalações de recepção, transporte, armazenamento de GN e de GNL e redes de distribuição seguras, fiáveis e eficazes, tendo em conta o devido respeito pelo ambiente.
2 - As empresas de gás natural abster-se-ão de adoptar medidas discriminatórias entre os utilizadores ou categorias de utilizadores da rede, em especial a favor das suas empresas coligadas.
3 - As empresas de gás natural estão obrigadas a trocar entre si as informações não comerciais necessárias a assegurar que o transporte e fornecimento de gás natural possa ser efectuado de forma compatível com uma exploração segura e eficaz da rede interligada.
4 - As empresas de gás natural estão obrigadas a manter a confidencialidade da informação, quer trocada entre si quer obtida de terceiros, não podendo, em qualquer caso, fazer mau uso da mesma.
5 - No âmbito da compra ou venda de gás natural, as empresas de gás natural, ainda que coligadas, não poderão fazer mau uso de informações comercialmente sensíveis obtidas de terceiros para permitir o acesso à rede.
Artigo 6.º
Obrigações específicas das empresas de distribuição ou de
fornecimento
1 - As empresas de distribuição ou de fornecimento de gás natural podem, no âmbito das obrigações de serviço público estabelecidas nos respectivos contratos ou títulos de licença, ser obrigadas a abastecer os clientes localizados em determinada área ou pertencentes a determinada categoria.2 - As tarifas a aplicar aos fornecimentos referidos no número anterior serão regulamentadas por forma a assegurar a igualdade de tratamento dos clientes.
Artigo 7.º
Organização contabilística das empresas de gás natural
1 - As empresas de gás natural em regime de serviço público são obrigadas a organizar e manter contas separadas de cada uma das suas actividades de importação, de transporte, de armazenamento, de distribuição e de fornecimento de gás natural, incluindo o GNL.
2 - A organização e a publicitação das contas relativas às actividades referidas no número anterior processam-se nos termos da lei geral, aplicável às sociedades.
3 - No caso de as entidades referidas no n.º 1 exercerem outras actividades não ligadas ao gás natural, ficam sujeitas à apresentação de contas consolidadas, tal como lhes seria exigido se as actividades em questão fossem exercidas por empresas distintas, a fim de evitar discriminações, subsídios cruzados e distorções de concorrência.
4 - Na sua contabilidade interna, as empresas integradas de gás natural manterão contas separadas das suas actividades referidas no n.º 1, incluindo um balanço e uma conta de ganhos e perdas de cada actividade.
5 - Na sua contabilidade interna, as empresas especificarão as regras de imputação dos elementos do activo e do passivo, dos encargos e rendimentos, bem como da depreciação, que aplicam na elaboração das contas referidas nos n.os 3 e 4, sem prejuízo das normas contabilísticas aplicáveis a nível nacional.
6 - As regras referidas no número anterior só podem ser alteradas em casos excepcionais, devendo as alterações ser indicadas e devidamente fundamentadas.
7 - As contas anuais devem referir em notas todas as transacções de certa importância efectuadas com empresas coligadas.
8 - Sem prejuízo da audição das contas nos termos da lei geral, as contas das entidades referidas neste artigo ficam sujeitas à auditoria das entidades competentes.
9 - Independentemente do seu regime de propriedade e da sua forma jurídica, as empresas de gás natural elaborarão, apresentarão e publicarão as suas contas anuais, nos termos das normas em vigor relativas às contas anuais das sociedades de responsabilidade limitada, aprovadas de acordo com a Quarta Directiva n.º 78/660/CEE, do Conselho, de 25 de Julho, baseada no n.º 3 da alínea g) do artigo 44.º do Tratado que institui a Comunidade Europeia na sua actual versão consolidada.
10 - As empresas que não sejam legalmente obrigadas a publicar as suas contas anuais devem manter um exemplar dessas contas à disposição do público na sua sede social.
Artigo 8.º
Prestação de informações
1 - As empresas de gás natural devem remeter à Direcção-Geral da Energia, ou a qualquer outra entidade que vier a ser designada para o efeito, as informações respeitantes à sua actividade que forem julgadas necessárias para o estabelecimento e manutenção de uma estatística actualizada do sector.2 - As entidades referidas no número anterior preservarão a confidencialidade das informações comercialmente sensíveis, ficando estas sujeitas a segredo estatístico nos termos da lei.
3 - A indicação da informação a prestar, a periodicidade de envio, bem como a identificação da entidade referida, constarão de portaria do Ministro da Economia.
Artigo 9.º
Acesso às redes e ao armazenamento
1 - Sem prejuízo da prossecução do interesse público atribuído às empresas de gás natural, os clientes considerados elegíveis têm o direito de utilizar as instalações e as redes exploradas por aquelas entidades, nas condições que vierem a ser estabelecidas, nos termos da regulamentação específica.2 - A regulamentação prevista no número anterior estabelecerá, segundo critérios objectivos, transparentes e não discriminatórios, nomeadamente tarifas, condições e obrigações para a utilização do direito de acesso à rede interligada e ao armazenamento, a observar pelas empresas de gás natural, bem como pelos clientes elegíveis.
Artigo 10.º
Clientes elegíveis
Para efeitos do presente diploma, consideram-se clientes elegíveis as entidades que, fora ou dentro do território nacional abrangido pela rede interligada, possam aceder às redes exploradas pelas empresas de gás natural de uma forma que lhes permita celebrar contratos de fornecimento de gás natural com base em acordos comerciais voluntários.
Artigo 11.º
Recusa de acesso
1 - As empresas de gás natural podem recusar o acesso à rede ou armazenamento com base na falta de capacidade, ou se esse acesso as impedir de cumprir as obrigações de serviço público, a que se refere o artigo 3.º, que lhes tenham sido cometidas, ou ainda com base em sérias dificuldades económicas e financeiras no âmbito de contratos take or pay, devendo a recusa ser devidamente fundamentada de acordo com os critérios previstos no n.º 3 do artigo 25.º da Directiva n.º 98/30/CE.2 - As empresas de gás natural que recusem o acesso à rede ou armazenamento, com base na falta de capacidade ou em falta de ligação, podem ser obrigadas, no âmbito dos respectivos contratos de concessão ou títulos de licença, a efectuar os melhoramentos necessários, na medida em que tal seja economicamente viável ou sempre que um potencial cliente esteja interessado em suportar o respectivo custo adicional.
Artigo 12.º
Mecanismos de aplicação do diploma
1 - Para efeitos da aplicação dos princípios do presente diploma, serão observados mecanismos adequados e eficazes de regulação, controlo e transparência que permitam evitar qualquer aproveitamento de posição dominante, especialmente em detrimento dos consumidores e qualquer comportamento predatório, devendo esses mecanismos ter em conta as disposições do artigo 82.º do Tratado que institui a Comunidade Europeia na sua actual versão consolidada.2 - A aplicação dos mecanismos referidos no número anterior será atribuída a uma entidade competente e independente.
3 - Essa entidade deverá, nomeadamente, resolver os litígios respeitantes à recusa do direito de acesso no âmbito do presente diploma, não ultrapassando o prazo de 12 semanas a contar da data em que o litígio lhe tenha sido submetido.
4 - O recurso a essa entidade far-se-á sem prejuízo do exercício dos direitos previstos no direito comunitário.
5 - Em caso de litígio transfronteiriço, a autoridade competente para a sua resolução é a autoridade competente para a resolução de litígios referente à rede da empresa de gás natural que recuse a utilização ou o acesso a essa mesma rede ou armazenamento.
Artigo 13.º
Situação de crise
1 - Em caso de crise súbita no mercado da energia ou de ameaça à segurança física ou outra de pessoas, equipamentos ou instalações, ou à integridade da rede, designadamente em caso de acidente grave ou outro caso de força maior, o Ministro da Economia pode tomar, temporariamente, as medidas de salvaguarda necessárias.2 - Essas medidas devem causar a menor perturbação possível no funcionamento do mercado interno, não devendo ser de âmbito mais vasto do que o estritamente necessário para solucionar as dificuldades súbitas verificadas, e devem ser notificadas aos outros Estados membros e à Comissão Europeia.
Artigo 14.º
Disposições finais
1 - O disposto nos artigos 9.º, 10.º e 11.º só entrará em vigor quando o mercado nacional de GN deixar de ser um mercado emergente.2 - A regulamentação relativa às condições de acesso incluindo a definição dos clientes elegíveis observará os princípios e os parâmetros de abertura de mercado de gás natural estabelecidos na Directiva n.º 98/30/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 22 de Julho, devendo a sua publicação ocorrer antes do mercado nacional de gás natural deixar de ter o estatuto de mercado emergente, o mais tardar até 2007.
Visto e aprovado em Conselho de Ministros de 21 de Dezembro de 2000. - Jaime José Matos da Gama - Mário Cristina de Sousa.
Promulgado em 15 de Janeiro de 2001.
Publique-se.O Presidente da República, JORGE SAMPAIO.
Referendado em 18 de Janeiro de 2001.
O Primeiro-Ministro, António Manuel de Oliveira Guterres.