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Acórdão 77/88, de 28 de Abril

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Sumário

DECLARA A INCONSTITUCIONALIDADE, COM FORÇA OBRIGATÓRIA GERAL, DE TODAS AS NORMAS DO DECRETO LEI NUMERO NUMERO 436/83, DE 19 DE DEZEMBRO, COM EXCEPÇÃO DOS ARTIGOS 6 E 7, NUMEROS 1 E 2, LIMITA OS EFEITOS DA INCONSTITUCIONALIDADE, EM TERMOS DE SALVAGUARDAR, A EFICÁCIA DAS PORTARIAS ENTRETANTO EMITIDAS AO ABRIGO DO ARTIGO 2 DO DECRETO LEI NUMERO 436/83, NOMEADAMENTE DA PORTARIA 347-A/87, DE 31 DE OUTUBRO, E DE SALVAGUARDAR, BEM ASSIM, O RESULTADO DAS AVALIAÇÕES FISCAIS EXTRAORDINÁRIAS REALIZADAS ATE A DATA DA PUBLICAÇÃO DO PRESENTE ACÓRDÃO.

Texto do documento

Acórdão 77/88
Processo 24/84
Acordam, em reunião plenária, no Tribunal Constitucional (T. Const.):
I - Relatório
1 - O Presidente da Assembleia da República, ao abrigo do disposto no artigo 281.º, n.º 1, alínea a), da Constituição e no artigo 51.º, n.º 1, da Lei do T. Const., e dando seguimento a petição que nesse sentido lhe fora apresentada pela Associação Lisbonense de Proprietários, veio requerer a apreciação da constitucionalidade do Decreto-Lei 436/83, de 19 de Dezembro, e a declaração, com força obrigatória geral, da sua inconstitucionalidade.

Fundamenta o pedido na circunstância de esse diploma, que tem por objecto o regime das actualizações anuais de rendas nos contratos de arrendamento para comércio, indústria e exercício de profissões liberais e ainda em todos os contratos de arrendamento para fins não habitacionais, versar matéria da exclusiva competência legislativa da Assembleia da República - como é a do «regime geral do arrendamento urbano», consoante «determina a alínea b) do n.º 1 do artigo 168.º da Constituição» (sic) - e não haver sido emitido ao abrigo da necessária autorização desse órgão de soberania. O diploma em causa estará assim afectado, na sua globalidade, de inconstitucionalidade orgânica.

Ouvido o Governo, através do Primeiro-Ministro, nos termos do artigo 54.º da Lei do T. Const., apresentou este como resposta um parecer da Auditoria Jurídica da Presidência do Conselho de Ministros que merecera a sua concordância. Em tal parecer conclui-se, em primeiro lugar, que «o pedido formulado está indevidamente fundamentado quanto à indicação precisa dos preceitos constitucionais violados, omissão ou deficiência que torna admissível o convite ao respectivo suprimento, ou mesmo rejeição do pedido, em conformidade com os artigos 43.º, n.º 2, alínea a), e 474.º, n.º 1, alínea a), do Código de Processo Civil e 51.º, n.os 1, 3 e 4, da Lei 28/82»; e conclui-se, depois, que, a conhecer dele, em todo o caso, não poderá o T. Const. decidir no sentido da inconstitucionalidade orgânica do diploma questionado, porquanto:

a) Este diploma não versa matéria relativa a direitos, liberdades e garantias, no sentido do artigo 168.º, alínea b), da Constituição;

b) «E mesmo que se admita que verse matéria essencial, integrante do regime geral do arrendamento urbano [artigo 168.º, alínea h)], verdade é que não se trata de um acto de inovação legislativa, limitando-se a reproduzir disciplina validamente estabelecida pelo regime jurídico anterior à data de entrada em vigor da Constituição revista, onde aquela alínea h), que não tem eficácia retroactiva, aparece ex novo».

2 - Encontrando-se já pendente neste Tribunal o pedido do Presidente da Assembleia da República acabado de referir, e encontrando-se já distribuído o respectivo processo, veio igualmente o Provedor de Justiças, ao abrigo do artigo 281.º, n.º 1, alínea a), da Constituição e do artigo 51.º, n.º 1, da Lei do T. Const., requerer, do mesmo modo, a declaração da inconstitucionalidade do Decreto-Lei 436/83, «e, nomeadamente, dos seus artigos 1.º a 12.º» (que tantos são os que integram o diploma).

Fundamento deste outro pedido é também a já referida circunstância de o diploma dispor, sem autorização legislativa, sobre matéria do «regime geral do arrendamento urbano», reservada à Assembleia da República pelo artigo 168.º, n.º 1, alínea h), da Constituição. A tal respeito - e em síntese -, argumenta o Provedor que o Decreto-Lei 436/83 «trata exclusivamente de actualizações de rendas, isto é, da retribuição dos contratos de arrendamento», em causa, e que esta (a retribuição) não pode deixar de ser tida como um dos «elementos essenciais integrativos do [...] regime geral» desses contratos; e adianta, por outro lado, não só que tal decreto-lei é inovatório, mas ainda que, mesmo a entender-se que o não era, esse facto não obstaria à sua inconstitucionalidade orgânica, porquanto, «a partir do momento em que a Constituição retira ao Governo competência para legislar sobre certa matéria» (como em matéria de arrendamento aconteceu, na revisão de 1982), aquele «deixa de o poder fazer [...], seja para modificar normas anteriores - muito ou pouco -, seja para as substituir, seja, pura e simplesmente, para as revogar».

Ouvido igualmente o Governo sobre este outro pedido, limitou-se o Primeiro-Ministro a oferecer de novo como resposta o parecer da Auditoria Jurídica da Presidência do Conselho de Ministros atrás referido.

Entretanto, e porque o objecto do pedido do Provedor de Justiça coincidia inteiramente com o do antes apresentado pelo Presidente da Assembleia da República, foi determinada a sua incorporação, nos termos do artigo 64.º da Lei do T. Const., no processo respeitante a este último pedido (primeiro na ordem de entrada).

3 - Como emerge do antecedente relato, são de duas ordens as questões que o Tribunal é solicitado a apreciar e decidir no presente processo:

a) Em primeiro lugar, a questão prévia, suscitada na resposta do Primeiro-Ministro, da admissibilidade do pedido do Presidente da Assembleia da República, a qual tem a ver, no fundo, com a «ininteligibilidade» da respectiva causa de pedir;

b) Em segundo lugar, a questão da constitucionalidade do Decreto-Lei 436/83 globalmente considerado - e, portanto, de todas as suas normas -, à luz dos princípios constitucionais sobre a competência legislativa reservada da Assembleia da República.

É dessas questões, pois, que passa, sucessivamente, a conhecer-se.
II - Fundamentos
A) A questão da admissibilidade do pedido do Presidente da Assembleia da República

4 - A «reserva processual» - assim se exprime o parecer da Auditoria Jurídica da Presidência do Conselho de Ministros, oportunamente mencionado - relativa à admissibilidade do pedido em apreço reporta-se à circunstância de o Presidente da Assembleia da República indicar como normas constitucionais violadas o artigo 168.º, alínea b), e o artigo 271.º, n.º 1: ora, a citação do primeiro não se harmoniza com a invocada reserva parlamentar em matéria de arrendamento, estabelecida antes no artigo 168.º, alínea h), e permite que se suscite a dúvida de saber se não se quererá aludir, em vez disso, ou também, à reserva definida na dita alínea b), que é a respeitante a «direitos, liberdades e garantias»; por outro lado, o artigo 271.º, n.º 1, nada tem a ver com o problema em apreço, podendo intuir-se, quando muito, que se quis referir, em lugar dele, o artigo 201.º, n.º 1. Seria, assim, questionável que o requerente tivesse satisfeito cabalmente a exigência do artigo 51.º, n.º 1, da Lei do T. Const., o qual lhe impunha a «especificação» das normas ou princípios constitucionais violados; e, muito embora tal questão não tenha sido liminarmente levantada, não estaria o Tribunal impedido, em vista do que se dispõe no n.º 4 do mesmo artigo 51.º, de apreciá-la agora.

A verdade, porém, é que uma tal questão prévia tem, desde logo, de haver-se por prejudicada, atento o subsequente pedido do Provedor de Justiça, incorporado nos presentes autos. Com efeito, este outro pedido apresenta-se com um objecto precisamente idêntico ao do Presidente da Assembleia da República e nenhuma dúvida levanta, por sua vez, quanto à respectiva admissibilidade, no que concerne ao cumprimento da mencionada exigência. Daí que, em qualquer caso, sempre este Tribunal devesse conhecer in meritis da questão de constitucionalidade que lhe é posta.

5 - Todavia, e para além disso, não deve deixar de acrescentar-se que a questão suscitada na resposta do Primeiro-Ministro se revela, de todo o modo, como infundada.

É que o requerimento do Presidente da Assembleia da República, analisado globalmente, mostra com toda a clareza que o vício assacado ao Decreto-Lei 436/83 é o da invasão da reserva legislativa parlamentar em matéria de «regime geral do arrendamento rural e urbano», estabelecida na alínea h) do artigo 168.º, n.º 1, e o da consequente infracção da regra de competência do artigo 201.º, n.º 1, alínea a), ambos da Constituição. De tal modo que, se nesse requerimento se citam antes a alínea b) do primeiro desses preceitos e o artigo 271.º, n.º 1, da lei fundamental, tais menções hão-de levar-se necessariamente à conta de meros lapsi calami - sem relevo, pois, sobre a admissibilidade do correspondente pedido.

B) A questão da constitucionalidade do Decreto-Lei 436/83
6 - Passa-se, assim, à apreciação da questão de fundo, a qual, como resulta do que vem de dizer-se, consiste em saber se, atento o disposto no artigo 168.º, n.º 1, alínea h), da Constituição, o Governo dispunha de competência para, sem autorização legislativa, emitir o Decreto-Lei 436/83. Impõe-se, pois, que se comece por fixar o sentido e alcance da reserva de legislação parlamentar estabelecida naquele preceito.

Refere-se ele ao «regime geral do arrendamento rural e urbano» - numa fórmula que encontra paralelo na das alíneas d) e e) do mesmo artigo (ambas tratando igualmente de regime geral), e é diferente da das alíneas f), g) ou n), por exemplo, as quais incluem na reserva apenas as «bases» dos correspondentes regimes. Ora, logo este ponto de partida textual mostra que a reserva em causa não se limita à definição dos «princípios», «directivas» ou standards fundamentais em matéria de arrendamento (é dizer, das «bases» respectivas), mas desce ao nível das próprias «normas» integradoras do regime desse contrato e modeladoras do seu perfil. Circunscrito o âmbito da reserva pela noção de «arrendamento rural e urbano», nela se incluirão, pois, as regras relativas à celebração de tais contratos e às suas condições de validade, definidoras (imperativa ou supletivamente) das relações (direitos e deveres) dos contraentes durante a sua vigência e definidoras, bem assim, das condições e causas da sua extinção - pois tudo isso é «regime jurídico» dessa figura negocial. Por outras palavras, e em suma: cabe reservadamente ao legislador parlamentar definir os pressupostos, as condições e os limites do exercício da autonomia privada no âmbito contratual em causa.

Por outro lado, reportando-se a alínea h) do n.º 1 do artigo 168.º ao arrendamento «rural e urbano», é óbvio que abrange estas duas modalidades de arrendamento, e também nenhuma razão há para, no tocante a qualquer delas, restringir o seu âmbito. É certo que entre todas as espécies de arrendamento assume relevo social específico o arrendamento urbano para habitação e que o regime deste não pode deixar de ser perspectivado no quadro da consagração constitucional de um direito fundamental à habitação (artigo 65.º, em particular n.º 3). Mas é também inquestionável o relevo, seja social, seja económico, não só do arrendamento rural, como do arrendamento urbano para outros fins, mormente para o exercício do comércio ou indústria. Ainda aí, e nomeadamente nesta última espécie de arrendamentos, se está perante matérias «importantes» - perante matérias «politicamente» importantes, e susceptíveis, a esse título, de justificarem amplamente uma reserva de legislação parlamentar. Assim sendo, atenta a clara letra do preceito, e não ocorrendo qualquer elemento lógico, sistemático ou histórico que imponha um seu entendimento restritivo, é seguramente de concluir que, no respeitante ao arrendamento urbano, aquele abrange (é o ponto que interessa agora salientar) quer o arrendamento para habitação quer para outros fins.

Importa notar, porém, que o artigo 168.º, n.º 1, alínea h), apenas reserva à Assembleia da República a definição do regime «geral» do arrendamento. Ora, se isto não significa, como já se viu, que a reserva parlamentar o seja apenas das «bases» desse regime, não pode, contudo, deixar de significar que ela não é esgotante e absoluta (hoc sensu), e antes permite que nesse domínio venham ainda a intervir outros órgãos com competência legislativa. Mas quais e até onde?

Elucidam-nos desde logo sobre este ponto os trabalhos preparatórios da revisão constitucional de 1982 - à qual justamente ficou a dever-se a inserção no artigo 168.º da alínea em apreço.

Do debate travado em torno dessa alínea na Comissão Especial para a Revisão Constitucional (CERC) apura-se, na verdade, que a preocupação maior que ela suscitou (e única de que se dá conta nesse debate) foi a de salvaguardar os regimes especiais de arrendamento rural e urbano nas regiões autónomas. Isto é: não se quis que o alargamento da reserva legislativa parlamentar à matéria do arrendamento viesse excluir a possibilidade da existência de tais regimes e a sua definição pelas assembleias regionais respectivas, no exercício do seu poder legislativo próprio (como vinha acontecendo até então, com o aval, de resto, da Comissão Constitucional e do Conselho da Revolução). Daí, precisamente, haver a CERC proposto a limitação da reserva ao regime «geral» do arrendamento [v., em especial, Diário da Assembleia da República, 2.ª série, n.º 64, 2.º suplemento, de 10 de Março de 1982, p. 1232-(101)]. Foi o correspondente texto que, por sua vez, o Plenário da Assembleia da República veio a aprovar praticamente sem discussão, registando-se apenas intervenções dos deputados Nunes de Almeida (pelo Partido Socialista) e Sousa Tavares (pelo Partido Social-Democrata), em que de novo se salientou não pôr o preceito aprovado em causa a mencionada competência dos órgãos legislativos insulares para estabelecerem nas respectivas regiões regimes especiais de arrendamento (Diário..., cit., 1.ª série, n.º 124, de 22 de Julho de 1982, p. 5229).

Não interessa agora (porque é coisa sem relevo para a hipótese em apreço) saber até que ponto poderão ir as «especialidades» do regime (ou regimes) do arrendamento nos Açores e na Madeira (nomeadamente em que circunstâncias as respectivas assembleias as podem estabelecer, e se o podem fazer em termos de definir regimes inteiramente diversos na matéria, ou terão ao menos de respeitar o quadro básico do regime ou regimes «gerais» fixados pelo legislador da República). Interessa, sim, salientar que, se o debate parlamentar da revisão constitucional já fornece uma primeira e importante indicação sobre o alcance da fórmula do artigo 168.º, n.º 1, alínea h), esta não deixa de comportar ainda outras possíveis dimensões.

Com efeito, ao reservar à Assembleia da República a definição apenas do regime «geral» do arrendamento rural e urbano, o preceito em apreço, pelo menos na sua letra, deixa também aberta a possibilidade de caber na competência legislativa «primária» do Governo a regulamentação de regimes «especiais» de arrendamento - naturalmente com o limite e a ressalva de não vir o Executivo, por esse caminho, a esvaziar e subverter o alcance da reserva parlamentar. Por outro lado - e aí não apenas o teor, mas também a razão de ser do preceito o inculcam -, é de entender a reserva como respeitando unicamente aos aspectos significativos, ou seja, verdadeiramente substantivos, do regime legal do contrato, mas permitindo a intervenção do Governo na regulamentação do que seja puramente adjectivo ou processual (em suma, «regulamentar»).

Como quer que seja, à Assembleia da República estará sempre reservada a definição das regras materiais aplicáveis à generalidade dos contratos de arrendamento rural e urbano, e tenham estes últimos como finalidade a habitação ou quaisquer outros fins.

7 - O Decreto-Lei 436/83 dispõe sobre a matéria da actualização das rendas nos arrendamentos para comércio, indústria e exercício de profissões liberais e ainda para quaisquer outros fins não habitacionais: por um lado, e basicamente, estabelece o princípio da actualização anual da renda (artigo 1.º), segundo o método da aplicação de um coeficiente, aprovado pelo Governo dentro de limites que o próprio diploma define (artigo 2.º), e sujeita as correspondentes actualizações ao disposto em determinados preceitos do Código Civil (artigo 3.º); por outro lado, torna aplicável esse regime aos arrendamentos já em vigor (artigo 4.º), autorizando, entretanto, uma avaliação extraordinária dos respectivos imóveis para ajustamento prévio das rendas praticadas (artigo 5.º), avaliação cujas condições, termos e eficácia regula (artigos 6.º a 10.º). Em disposições finais resolve certos problemas de direito transitório (artigo 11.º) e revoga expressamente legislação anterior (artigo 12.º).

Está-se, assim, perante um diploma que rege sobre um elemento essencial dos contratos de arrendamento: a retribuição devida ao locador - que rege, pois, sem qualquer dúvida, sobre um elemento verdadeiramente substantivo desses contratos, e dos mais significativos do respectivo regime jurídico (e que, vistas as coisas noutra perspectiva, condiciona apertadamente a autonomia privada nesse tão importante aspecto do domínio contratual em causa). Por outro lado, trata-se também de um diploma tendo por objecto a «generalidade» dos contratos de arrendamento urbano para fins não habitacionais, que estabelece, portanto, um regime geral para esses contratos, no respeitante àquele seu mencionado elemento.

Eis quanto bastará para concluir, atento o que antes se disse sobre a extensão da reserva do artigo 168.º, n.º 1, alínea h), da Constituição, que o Decreto-Lei 436/83, globalmente considerado, cai em cheio no âmbito da mesma reserva.

8 - Nestas condições, a dever colher-se o ponto de vista (defendido expressamente pelo Provedor de Justiça) segundo o qual é indiferente, para o efeito de determinar a ocorrência de uma infracção das regras constitucionais distribuidoras da competência legislativa, averiguar do carácter inovatório ou não do diploma ou da norma sindicanda (isto é, averiguar se, «substancialmente», contêm disciplina nova ou se limitam a reproduzir a que já antes vigorava e fora produzida por órgão competente) - a dever acolher-se um tal ponto de vista, nada mais seria necessário para igualmente concluir que o diploma em apreço era, no seu conjunto, inconstitucional, por violador da questionada reserva. É que é indiscutível, por outro lado, que o mesmo diploma não foi emitido - e nau o foi confessadamente: veja-se a invocação, nele feita, do artigo 201.º, n.º 1, alínea a), da Constituição - ao abrigo de qualquer autorização legislativa.

Dessa conclusão global de inconstitucionalidade só eventualmente (verificadas condições que não importa agora especificar) poderiam ser ressalvadas aquelas normas do Decreto-Lei 436/83 relativamente às quais, após uma análise individualizada de todas elas, se viesse a concluir que já não versam sobre aspectos «essenciais» ou «substantivos» do regime das rendas e sua actualização, mas tão-só sobre meros aspectos «secundários» ou «processuais» e «adjectivos» desse regime - sobre aspectos, pois, que já estarão, em direitas contas, fora da reserva parlamentar (ut supra).

9 - A verdade, contudo, é que a tese acabada de considerar - a tese de que o conteúdo ou carácter «inovador» das normas em cada caso sindicadas é irrelevante para aferir da respectiva constitucionalidade, numa perspectiva orgânica ou de competência - não pode aceitar-se sem mais.

Desde logo, tal tese não fez curso na jurisprudência da Comissão Constitucional (v. os pareceres n.os 2/79, 24/80, 29/80, 3/82 e 12/82, em Pareceres da Comissão Constitucional, vols. 7.º, p. 189, 13.º, pp. 129 e 249, 18.º, p. 154, e 19.º, p. 123, respectivamente). Considerou a Comissão, ao contrário, e em resumo, que, na hipótese de uma norma se limitar a «reproduzir» uma outra, sem que a sua inserção no contexto do novo diploma implique a «transformação» do seu significado e alcance, não chega a operar-se qualquer modificação da ordem jurídica: é como se o órgão autor dessa segunda norma, que não teria competência para produzi-la ex novo, se tivesse mantido, nesse ponto, inactivo. Se a primeira norma havia sido emitida pelo órgão ao tempo competente e não suscitava, pois, qualquer reparo orgânico, falecia também «a razão de ser da inconstitucionalidade» da norma nova, já que em nada se afectava o «espírito» da reserva legislativa da Assembleia da República (se era esta que podia estar em causa, como acontecia em todas as situações objecto dos pareceres citados). Aplicando esta doutrina - em abono da qual não se deixou de invocar no parecer 29/80 o ensinamento dos conhecidos publicistas italianos Sandulli e Mortati -, a Comissão entendeu, inclusivamente, num domínio em que não atribuía à reserva parlamentar um carácter esgotante (o do regime da função pública), que não enfermavam de inconstitucionalidade orgânica normas de um diploma governamental que «em relação ao sistema jurídico anterior» se limitavam a introduzir inovações de pormenor (designadamente em «pormenores técnicos») e «a compilar e reproduzir [...] o que naquele se continha já» (parecer 12/82, cit.).

Por outro lado, também a Procuradoria-Geral da República, no seu parecer 102/85 (Boletim do Ministério da Justiça, n.º 354, p. 145), já opinou, em sintonia com a posição que vem de expor-se, que é de reconhecer competência ao Governo para, em matéria de reserva da Assembleia da República, dar novas vestes à legislação vigente, coligindo-a, sistematizando-a ou reproduzindo-a.

Por último, na própria jurisprudência deste Tribunal não deixou já de encontrar eco e aplicação, em alguma medida, e em certas hipóteses, a doutrina ou orientação, encetada pela Comissão Constitucional, a que se vem fazendo referência [cf., desde logo, Acórdão 142/85 (Diário da República, 1.ª série, de 7 de Setembro de 1985) e v., em especial, Acórdãos n.os 254/86 (Diário da República, 2.ª série, de 26 de Novembro de 1986), 67/87 (Diário da República, 2.ª série, de 16 de Abril de 1987) e 423/87 (Diário da República, 1.ª série, de 26 de Novembro de 1987)].

Quer isto dizer que, segundo o entendimento que tem sido jurisprudencialmente acolhido, o conteúdo do diploma ou das normas sindicandas (o seu carácter inovatório ou não) não é ou pode não ser indiferente para se saber se a emissão de tal diploma ou de tais normas implicou uma violação da reserva legislativa da Assembleia da República.

Ora, sem dúvida que um tal entendimento merece continuar a ser acolhido, ao menos em determinados tipos de situações (naquela, por exemplo, em que, pertencendo a matéria globamente à competência legislativa concorrencial do Governo e da Assembleia da República e apenas tocando a reserva desta última em algum ou alguns pontos, o Governo remodelar o respectivo regime jurídico, tendo o cuidado, no entanto, de deixar inalterada a normação sobre esses pontos; e porventura ainda noutras, que não ocorre agora especificar).

Assim sendo - e porque na sua resposta o Governo veio justamente argumentar que o Decreto-Lei 436/83 não representa uma «inovação legislativa» e se limita a «reproduzir disciplina validamente estabelecida pelo regime jurídico, anterior» -, importa ver se e em que medida assim é e se, em razão de tal circunstância, deve excluir-se a inconstitucionalidade orgânica do diploma em apreço.

10 - O Decreto-Lei 436/83 veio revogar o Decreto-Lei 330/81, de 4 de Dezembro, o Decreto-Lei 189/82, de 17 de Maio, e o Decreto-Lei 392/82, de 18 de Setembro. O primeiro destes diplomas - todos emitidos pelo Governo quando inquestionavelmente dispunha de competência para o efeito - havia estabelecido o princípio da actualização anual, por aplicação de um coeficiente, das rendas dos contratos de arrendamento para comércio, indústria e exercício de profissões liberais, substituindo, quanto a tais arrendamentos, o regime, até então vigente, da actualização quinquenal, mediante, se necessário, avaliação fiscal do prédio (artigos 1104.º e 1105.º do Código Civil), e havia disposto, bem assim, que esse novo regime se aplicaria aos contratos existentes, podendo o senhorio requerer, entretanto, uma avaliação fiscal extraordinária para ajustamento das rendas. O Decreto-Lei 189/82 estendera, por sua vez, o regime do Decreto-Lei 330/81 a todos os arrendamentos urbanos destinados a fins diferentes da habitação (artigo 2.º), e esclarecera, quanto aos contratos existentes, que, requerida a avaliação extraordinária, o senhorio podia ir procedendo à actualização anual da renda com base no coeficiente em vigor, até lhe ser possível o respectivo ajustamento (artigo 1.º). O Decreto-Lei 392/82, por fim, através do acrescento de vários números ao artigo 4.º do Decreto-Lei 330/81, veio fixar regras sobre a avaliação fiscal extraordinária e sobre os seus efeitos, determinando ao mesmo tempo a anulação dos resultados de todas as avaliações entretanto realizadas ao abrigo daquele primeiro diploma, e a repetição das mesmas, bem como a suspensão temporária daquelas cujos resultados ainda não estivessem apurados.

Como se vê, este regime - o regime da actualização de rendas nos contratos de arrendamento urbano para fins não habitacionais estabelecido nos três decretos-leis considerados - não difere, na sua traça essencial, do constante do Decreto-Lei 436/83, acima basicamente descrito: mantém-se neste o princípio da «actualização anual indexada» da renda (que não constitui, ao contrário do que se diz no requerimento do Provedor de Justiça, um seu princípio «novo», mas foi, sim, «inovação» do Decreto-Lei 330/81); mantém-se a aplicação desse princípio aos contratos existentes, e continuou a prever-se a possibilidade de uma avaliação fiscal extraordinária para ajustamento da renda, avaliação que é regulada em termos, em larga medida, coincidentes com os já estabelecidos pelo Decreto-Lei 392/82. É bem certo, pois, que o Decreto-Lei 436/83 não importou uma inovação radical relativamente aos diplomas sobre a matéria que imediatamente o precederam.

Assim sendo, pode dizer-se que no diploma em apreço se opera, desde logo, uma sistematização e uma unificação legislativa do regime de actualização das rendas dos contratos de arrendamento urbano para fins não habitacionais, que antes se achava disperso pelos três outros decretos-leis que ele revogou.

Mas não foi essa, a atentar-se na justificação preambular do mesmo diploma, a sua directa intenção, ao menos expressamente assumida. Dir-se-á que, de algum modo, se estará aí apenas perante um «aproveitamento» da circunstância de o Governo se haver proposto legislar na matéria, com a finalidade - essa, sim, claramente afirmada - de introduzir modificações no respectivo regime jurídico, para dar realização a um dos objectivos do seu Programa: o da «revisão dos critérios de actualização das rendas dos prédios urbanos para fins não exclusivamente habitacionais [...] dado que da aplicação do regime previsto na legislação anterior resultaram grandes distorções nos valores das respectivas rendas».

É isso o que logo começa por ler-se naquela justificação preambular, que prossegue depois: «É objectivo do presente diploma criar as condições de justiça pelas quais se devem reger as actualizações das rendas.

Assim, é estabelecido um novo método de cálculo da avaliação fiscal extraordinária, que, de uma forma mais clara, especifica os factores a ter em conta, e é limitado o índice de actualização à soma singela das taxas de inflação nos anos que medeiam entre a data da última alteração contratual da renda e a data da nova avaliação.

Por último, este novo regime vem permitir uma maior e desejada participação das partes, através da integração dos seus representantes nas comissões de avaliação.»

Estamos, assim - em conclusão -, em face de um diploma tendo como propósito, não a mera unificação e sistematização legislativa, mas, antes de mais, a alteração do regime legal anterior, embora sem o substituir nos seus princípios essenciais directores. Vejamos então em que precisamente consistiram tais alterações e em que normas elas se situam.

11 - Passando, para o efeito, ao cotejo das diferentes disposições do Decreto-Lei 436/83 com as dos diplomas que o antecederam, verifica-se, desde logo, que os artigos 1.º, 2.º, n.º 1, 3.º 4.º 5.º, n.º 1 e 9.º nada trazem de novo relativamente ao que já anteriormente se dispunha. Assim:

O artigo 1.º estabelece o princípio da actualização anual da renda, e é mera reprodução do artigo 1.º do Decreto-Lei 330/81, alargado no seu âmbito pelo artigo 2.º do Decreto-Lei 189/82;

O artigo 2.º, n.º 1, ao dispor sobre o método de avaliação, que será o da aplicação de um coeficiente, e ao atribuir ao Governo a competência para fixar, por portaria, este último, limita-se também, no essencial, a repetir o que já constava do mesmo artigo e número do Decreto-Lei 330/81. A única divergência respeita à indicação dos ministros que hão-de intervir no exercício daquela competência, mas tal divergência há-de ter-se por irrelevante, visto derivar simplesmente de um novo organograma governamental (cuja definição é, de resto, da exclusiva competência do próprio Governo);

O artigo 3.º, mandando aplicar às actualizações em causa o artigo 1104.º, n.os 2 e 3, do Código Civil, é pura reprodução do preceito com numeração idêntica do Decreto-Lei 330/81;

O artigo 4.º, preceituando sobre a aplicação do regime da actualização anual das rendas aos contratos existentes «à data da entrada em vigor do Decreto-Lei 330/81», limita-se a manter e reafirmar o que já se dispunha no artigo 4.º, n.º 1, daquele outro diploma, alargado no seu âmbito de aplicação pelo artigo 2.º do Decreto-Lei 189/82 (obviamente, com a adaptação da redacção para tanto exigida);

O artigo 5.º, n.º 1, prevendo a possibilidade da avaliação extraordinária para ajustamento das rendas, é pura e simples reprodução do artigo 4.º, n.º 2, do Decreto-Lei 330/81;

O artigo 9.º, estabelecendo a possibilidade de recurso do resultado da avaliação extraordinária e dispondo sobre os respectivos termos, limita-se também a reproduzir, ipsis verbis, o n.º 6 do artigo 4.º do Decreto-Lei 330/81, acrescentado a esse artigo pelo artigo 1.º do Decreto-Lei 392/82.

As modificações, ou inovações, dizem respeito, pois, a outros preceitos, e vêm a ser as seguintes:

No artigo 2.º, n.º 2, estabelece-se um critério para a determinação do coeficiente de actualização diverso do previsto no n.º 2 do artigo 2.º do Decreto-Lei 330/81. Na verdade, enquanto neste último preceito se dizia simplesmente que «o referido coeficiente será determinado em função da variação do índice médio ponderado de preços no consumidor, sem habitação, correspondente aos últimos doze meses para os quais existam valores disponíveis à data da publicação da portaria», agora passou a dizer-se: «O coeficiente referido no número anterior não poderá nem ser inferior a dois terços da taxa de crescimento da média dos índices mensais de preços no consumidor, sem habitação, do continente, estabelecido pelo Instituto Nacional de Estatística (INE), calculada entre os valores correspondentes aos últimos doze meses e os valores do período homólogo do ano anterior, tomando em consideração os elementos disponíveis à data da assinatura da portaria, nem superior àquela mesma taxa.» Significa isto, por um lado, que, se o Governo antes podia (e, porventura, devia) reflectir integralmente no coeficiente de actualização a variação do índice de preços, após o Decreto-Lei 436/83 apenas pode (e deve) reflectir naquele coeficiente dois terços dessa variação dos preços, e, significa, por outro lado, que o padrão determinante para fixar o coeficiente de actualização deixou de ser a simples variação do índice de preços nos últimos doze meses, para passar a ser a taxa de crescimento que a evolução do índice de preços ao longo dos últimos doze meses revela, quando comparada com a correspondente evolução em período homólogo do ano anterior. O que, como bem se compreende, conduz necessariamente a coeficientes de actualização mais baixos;

No artigo 5.º, n.º 2, definem-se critérios para a avaliação fiscal extraordinária que não coincidem inteiramente com os antes consignados no n.º 3 do artigo 4.º do Decreto-Lei 330/81 (acrescentado a esse artigo pelo artigo 1.º do Decreto-Lei 392/82). Com efeito, enquanto neste último se mandava atender fundamentalmente ao «livre funcionamento do mercado», «tendo essencialmente por base a localização, a área do prédio, tipo de construção e estado de conservação, as obras, melhoramentos ou benfeitorias que se hajam integrado no prédio sem direito a indemnização do arrendatário e os valores praticados na zona», e acrescentando-se, depois, que não serão ainda «de deixar de ponderar a renda antiga e o ramo de actividade», no novo preceito, segundo parece, manda-se considerar, por um lado, «os valores do mercado» e, por outro, «a renda praticada à data do pedido» e deixa-se ainda de fazer referência expressa, no conjunto dos elementos a «ter em conta» na avaliação, aos «valores praticados na zona» e ao «ramo de actividade». Mas, além disso, e decerto mais importante do que isso, estabelece-se a seguir, no artigo 5.º, n.º 3, um limite à renda resultante da avaliação (e, portanto, ao resultado desta), de todo desconhecido dos diplomas anteriores, e consistente no seguinte: «a nova renda não poderá ser superior à que resultaria da aplicação de um factor de actualização igual à soma singela das taxas de variação do índice anual de preços no consumidor, sem habitação, do continente, estabelecido pelo INE, verificadas em cada um dos anos que medeiam entre qualquer dos factos verificados no artigo 4.º e a data em que esta avaliação tem lugar»;

No artigo 5.º, n.º 4, na parte em que se dispõe que «a avaliação extraordinária não poderá ser requerida se o senhorio e o inquilino acordarem no montante de actualização da renda», nada se inova, pois idêntico princípio já se estabelecia no n.º 7 do artigo 4.º do Decreto-Lei 330/81, aditado pelo artigo 1.º do Decreto-Lei 392/82, e também nada de substancialmente novo se diz quando se acrescenta, in fine, que o mesmo acontecerá «se tiver havido alteração contratual da renda ao abrigo dos Decretos-Leis 330/81, de 4 de Dezembro e 392/82, de 18 de Setembro»: trata-se apenas, nesta última parte, de explicitar uma solução que já decorreria do próprio princípio antes firmado, a saber, que também os acertos contratuais de renda entretanto realizados (acertos que o primeiro diploma não proibia e o segundo implicitamente admitia) faziam precludir a possibilidade de avaliação extraordinária. Mas já existe inovação quando no mesmo artigo 5.º, n.º 4, se preceitua que igualmente não poderá requerer-se esta avaliação «se o senhorio fizer aplicar imediatamente o coeficiente de actualização previsto no n.º 1 do artigo 2.º» (ou seja, o coeficiente de actualização anual): é que solução oposta era a consignada no artigo 1.º, n.º 2, do Decreto-Lei 189/82 (interpretando autenticamente o artigo 4.º do Decreto-Lei 330/81);

No artigo 6.º, quando se determina, no n.º 1, que «são competentes para as avaliações fiscais extraordinárias as comissões de avaliação constituídas nos termos do artigo 5.º do Decreto 37021, de 21 de Agosto de 1948, com a redacção dada pelo Decreto 37784, de 14 de Março de 1950», também nada se inova, já que, no silêncio, a tal respeito, dos diplomas anteriores, e falando eles tão-só de uma «avaliação fiscal extraordinária», a competência para esta havia de ser a definida por aquele primeiro diploma, que provê precisamente sobre as comissões que hão-de intervir nas «avaliações fiscais» para o efeito de actualização de rendas. Mas já são inovatórios os n.os. 2, 3 e 4 do mesmo artigo 6.º: o primeiro, enquanto faz integrar as comissões, para o efeito da avaliação extraordinária em causa, por representantes de cada uma das partes e dispõe sobre a indicação destes; os restantes, enquanto, no seguimento decerto de tal alargamento da composição das comissões, provêem ainda acerca do momento em que deve ser feita aquela indicação e acerca, bem assim, da notificação aos louvados;

No artigo 7.º nada de novo se diz quando, no n.º 1, se determina que a comissão de avaliação proceda a exame directo do prédio e, depois, dê por escrito parecer fundamentado: tal já o imporia, na verdade, o artigo 10.º do Decreto 37021; mas já constitui inovação o «prazo de seis meses contados a partir da data de entrada do pedido de avaliação» que ainda no n.º 1 se estabelece para a emissão do referido parecer e que é diverso do fixado no referido artigo 10.º; e constitui inovação, bem assim, o n.º 2, o qual provê para a hipótese de não funcionamento da comissão, decorridos que sejam 90 dias para a sua constituição, por falta do representante do inquilino ou do senhorio, caso em que a comissão dará o seu parecer com os membros presentes. Por outro lado, também é inovatório o n.º 3 do mesmo artigo 7.º, ao consentir ao senhorio aplicar transitoriamente o coeficente anual de actualização, até à notificação do resultado da avaliação, «no caso de a comissão de avaliação não ter dado o seu parecer no prazo previsto no n.º 1»: com efeito, nos termos do artigo 1.º, n.º 1, do Decreto-Lei 189/82, e ainda em interpretação autêntica do artigo 4.º do Decreto-Lei 330/81, o senhorio, uma vez «requerida a avaliação fiscal extraordinária», ficava logo autorizado a proceder, entretanto, à «actualização anual da renda com base no coeficiente em vigor»;

No artigo 8.º, no n.º 1 dispõe-se que «a renda resultante da avaliação fiscal extraordinária é exigível a partir da data da notificação» e no n.º 2 determina-se, para o caso de a renda fixada em avaliação vir a ser inferior à praticada por aplicação provisória do coeficiente anual de actualização, que «o excesso de rendas que porventura haja sido recebido pelo senhorio deve por este ser descontado no pagamento da primeira renda após a notificação a que se refere o n.º 2 do artigo 1104.º do Código Civil». Nenhum dos preceitos constava dos diplomas revogados pelo Decreto-Lei 436/83: na vigência destes haveria de entender-se, pois, que a renda em causa (a fixada em avaliação) era exigível a partir do aviso previsto no artigo 1104.º, n.º 2, do Código Civil (ou por se considerar directamente aplicável à hipótese o disposto no artigo 3.º do Decreto-Lei 330/81 ou então por ser esse o regime «geral» das rendas estabelecidas por avaliação) e haveria de entender-se, por outro lado, quanto às rendas que tivessem entretanto excedido o resultado da avaliação, que se estava, quando muito, perante uma lacuna da lei;

No artigo 10.º retoma-se a cláusula de salvaguarda do arrendatário no caso de o resultado da avaliação vir a traduzir-se numa renda de valor muito superior ao da renda praticada à data do pedido, cláusula essa já estabelecida pelos n.os 4 e 5 do artigo 4.º do Decreto-Lei 330/81, aditados pelo Decreto-Lei 392/82. Tal como nestes preceitos, concede-se ao arrendatário, quando aquela primeira renda ultrapassar o dobro da segunda, a faculdade de, durante certo tempo, praticar uma renda que não vá além desse limite (do dobro da renda anteriormente praticada), ficando depois «sujeito a uma actualização acelerada, que terá por base um coeficiente igual ao dobro do previsto no artigo 2.º, até que iguale a renda que decorreria da aplicação dos coeficientes de actualização anuais à renda resultante da actualização fiscal extraordinária» (n.º 1); e impõe-se-lhe para tanto, «sob pena de caducidade para o exercício de tal direito», que avise o senhorio «por carta registada com aviso de recepção», a ser expedida dentro de determinado prazo (n.º 2). Simplesmente - e vão aí as alterações relativamente ao disposto naqueles anteriores preceitos -, enquanto, nos termos do citado n.º 4, o arrendatário podia exigir o pagamento da antiga renda em dobro apenas durante doze meses, passou agora a poder fazê-lo durante dois anos, e, enquanto, nos termos do também citado n.º 5, devia expedir o correspondente aviso ao senhorio «nos 30 dias seguintes à recepção da comunicação prevista no artigo 3.º» (isto é, da comunicação da nova renda, feita pelo senhorio, nos termos do artigo 1104.º, n.º 2, do Código Civil), passou a ter de fazê-lo «nos 30 dias seguintes à notificação de nova renda, prevista no artigo 8.º» (isto é, à notificação da avaliação);

No artigo 11.º, n.º 1, manda-se aplicar o novo regime dos n.os 2 e 3 do artigo 5.º (cf. rectificação do texto do Decreto-Lei 436/83 no Diário da República, 1.ª série, de 31 de Dezembro de 1983, 6.º suplemento) e do artigo 10.º - ou seja, os novos critérios da avaliação extraordinária, a faculdade de o arrendatário limitar a nova renda ao dobro da primitiva durante dois anos e o novo prazo em que deve declarar esta pretensão - «a todas as avaliações fiscais extraordinárias e respectivos recursos» pendentes à data da entrada em vigor do diploma em apreço «que tenham sido requeridos ao abrigo do Decreto-Lei 330/81, de 4 de Dezembro»: trata-se, obviamente, de uma disposição nova;

Finalmente, no n.º 2 do artigo 11.º dispõe-se que «nos casos previstos no número anterior» - ou seja, nos casos em que haja avaliação ou recurso pendente -, «decorridos dezoito meses a contar da aplicação do coeficiente feita ao abrigo do Decreto-Lei 189/82, de 17 de Maio, poderá o senhorio aplicar transitoriamente o coeficiente anual de actualização que estiver em vigor, nos termos do presente diploma». Afigura-se que o preceito se relaciona com o facto de, como já se referiu, se haver alterado o regime constante do dito Decreto-Lei 189/82 no tocante quer à possibilidade de se aplicar provisoriamente o coeficiente de actualização logo que requerida a avaliação, quer à possibilidade de requerer esta mesmo depois de aplicado aquele coeficiente (v., supra, o que se disse sobre o artigo 7.º, n.º 3, e o artigo 5.º, n.º 4, respectivamente): o que o legislador vem agora dizer é que, usada, nos termos desse diploma, a faculdade de aplicar provisoriamente o dito coeficiente, a aplicação de um novo coeficiente anual de actualização só poderá ter lugar dezoito meses depois da aplicação do primeiro. Trata-se também aqui - e também obviamente - de uma disposição nova.

São consideráveis, pois, as alterações que o Decreto-Lei 436/83 veio introduzir no regime de actualização das rendas dos contratos de arrendamento urbano para fins não habitacionais estabelecido, no seu desenho geral, pelo Decreto-Lei 330/81. Tais alterações - que o extenso, mas indispensável, confronto a que acabou de proceder-se permitiu evidenciar - são, em resumo, as seguintes:

a) Fixação de um novo critério para a determinação dos coeficientes anuais de actualização das rendas (artigo 2.º, n.º 2);

b) Definição em novos termos dos critérios da avaliação extraordinária e estabelecimento de um limite para o resultado desta (artigo 5.º, n.os 2 e 3);

c) Preclusão do direito do senhorio a requerer avaliação extraordinária, se fizer imediata aplicação do coeficiente de actualização anual (artigo 5.º, n.º 4);

d) Limitação da possibilidade de aplicar transitoriamente o coeficiente anual de actualização, uma vez requerida a avaliação extraordinária, ao caso em que a comissão de avaliação não emita o seu parecer no prazo (legal) de seis meses (artigo 7.º, n.º 3);

e) Exigibilidade da renda resultante da avaliação extraordinária a partir da data da notificação (artigo 8.º, n.º 1);

f) Obrigação de o senhorio descontar no pagamento da primeira renda, após a notificação a que se refere o n.º 2 do artigo 1104.º do Código Civil, o excesso de rendas que, atento o valor fixado pela avaliação, haja porventura recebido em resultado da aplicação provisória do factor de actualização, antes referida (artigo 8.º, n.º 2);

g) Alongamento de um para dois anos do período em que o arrendatário tem o direito de exigir a prática de uma renda em dobro da vigente à data do pedido de avaliação extraordinária, quando o resultado desta exceda esse valor (artigo 10.º, n.º 1);

h) Fixação do prazo de 30 dias para o arrendatário exercer o direito referido na alínea anterior, a partir da data da notificação do resultado da avaliação (artigo 10.º, n.º 2);

i) Aplicação do regime mencionado nas antecedentes alíneas b), g) e h) às avaliações fiscais extraordinárias pendentes, ainda que em recurso (artigo 11.º, n.º 1);

j) Exigência de que tenham decorrido dezoito meses sobre a aplicação provisória do coeficiente de actualização, na pendência de avaliação extraordinária, ao abrigo do Decreto-Lei 189/82, para que o senhorio possa aplicar novo coeficiente anual de actualização (artigo 11.º, n.º 2);

l) Integração das comissões de avaliação extraordinária por representantes do senhorio e do inquilino, com a consequente adaptação das regras processuais atinentes à constituição dessas comissões e ao seu funcionamento (artigo 6.º, n.os 2, 3 e 4, e artigo 7.º, n.º 2);

m) Fixação em seis meses, contados a partir da data da entrada do pedido de avaliação, do prazo para a comissão de avaliação emitir o seu parecer escrito (artigo 7.º, n.º 1).

12 - Eis reunidos os elementos em face dos quais haverá, em definitivo, de decidir-se a questão da conformidade ou desconformidade constitucional, sob o ponto de vista das regras de competência legislativa concernentes, do Decreto-Lei 436/83.

E o que tais elementos logo evidenciam é que, se este diploma não modificou estruturalmente o «modelo» de actualização das rendas dos contratos de arrendamento urbano para fins não habitacionais, substituindo-o por outro, veio, de todo o modo, introduzir no respectivo regime alterações substanciais da maior importância e significado - alterações que tocam elementos «substantivos», e até «essenciais», daqueles contratos e afectam de maneira relevante os efeitos jurídico-práticos do mesmo «modelo» de regulamentação no âmbito das relações contratuais a que se aplica. Assim - e é a segunda ilação que cumpre extrair da análise antecedente -, semelhantes alterações, ainda que consideradas só em si mesmas, integram seguramente o domínio da reserva parlamentar estabelecida pelo artigo 168.º, n.º 1, alínea h), da Constituição, entendida esta reserva com o alcance atrás referido.

Não estarão nas condições referidas - é certo - todas as modificações ao regime anteriormente vigente introduzidas pelo Decreto-Lei 436/83. Mas estão-no quase todas.

Estão nesse caso - reportando-nos à síntese deixada no final do número anterior -, desde logo, as alterações das alíneas a), b), g) e j), pois que todas elas têm a ver com a fixação do elemento essencial do contrato de arrendamento, que é a retribuição do locador, ou seja, com o montante da renda, condicionando-o ou determinando-o directamente. Mas no mesmo caso devem considerar-se ainda as alterações referidas nas alíneas c), d) e f), já que através delas se redefinem direitos do senhorio no tocante à actualização da renda, mais precisamente, no tocante ao recurso cumulativo à avaliação extraordinária e à aplicação do coeficiente de actualização. Finalmente, ainda nesse caso é de incluir - como será óbvio - a alteração mencionada na alínea i), no respeitante à aplicação das antes indicadas alterações das alíneas b) e g) às avaliações extraordinárias pendentes.

Mais duvidoso é o juízo que devem merecer as alterações das alíneas e) e h) e também, consequentemente, a aplicação desta última às avaliações pendentes, como referido na alínea i). De facto, não seria impensável considerá-las como não mais que alterações «secundárias», não tocando a «essência» do regime do contrato, porquanto simplesmente se reportam ao relevo de um acto «processual», como é a «notificação» do resultado da avaliação ao inquilino (o qual, no regime do Código Civil e do Decreto 37021, não era levado em conta). Em boa verdade, porém, tratando-se de determinar o momento a partir do qual é exigível certa obrigação (caso da primeira alteração ora considerada) e de fixar o dies a quo do prazo de caducidade para o exercício de certo direito (caso da segunda alteração), deve concluir-se que ainda se está perante alterações do regime contratual «substantivo», abrangidas em si mesmas, por isso, pela reserva parlamentar.

Ao contrário, já as alterações referidas nas alíneas l) e m) - mas só essas - devem ser consideradas de maneira diversa. Na verdade, tais alterações, respeitando unicamente à composição, constituição e funcionamento das comissões de avaliação, versam sobre um simples aspecto «processual» ou «adjectivo» da actualização das rendas - um aspecto, pois, que não integra já verdadeiramente o «regime» do contrato de arrendamento (enquanto ordenação dos direitos e deveres que ligam correspectivamente os sujeitos do contrato). Tomadas em si mesmas, por conseguinte, e como resulta do que a seu tempo se disse, há-de concluir-se que essas alterações situam-se já fora da reserva da Assembleia da República.

13 - Pois bem: apurado, nos termos que antecedem, o preciso alcance normativo do Decreto-Lei 436/83, claro é que por de todo improcedente há-de ter-se a alegação do seu carácter não inovatório, com que, no parecer que integra a resposta do Primeiro-Ministro, se pretende afastar a inconstitucionalidade desse diploma. Mas não só isso: em vista do assim apurado, entende o Tribunal que não pode deixar de concluir-se pela inconstitucionalidade global do mesmo decreto-lei, por violação do disposto no artigo 168.º, n.º 1, alínea h), da Constituição, com a ressalva apenas que adiante se fará.

Com efeito, se é inegável que num conjunto não despiciendo de disposições do diploma em apreço o legislador governamental se limitou a reproduzir e «sistematizar» direito vigente, não é menos certo que o que sobreleva nessa intervenção legislativa é, por um lado, o seu propósito de modificar pontos de fundamental relevância no regime jurídico em causa e, por outro lado, o seu significado e alcance global. Este último aspecto é perfeitamente visível na norma do artigo 12.º, n.º 1, expressamente revogatória dos Decretos-Leis n.os 330/81, 189/82 e 392/82, ou seja, de todos os diplomas anteriores sobre a matéria: o sentido e efeito dela, na verdade, só pode ser, no contexto em que se inscreve, o do retirar a tais diplomas qualquer título, ainda que indirecto, de regulamentação da mesma matéria e transferi-lo, integral e exclusivamente, para o Decreto-Lei 436/83.

Ora, nestas condições, não faz sentido aplicar na espécie a orientação jurisprudencial atrás citada e restringir o juízo de inconstitucionalidade apenas às normas desse diploma efectivamente modificadoras do regime legal anterior: a verdade que se está perante uma intervenção global, e de fundo, do legislador governamental em matéria que entra por inteiro na reserva parlamentar (trata-se, pois, como se vê, de uma hipótese que muito se afasta da que oportunamente se figurou como exemplo daquelas em que se justificará atribuir relevo ao carácter não inovatório de certas normas para excluir, por aí, a ocorrência de uma violação da mencionada reserva).

De resto, ainda que no caso se devesse limitar o julgamento de inconstitucionalidade, ab origine, às referidas normas do Decreto-Lei 436/83 modificativas do regime anterior, sempre, e então por via de consequência, se haveria de chegar à declaração da inconstitucionalidade de todo o diploma (com a ressalva, evidentemente, adiante feita). É que, desprovido daquelas normas, o diploma em apreço já não poderia sequer produzir o efeito de «sistematização» e «unificação» legislativa que lhe esteve também subjacente; e, mais do que isso, a sua manutenção amputada só viria agravar, afinal, a «dispersão» dos textos legais disciplinadores do regime de rendas dos arrendamentos urbanos para fins não habitacionais e a contribuir, consequentemente, para uma menor clareza do sistema jurídico nesse particular domínio e uma menor «segurança» dos respectivos operadores.

14 - Resulta do precedentemente exposto, porém, que do julgamento de inconstitucionalidade devem ser ressalvadas as normas dos artigos 6.º e 7.º, n.os 1 e 2, do Decreto-Lei 436/83.

De facto - e como já se referiu quanto à parte «inovatória» dessas disposições [cf., supra, n.º 12, alíneas l) e m), e n.º 13, in fine] -, tais normas assumem simples carácter «processual» ou «adjectivo», uma vez que se limitam a dispor sobre as comissões competentes para a avaliação, sobre a respectiva constituição, composição e funcionamento: ora, semelhantes aspectos da disciplina jurídica respeitante aos contratos de arrendamento não são já abrangidos, conforme oportunamente se viu (supra, n.º 6), pela reserva do artigo 168.º, n.º 1, alínea h), da Constituição.

Por outro lado - e o ponto é igualmente decisivo para chegar à conclusão assinalada -, trata-se de normas que não estão necessariamente vinculadas à disciplina material estabelecida pelo Decreto-Lei 436/83, pois que podem perfeitamente manter (e é razoável que mantenham) a sua eficácia normativa no quadro de outra regulamentação substantiva, a saber, a que consta dos Decretos-Leis n.os 330/81, 189/82 e 392/82, e que vai ser repristinada pela declaração de inconstitucionalidade a proferir por este Tribunal. Por outras palavras: trata-se de normas relativamente às quais se não justifica um julgamento consequencial de inconstitucionalidade.

C) Limitação dos efeitos da decisão
15 - Declarada a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, sem mais, das normas do Decreto-Lei 436/83 que foram indicadas, ela operará ex tunc, nos termos do artigo 282.º, n.º 1, da Constituição - o que quer dizer que os actos praticados ao abrigo delas ficarão sem base legal e que cairão os efeitos por elas entretanto produzidos, com excepção daqueles a que se aplique a ressalva do n.º 3 do mesmo artigo.

Pode o Tribunal, no entanto, para além desta ressalva, limitar mais extensamente a eficácia temporal da inconstitucionalidade «quando a segurança jurídica, razões de equidade ou interesse público de excepcional relevo, que deverá ser fundamentado, o exigirem»: é o que se prevê, como se sabe, no n.º 4 do mesmo artigo da Constituição.

Ora, no presente caso, o Tribunal entende que há evidentes razões de segurança jurídica a reclamarem que faça uso dessa possibilidade, no tocante, desde logo, aos coeficientes de actualização anual das rendas estabelecidas ao longo da vigência do diploma em apreço.

Na verdade, julgada inconstitucional, sem mais, a norma do n.º 2 do seu artigo 2.º, seguir-se-ia que o estabelecimento de tais coeficientes dentro dos limites postos por essa norma passaria a não dispor de fundamento legal, pelo que como «ilegais» se haveriam de considerar não apenas as correspondentes portarias governamentais, mas também as actualizações da renda realizadas ao abrigo delas, por aplicação dos mesmos coeficientes. São bons de ver, porém, o cortejo de insuportáveis consequências que daí adviria no plano da segurança do direito e a situação de perplexidade (se não, inclusivamente, de generalizada conflitualidade) que se criaria no domínio das relações contratuais entre senhorios e inquilinos. Donde que a todas as luzes se imponha manter a eficácia das portarias que, no domínio do Decreto-Lei 436/83, foram procedendo à fixação dos coeficientes de actualização de rendas a última das quais foi a Portaria 847-A/87, de 31 de Outubro (que fixou os coeficientes para 1988). Ou seja: que se imponha - pois é o necessário para tanto, salvo quanto a qualquer actualização eventualmente já coberta pela ressalva do caso julgado - conferir mera eficácia ex nunc à declaração de inconstitucionalidade do artigo 2.º, n.º 2 do Decreto-Lei 436/83, fixando o início dos efeitos de tal declaração na data da publicação do presente acórdão.

16 - Considerações paralelas às precedentes não valerão igualmente, todavia, para as avaliações fiscais extraordinárias realizadas no domínio da vigência do diploma em apreço e sujeitas aos critérios e ao limite, respectivamente, dos n.os 2 e 3 do seu artigo 5.º E não se exigirá por isso, também aí, uma limitação dos efeitos da inconstitucionalidade?

A este respeito, importa, antes de mais, distinguir entre três possíveis situações: a das avaliações que foram objecto de recurso judicial sobre o qual já recaiu decisão transitada em julgado; a das avaliações cujo resultado é ainda susceptível de recurso, ou se encontra dele pendente, e, finalmente, a daquelas outras cujo resultado se tornara «definitivo», porque do mesmo não foi atempadamente interposto recurso.

Assim, quanto às primeiras, não chega a colocar-se qualquer problema de limitação temporal dos efeitos da declaração de inconstitucionalidade do Decreto-Lei 436/83, já que a produção de tais efeitos, relativamente às mesmas avaliações, está logo excluída por força do limite estabelecido no artigo 282.º, n.º 3, primeira parte, da Constituição. E o mesmo de algum modo se dirá das avaliações indicadas em segundo lugar, mas aí por uma razão inversa: é que, por sua vez, também logo se concluirá não ser razoável nem admissível que se faça precludir a possibilidade de o efeito de inconstitucionalidade operar integralmente quanto a essas outras avaliações. Fica apenas, portanto, a última das situações consideradas. Quid judicis então quanto a ela?

Entende o Tribunal que também aí, na verdade, se justifica uma limitação dos efeitos da inconstitucionalidade. É que, atento o carácter «definitivo» adquirido, nessas situações, pelo resultado da avaliação, e tendo-se através desta resolvido o conflito (ainda que só potencial) de interesses entre o senhorio e o inquilino, bem pode dizer-se que se está perante situações «estabilizadas», pelo que, por razões de segurança jurídica, não deverão ser objecto de sorte diferente da dos casos julgados.

De resto, não falta, inclusivamente, quem pergunte se as situações em causa não seriam de considerar já abrangidas (v. g., por interpretação extensiva) pela cláusula constitucional que ressalva aquela outra (a de caso julgado). Sendo isso, porém, altamente duvidoso - mas deixando, de qualquer modo, imprejudicado o esclarecimento dessa questão -, importará realmente, para assegurar uma consequência similar, determinar expressamente que o resultado das avaliações ora consideradas (aquelas cujo resultado se fixou por preclusão da possibilidade de recurso judicial) não seja atingido pelo decaimento das normas ao abrigo das quais foi fixado.

III - Decisão
17 - Nos termos e pelos fundamentos expostos, o T. Const. decide:
a) Não declarar a inconstitucionalidade das normas dos artigos 6.º e 7.º, n.os 1 e 2, do Decreto-Lei 436/83, de 19 de Dezembro;

b) Declarar, com força obrigatória geral, a inconstitucionalidade das restantes normas do mesmo decreto-lei;

c) Limitar os efeitos da inconstitucionalidade, em termos de salvaguardar a eficácia das portarias entretanto emitidas ao abrigo do artigo 2.º do Decreto-Lei 436/83, nomeadamente da Portaria 347-A/87, de 31 de Outubro, e de salvaguardar, bem assim, o resultado das avaliações fiscais extraordinárias realizadas atá à data da publicação do presente acórdão, de harmonia com o disposto no artigo 5.º daquele decreto-lei, salvo se a avaliação ainda for susceptível de recurso ou se encontrar dele pendente.

Lisboa, 12 de Abril de 1988. - José Manuel Cardoso da Costa - Raul Mateus - Vital Moreira Messias Bento - José Magalhães Godinho - Luís Nunes de Almeida - Mário de Brito - Antero Alves Monteiro Dinis - Martins da Fonseca - Armando Manuel Marques Guedes.

Anexos

  • Extracto do Diário da República original: https://dre.tretas.org/dre/42487.dre.pdf .

Ligações deste documento

Este documento liga aos seguintes documentos (apenas ligações para documentos da Serie I do DR):

  • Tem documento Em vigor 1948-08-21 - Decreto 37021 - Ministérios da Justiça e das Finanças

    Estabelece normas reguladoras da avaliação de prédios urbanos e dos respectivos recursos nos casos previstos na Lei n.º 2030, de 22 de Junho de 1948.

  • Tem documento Em vigor 1950-03-14 - Decreto 37784 - Ministérios da Justiça e das Finanças

    Altera as disposições do Decreto n.º 37021, de 21 de Agosto de 1948, que se estabelece normas reguladoras da avaliação de prédios urbanos e dos respectivos recursos nos casos previstos na Lei n.º 2030, de 22 de Junho de 1948.

  • Tem documento Em vigor 1981-12-04 - Decreto-Lei 330/81 - Ministério da Habitação, Obras Públicas e Transportes

    Estabelece o novo regime de actualização de rendas nos arrendamentos destinados a comercio, indústria ou profissões liberais.

  • Tem documento Em vigor 1982-05-17 - Decreto-Lei 189/82 - Ministério da Habitação, Obras Públicas e Transportes

    Alarga o âmbito de aplicação do Decreto-Lei n.º 330/81, de 4 de Dezembro, a todos os arrendamentos que não sejam para fins habitacionais.

  • Tem documento Em vigor 1982-09-18 - Decreto-Lei 392/82 - Ministério da Habitação, Obras Públicas e Transportes

    Altera o Decreto Lei 330/81, de 4 de Dezembro (estabelece o novo regime de actualização de rendas nos arrendamentos destinados a comercio, indústria ou profissões liberais), no que se refere a avaliação fiscal extraordinária. Anula os resultados de todas as avaliações fiscais extraordinárias efectuadas ao abrigo do referido Decreto Lei e suspende aquelas cujos resultados ainda não estejam apurados.

  • Tem documento Em vigor 1982-11-15 - Lei 28/82 - Assembleia da República

    Aprova a organização, funcionamento e processo do Tribunal Constitucional - repete a publicação, inserindo agora a referenda ministerial.

  • Tem documento Em vigor 1983-12-19 - Decreto-Lei 436/83 - Ministérios das Finanças e do Plano, do Comércio e Turismo e do Equipamento Social

    Estabelece disposições relativas à actualização dos contratos de arrendamento para comércio, indústria e exercício de profissões liberais e ainda em todos os contratos de arrendamento para fins não habitacionais.

Ligações para este documento

Este documento é referido nos seguintes documentos (apenas ligações a partir de documentos da Série I do DR):

  • Tem documento Em vigor 1989-07-03 - Acórdão 414/89 - Tribunal Constitucional

    Declara a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, de normas de alguns artigos dos Decretos-Leis n.os 187/83, de 13 de Maio, (define as infracções de contrabando e descaminho, estabelece as correspondentes sanções e define regras sobre o seu julgamento) e 424/86, de 27 de Dezembro (define as infracções de contrabando e descaminho, estabelecendo as correspondentes sanções, e define regras sobre o seu julgamento), não toma conhecimento do pedido de declaração de inconstitucionalidade da norma const (...)

  • Tem documento Em vigor 1990-08-03 - Acórdão 246/90 - Tribunal Constitucional

    Declara, com força obrigatória geral, por violação da alínea a) do nº1 do art. 229º, conjugado com a alínea h) do nº1 do art. 168º da CRP, a inconstitucionalidade do art. 2º do Decreto Legislativo Regional n.º 26/83/A, de 19 de Agosto, bem como das normas dos arts. 1º a 6º e 8º a 12º do Decreto Legislativo Regional n.º 26/86/A, de 25 de Novembro, e, consequentemente, da norma do art. 7º do mesmo diploma regional e limita alguns efeitos da declaração de inconstitucionalidade. (Processo n.º 335/88)

  • Tem documento Em vigor 1990-10-15 - Decreto-Lei 321-B/90 - Ministério das Obras Públicas, Transportes e Comunicações

    Aprova o regime do arrendamento urbano.

  • Tem documento Em vigor 1991-01-21 - Acórdão 308/90 - Tribunal Constitucional

    DECLARA A INCONSTITUCIONALIDADE, COM FORÇA OBRIGATÓRIA GERAL, DA NORMA DO NUMERO 2 DO ARTIGO 4 DO DECRETO LEI NUMERO 282/76, DE 20 DE ABRIL, POR VIOLAÇÃO DOS ARTIGOS 27 E 215 DA CONSTITUICAO, E LIMITA OS EFEITOS DA INCONSTITUCIONALIDADE, POR FORMA A RESSALVAR OS CASOS JÁ DEFINITIVAMENTE RESOLVIDOS (E OS SEUS EFEITOS) A DATA DA PUBLICAÇÃO DO PRESENTE ACÓRDÃO NO DIÁRIO DA REPÚBLICA.

  • Tem documento Em vigor 1991-11-06 - Acórdão 373/91 - Tribunal Constitucional

    PRONUNCIA-SE PELA INCONSTITUCIONALIDADE DAS NORMAS DOS ARTIGOS 5, 6, 8, 9, 13, 15, 16 E 25 DO DECRETO REGISTADO SOB O NUMERO 412/91 NA PRESIDÊNCIA DO CONSELHO DE MINISTROS - PROJECTO DE DIPLOMA QUE INTRODUZ ALTERAÇÕES AO REGIME JURÍDICO DO SERVIÇO DOMÉSTICO APROVADO PELO DECRETO LEI NUMERO 508/80, DE 21/10 -, POR VIOLAÇÃO DO DISPOSTO NA NORMA DO ARTIGO 186, NUMERO 1, ALÍNEA B), DA CONSTITUICAO DA REPÚBLICA PORTUGUESA, EM CONJUGACAO COM OS ARTIGOS 53, 17 E 59, NUMERO 1, ALÍNEAS A) E D), DESTE DIPLOMA.

  • Tem documento Em vigor 1991-11-07 - Acórdão 372/91 - Tribunal Constitucional

    PRONUNCIA-SE PELA INCONSTITUCIONALIDADE DAS NORMAS CONSTANTES DO ARTIGO ÚNICO DO DECRETO REGISTADO SOB O NUMERO 408/91 NA PRESIDÊNCIA DO CONSELHO DE MINISTROS E QUE CONSTITUEM ALTERAÇÕES AOS ARTIGOS 5, 10 E 11 DO DECRETO LEI 398/83, DE 2/11, ALTERADO PELO DECRETO LEI 64-B/89, DE 27/2, VISANDO MODIFICAR O REGIME JURÍDICO DA SUSPENSÃO DO CONTRATO DE TRABALHO E DA REDUÇÃO DO PERIODO NORMAL DE TRABALHO -, POR VIOLAÇÃO DO ARTIGO 168, NUMERO 1, ALÍNEA B), CONJUGADO COM OS ARTIGOS 53, 54, NUMERO 4 E 55, NUMERO 6 T (...)

  • Tem documento Em vigor 1997-07-08 - Acórdão 410/97 - Tribunal Constitucional

    Declara inconstitucional, com força obrigatória geral, por violação do disposto na alínea h) do n.º 1 do artigo 168º da Constituição da República, a norma do artigo 1º do Decreto-Lei n.º 278/93, de 10 de Agosto, na parte em que elimina o n.º 3 do artigo 89º do Regime do Arrendamento Urbano, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 321-B/90, de 15 de Outubro. (Altera o modo de transmissão da posição do arrendatário por morte deste). (Proc. n.º 153/97)

  • Tem documento Em vigor 1999-02-19 - Acórdão 55/99 - Tribunal Constitucional

    Declara a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, por violação do artigo 168º, nº 1 , alínea h), da Constituição (versão de 1989), da norma do artigo 69º, nº 1, alínea a) -denuncia do contrato-, do Regime do Arrendamento Urbano, aprovado pelo Decreto Lei 321-B/90, de 15 de Outubro, -na redacção do Decreto Lei 278/93, de 10-Ago-, na parte em que refere os descendentes em 1º grau do senhorio. (Proc. nº 970/98)

Aviso

NOTA IMPORTANTE - a consulta deste documento não substitui a leitura do Diário da República correspondente. Não nos responsabilizamos por quaisquer incorrecções produzidas na transcrição do original para este formato.

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