Acórdão 372/91
Processo 406/91
2.ª Secção
I - Relatório
1 - O Presidente da República requereu ao Tribunal Constitucional, nos termos do disposto nos artigos 278.º, n.os 1 e 3, da Constituição e 51.º, n.º 1, da Lei 28/82, de 15 de Novembro (com a redacção dada pela Lei 85/89, de 7 de Setembro), a apreciação preventiva da constitucionalidade do artigo único do decreto registado sob o n.º 408/91, que lhe foi enviado para promulgação como decreto-lei e que altera o regime jurídico de suspensão do contrato de trabalho e de redução do período normal de trabalho, aprovado pelo Decreto-Lei 398/83, de 2 de Novembro, e alterado pelo Decreto-Lei 64-B/89, de 27 de Fevereiro.
Para fundamentar tal pedido, o Presidente da República aduziu os seguintes argumentos:
A revisão constitucional de 1982 proporcionou uma clarificação do regime constitucional de protecção dos direitos dos trabalhadores, dissipando dúvidas quanto à sua natureza e consistência como direitos fundamentais incluídos na categoria dos «direitos, liberdades e garantias».
O artigo único do projecto de diploma em apreço introduz alterações ao regime jurídico de suspensão do contrato de trabalho e de redução do período normal de trabalho, aprovado pelo Decreto-Lei 398/83, de 2 de Novembro, as quais podem afectar o âmbito normativo do direito à segurança no emprego e dos direitos dos representantes dos trabalhadores constantes dos artigos 53.º, 54.º, n.º 4, e 55.º, n.º 6, da Constituição.
Se assim for, poderá estar a ser violado o disposto no artigo 168.º, n.º 1, alínea b), da Constituição, na medida em que o presente projecto de diploma do Governo, versando sobre matéria de reserva relativa de competência da Assembleia da República, é emitido nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 201.º da Constituição, logo, sem autorização legislativa.
2 - Após ter dado entrada neste Tribunal o requerimento do Presidente da República, a Confederação Geral dos Trabalhadores Portugueses enviou um parecer da autoria de Gomes Canotilho, Vital Moreira e Jorge Leite, que versa, inter alia, sobre a conformidade com a Constituição do Decreto registado sob o n.º 408/91.
Na parte que ora releva, tal parecer apresenta estas conclusões:
1 - O regime dos direitos, liberdades e garantias, incluindo naturalmente os dos trabalhadores, é matéria de competência reservada relativa da Assembleia da República [artigo 168.º, n.º 1, alínea b), da Constituição da República Portuguesa].
2 - Consequentemente, só uma lei da Assembleia da República ou um decreto-lei autorizado podem disciplinar legislativamente o respectivo regime em qualquer dos seus aspectos ou dimensões, seja qual for o sentido da intervenção legislativa.
[...]
5 - [Por conseguinte, será inconstitucional um diploma governamental que, sem autorização legislação, venha alterar o] [...] regime de suspensão e redução temporária do período normal de trabalho, na medida em que elas afectam o âmbito normativo do direito à segurança no emprego e os direitos dos representantes dos trabalhadores (artigos 53.º e 55.º, n.º 6, da Constituição da República Portuguesa).
[...]
8 - A reserva de lei parlamentar não pode ser substituída pela concertação legislativa entre o Governo e as forças sociais organizadas, pois a legitimidade democrático-representativa da Assembleia da República não é susceptível de ser sub-rogada pela suposta legitimidade «neocorporativa» da legislação concertada [itálico dos autores].
3 - Notificado, nos termos do disposto no artigo 54.º da Lei 28/82, de 15 de Novembro, para se pronunciar sobre o pedido do Presidente da República, o Primeiro-Ministro sustentou a plena conformidade constitucional das normas questionadas, apresentando, em síntese, a seguinte argumentação:
a) Com a revisão constitucional de 1982, o «entendimento [...] de que aqueles direitos dos trabalhadores que o legislador constitucional decidiu não qualificar como 'direitos, liberdades e garantias' beneficiam, não obstante, do mesmo regime dos que como tal foram qualificados não pode deixar de se considerar como estando contra a 'mens legislatoris'»;
b) «A alteração do n.º 2 [do artigo 5.º do Decreto-Lei 398/83 é] [...] uma explicitação do conteúdo da norma actual e não [uma] modificação de regime [...] Além disso, a matéria em causa na norma em apreciação tem a ver com a organização do tempo de trabalho e não com requisitos ou condições para adopção das medidas, pelo que não subsistem dúvidas de que o adequado enquadramento normativo se realiza na alínea b) do n.º 1 e na alínea b) do n.º 2 do artigo 59.º e não no artigo 53.º, ambos da Constituição. Para além disso [...] [a] matéria em apreciação [situa-se] no domínio da suspensão temporária da prestação de trabalho, isto é, no plano do direito ao trabalho e do direito à retribuição contidos nos artigos 58.º e 59.º»;
c) «Quanto ao n.º 3 do mesmo artigo 5.º, a alteração visada pretende pura e simplesmente actualizar a redacção primitiva que ainda continha referência a 'autorização'. É que, no regime em vigor após a alteração introduzida no artigo 15.º do Decreto-Lei 398/83 pelo Decreto-Lei 64-B/89, foi eliminada a autorização administrativa para a adopção das medidas de suspensão do contrato de trabalho e redução do período de trabalho [...] O legislador não pretende inovar. O legislador elimina, tão-só, a referência à autorização administrativa já inexistente, conformando a letra da lei entre o Decreto-Lei 388/83 e o Decreto-Lei 64-B/89. Por outro lado, encontramo-nos, ainda, nos domínios do exercício do direito ao trabalho, da organização do trabalho e das políticas de emprego e não no domínio da segurança no emprego.»;
d) «Quanto à alteração do artigo 10.º, a matéria circunscreve-se a obrigações da entidade empregadora totalmente estranhas aos direitos dos trabalhadores, quer como direitos fundamentais integrados nos direitos, liberdades e garantias, quer, até, como direitos económicos. Na verdade, a norma refere-se a distribuição de lucros e a remunerações dos membros dos corpos sociais. Daí resulta que as preocupações subjacentes ao pedido de fiscalização preventiva nem sequer revelam aproximação ao conteúdo da norma ora alterada.»;
e) «No que respeita ao artigo 11.º [...] o princípio do direito à segurança no emprego inserto no artigo 53.º da Constituição desenvolve-se ao nível da proibição dos despedimentos sem justa causa ou por motivos políticos ou ideológicos. Em sede deste preceito constitucional encontramo-nos no plano do regime da cessação do contrato de trabalho e não no domínio da suspensão do contrato de trabalho ou redução do período de trabalho. Estes últimos regimes prendem-se com outros direitos constitucionais dos trabalhadores contidos nos artigos 58.º e 59.º, nomeadamente o direito ao trabalho e o direito à retribuição do trabalho [...] Dentro [de um] entendimento que [...] alarga o conceito de segurança no emprego [a situações que afectam o normal desenvolvimento das relações de trabalho], é adquirido que não estão compreendidas na ratio da norma constitucional as operações de identificação dos trabalhadores abrangidos pelas causas, para serem sujeitos à aplicação das medidas.»;
f) Quanto à «eventual inconstitucionalidade da norma [do n.º 3] do artigo 11.º [...], por se considerar que, tratando-se de um regime de protecção dos representantes dos trabalhadores, cairá na alçada da reserva de competência da Assembleia da República, por se tratar de matéria abrangida nos n.os 4 do artigo 54.º e 6 do artigo 56.º da Constituição, ambos do título II - Direitos, liberdades e garantias [...], não se considera que o legislador [...] tenha invadido a competência reservada da Assembleia da República, na medida em que se propôs apenas adequar o texto de uma norma que concede uma determinada protecção aos representantes dos trabalhadores, por forma a salvaguardar a manutenção dessa mesma protecção».
II - Fundamentação
A) O regime de suspensão do contrato de trabalho e de redução do período normal de trabalho e o âmbito da garantia constitucional de segurança no emprego.
4 - As normas constantes do artigo único do Decreto registado sob o n.º 408/91 - todas objecto da presente sindicância - constituem alterações aos artigos 5.º, 10.º e 11.º do Decreto-Lei 398/83, de 2 de Novembro, visando modificar o regime de suspensão do contrato de trabalho e de redução do período normal de trabalho.
Cabe observar que este regime foi aprovado (precisamente através do Decreto-Lei 398/83) pelo Governo no uso de autorização legislativa - concedida pelas Leis n.os 27/83 e 28/83, ambas de 8 de Setembro. E também a própria revisão do regime processual constante dos artigos 14.º, 15.º, 16.º, 17.º e 21.º deste decreto-lei foi efectuada, por seu turno, ao abrigo de autorização legislativa: o Decreto-Lei 64-B/89, de 27 de Fevereiro, foi aprovado no uso da autorização concedida pela Lei 107/88, de 17 de Setembro. Assim, na perspectiva do legislador, a matéria regulada por estes decretos-leis inclui-se na reserva relativa da Assembleia da República, como resulta, inequivocamente, da invocação da alínea b) do artigo 201.º da Constituição.
Sem embargo, a circunstância de os Decretos-Leis n.os 398/83 e 64-B/89 haverem sido aprovados ao abrigo de autorizações legislativas da Assembleia da República não prova, em si mesma, que o regime de suspensão do contrato de trabalho e de redução do período normal de trabalho constitua matéria de reserva relativa de competência legislativa da Assembleia da República. Se o Governo tivesse obtido, hipoteticamente, autorizações legislativas desnecessárias - respeitantes a matéria não reservada à Assembleia da República [alínea a) do n.º 1 do artigo 201.º da Constituição] -, nem por isso seria restringida a sua esfera de competência legislativa e correspondentemente ampliada a da Assembleia da República.
5 - A suspensão do contrato de trabalho e a redução do período normal de trabalho afectam, temporariamente, no todo ou em parte, as prestações principais que emergem do contrato de trabalho: a retribuição e a prestação de trabalho. Segundo estabelece o n.º 1 do artigo 2.º do Decreto-Lei 398/83, «durante a redução ou suspensão mantêm-se os direitos, deveres e garantias das partes, na medida em que não pressuponham a efectiva prestação de trabalho».
Tendo por objectivo «assegurar a viabilidade da empresa e a manutenção dos postos de trabalho» (cf. o preâmbulo do Decreto-Lei 398/83), tais institutos jurídicos prosseguem, afinal, a «defesa da estabilidade do emprego [...] [reduzindo] as consequências jurídicas da impossibilidade da prestação de trabalho à dimensão dos efeitos práticos que ela comporta» (cf. Monteiro Fernandes, Direito do Trabalho - I - Introdução. Relações Individuais de Trabalho, 7.ª ed., 1991, p. 377; itálicos do autor).
Apesar da ratio essendi destes institutos jurídicos, pode afirmar-se que eles afectam de modo aparentemente paradoxal, a «estabilidade do emprego». Com efeito, esta estabilidade, para além de requerer a subsistência do contrato de trabalho, implica, seguramente, a efectividade das principais prestações dele resultantes. Contudo, tal efectividade é transitoriamente afectada pela redução ou suspensão, em relação a todos ou a alguns trabalhadores, em ordem a garantir no futuro a efectividade sem restrições das mesmas prestações essenciais para todos os trabalhadores. A suspensão do contrato de trabalho e a redução do período normal de trabalho constituíram, de acordo com a ponderação do legislador, os instrumentos adequados a evitar o «mal maior» para a situação jurídica laboral: a sua cessação pura e simples.
Não se trata, portanto, de uma protecção directa, mas indirecta, da estabilidade do emprego, através do seu sacrifício provisório, acompanhado, eventualmente, de outras medidas que, com o mesmo objectivo, e ainda por razões de justiça na distribuição dos sacrifícios, o legislador entenda simultaneamente impor. É o caso de certas obrigações da entidade empregadora, como as de não aumentar as remunerações dos corpos sociais, nem descapitalizar a empresa, previstas no artigo 10.º do Decreto-Lei 398/83, bem como das obrigações de retribuição, em princípio parcial, e de compensação salarial - esta última comparticipada pelo Estado -, previstas nos artigos 6.º, 12.º e 13.º do mesmo decreto-lei. Trata-se de obrigações que integram o regime de suspensão e de redução, condicionando-as - contribuindo, assim, para diminuir a sua extensão - e limitando os seus efeitos.
6 - A «estabilidade do emprego» é tutelada, como «segurança no emprego», pelo artigo 53.º da Constituição:
É garantida aos trabalhadores a segurança no emprego, sendo proibidos os despedimentos sem justa causa ou por motivos políticos ou ideológicos.
A expressão «trabalhadores» não possui, na Constituição, um sentido unívoco. Assim, ela pode ser tomada, numa acepção mais restritiva, como sinónimo de «trabalhadores subordinados» (cf. Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, 1.º vol., 2.ª ed., 1984, pp. 120, 121 e 289, e João Caupers, Os Direitos Fundamentais dos Trabalhadores e a Constituição, 1985, p. 80), ou, com um âmbito mais amplo, como abrangente dos «trabalhadores independentes» (cf. Jorge Miranda, A Constituição de 1976, 1978, p. 522). A expressão não foi utilizada sempre com o mesmo sentido pelo legislador constituinte (cf. Menezes Cordeiro, Manual de Direito do Trabalho, 1991, p. 765).
Mas não restam dúvidas de que os «trabalhadores» referidos no artigo 53.º da Constituição são apenas os «trabalhadores subordinados»: esta conclusão é imposta pela expressa proibição de despedimentos sem justa causa ou por motivos políticos ou ideológicos, para além de a locução «segurança no emprego» já pressupor a existência de uma situação jurídica laboral.
7 - Todavia, nada permite concluir que o conteúdo normativo do artigo 53.º da Constituição se esgota na proibição de despedimentos sem justa causa ou por motivos políticos ou ideológicos. O direito à segurança no emprego não garante apenas a permanência da relação de trabalho mas também o exercício do emprego (como observam Gomes Canotilho e Vital Moreira, loc. cit., p. 293).
Literalmente, a proibição de despedimentos surge apenas como uma especificação - que nada indica ser taxativa - da garantia, mais geral, de segurança no emprego. Pressumindo que o legislador constituinte «soube exprimir o seu pensamento em termos adequados» (n.º 3 do artigo 9.º do Código Civil), não se pode tomar naquela interpretação restritiva a segurança no emprego: a sua menção seria redundante, relativamente à proibição de despedimentos.
Sistematicamente, deve observar-se, aliás, que a Constituição inclui, em vários preceitos, proibições dissociadas de qualquer garantia geral - assim sucede, por exemplo, no n.º 3 do artigo 57.º, que proíbe o lock-out. Se o sentido do artigo 53.º fosse, exclusivamente, a proibição de determinados despedimentos, o legislador constituinte não teria nele consagrado a garantia de segurança no emprego.
Por fim - e decisivamente -, importa considerar que a garantia de segurança no emprego seria seriamente afectada se se confinasse à proibição de despedimentos sem justa causa ou por motivos políticos ou ideológicos. Mesmo reconhecendo-se àquela garantia uma dimensão programática, o seu conteúdo preceptivo não se pode esgotar na proibição de despedimentos. Seria incompatível com a garantia, por exemplo, uma norma que autorizasse a suspensão do contrato de trabalho ou a redução do período normal de trabalho sem quaisquer fundamentos e por livre iniciativa do empregador. Se pudessem ser decretadas arbitrariamente, a suspensão do contrato de trabalho e a redução do horário normal de trabalho iludiriam qualquer proibição de despedimentos, eximindo o empregador de efectuar - no todo ou em parte - a prestação principal a que está adstrito (retribuição), e até teriam o efeito perverso de manter o trabalhador vinculado aos deveres acessórios emergentes do contrato - máxime, o de lealdade.
8 - Na sua resposta, o Primeiro-Ministro sustenta, no entanto, que a garantia de segurança no emprego se exprime, exclusivamente, na proibição de despedimentos constantes do artigo 53.º da Constituição e que a matéria de suspensão do contrato de trabalho e de redução do período normal de trabalho se enquadra no âmbito do direito ao trabalho e do direito à retribuição, consagrados nos artigos 58.º e 59.º da Constituição - e que não beneficiariam, alegadamente, do regime de tutela dos direitos, liberdades e garantias (cf., supra, o n.º 3 deste acórdão).
Este entendimento postula, evidentemente, a desnecessidade das autorizações legislativas ao abrigo das quais foram aprovados os Decreto-Leis n.os 398/83 e 64-B/89 (que alterou a redacção dos artigos 14.º, 15.º, 16.º, 17.º e 21.º do primeiro), que contêm o regime jurídico da suspensão do contrato de trabalho e da redução do período normal de trabalho.
A garantia de segurança no emprego e o direito ao trabalho possuem, no plano da Constituição, âmbitos diversos. Se a primeira respeita, como se viu, a trabalhadores subordinados (cf., supra, o n.º 6 deste acórdão), pressupondo a existência de uma situação jurídica laborar e visando assegurar a sua subsistência e o seu normal desenvolvimento, o segundo refere-se, genérica e previamente, aos cidadãos e «efectiva-se contra o Estado, incentivando este a prosseguir políticas de pleno emprego e a proteger os desempregados [...], [como decorre] das especificações [...] [do] artigo 59.º/3» (cf. Menezes Cordeiro, ob. cit., p. 146, e, no mesmo sentido, mais desenvolvidamente, Gomes Canotilho e Vital Moreira, loc. cit., p. 319).
Ora, a suspensão do contrato de trabalho e a redução do período normal de trabalho afectam - se bem que temporariamente - a segurança no emprego. Não pondo em causa, imediatamente, a subsistência da situação jurídica laborar, atingem o seu normal desenvolvimento, por implicarem a quebra das prestações principais dela emergentes. Não se trata, pois, de matéria que releve na perspectiva (prévia) do direito de cada cidadão a uma ocupação profissional, que lhe assegure a subsistência económica e a plena realização como membro da sociedade.
Por outro lado, tão-pouco se pode considerar que a afectação do direito à retribuição, que a suspensão do contrato de trabalho e a redução do período normal de trabalho envolvem, respeita, exclusivamente, ao direito «à retribuição do trabalho, segundo a quantidade, natureza e qualidade, observando-se o princípio de que para trabalho igual salário igual, de forma a garantir uma existência condigna» [alínea a) do n.º 1 do artigo 59.º da Constituição]. Esta norma traduz a «clássica aspiração do salário justo» (cf. Menezes Cordeiro, ob. cit., p. 147), estabelecendo os «princípios fundamentais a que deve obedecer a retribuição do trabalho» (Gomes Canotilho e Vital Moreira, loc. cit., p. 323; itálico dos autores). Nas situações de suspensão do contrato de trabalho e de redução do período normal de trabalho é posta em causa - para além da prestação de trabalho - a própria retribuição e não o modo da sua determinação.
Conclui-se, por conseguinte, que a suspensão do contrato de trabalho e a redução do horário normal de trabalho, atingindo no seu cerne a situação jurídica laboral - porque afectam a subsistência das prestações principais nela envolvidas -, podem limitar a garantia de segurança no emprego, consagrada no artigo 53.º da Constituição. E, estando esta garantia incluída, sistematicamente, no título respeitante a «direitos, liberdades e garantias», ela constitui matéria de reserva relativa de competência legislativa da Assembleia da República, segundo o disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 168.º da Constituição.
9 - Aliás, como a doutrina vem salientando, não se pode afirmar que a 1.ª revisão constitucional, ao promover uma divisão dos «direitos fundamentais dos trabalhadores» em «direitos, liberdades e garantias dos trabalhadores», por um lado, e, por outro, «direitos e deveres económicos», obste à qualificação destes últimos, in totum, como direitos fundamentais de natureza análoga, a que se aplica o regime do artigo 18.º, por força do disposto no artigo 17.º da Constituição (cf. Gomes Canotilho e Vital Moreira, loc. cit., pp. 162, 322 e 323; João Caupers, ob. cit., p. 124; Vieira de Andrade, Os Direitos Fundamentais na Constituição Portuguesa de 1976, 1983, pp. 211 e 212).
A eliminação da referência aos «direitos fundamentais dos trabalhadores», inicialmente contida no artigo 17.º, operada pela Lei Constitucional 1/82, explica-se porque tal referência implicava que estes direitos não fossem classificados, na sua totalidade, como «direitos, liberdades e garantias» (como sucedia na versão originária da Constituição). A qualificação de parte dos «direitos fundamentais dos trabalhadores» como «direitos, liberdades e garantias» determinou a alteração do artigo 17.º: não faria sentido aplicar por remissão àqueles direitos um regime que passou a ser-lhes directamente aplicável (ex vi do artigo 18.º). Não obstante, daqui não se infere que a Constituição não preveja (outros) direitos dos trabalhadores identificáveis como «direitos fundamentais de natureza análoga». É a própria existência do artigo 17.º que prova, em sede geral, que a inclusão de um elenco de «direitos, liberdades e garantias» num título da Constituição não tem por finalidade reservar-lhes um regime de tutela privativo, inaplicável a todos os restantes.
10 - A inclusão da garantia de segurança no emprego na reserva relativa de competência legislativa da Assembleia da República não pode sofrer contestação (de jure condito), após a revisão constitucional de 1982.
Na versão originária, a Constituição enquadrava a garantia de segurança no emprego [artigo 52.º, alínea b)] nos «direitos fundamentais dos trabalhadores», que se inseriam no título III da parte I, entre os «direitos económicos, sociais e culturais». Era então discutível se se trataria de um direito fundamental com estrutura e natureza idênticas aos direitos, liberdades e garantias e se beneficiaria do regime de tutela previsto para estes na Constituição [cf. a redacção primitiva do artigo 17.º, que incluía uma referência aos «direitos fundamentais dos trabalhadores», e v., sobre este problema: o parecer 18/78 da Comissão Constitucional, Pareceres da Comissão Constitucional, vol. 6, pp. 3 e seguintes; Jorge Miranda, «Anotações diversas. 9 - Artigo 167.º, alínea c) (competência sobre direitos, liberdades e garantias dos trabalhadores)», Estudos sobre a Constituição, vol. I, 1977, pp. 393 e seguintes; Vital Moreira, «A fiscalização da constitucionalidade e a defesa dos direitos fundamentais dos trabalhadores na Constituição de 1976», Progresso do Direito, 3-4, 1985, pp. 47 e seguintes; e João Caupers, ob. cit., pp. 118 e seguintes].
A inserção da garantia de segurança no emprego num capítulo (III - «Direitos, liberdades e garantias dos trabalhadores») do título II («Direitos, liberdades e garantias») da parte I da Constituição, promovida pela 1.ª revisão constitucional, implica a atribuição àquela garantia do «tríplice regime substantivo, orgânico e de limites materiais de revisão constitucional» (cf. Jorge Miranda, Manual de Direito Constitucional, t. IV p. 146). Não se tratando de um «direito fundamental de natureza análoga» - que beneficiaria do regime dos direitos, liberdades e garantias através da remissão do artigo 17.º da Constituição -, nem sequer se pode sustentar que ele goza do regime material dos direitos, liberdades e garantias mas já extravasa o âmbito da reserva relativa de competência legislativa da Assembleia da República, como propõe parte da nossa doutrina (assim, Jorge Miranda, ibid.; contra, João Caupers, ob. cit., p. 184, e Vieira de Andrade ob. cit., p. 212, que salientam que não há razões para entender que a tutela conferida pelo artigo 17.º da Constituição não abrange a totalidade do regime dos direitos, liberdades e garantias e observam que, pelo contrário, a analogia substancial justifica também a protecção resultante da reserva de lei formal).
B) O âmbito da reserva relativa de competência legislativa da Assembleia da República
11 - Concluiu-se, precedentemente, que o regime de suspensão do contrato de trabalho e de redução do período normal de trabalho é susceptível de afectar o âmbito normativo da garantia de segurança no emprego, consagrada no artigo 53.º da Constituição. Resta averiguar, no entanto, se as normas contidas no decreto registado sob o n.º 408/91 constituem, verdadeiramente, alterações daquele regime e se devem ser julgadas (organicamente) inconstitucionais, por contrariarem o disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 168.º da Constituição.
Parte da doutrina entende que a reserva relativa de competência legislativa da Assembleia da República, prevista no artigo 168.º da Constituição, inclui, para além de quaisquer modificações de regime (independentemente do seu sentido), a simples novação ou reedição de normas anteriores, visto que «a decisão de reproduzir, de renovar, de manter é já uma decisão legislativa» (cf. Jorge Miranda, loc. cit., pp. 331 e seguintes; no mesmo sentido se pronunciam Gomes Canotilho, Vital Moreira e Jorge Leite no parecer precedentemente mencionado).
Esta tese não foi acolhida, no entanto, pela jurisprudência da Comissão Constitucional, nem, mais tarde, pela jurisprudência do Tribunal Constitucional (cf. os pareceres n.os 2/79, 24/80, 29/80, 3/82 e 12/82 da Comissão Constitucional, em Pareceres da Comissão Constitucional, vols. 7.º, p. 189, 13.º, pp. 129 e 249, 18.º, p. 154, e 19.º, p. 123, respectivamente, e os Acórdãos n.os 142/85, 254/86, 67/87 e 423/87 do Tribunal Constitucional, em Diário da República, 1.ª série, de 7 de Setembro de 1985, 2.ª série, de 26 de Novembro de 1986 e de 16 de Abril de 1987, e 1.ª série, de 26 de Novembro de 1987, respectivamente). Esta jurisprudência sustentou que o Governo tem competência para, em matéria de reserva da Assembleia da República, compilar e reproduzir a legislação vigente (cf. o parecer 12/82 da Comissão Constitucional, cit., e o parecer 102/85 da Procuradoria-Geral da República, em Boletim do Ministério da Justiça, n.º 354, 1986, p. 145).
Este entendimento foi retomado pelo Tribunal Constitucional na sua jurisprudência primitiva e seguida, no essencial, até ao presente momento. Sem embargo, a partir do Acórdão 77/88, o Tribunal introduziu uma nuance na formulação daquele entendimento. Com efeito, neste citado aresto, embora confirmando expressamente a jurisprudência anterior, o Tribunal acabou por dar à questão um enfoque mais sensível a argumentos de ordem sistemática, ao sublinhar que nos casos em que tal reprodução ou compilação se inserisse num diploma com vocação globalmente inovadora do regime jurídico em causa, já seria de exigir para tanto uma específica habilitação parlamentar (cf., no mesmo sentido, os Acórdãos n.os 111/88, 8/89, 407/89 e 414/89 do Tribunal Constitucional, Diário da República, 2.ª série, de 1 de Setembro de 1988 e de 13 de Abril e 14 de Setembro de 1989, e 1.ª série, de 3 de Julho de 1989, respectivamente).
Esta precisão, representando uma precaução face ao entendimento anterior, ditada pelos circunstancialismos específicos da situação em apreço no Acórdão 77/88 (evitar a subsistência «desgarrada» de normas meramente reproduzidas integrantes de um diploma onde diversos outros normativos estavam feridos de inconstitucionalidade por representarem inovações em matéria da reserva parlamentar), introduziu um critério adicional.
12 - Seja como for, importa considerar outro aspecto das coisas: o Governo carece de competência para, em matéria de reserva da Assembleia da República, interpretar a legislação vigente - através de uma «interpretação autêntica».
A chamada interpretação autêntica «nada tem que ver com a verdeira interpretação, que é só a doutrina [...] Sendo feita pelo próprio poder legislativo soberano e não estando sujeita às regras e limitações da verdadeira interpretação doutrinal (gramatical e lógica), no fundo, efectivamente, não é mais do que uma actividade legislativa e criadora de direito» (Cabral de Moncada, Lições de Direito Civil (Parte Geral) - 1931-1932, 1932, pp. 146 e 147 e 108 e 109, n.º 3; cf., na doutrina estrangeira, por todos, Francesco Ferrara, Interpretação e Aplicação das Leis - tradução dos capítulos III, IV e V do Tratatto di Diritto Civile Italiano, 1.º vol., 1921, por Manuel de Andrade, 2.ª ed., 1963, pp. 131 e seguintes, e Castro y Bravo, Derecho Civil de España. Parte General. I, 1955, pp. 518 e 519, que se pronunciam identicamente). Na «interpretação autêntica», «a nova regra acrescenta sempre algo à interpretada, ao menos a exclusão de outra interpretação possível» (Castro y Bravo, ibid.).
O reconhecimento de que a «lei interpretativa» é, verdadeiramente, lei, independentemente da bondade (doutrinal) do seu conteúdo, implica que lhe sejam aplicáveis, por inteiro, as regras de competência orgânica vigentes na ordem jurídica. De resto, só é «interpretação autêntica» a dada pelo mesmo legislador (cf. Castro y Bravo, ibid.) e - pode acrescentar-se - ao abrigo da mesma competência.
A Constituição de 1933 contemplava, claramente, este entendimento, ao determinar que a reserva parlamentar compreendia a competência para aprovar novas leis, bem como para as interpretar, modificar, suspender ou revogar (artigo 91.º). Presentemente, o n.º 5 do artigo 115.º da Constituição exprime, em sede mais geral, a dignidade normativa da lei interpretativa, ao estabelecer que «nenhuma lei pode criar outras categorias de actos legislativos ou conferir a actos de outra natureza o poder de, com eficácia externa, interpretar, integrar, modificar, suspender ou revogar qualquer dos seus preceitos».
De resto, a doutrina que aqui se defende foi acolhida, sem ambiguidade, pelo Tribunal Constitucional, através do Acórdão 32/87, em que se ponderou que «a interpretação autêntica [...] integra o próprio exercício da função normativa [...] Assim, só tem legitimidade para tal interpretação - ou seja, para impor a injunção nesta contida - o próprio autor da norma interpretada, isto é, o órgão que detém competência para, ab initio, produzi-la. O que significa - necessária e obviamente - que, em se tratando de normas que versem sobre matéria da competência reservada da Assembleia da República, só esta ou o Governo por ela autorizado podem interpretá-las autenticamente» (Diário da República, 2.ª série, de 7 de Abril de 1987; no mesmo sentido, cf. o Acórdão 157/88 do Tribunal Constitucional, Diário da República, 1.ª série, de 26 de Julho de 1988).
C) As alterações ao regime de suspensão do contrato de trabalho e de redução do período normal de trabalho previstas no Decreto 408/91.
13 - O n.º 2 do artigo 5.º do Decreto-Lei 398/83 determina:
A redução a que se refere o número anterior pode traduzir-se na interrupção da actividade por um ou mais períodos normais de trabalho ou na diminuição do número de horas correspondente a esses períodos.
E o artigo único do Decreto 408/91 atribui-lhe esta outra redacção:
A redução a que se refere o número anterior pode traduzir-se na interrupção da actividade por um ou mais períodos normais de trabalho, diário ou semanal, podendo abranger, rotativamente, diferentes grupos de trabalhadores, bem como na diminuição do número de horas correspondentes àqueles períodos.
O cotejo das duas formulações evidencia que a segunda altera a primeira por prever, expressamente, a interrupção por períodos de trabalho «diário ou semanal» e abrangendo, «rotativamente, diferentes grupos de trabalhadores». Em um e outro caso tratar-se-á, de acordo com a resposta do Primeiro-Ministro, de mera explicitação do regime actualmente em vigor (cf., supra, o n.º 3 do presente acórdão).
Não cabe a este Tribunal, obviamente, proceder à interpretação do n.º 2 do artigo 5.º do Decreto-Lei 398/83. O que se afigura indubitável é que o artigo único do Decreto 408/91 constitui, na parte citada, uma alteração ao texto inicial daquele preceito, alteração que foi requerida, de resto, pela existência de uma interpretação de que dá notícia, na sua resposta, o Primeiro-Ministro:
A explicitação tornou-se necessária porque, na prática, a medida de redução circunscrevia-se apenas ao período normal de trabalho diário, facto que fazia incorrer o trabalhador em mais despesas (por exemplo: transportes e alimentação, em virtude da necessidade da deslocação diária) e afectava o período de funcionamento das empresas - razões estas que, muitas vezes, acabavam por pressionar uma solução de suspensão da prestação de trabalho, sacrificando-se mais gravosamente apenas alguns trabalhadores.
Estando em causa a alteração a um texto, a qual traduz a interpretação dada pelo Governo a uma norma respeitante à redução do período normal de trabalho - e à garantia de segurança no emprego -, seria indispensável, como se viu, autorização legislativa da Assembleia da República, nos termos do disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 168.º da Constituição.
Aliás, o mesmo aconteceria ainda que se tratasse de norma meramente interpretativa, como pretende o Primeiro-Ministro na sua resposta.
14 - O n.º 3 do artigo 5.º do Decreto-Lei 398/83 estabelece:
A suspensão só será autorizada nos casos em que a redução dos períodos normais de trabalho se mostre inadequada ou insuficiente para assegurar a viabilidade da empresa e a manutenção dos postos de trabalho.
Para esta norma, o artigo único do Decreto 408/91 prevê a seguinte redacção:
A suspensão só deverá ser aplicada nos casos em que a redução dos períodos normais de trabalho se mostre inadequada ou insuficiente para assegurar a viabilidade da empresa e a manutenção dos postos de trabalho.
Neste caso, a alteração proposta substitui a locução «A suspensão só poderá ser autorizada» por «A suspensão só poderá ser aplicada». O Primeiro-Ministro indica, na sua resposta, a finalidade da alteração, aliás, já expressa no preâmbulo do diploma - pretendeu actualizar-se a redacção da norma em apreço, após ter sido eliminada a exigência de autorização administrativa para a suspensão do contrato de trabalho e a redução do período normal de trabalho, através do artigo 1.º do Decreto-Lei 64-B/89 (cf., supra, o n.º 3 deste acórdão).
Sem questionar, de novo, a correcção do sentido atribuído pelo Governo à norma antes de modificada, entende-se que ele não estava habilitado a aprová-la na sua nova redacção.
Na verdade, para quem entenda que «a decisão de reproduzir, de renovar, de manter é já uma decisão legislativa», a reprodução ou compilação de normas preexistentes ultrapassará a mera actividade de accertamento técnico-jurídico, dela resultando consequências no plano da eficácia do âmbito de aplicação da norma reproduzida ou compilada, eventualmente com um alcance e uma dimensão distintos dos pretendidos pelo legislador parlamentar quando da emissão dos correspondentes normativos originários. Portanto, neste entendimento das coisas, mesmo quando se verifique mera reprodução ou compilação de normas previamente existentes referentes a matérias da reserva de competência legislativa do Parlamento a cargo do Governo, deve sempre haver um título habilitador bastante do legislador parlamentar, e isto independentemente do critério da vocação global do diploma em que tal reprodução ou compilação se insere.
Para quem entenda que a compilação e reprodução de legislação vigente pelo Governo - num contexto em que não seja globalmente alterado o anterior regime - não afecta a reserva relativa de competência legislativa da Assembleia da República, a solução no caso concreto seria a mesma. É que, neste entendimento, a questão não é a de saber se a decisão de compilar e reproduzir é já uma decisão legislativa. O que estará em causa é se essa decisão legislativa atinge o âmbito da reserva de competência da Assembleia da República. E a resposta a dar a esta questão será negativa, por a mera decisão legislativa de compilar e reproduzir nada alterar no plano normativo, relativamente ao que foi decretado com observância das regras constitucionais de competência. A finalidade da reserva de lei, que é ditada pelo princípio democrático, não será iludida quando, afinal, se respeita integralmente a decisão legislativa da Assembleia da República (do Governo, por delegação), mediante a compilação e a reprodução de normas.
Para quem siga esta última doutrina, também haverá no caso inovação no plano normativo, embora para tal posição não seja irrelevante a questão de saber se a alteração proposta pelo Governo é mera reprodução ou é já interpretação do preceito alterado. Haverá que demonstrar ainda que no caso houve mesmo interpretação. Só que a esta questão haverá de responder-se afirmativamente.
O Governo entendeu que a supressão do processo de autorização administrativa, não implica a ab-rogação lógica, mas antes a redução, da exigência contida naquele preceito. Não rectifica - o que se traduziria ainda na mera reprodução da norma, mediante a eliminação de um erro material -, interpreta procurando alcançar o sentido da norma, atendendo ao elemento sistemático. Com efeito, a nova formulação radica no entendimento de que o princípio da subsidiariedade da suspensão relativamente à redução resulta da natureza especialmente gravosa daquela (e não da exigência de autorização administrativa, entretanto revogada). Deste modo, a interpretação dada pelo Governo veio excluir, pelo menos, duas interpretações possíveis, embora infundadas: a de que com a revogação da exigência da autorização administrativa teria ficado revogado todo o conteúdo perceptivo do n.º 3 do artigo 5.º, que estabelecia alguns dos pressupostos dessa autorização; e a de que, ao invés, ao manter o n.º 3 do artigo 5.º, o Decreto-Lei 64-B/89 quis manter a exigência da autorização, embora apenas para o efeito do controlo da necessidade da suspensão. Esclareceu-se, ainda, em primeiro lugar, que os pressupostos em causa não o eram apenas de autorização, embora só a respeito dela fossem formulados, eram-no antes da própria suspensão. E esclareceu-se, também, em segundo lugar (e esta consideração vem acentuar a relevância do elemento sistemático), que o Decreto-Lei 64-B/89, ao omitir nos artigos 14.º, 15.º, 16.º e 17.º - que vieram substituir o anterior regime da autorização - a proibição derivada daquele n.º 3 do artigo 5.º, isto é, ao omitir a proibição da suspensão onde fosse bastante alguma forma de redução, não pretendeu eliminar tal proibição.
Seja qual for a doutrina adoptada, a alteração proposta pelo Governo sempre implicou uma alteração normativa e tanto basta para o que o Governo para tal carecesse de autorização legislativa da Assembleia da República, por força do que estabelece a alínea b) do n.º 1 do artigo 168.º da Constituição.
15 - O n.º 1 do artigo 10.º do Decreto-Lei 398/83 dispõe que durante o período de redução ou suspensão a entidade empregadora fica obrigada a:
c) Não proceder à distribuição de lucros, sob qualquer forma, nomeadamente a título de levantamento por conta, nem aumentar as remunerações dos membros dos corpos sociais ou proceder ao reembolso de prestações suplementares de capital ou de suprimentos.
No artigo único do decreto em apreço é modificada a redacção desta alínea e acrescentada uma nova alínea:
c) Não proceder à distribuição de lucros, sob qualquer forma, nomeadamente a título de levantamento por conta;
d) Não aumentar as remunerações dos membros dos corpos sociais, enquanto se verifique a comparticipação financeira nos termos do artigo 13.º
Neste caso, propõe-se restringir a proibição de aumento das remunerações dos membros sociais (durante o período de redução ou suspensão) à situação em que se verifique comparticipação financeira (artigo 13.º) e abolir a proibição (durante o mesmo período) de proceder ao reembolso de prestações suplementares de capital ou de suprimentos. O Primeiro-Ministro sustenta, na sua resposta, que esta matéria é alheia ao próprio regime de suspensão do contrato de trabalho e de redução do período normal de trabalho (cf., supra, o n.º 3 do presente acórdão).
Ora, na verdade, as proibições contidas na alínea c) do n.º 1 do artigo 10.º do Decreto-Lei 398/83 constituem limitações à actividade da entidade empregadora, que visam assegurar o carácter excepcional da suspensão do contrato de trabalho e da redução do período normal de trabalho, a que surgem associadas. Como já atrás (n.º 5) se expôs, trata-se aqui de uma medida que tem dois objectivos essenciais: por um lado, contribui funcionalmente para garantir a estabilidade do emprego, mantendo disponíveis meios existentes na empresa; por outro lado, garante uma certa justiça na distribuição dos sacrifícios impostos aos vários elementos da empresa, nas situações de crise desta última. Não seria justo, na perspectiva do regime em vigor, que só os trabalhadores suportassem os custos da recuperação. Estão em causa, pois, pressupostos do regime de suspensão e de redução e, mediatamente, da garantia de segurança no emprego. Consequentemente, requer-se, ainda, autorização legislativa, nos termos do disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 168.º da Constituição.
16 - O artigo 11.º do Decreto-Lei 398/83 consagra os critérios a observar, nos casos de suspensão e de redução e tem o seguinte teor:
Artigo 11.º
Critérios a observar nos casos de redução ou suspensão
1 - No caso de redução ou suspensão devem ter preferência na manutenção das condições normais de trabalho, dentro da mesma categoria e função, os trabalhadores:
a) Cujo agregado familiar tenha capitação inferior a 60% do salário mínimo nacional garantido por lei para o sector;
b) Deficientes;
c) Mais antigos.
2 - A ordem de prioridade referida pode ser afastada nos casos em que a entidade empregadora demonstre que a sua adopção prejudica seriamente o funcionamento eficaz da empresa ou serviço.
3 - Os membros das comissões de trabalhadores e os representantes sindicais não podem ser prejudicados pelo disposto no número anterior.
No âmbito do artigo único do decreto sub judicio, o referido artigo 11.º passaria a ter a seguinte redacção:
Artigo 11.º
Representantes sindicais e membros das comissões de trabalhadores
1 - Os representantes sindicais e membros das comissões de trabalhadores, em efectividade de funções à data da redução ou suspensão, têm preferência na manutenção das condições normais de trabalho dentro da mesma secção e categoria, salvo diferente regime estabelecido por instrumento de regulamentação colectiva de trabalho de natureza convencional.
2 - A redução dos períodos normais de trabalho ou a suspensão do contrato de trabalho relativas a trabalhador que seja representante sindical ou membro da comissão de trabalhadores, em efectividade de funções, não obsta a que o mesmo possa ter acesso aos locais e actividades que compreendam o exercício normal dessas funções.
O Primeiro-Ministro entende que a reserva relativa de competência legislativa da Assembleia da República não abrange o estabelecimento dos critérios em questão, mesmo que se admita, em geral, que o regime de suspensão do contrato de trabalho e de redução do período normal de trabalho integra tal reserva (cf., supra, o n.º 3 deste acórdão).
Não se vê, contudo, qualquer razão para excluir do âmbito da reserva os critérios a observar nos casos de suspensão e de redução. Esses critérios fazem parte do regime de suspensão e de redução e respeitam, nos termos anteriormente explicitados, à garantia de segurança no emprego. Em consequência, a edição das normas em apreço pelo Governo pressupõem também autorização legislativa, segundo o estabelecido na alínea b) do n.º 1 do artigo 168.º da Constituição.
17 - O Presidente da República suscita ainda a questão da constitucionalidade das normas constantes do artigo 11.º do Decreto-Lei 398/83, na versão introduzida pelo artigo único do Decreto 408/91, na perspectiva dos direitos dos representantes dos trabalhadores, previstos nos artigos 54.º, n.º 4, e 55.º, n.º 6, da Constituição como «direitos, liberdades e garantias dos trabalhadores» (cf., supra, o n.º 1 deste acórdão).
O Primeiro-Ministro observa, porém, que se pretendeu manter uma protecção já concedida aos representantes dos trabalhadores, pelo n.º 3 do artigo 11.º do Decreto-Lei 398/83, ante a abolição do regime de preferências consagrado no n.º 1 do mesmo preceito (cf., supra, o n.º 3 do presente acórdão).
Na vigência do artigo 11.º do Decreto-Lei 398/83, os representantes dos trabalhadores não gozam, no entanto, de preferência alguma na manutenção das condições normais de trabalho. Apenas se determina que a possibilidade de a ordem de prioridade ser postergada, admitida na hipótese de a sua adopção prejudicar seriamente o funcionamento eficaz da empresa ou do serviço, não é extensiva aos casos em que os beneficiários dessa ordem (detentores de determinada capitação, deficientes e mais antigos) sejam, cumulativamente, membros de comissões de trabalhadores ou representantes sindiciais. Assim, o decreto em análise contempla, neste domínio, uma clara inovação: são abolidas as preferências vigentes e criada uma nova preferência, de que beneficiam os representantes dos trabalhadores.
E esta nova preferência respeita, evidentemente, à matéria dos direitos, liberdades e garantias dos trabalhadores consagrados nos artigos 54.º, n.º 4, e 55.º, n.º 6, da Constituição. Assim, é indispensável, para legislar sobre ela, autorização legislativa, por força do disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 168.º da Constituição.
III - Decisão
18 - Nos termos e pelos fundamentos expostos, o Tribunal Constitucional decide pronunciar-se pela inconstitucionalidade das normas constantes do artigo único do decreto registado sob o n.º 408/91, por violação do artigo 168.º, n.º 1, alínea b), conjugado com os artigos 53.º, 54.º, n.º 4, e 55.º, n.º 6, todos da Constituição.
Lisboa, 17 de Outubro de 1991. - José de Sousa e Brito - Alberto Tavares da Costa - Luís Nunes de Almeida - Mário de Brito - Armindo Ribeiro Mendes - Antero Alves Monteiro Dinis - Maria da Assunção Esteves - Vítor Nunes de Almeida (com declaração de voto) - António Vitorino (vencido, em parte, nos termos da declaração de voto junta) - Bravo Serra (vencido, nos termos da declaração de voto junta, formulada em conjunto com o Exmo. Conselheiro Vítor Nunes de Almeida) - Messias Bento (vencido, em parte, nos termos da declaração de voto que junto) José Manuel Cardoso da Costa (vencido quanto ao julgamento de inconstitucionalidade da norma do n.º 3 do artigo 5.º, pelas razões constantes, nessa parte, da declaração de voto do Exmo. Conselheiro Messias Bento).
Declaração de voto
Votamos vencidos relativamente ao decidido no acórdão quanto às normas dos artigos 5.º, n.º 3, e 10.º, n.º 1, alíneas c) e d), na redacção do artigo único do decreto registado sob o n.º 408/91, pelos fundamentos seguintes:
1 - Quanto ao artigo 5.º, n.º 3
A única alteração introduzida no teor do preceito - a substituição da expressão «será autorizada», pela expressão «deverá ser aplicada» - não teve quaisquer intuitos interpretativos, como decorre da resposta do Primeiro-Ministro e resulta claramente do teor literal desse preceito, mas visou apenas adaptar o texto à alteração estabelecida pelo Decreto-Lei 64-B/79, de 27 de Fevereiro, relativamente ao artigo 15.º do Decreto-Lei 398/83, de 2 de Novembro, pela qual se eliminou a necessidade de autorização administrativa para que as empresas pudessem recorrer quer à suspensão dos contratos de trabalho quer à redução do período normal de trabalho.
Parece-me nem sequer ser legítimo falar aqui de interpretação na medida em que, para que nos situemos perante ela, indispensável se torna que a norma se insira na lei interpretanda e que a projecção da actividade interpretativa se produza com efeito retroactivo à data do início da vigência daquela lei.
Acresce que, a tratar-se de interpretação autêntica, indispensável seria que houvesse a possibilidade de se optar por um de entre os vários sentidos susceptíveis de ser atribuído à norma, excluindo todos os outros, o que também não acontece relativamente à disposição em apreço.
Na norma em apreciação não se pode considerar haver uma inserção dela na lei interpretanda e isso por que a alteração verificada se tornou necessária - impondo-se, pois - por ter sido eliminada a conduta prévia referida na norma alterada; daí que a norma com o novo teor nunca se pudesse inserir no contexto da anterior legislação, não podendo, consequentemente, ter também eficácia retroactiva.
De outro lado, não se verifica, em nosso entender, qualquer possibilidade de existirem outros sentidos atribuíveis à norma em causa - pelo menos com o mínimo de credibilidade e sem cair em interpretações absurdas -, porquanto o conteúdo dela não sofreu qualquer modificação, nem poderia deixar de ser aplicada com a anterior redacção, nada tendo introduzido na sua estatuição a substituição do termo «autorizada» por «aplicada».
Nestes termos, entendemos que, não se tratando aqui de uma intervenção interpretativa mas de mera alteração do teor verbal do texto da norma anterior, não haveria que declarar a inconstitucionalidade orgânica como se decidiu no acórdão.
2 - Quanto ao artigo 10.º
Divergimos também neste aspecto quanto ao decidido no presente acórdão, pois entendemos que o teor das alíneas em causa não pode considerar-se como estando abrangido na garantia de segurança do emprego prevista no artigo 53.º da Constituição.
Com efeito, as normas em causa referem-se à proibição de distribuição de lucros, sob qualquer forma, nomeadamente a título de levantamento por conta [alínea c)] e à proibição de aumentar as remunerações dos membros dos corpos sociais enquanto se mantiver a comparticipação financeira do Gabinete de Gestão do Fundo de Desemprego [alínea d)].
Destas alterações resultou que fica eliminada no decreto em apreço a proibição de proceder ao reembolso de prestações suplementares de capital ou de suprimentos [alínea c) do n.º 1 do artigo 10.º, in fine].
Esta matéria nada tem a ver, de forma directa e imediata, com a garantia que o acórdão considera violada da segurança no emprego e, por isso, não pode integrar a reserva da competência legislativa da Assembleia.
Efectivamente, não estava nem está o Governo impedido de, em diploma autónomo, regular tal matéria que diz directa e exclusivamente respeito às relações dos sócios com a sociedade e dos sócios entre si, mas não às relações da sociedade com os trabalhadores.
Não pode ignorar-se que, de uma forma indirecta e mediata, a prática dos actos referidos (reembolsos de prestações suplementares de capital ou de suprimentos) pode modificar a situação financeira de uma entidade empregadora em termos que, eventualmente, possam gerar uma diminuição da segurança no emprego e que tal pode ocorrer em situações em que a empresa tenha recorrido ao expediente da suspensão do contrato de trabalho ou redução do seu período normal.
Porém, uma tal actuação meramente reflexa na segurança do emprego não pode integrar a garantia constitucional prevista no artigo 53.º Esta garantia ou direito fundamental dos trabalhadores há-de visar primordialmente a protecção contra despedimentos arbitrários e infundados ou ideológica ou politicamente estruturados e, para além disto, deverá ver-se aí incluída uma certa estabilidade nos elementos essenciais da relação laboral.
Mas a amplitude de tal garantia não pode chegar ao ponto de abranger os comportamentos das entidades empregadoras, específicos do respectivo relacionamento entre sócios ou entre estes e a sociedade, que só reflexa ou mediatamente possam afectar tal segurança no emprego, sob pena de, se assim não for, então, tudo poder caber em tal garantia, v. g., a simples contratação de um empréstimo ou realização de um negócio ruinoso pode ali ser integrado. Para tanto bastará que alguns trabalhadores possam, eventualmente, ver em perigo os seus postos de trabalho.
Nem sequer se pode considerar que os diversos elementos referidos nas diferentes alíneas do n.º 1 do artigo 10.º integram pressupostos ou condições de utilização do regime do lay-off. Na verdade, basta ler a primeira parte do n.º 1 do artigo 10.º para se concluir que se está perante meras obrigações impostas à entidade empregadora após o início do período de redução ou de suspensão do contrato de trabalho.
Neste sentido se poderá ainda aduzir que das obrigações constantes do artigo 10.º apenas a prevista no seu n.º 2 constitui fundamento para que a Inspecção-Geral do Trabalho, no exercício da sua função fiscalizadora, possa pôr termo à aplicação do regime do lay-off relativamente a alguns ou a todos os trabalhadores, o mesmo não acontecendo relativamente às constantes das diferentes alíneas do n.º 1.
A violação por parte da entidade empregadora destas últimas obrigações apenas a faz incorrer na possibilidade de lhe ser aplicada a multa prevista no artigo 21.º do Decreto-Lei 398/83.
O que significa, sem margem para quaisquer dúvidas, que tais obrigações não integram nem podem integrar a noção de «pressuposto» ou de «condição» necessária à utilização das medidas de suspensão do contrato de trabalho e de redução do período de trabalho, reguladas no diploma em causa que, por terem tal natureza se integrariam ainda na garantia da segurança do emprego.
Não se pode, por isso, afirmar que a modificação pelo Governo do teor das alíneas questionadas esteja a violar a reserva de competência relativa da Assembleia da República, pelo que não se verifica qualquer inconstitucionalidade orgânica na edição das normas ínsitas no artigo 10.º
Pelo exposto, não acompanhamos a decisão constante do acórdão nos aspectos que ficam referidos, votando a plena constitucionalidade das normas do n.º 3 do artigo 5.º e das alíneas c) e d) do n.º 1 do artigo 10.º do decreto registado sob o n.º 408/91. - Vítor Nunes de Almeida - Bravo Serra.
Declaração de voto
Não votei a inconstitucionalidade da alteração do artigo 10.º do Decreto-Lei 398/83 introduzida pelo artigo único do decreto em apreço por entender que a matéria em causa não se insere na esfera de reserva legislativa do Parlamento.
Reputo inegavelmente atendíveis as razões aduzidas no acórdão quando vistas à luz da regulação do regime da suspensão do contrato de trabalho e da redução do período normal de trabalho, mas não creio que a conexão existente entre tal regime e a regulação da distribuição dos lucros e o regime de aumento das remunerações dos membros dos corpos sociais das empresas em causa seja suficientemente forte ou decisiva a ponto de a tais matérias se dever estender a reserva parlamentar.
Com efeito, noutra sede que não esta, sempre poderia o Governo regular tais matérias sem qualquer credencial parlamentar, pelo que, em meu entender, não basta a sua integração num diploma que regula o regime de suspensão do contrato e da redução do período de trabalho para «arrastar» a regulação em causa para o específico domínio da reserva de competência legislativa da Assembleia da República.
Por mais coerente que seja a solução adoptada, o bem fundado do regime adoptado não justifica, por si só, que as matérias referentes à distribuição dos lucros e ao aumento das remunerações dos corpos sociais se tenham tornado incindíveis do regime da suspensão do contrato e da redução do período de trabalho a ponto de acrescerem à reserva parlamentar. Pelo que entendi que nesta parte o artigo único do decreto não viola o disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 168.º da Constituição. - António Vitorino.
Declaração de voto
Entendi, diferentemente da posição que fez vencimento, que o artigo único do decreto sub iudicio, na parte em que dá nova redacção ao n.º 3 do artigo 5.º e ao artigo 10.º, n.º 1, alíneas c) e d), não é inconstitucional.
As razões do meu entendimento são as que seguem.
1 - Quanto ao n.º 3 do artigo 5.º
Tal normativo dispunha como segue:
3 - A suspensão só será autorizada nos casos em que a redução dos períodos normais de trabalho se mostre inadequada ou insuficiente para assegurar a viabilidade da empresa e a manutenção dos postos de trabalho.
O que o decreto sub iudicio se propôs fazer foi substituir, neste preceito, a expressão a suspensão só será autorizada por esta outra: a suspensão só deverá ser aplicada.
Pois bem: contrariamente ao entendimento maioritário do Tribunal, penso que não será o caso de ver aqui uma violação da reserva de lei parlamentar, pois que, consideradas substancialmente as coisas, o Governo se limitou, efectivamente, a actualizar o teor verbal do preceito agora em apreço, pondo-o de acordo com o novo quadro processual de aplicação dos instrumentos de redução e suspensão do trabalho, que fora entretanto definido pelo Decreto-Lei 64-B/89, de 27 de Fevereiro, que deu nova redacção a vários preceitos do citado Decreto-Lei 398/83.
O caso é que, tendo o legislador condicionado inicialmente a utilização desses instrumentos a uma autorização administrativa - e redigido em conformidade o n.º 3 do artigo 5.º do Decreto-Lei 398/83 -, veio, depois, por aquele outro diploma, substituir esse regime de autorização administrativa prévia por uma solução diversa, inspirada e caracterizada por uma ideia de concertação social e de mero controlo administrativo a posteriori. Só que, deixou, então, intocado o dito n.º 3. Ora, tal facto, em meu entender, não pode senão significar que o legislador quis manter - e manteve - o princípio «material» que naquele se continha - se bem que (porque nem sequer a redacção do preceito alterou) tal princípio esteja, agora, expresso em termos desarmónicos com a modificação legislativa ocorrida. É, portanto, esta «desarmonia» - e apenas isso - que o diploma governamental em análise veio «corrigir», no ponto em questão. Por isso, não há nele, do meu ponto de vista, réstea de inovação.
Assim sendo, entendo que a situação em presença se pode ainda enquadrar naqueles tipos de hipóteses em que - segundo a orientação geral definida no Acórdão 77/88 - o carácter não inovatório de uma norma credenciará o Governo para intervir, sem autorização legislativa, no domínio da reserva parlamentar. Isto, sem deixar de reconhecer as dificuldades que o recorte desses tipos de hipóteses sempre poderá suscitar - dificuldades de que a situação em apreço não estará isenta.
2 - Quanto ao artigo 10.º
Dispõe o artigo 10.º do Decreto-Lei 398/83, de 2 de Novembro, na parte que aqui importa:
1 - Durante o período de redução ou suspensão a entidade empregadora fica obrigada a:
a) [...];
b) [...];
c) Não proceder à distribuição de lucros, sob qualquer forma, nomeadamente a título de levantamento por conta, nem aumentar as remunerações dos membros dos corpos sociais ou proceder ao reembolso de prestações suplementares de capital ou de suprimentos.
2 - [...]
O artigo único do decreto sub iudicio veio desdobrar a transcrita alínea c) em duas alíneas - as alíneas c) e d) -, alterando a redacção original, por forma a eliminar a proibição de, durante o período da suspensão ou redução, a entidade empregadora «proceder ao reembolso de prestações suplementares de capital ou de suprimentos», e por forma, bem assim, a restringir a obrigação de a mesma entidade «não aumentar as remunerações dos membros dos corpos sociais» ao período em que o Gabinete de Gestão do Fundo de Desemprego ajude a suportar o pagamento da compensação salarial devida a cada trabalhador.
De facto, o decreto propôs-se introduzir, no artigo 10.º, n.º 1, a seguinte redacção:
1 - [...]:
a) [...];
b) [...];
c) Não proceder à distribuição de lucros, sob qualquer forma, nomeadamente a título de levantamento por conta;
d) Não aumentar as remunerações dos membros dos corpos sociais, enquanto se verifique a comparticipação financeira nos termos do artigo 13.º;
2 - [...].
Contrariamente ao entendimento que fez maioria no Tribunal, penso que a matéria sobre que versa a alteração não se inscreve na reserva de lei parlamentar.
Do meu ponto de vista, é matéria de reserva parlamentar tudo quanto, dizendo respeito aos institutos da redução do horário normal de trabalho e da suspensão do contrato de trabalho, seja susceptível de contender, directa e imediatamente, com a garantia da segurança no emprego. Já, porém, ficará fora da reserva a parte do regime jurídico desses institutos que, com essa garantia, só indirecta e mediatamente, possa contender.
Deste modo, penso que é seguramente da reserva parlamentar o que se refere à definição dos pressupostos da suspensão e da redução e, bem assim, o atinente à definição dos direitos e deveres dos trabalhadores, durante o período da suspensão ou da redução.
A suspensão e a redução atingem, na verdade, a situação jurídico-laboral dos trabalhadores dependentes naquilo que ela tem de mais essencial, pois que importam, desde logo, uma diminuição da retribuição mensal ajustada (cf. o artigo 6.º do citado Decreto-Lei 398/83). Sendo isto assim, claro é que aquelas matérias contendem de modo frontal com a segurança no emprego.
Simplesmente - e neste ponto dissinto da posição que fez vencimento -, entendo que a matéria que aqui está em análise e que foi objecto de alteração, não respeita aos pressupostos da suspensão e da redução, nem é susceptível de, por qualquer outra forma, contender, directamente, com a garantia da segurança no emprego. Do que se trata é, no meu entender, tão-só de condicionamentos a que ficam sujeitas a suspensão e a redução - condicionamentos que podem, decerto, projectar-se (eventualmente, de forma negativa) na segurança do emprego, mas apenas de modo indirecto ou mediato. - Messias Bento.