Clínica Internacional de Campo de Ourique
Pub

Outros Sites

Visite os nossos laboratórios, onde desenvolvemos pequenas aplicações que podem ser úteis:


Simulador de Parlamento


Desvalorização da Moeda

Acórdão 656/2014, de 27 de Novembro

Partilhar:

Sumário

Julga inconstitucional a norma do artigo 17.º, n.os 1 a 4, do Regulamento das Custas Processuais (conjugado com a tabela iv do mesmo Regulamento) interpretada no sentido de que «o limite superior de 10 UCs é absoluto, impedindo a fixação de remuneração do Perito em montante superior»

Texto do documento

Acórdão 656/2014

Processo 1361 13

Acordam na 1.ª Secção do Tribunal Constitucional

I - Relatório

1 - Nos presentes autos, vindos da 9.ª Vara Cível de Lisboa, em que é recorrente o Ministério Público, foi interposto recurso para o Tribunal Constitucional, ao abrigo da alínea a) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional (doravante designada por LTC).

2 - No âmbito do processo 111662/12.0YIPRT que corre termos na 9.ª Vara Cível de Lisboa, o perito designado para a realização de perícia nos autos apresentou relatório pericial com a correspondente nota de honorários e despesas no valor de (euro) 2.639,80, invocando ter despendido 51 horas de trabalho que pretendia ver remuneradas a (euro) 50 por hora.

Posteriormente reclamou o pagamento de mais (euro) 300 pelo trabalho empreendido na sequência de reclamação apresentada do relatório pericial por si elaborado, o que elevou o valor de honorários e despesas por si reclamados para (euro) 2.939,80.

Por despacho judicial de 6 de dezembro de 2013, foi decidido «declar[ar] inconstitucional a norma decorrente do Artigo 17.º, ns. 1 a 4 do Regulamento das Custas Processuais (conjugada com a Tabela IV do mesmo Regulamento) quando interpretada no sentido de que o limite superior de 10 UCs é absoluto, impedindo a fixação de remuneração do Perito em montante superior num processo como o presente em que o perito teve como base de trabalho a análise de pelo menos seis mil folhas de documentos, despendeu 51 horas de trabalho, apresentou um relatório de 29 páginas e ainda esclarecimentos, por violação dos princípios de justiça, da proporcionalidade ínsitos na ideia de Estado de Direito e da remuneração condigna, que decorrem dos artigos 2.º, 18.º e 59.º, alínea a) da Constituição, bem como por violação do direito de acesso à justiça e a um processo equitativo, que decorrem do Artigo 20.º, n.º 1 e n.º 4 da Constituição, recusando a aplicação do Artigo 17.º, n.º 1 a n.º 4 do Regulamento das Custas Processuais com tais fundamentos».

Em consequência foi fixada «a remuneração do Sr. Perito em (euro) 2.160, acrescendo (euro) 67,30 a título de despesas de transporte» e ordenado que se procedesse «ao pagamento imediato do Sr. Perito com a quantia já disponível para o efeito (cf. Artigo 20-1 do Regulamento das Custas Processuais) e quanto à quantia em falta, foi ordenado que se notificassem as partes para «na mesma proporção procederem ao [seu] pagamento (cf. Artigo 532-3 do Código de Processo Civil)».

É desta decisão que vem interposto o presente recurso de constitucionalidade.

3 - Notificado, o Ministério Público alegou, apresentando as seguintes conclusões (fls. 6576 e ss.):

«27.º

Nos presentes autos, o digno magistrado judicial da 9.ª Vara Cível de Lisboa, por despacho de 15 de Outubro de 2013, entendeu (cf. supra n.º 3 das presentes alegações):

"Este processo já tem 6.482 folhas, sendo que estão juntos documentos que ultrapassam as 4.500 folhas. A prova pericial realizada e a eventual segunda perícia assenta nesses documentos e noutros que o Sr. Perito compulse.

Nestes termos, afigura-se-nos que os limites legais à remuneração do Sr. Perito (cf. Artigo 17.º do Regulamento das Custas Processuais) não se compaginam com o efetivo trabalho ínsito à realização da perícia.

Entendemos que a perícia deverá ser remunerada por um valor hora não inferior a (euro) 40, a ajustar afinal equitativamente pelo juiz, sendo que o valor global excederá sempre o limite legal do Artigo 17.º do Regulamento das Custas Processuais."

Notifique as partes a fim de se pronunciarem (Artigos 630-2 e 6-2 do Código de Processo Civil)."

28.º

Posteriormente, por despacho de 6 de Dezembro de 2013, o mesmo magistrado judicial veio entender (cf. supra n.º 5 das presentes alegações):

"No atual Regulamento das Custas Processuais, o legislador não conferiu ao juiz uma válvula de segurança que permita ajustar o valor dos honorários em função da dificuldade, qualidade do serviço prestado e - sobretudo - do tempo requerido para a realização da perícia. Com efeito, nos termos do Artigo 17.º, nos. 1, 2, 3 e 4, a remuneração dos Srs. Peritos não pode ultrapassar os limites impostos pela Tabela IV, os quais são de dez UCs por peritagem, ou seja, (euro) 1.020. Nos termos de tal dispositivo, o juiz pode fixar o valor da remuneração do perito entre (euro) 102 e (euro) 1020, não podendo exceder os (euro) 1.020, os quais funcionam como limite inultrapassável.

Se é certo que, na maioria das perícias (v.g., médico-legal, sobre o estado da estrutura de um edifício, etc.), o limite superior é apropriado, o mesmo não acontece noutras perícias como a dos autos. Com efeito, a análise das 6.067 folhas de documentos do processo e as deslocações do Sr. Perito importaram um tempo de trabalho de cinquenta e uma horas. E, por força do limite legal referido, o Sr. Perito não poderá receber mais de (euro) 1.020.

Esta solução é altamente censurável, desproporcional e inconstitucional."

29.º

No referido despacho, o digno magistrado judicial refere, ainda (cf. supra n.º 6 das presentes alegações):

"Ora, a Constituição Portuguesa funda-se na dignidade da pessoa humana como seu valor fundamental, sendo que o direito à retribuição dos trabalhadores tem natureza análoga aos direitos, liberdades e garantias (cf. Artigo 17.º da Constituição) - cf. GOMES CANOTILHO, Constituição da República Portuguesa Anotada, 3.ª Ed., p. 318. Assim, o limite legal do Artigo 17.º do Regulamento das Custas Processuais - interpretado no sentido de que não é exigível o pagamento do serviço do perito na parte em que exceda os (euro) 1.020 - integra uma norma materialmente inconstitucional porque viola o princípio constitucional da retribuição do trabalho, segundo a quantidade, natureza e qualidade, conforme Artigo 59.º, n.º 1, alínea a) da Constituição. Na verdade, o trabalho deve ser remunerado de forma a prover às necessidades da vida, sendo que a retribuição deve garantir uma existência condigna. Não é aceitável num estado de direito assente sobre o conceito da dignidade da pessoa humana a manutenção de uma norma que permita a realização de trabalho sem que o trabalhador veja remunerado o seu esforço.

Por outro lado, o referido limite legal contende também com o direito à prova e a um processo equitativo.

O direito à prova está constitucionalmente consagrado no artigo 20.º, n.º 1, da Constituição, como princípio geral do acesso ao direito e aos tribunais, que a todos é assegurado para defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos (sobre o direito à prova, cf. o nosso Prova Testemunhal, Almedina, 2013, pp. 236-238). Por sua vez, a exigência de um processo equitativo, constante do Artigo 20.º, n.º 4 da Constituição, impõe que as normas processuais proporcionem aos interessados meios efetivos de defesa dos seus direitos ou interesses legalmente protegidos e paridade entre as partes na dialética que elas protagonizam no processo. "Um processo equitativo postura, por isso, a efetividade do direito de defesa no processo, bem como dos princípios do contraditório e da igualdade de armas." - JORGE MIRANDA e RUI MEDEIROS, Constituição Portuguesa Anotada, Tomo I, Coimbra Editora, 2005, p. 192.

O limite absoluto à remuneração dos peritos contende com o direito à produção efetiva de prova pelas partes na medida em que não assegura que a perícia seja realizada por perito qualificado, que analise a situação de forma cabal, competente e esclarecedora para o tribunal. A operância de tal limite conduz à degradação da qualidade da prestação dos peritos. Fica - de igual modo- posta em causa a garantia de um processo equitativo porquanto a efetividade do direito de defesa e ou de ação fica questionada com o recurso a colaboradores do tribunal que tenderão a não ser qualificados, idóneos e isentos."

30.º

O digno magistrado judicial decidiu, pois (cf. supra n.º 7 das presentes alegações):

"Flui do exposto que o referido limite é materialmente inconstitucional.

Ao abrigo dos princípios de gestão processual (6-1 do Código de Processo Civil) e da adequação formal (547.º do Código de Processo Civil), entendemos que a remuneração do Sr. Perito deverá ser fixada pelo valor referência de (euro) 40 à hora.

Atento o tempo já decorrido desde que o Sr. Perito prestou os serviços que lhe foram solicitados e não sendo previsível quanto demorará a conclusão deste processo (facto alheio ao Perito e que se poderá alongar por anos, designadamente em função do número de recursos que as partes interporão), afigura-se-nos que deverá ser dado pagamento imediato dos serviços já prestados. Solução esta que é mesmo expressamente propugnada pelo legislador para os peritos em processo de expropriação (cf. Artigo 20.º do Decreto-Lei 125/2002, de 10.5), fazendo todo o sentido a sua aplicação análoga ao processo civil em geral.

Pelo exposto,

a) Declaro inconstitucional a norma decorrente do Artigo 17.º, nos. 1 a 4 do Regulamento das Custas Processuais (conjugada com a Tabela IV do mesmo Regulamento) quando interpretada no sentido de que o limite superior de 10 UCs é absoluto, impedindo a fixação de remuneração do Perito em montante superior num processo como o presente em que o perito teve como base de trabalho a análise de pelo menos seis mil folhas de documentos, despendeu 51 horas de trabalho, apresentou um relatório de 29 páginas e ainda esclarecimentos, por violação dos princípios de justiça, da proporcionalidade ínsitos na ideia de Estado de Direito e da remuneração condigna, que decorrem dos artigos 2.º, 18.º, n.º, e 59.º, n.º, alínea a), da Constituição, bem como por violação do direito de acesso à justiça e a um processo equitativo, que decorrem do Artigo 20.º, n.º 1 e n.º 4 da Constituição, recusando a aplicação do Artigo 17.º, n.º 1 a n.º 4 do Regulamento das Custas Processuais com tais fundamentos;

b) fixo a remuneração do Sr. Perito em (euro) 2.160, acrescendo (euro) 67,30 a título de despesas de transporte;

c) ordeno se proceda ao pagamento imediato do Sr. Perito com a quantia já disponível para o efeito (cf. Artigo 20-1 do Regulamento das Custas Processuais);

d) quanto à quantia em falta, ordeno se notifiquem as partes para - em dez dias e na mesma proporção - procederem ao pagamento da quantia em falta (cf. Artigo 532-3 do Código de processo Civil).

31.º

Deste despacho foi interposto recurso obrigatório de constitucionalidade, pelo digno magistrado do Ministério Público, nos seguintes termos (cf. supra n.º 8 das presentes alegações):

"O Magistrado do Ministério Público neste Tribunal vem, em obediência e nos termos do disposto pelos arts 280.º n.º 1 alínea a) e n.º 3 da Constituição da República Portuguesa, 69.º, 70.º alínea a) e 72.º n.º 1 alínea a) da lei do Tribunal Constitucional - Lei 28/82 de 15/11 -, interpor recurso para o Tribunal Constitucional da parte da douta decisão de fls. 6517 a 6520 dos autos à margem identificados, que recusou a aplicação da norma constante do artigo 17.º n.os 1 a 4 do Regulamento das Custas Processuais (conjugado com a Tabela IV do mesmo Regulamento) por considerar aquela norma ferida de inconstitucionalidade material por violação dos princípios de justiça, da proporcionalidade ínsitos na ideia de Estado de Direito e da remuneração condigna, que decorrem dos arts 2.º, 18.º, n.º 2 e 59.º n.º 1 da Constituição, bem como por violação do direito de acesso à justiça e a um processo equitativo, que decorrem do art.20.º n.º 1 e n.º 4 da Constituição."

32.º

A jurisprudência do Tribunal Constitucional, em matéria de custas judiciais tem-se ocupado, fundamentalmente, do problema de saber se as referidas taxas devem ser consideradas taxa ou imposto e ao problema da fixação de custas em valor considerado excessivo, designadamente por proporcionais ao valor da ação.

Assim:

a) na distinção entre taxa e imposto, o Tribunal Constitucional tem seguido o critério da sinalagmaticidade: a taxa constitui, não uma receita unilateral, mas um preço, autoritariamente fixado, correspondente a um bem ou serviço, mesmo que este seja de procura obrigatória;

b) tal distinção não implica, porém, que o valor da taxa haja de corresponder, economicamente, ao valor ou ao custo do bem ou serviço em questão, ou seja, que tenha que existir tal correspetividade económica, para se poder afirmar a bilateralidade da receita, enquanto taxa;

c) na verdade, através da imposição de uma taxa, podem prosseguir-se finalidades de interesse público conducentes a um montante diverso do correspondente a tal valor ou custo, correspondendo, ainda, nesta hipótese, ao pagamento da taxa, a contraprestação de um bem ou serviço por parte do Estado;

d) apenas a manifesta desproporcionalidade entre o montante do tributo, por essa forma determinado, e o custo do serviço público (o carácter «completamente alheio» a este), poderá levar a que o tributo em questão deva ser encarado, de um ponto de vista jurídico-constitucional, como verdadeiro imposto, uma vez que, desse modo, e nessa medida, se afetaria a sua correspetividade;

e) no que respeita à "taxa de justiça", o Tribunal Constitucional tem considerado que se trata de uma verdadeira taxa e não de um imposto, encontrando-se, na sua origem, a prestação do serviço de administração da justiça, que apenas pode ser prestado pelo Estado (dado o monopólio público do uso da força);

f) o legislador nacional dispõe, porém, de uma larga margem de liberdade de conformação em matéria de definição do montante das taxas de justiça;

g) essa liberdade não implica, todavia, que as normas definidoras dos critérios de cálculo sejam imunes a um controlo de constitucionalidade, quer no que toca à sua aferição segundo regras de proporcionalidade, decorrentes do princípio do Estado de Direito (artigo 2.º da Constituição), quer no que respeita à sua apreciação à luz da tutela constitucional do direito de acesso à justiça (artigo 20.º da Constituição);

h) a fixação das custas, em proporção direta ao valor da causa, sem qualquer limite máximo, pode conduzir a situações em que tal taxa se revele manifestamente desproporcionada ao custo do serviço ou à utilidade tirada do meio judicial empregue, pelo que ficará posta em causa a relação de correspondência entre o serviço e o tributo, o qual, assim, dificilmente poderá ser qualificado como verdadeira taxa;

i) o que está em causa, nesta dimensão normativa, não é tanto - ou não é apenas - a bondade constitucional do critério elegido para a fixação das custas em função do valor da causa, mas, tendo em conta os demais elementos do critério de tributação, ou seja, os concretos escalões quantitativos fixados e o modo como operam, a ausência de qualquer limite máximo para o valor da causa, e, consequentemente, para os resultados da aplicação daquele critério na determinação do valor da tributação em custas, independentemente da complexidade do processo, ou, mesmo, da sua concreta e efetiva utilidade para o recorrente;

j) por outras palavras, a aplicação de um tal critério poderá conduzir a que, a partir de um certo limite, não possa o montante de taxa devida encontrar justificação seja no princípio da equivalência, seja no princípio da cobertura de custos;

l) ora, havendo uma "desproporção intolerável" entre "o montante do tributo e o custo do serviço prestado", justamente por ser manifestamente exorbitante o valor calculado em função da mesma norma, ocorrerá também uma violação evidente do direito de acesso ao direito e aos tribunais;

m) o direito de acesso aos tribunais não compreende um direito a litigar gratuitamente, pois não existe um princípio constitucional de gratuitidade no acesso à justiça, podendo, pois, o legislador fixar o montante das custas com grande liberdade e exigir o respetivo pagamento sem que, com isso, esteja necessariamente a restringir o direito de acesso aos tribunais;

n) essa liberdade constitutiva do legislador tem, no entanto, um limite - limite, esse, que é o de a justiça ser realmente acessível à generalidade dos cidadãos, sem terem que recorrer ao sistema de apoio judiciário;

o) ou seja, assegurar a garantia do acesso aos tribunais, subentende uma programação racional e constitucionalmente adequada dos custos da justiça, não podendo o legislador adotar soluções, de tal modo onerosas, que impeçam o cidadão médio de aceder à justiça;

p) nessa medida, quando o valor da causa se revele manifestamente excessivo e desproporcionado, por as custas judiciais serem fixadas em proporção ao valor da causa, sem qualquer limite máximo ao respetivo montante, estar-se-á perante uma situação de inconstitucionalidade material, por violação do direito de acesso aos tribunais, conjugado com o princípio da proporcionalidade, na medida em que tal norma não permite, ao tribunal, limitar o montante de taxa de justiça devido no caso concreto, tendo em conta, designadamente, a natureza e complexidade do processo e o carácter manifestamente desproporcionado do montante em questão;

q) por outras palavras, a liberdade de definição do montante das taxas tem, como limite superior, o princípio constitucional estruturante da proibição do excesso, corolário do Estado de direito democrático (artigo 2.º, da C.R.P.), o qual impede a fixação de valores manifestamente desproporcionados ao serviço prestado, ou à complexidade do processo, o que, a suceder, poria em causa a própria equivalência jurídica das prestações e o direito fundamental, dos cidadãos, de acesso aos tribunais para defesa dos seus direitos (artigo 20.º, n.º 1, da C.R.P.);

r) a lei não pode adotar soluções de tal modo onerosas que, na prática, impeçam o cidadão médio de aceder à justiça; ou seja, salvaguardada a proteção jurídica para os mais carenciados, as custas não devem ser incomportáveis em face da capacidade contributiva do cidadão médio, não sendo constitucionalmente admissível a adoção de soluções em matéria de custas que, designadamente nos casos de maior incerteza sobre o resultado do processo, inibam os interessados de aceder à justiça;

s) o Tribunal Constitucional, apesar de lhe não caber aferir qual o concreto patamar em que se situa o limite em que a prestação pública se desliga dos custos da respetiva atividade, ou em que o cidadão fica inibido de recorrer aos tribunais, por força do valor das custas, deve, contudo, velar pelo respeito pelos referidos parâmetros constitucionais, perante o concreto valor das taxas cobrada num determinado processo, como resultado da aplicação da tabela legal, segundo o princípio do controlo da evidência;

t) contudo, a potencialidade de um critério gerar valores desproporcionados de custas, por não acolhimento de fatores que os teriam evitado, só releva, quando essa potencialidade, em face das circunstâncias do caso e do montante concretamente apurado, se tenha concretizado, ou seja, a ausência de previsão desses fatores corretivos só releva quando eles, no caso em apreciação, teriam atuado restritivamente, reconduzindo o valor pecuniário a prestar aos limites da proporcionalidade, que, de outro modo, resulta violada;

u) por outras palavras, se a prestação exigida, a título de custas, tiver atingido valores elevados, pouco comuns, mas, em contrapartida, o serviço fornecido tiver envolvido meios e acarretado, necessariamente, custos que ultrapassaram o padrão mais habitual do funcionamento judiciário e do processamento dos autos, a correspetividade material entre as duas prestações poderá não se mostrar manifestamente desvirtuada, com a consequência de os limites da taxação, resultantes da estrutura bilateral das taxas, poderem não ter sido desrespeitados.

33.º

No caso dos autos, está em causa o pagamento da atividade desenvolvida por um perito.

Não está, por outro lado, em causa, a fixação de custas em montante considerado excessivo, mas apenas a correção do facto de a remuneração da peritagem efetuada dever ser, no entender do digno magistrado judicial recorrido, superior ao legalmente fixado.

Sendo certo, contudo, que o aumento da remuneração da peritagem terá naturais reflexos no montante de custas a apurar no final, e no seu pagamento por parte de quem, em tais custas, vier a ser condenado.

Ora, o artigo 17.º do Regulamento das Custas Processuais, aprovado pelo Decreto-Lei 34/08, de 26 de Fevereiro, determina, designadamente (destaques do signatário):

"1 - As entidades que intervenham nos processos ou que coadjuvem em quaisquer diligências, salvo os técnicos que assistam os advogados, têm direito às remunerações previstas no presente Regulamento.

2 - A remuneração de peritos, tradutores, intérpretes, consultores técnicos e liquidatários, administradores e entidades encarregadas da venda extrajudicial em qualquer processo é efetuada nos termos do disposto no presente artigo e na tabela IV, que faz parte integrante do presente Regulamento.

3 - Quando a taxa seja variável, a remuneração é fixada numa das seguintes modalidades, tendo em consideração o tipo de serviço, os usos do mercado e a indicação dos interessados:

a) Remuneração em função do serviço ou deslocação;

b) Remuneração em função do número de páginas ou fração de um parecer ou relatório de peritagem ou em função do número de palavras traduzidas.

4 - A taxa é fixada em função do valor indicado pelo prestador do serviço, desde que se contenha dentro dos limites impostos pela tabela IV."

34.º

Não se conseguiu especificamente encontrar, na jurisprudência constitucional a que atrás se fez referência, nenhum Acórdão relativo a uma situação semelhante à dos autos.

De qualquer nodo, o Acórdão 380/06, de 31 de Agosto (Conselheira Maria dos Prazeres Beleza) aborda uma questão relativa ao pagamento de peritos em diligência que requeira conhecimentos especiais, ou a peritos com habilitação ou conhecimentos especiais, implicando a apresentação de documentos, pareceres, plantas ou outros elementos de informação solicitados pelo tribunal.

Refere-se, em tal Acórdão (destaques do signatário):

"6 - Está, pois, em causa saber se a norma atrás definida, não tendo um "teto" máximo de remuneração a pagar por cada diligência realizada por um perito viola o direito fundamental de acesso à justiça e ao direito, consagrado no n.º 1 do artigo 20.º da Constituição e o princípio da igualdade, "beneficiando a parte mais forte em juízo em prejuízo da parte mais fraca, ofendendo assim as normas dos artºs 13.º, n.os 1 e 2, 18.º e 20.º da CRP".

Segundo o disposto na alínea b) do n.º 1 e no n.º 2 do artigo 34.º do Código das Custas Judiciais, conjugados com a Portaria 1178-D/2000, para calcular a remuneração a pagar a um perito que é incumbido de realizar uma perícia para a qual são exigidos conhecimentos especiais, há que atender a dois elementos: à remuneração fixada "por perícia", em primeiro lugar, e ao tempo "razoável" de realização da perícia, medido em "dias de trabalho" e definidos em termos que permitem considerar os elementos atrás referidos (relevo, dificuldade na realização e qualidade do trabalho efetuado). Esse tempo será determinado, para este efeito, com base na "informação prestada por quem a realizar, reduzindo [os dias de trabalho] se lhe parecer que podia ter sido realizada em menos tempo ou aumentando-os quando a dificuldade, relevo ou qualidade do serviço o justifiquem".

Da conjugação destes dois elementos o acórdão recorrido concluiu que, se a perícia "implicar mais de um dia de trabalho", a remuneração corresponderá, em princípio, à multiplicação do valor fixado (hoje) pela Portaria 1178-D/2000 pelo número de dias. Mas caso o tribunal entenda que o número de dias indicado é excessivo, por considerar que a perícia poderia ter sido realizada em menos tempo, procede à sua redução; caso considere que "a dificuldade, relevo ou qualidade do serviço" justifica um pagamento superior ao resultado que obteve com a referida multiplicação, aumenta o número de dias a pagar, de forma a obter um montante mais elevado.

A lei optou, assim, por definir um sistema - cuja aplicação é, naturalmente, controlável por via de recurso, como se viu no caso presente - que permite uma adequação, caso a caso, ao grau de exigência ou ao relevo da perícia efetuada.

É manifesto que esta forma de definição do modo de cálculo da remuneração admite que esta possa vir a atingir valores muito altos; mas também é manifesto que a fixação de um teto máximo de valor poderia revelar-se desadequado em casos de perícias em que o grau de "dificuldade, relevo ou qualidade do serviço" fosse particularmente elevado.

7 - Daqui não resulta, todavia, que se esteja, por esta forma, a atingir o princípio da igualdade entre as partes, ou a violar o direito de acesso ao direito e aos tribunais, como pretende a recorrente.

Com efeito, é possível (nomeadamente a uma sociedade comercial) pedir a concessão de apoio judiciário na modalidade de "dispensa total ou parcial de taxa de justiça e demais encargos com o processo", como se prevê na alínea a) do n.º 1 do artigo 16.º da Lei 34/2004, de 29 de Julho.

Por esta via, a lei garante que não é por insuficiência económica que uma parte fica impedida de requerer a realização de perícias de custo elevado, assim concretizando, simultaneamente, o direito de acesso ao direito e aos tribunais, nos termos exigidos pelo n.º 1 do artigo 20.º da Constituição e o princípio da igualdade, na vertente agora relevante."

35.º

Ora, no âmbito da sua liberdade de conformação, em matéria de definição de custas judiciais e do respetivo montante, o legislador alterou o sistema contido no Código das Custas Judiciais - a que se reporta o Acórdão acabado de citar -, cujo diploma instituidor foi, entretanto, expressamente revogado pelo Regulamento das Custas Processuais, aprovado pelo Decreto-Lei 34/08, de 26 de Fevereiro (cf. artigo 25.º, n.º 2, alínea a) deste diploma), posteriormente alterado pela Lei 43/08, de 27 de Agosto, Decreto-Lei 181/08, de 28 de Agosto, Lei 64-A/08, de 31 de Dezembro, Lei 3-B/10, de 28 de Abril, Decreto-Lei 52/11, de 13 de Abril, Lei 7/12, de 13 de Fevereiro, Lei 66-B/12, 31 de Dezembro e Decreto-Lei 126/13, de 30 de Agosto.

Refere, designadamente, o legislador, no Preâmbulo do Decreto-Lei 34/08:

"Esta reforma, mais do que aperfeiçoar o sistema vigente, pretende instituir todo um novo sistema de conceção e funcionamento das custas processuais. Neste âmbito, elimina-se a atual distinção entre custas de processo e custas de interveniente processual, cuja utilidade era indecifrável, passando a haver apenas um conceito de taxa de justiça. A taxa de justiça é, agora com mais clareza, o valor que cada interveniente deve prestar, por cada processo, como contrapartida pela prestação de um serviço.

De um modo geral, procurou também adequar-se o valor da taxa de justiça ao tipo de processo em causa e aos custos que, em concreto, cada processo acarreta para o sistema judicial, numa filosofia de justiça distributiva à qual não deve ser imune o sistema de custas processuais, enquanto modelo de financiamento dos tribunais e de repercussão dos custos da justiça nos respetivos utilizadores.

De acordo com as novas tabelas, o valor da taxa de justiça não é fixado com base numa mera correspondência face ao valor da ação. Constatou-se que o valor da ação não é um elemento decisivo na ponderação da complexidade do processo e na geração de custos para o sistema judicial. Pelo que, procurando um aperfeiçoamento da correspetividade da taxa de justiça, estabelece-se agora um sistema misto que assenta no valor da ação, até um certo limite máximo, e na possibilidade de correção da taxa de justiça quando se trate de processos especialmente complexos, independentemente do valor económico atribuído à causa.

Deste modo, quando se trate de processos especiais, procedimentos cautelares ou outro tipo de incidentes, o valor da taxa de justiça deixa de fixar-se em função do valor da ação, passando a adequar-se à efetiva complexidade do procedimento respetivo."

Conclui-se, pois, do preâmbulo deste diploma, que o legislador assentou uma parte importante das suas novas conceções em matéria de custas judiciais, no estabelecimento das tabelas anexas ao Regulamento das Custas Processuais.

36.º

Por outro lado, o artigo 17.º do Regulamento das Custas Processuais, em matéria de remuneração de peritos, permite ao tribunal, tendo em consideração o tipo de serviço, os usos do mercado e a indicação dos interessados, fixar a remuneração que lhes é devida em função:

a) do serviço ou deslocação;

b) do número de páginas ou fração de um parecer ou relatório de peritagem.

E a tabela IV, anexa a este diploma, dá seguimento a uma tal preocupação estabelecendo os valores máximo e mínimo de uma tal remuneração, que variará entre 1 UC e 10 UC (serviço) e que será de 1/10 UC (página).

Por outro lado, o n.º 4, do mesmo artigo 17.º, veio permitir, como se viu, que «a remuneração é fixada em função do valor indicado pelo prestador de serviço, desde que se contenha dentro dos limites impostos pela tabela IV, à qual acrescem as despesas de transporte que se justifiquem e quando requeridas até ao encerramento da audiência, nos termos fixados para as testemunhas e desde que não seja disponibilizado transporte pelas partes ou pelo tribunal».

Por outras palavras, o juiz poderá, em função da atividade mais ou menos complexa dos peritos intervenientes, aumentar ou diminuir a remuneração que se destina a compensar o respetivo trabalho.

Não poderá, contudo, ultrapassar o valor máximo constante da tabela IV anexa ao mesmo diploma.

37.º

Nos presentes autos, ao contrário do entendimento expresso pelo digno magistrado judicial a quo, não se crê que esteja em causa a violação do princípio constitucional da retribuição do trabalho, segundo a quantidade, natureza e qualidade, previsto no artigo 59.º, n.º 1, alínea a), da Constituição.

Com efeito, os peritos são livres de escolher a sua atividade profissional e de a exercerem livremente. E é justamente em função dessa liberdade de escolha de profissão que, por motivo da sua experiência e habilitações profissionais, podem vir a prestar colaboração aos tribunais.

No entanto, essa colaboração não é, como facilmente se depreende, exercida como trabalho remunerado, na aceção do artigo 59.º da Constituição. O trabalho aí referido é o correspondente à atividade profissional habitual do perito, no caso dos autos, um Técnico Oficial de Contas.

A remuneração em causa nos autos reporta-se, sim, a uma atividade específica e pontual de colaboração com o tribunal, para além da atividade profissional habitual do perito, razão, essa, que, justamente, legitima tal remuneração adicional.

Só que tal remuneração adicional encontra-se previamente estabelecida em diploma próprio.

Até para salvaguardar um tratamento remuneratório idêntico para peritos que se encontrem nas mesmas circunstâncias (v. g. o mesmo grau de intervenção, a mesma complexidade da peritagem, o mesmo tempo nela despendido, etc.).

Sendo certo, por outro lado, que em período de generalizadas restrições em matéria remuneratória, quer no sector público, quer no sector privado, decorrentes do exigente programa de assistência financeira a que Portugal se encontra sujeito, e cujas consequências muito provavelmente se repercutirão pelas próximas décadas, terão de ser entendidas com alguma prudência afirmações como as seguintes, proferidas pelo digno magistrado judicial recorrido (cf. supra n.º 6 das presentes alegações):

"Na verdade, o trabalho deve ser remunerado de forma a prover às necessidades da vida, sendo que a retribuição deve garantir uma existência condigna. Não é aceitável num estado de direito assente sobre o conceito da dignidade da pessoa humana a manutenção de uma norma que permita a realização de trabalho sem que o trabalhador veja remunerado o seu esforço."

O signatário não tem dúvidas em subscrever, em tese geral, tais considerações, mas est modus in rebus...

Está-se, no caso dos presentes autos a falar de uma atividade não habitual, remunerada de acordo com uma tabela que, apesar de tudo, procura atender à exigência e responsabilidade da colaboração prestada, embora com alguns limites.

Não se crê, assim, que esteja em causa, nos presentes autos, a violação do princípio da remuneração condigna, decorrente do artigo 59.º, n.º 1, alínea a), da Constituição.

38.º

É certo que o digno magistrado judicial apresenta fundamentação particular para a especial complexidade da perícia levada a cabo pelo perito envolvido nos presentes autos (cf. supra n.º 5 das presentes alegações):

"No atual Regulamento das Custas Processuais, o legislador não conferiu ao juiz uma válvula de segurança que permita ajustar o valor dos honorários em função da dificuldade, qualidade do serviço prestado e - sobretudo - do tempo requerido para a realização da perícia. Com efeito, nos termos do Artigo 17.º, nos. 1, 2, 3 e 4, a remuneração dos Srs. Peritos não pode ultrapassar os limites impostos pela Tabela IV, os quais são de dez UCs por peritagem, ou seja, (euro) 1.020. Nos termos de tal dispositivo, o juiz pode fixar o valor da remuneração do perito entre (euro) 102 e (euro) 1020, não podendo exceder os (euro) 1.020, os quais funcionam como limite inultrapassável.

Se é certo que, na maioria das perícias (v.g., médico-legal, sobre o estado da estrutura de um edifício, etc.), o limite superior é apropriado, o mesmo não acontece noutras perícias como a dos autos. Com efeito, a análise das 6.067 folhas de documentos do processo e as deslocações do Sr. Perito importaram um tempo de trabalho de cinquenta e uma horas. E, por força do limite legal referido, o Sr. Perito não poderá receber mais de (euro) 1.020."

No entanto, embora se compreendam as razões subjacentes a uma tal tese, dificilmente se poderá atender, sem a necessária prudência, a uma tal justificação, até pelas imprevisíveis consequências a que poderá conduzir.

Com efeito, são de índole muito diferente, como o próprio magistrado recorrido reconhece, as peritagens a que poderá haver lugar a pedido de um tribunal (financeiras, médicas, de engenharia, etc.). Ora, se não houver uma tabela comum para definir os valores máximos e mínimos das peritagens efetuadas, como definir, para cada tipo de peritagem, a remuneração «adequada e proporcional ao tipo de serviço, aos usos do mercado, à complexidade da perícia e ao tempo despendido e necessário à sua realização»?

E, sobretudo, como garantir a necessária uniformidade na definição da remuneração a conceder a cada perito?

Basta atentar nas consequências a que se poderia chegar se se passasse a recorrer, por exemplo, à remuneração habitualmente percebida pelos peritos envolvidos, na sua atividade profissional habitual, que pode ser muito díspar entre si (professores universitários, médicos, engenheiros, etc.)

39.º

O artigo 17.º, do Regulamento das Custas Processuais também não parece violar o princípio da proporcionalidade.

Com efeito, analisando a norma escrutinada sob este prisma, e admitindo, sem conceder, que a mesma apresenta conteúdo restritivo, crê-se poder concluir que a solução encontrada para o artigo 17.º do Regulamento das Custas Processuais se afigura razoável, uma vez que define uma solução comum e integrada para a remuneração de peritos.

Afigura-se, por outro lado, proporcional, uma vez que permite ao tribunal, em função do trabalho efetivamente prestado pelo perito, remunerar a sua atividade de acordo com os critérios definidos na lei.

É, nessa medida, adequada (permite a prossecução dos fins visados de obter a colaboração do perito, mediante o pagamento da respetiva remuneração), exigível (uma vez que é indispensável definir, previamente, como assegurar a remuneração dos peritos de forma integrada e uniforme) e, finalmente, não se revela uma medida excessiva (permite graduar a remuneração em função da complexidade do trabalho levado a cabo pelo perito).

Não se vê, por outro lado, que tal solução não haja constituído a «menor desvantagem possível», ou que o legislador pudesse ter adotado «outro meio igualmente eficaz e menos desvantajoso para os cidadãos».

40.º

Assim, a solução encontrada pelo legislador, relativamente ao artigo 17.º do Regulamento das Custas Processuais, não se fundou num erro de avaliação e, muito menos, se mostra manifestamente inadequada.

A este propósito, deliberou o Tribunal Constitucional, ainda no Acórdão 187/01:

"Ora, não pode deixar de reconhecer-se ao legislador - diversamente da administração -, legitimado para tomar as medidas em questão e determinar as suas finalidades, uma "prerrogativa de avaliação", como que um "crédito de confiança", na apreciação, por vezes difícil e complexa, das relações empíricas entre o estado que é criado através de uma determinada medida e aquele que dela resulta e que considera correspondente, em maior ou menor medida, à consecução dos objetivos visados com a medida (que, como se disse, dentro dos quadros constitucionais, ele próprio também pode definir). [...] Contra isto não vale, evidentemente, o argumento de que, perante o caso concreto, e à luz do princípio da proporcionalidade, ou existe violação - e a decisão deve ser de inconstitucionalidade - ou não existe - e a norma é constitucionalmente conforme. Tal objeção, segundo a qual apenas poderia existir "uma resposta certa" do legislador, conduz a eliminar a liberdade de conformação legislativa, por lhe escapar o essencial: a própria averiguação jurisdicional da existência de uma inconstitucionalidade, por violação do princípio da proporcionalidade por uma determinada norma, depende justamente de se poder detetar um erro manifesto de apreciação da relação entre a medida e seus efeitos, pois aquém desse erro deve deixar-se na competência do legislador a avaliação de tal relação, social e economicamente complexa. [...]

Ora, estando em causa a constitucionalidade de uma norma, é apenas a intervenção do legislador que tem de ser aferida - com os limites assinalados.

E tal posição é também a seguida por outras jurisdições que aplicam o princípio da proporcionalidade à atividade legislativa - vejam-se, a título ilustrativo, os Acórdãos do Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias de 13 de Novembro de 1990 (processo C-331/98, Coletânea de Jurisprudência do Tribunal de Justiça, 1990, p. I-4203), 12 de Novembro de 1996 (processo C-84/94, caso "tempo de trabalho", in Coletânea cit., 1996, p. I-5755) e 13 de Maio de 1997 (caso "garantia de depósitos", processo C-233/94, na Colet. cit., 1997, pp. I-2405), lendo-se no último destes arestos que, quando a situação é economicamente complexa, ao julgar a conformidade com o princípio da proporcionalidade, o Tribunal não pode substituir a apreciação do legislador comunitário pela sua própria apreciação. De resto, só pode censurar a opção normativa do legislador se esta for manifestamente errada ou se os inconvenientes daí resultantes para certos agentes económicos forem desproporcionados em relação às vantagens que apresenta".

41.º

Não se crê, assim, que estejamos, no caso do artigo 17.º do Regulamento das Custas Processuais, perante nenhuma situação em que haja lugar à violação do princípio constitucional da proporcionalidade ínsito na ideia de Estado de Direito, previsto no artigo 18.º, n.º 2 da Constituição.

42.º

De igual modo se contesta que se esteja, no caso dos autos, perante uma situação de violação do direito à prova e a um processo equitativo.

Com efeito, a participação de um perito em nada contende com o direito de os arguidos, ou de a acusação, apresentarem os elementos de prova que entenderem.

A colaboração do perito, com efeito, situa-se na fase de análise da prova, não da sua produção.

Por outro lado, relativamente ao direito a um processo equitativo e ao direito de acesso à justiça, julga-se que o artigo 17.º do Regulamento das Custas Processuais não o impede, antes pelo contrário.

Normalmente, como se depreende da jurisprudência constitucional anteriormente citada, o que poderá prejudicar o acesso à justiça e aos tribunais é a existência de custas judiciais excessivas, que impeçam os cidadãos, na ausência de um sistema de assistência judiciária eficaz, de verem os seus problemas dirimidos pelos tribunais.

Ora, o artigo 17.º do Regulamento das Custas Processuais visa, justamente, evitar que as custas possam resultar excessivas para quem litiga, daí estabelecer limites, designadamente para o pagamento de peritos.

Por outro lado, não se vê em que medida, no caso dos presentes autos, com mais de 6.000 páginas de extensão, se tenha verificado qualquer dificuldade no acesso à justiça por parte dos arguidos, ou qualquer restrição aos seus direitos de defesa.

Não se aceita, por isso, a conclusão de que, nos autos, se tenha verificado qualquer violação do direito à prova, do direito a um processo equitativo e, muito menos, do direito de acesso à justiça e aos tribunais, normalmente aferido em função da posição dos arguidos, não dos peritos que colaboram com o tribunal.

43.º

Entende-se, por todos os motivos invocados, que este Tribunal Constitucional deverá conceder provimento ao presente recurso de constitucionalidade, não considerando inconstitucional a norma que resulta do disposto nos n.os 2 e 4 do artigo 17.º do Regulamento das Custas Processuais e da tabela IV anexa ao mesmo diploma, interpretada no sentido de impor a alguém o dever de colaborar com o tribunal, exercendo as funções de perito e limitar a respetiva remuneração a 10UC's, ainda que o tipo de serviço, os usos do mercado, a complexidade da perícia e o tempo necessário à sua realização levassem a considerar que a remuneração devida era superior.

E determinar, nessa medida, a revogação do despacho recorrido, do digno magistrado judicial da 9.ª Vara Cível de Lisboa, de 6 de Dezembro de 2013.»

Cumpre apreciar e decidir.

II - Fundamentação

a) Delimitação do objeto do recurso

4 - O recurso foi interposto ao abrigo da alínea a) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC - ou seja, trata-se de recurso da decisão de um tribunal que recusa a aplicação de uma norma com fundamento na sua inconstitucionalidade.

A decisão do tribunal a quo incide sobre a norma contida no artigo 17.º, n.os 1 a 4 do Regulamento das Custas Processuais (conjugada com a Tabela IV do mesmo Regulamento)

É a seguinte a sua redação:

«Artigo 17.º

1 - As entidades que intervenham nos processos ou que coadjuvem em quaisquer diligências, salvo os técnicos que assistam os advogados, têm direito às remunerações previstas no presente Regulamento.

2 - A remuneração de peritos, tradutores, intérpretes, consultores técnicos e liquidatários, administradores e entidades encarregadas da venda extrajudicial em qualquer processo é efectuada nos termos do disposto no presente artigo e na tabela IV, que faz parte integrante do presente Regulamento.

3 - Quando a taxa seja variável, a remuneração é fixada numa das seguintes modalidades, tendo em consideração o tipo de serviço, os usos do mercado e a indicação dos interessados:

a) Remuneração em função do serviço ou deslocação;

b) Remuneração em função do número de páginas ou fracção de um parecer ou relatório de peritagem ou em função do número de palavras traduzidas.

4 - A remuneração é fixada em função do valor indicado pelo prestador do serviço, desde que se contenha dentro dos limites impostos pela tabela IV, à qual acrescem as despesas de transporte que se justifiquem e quando requeridas até ao encerramento da audiência, nos termos fixados para as testemunhas e desde que não seja disponibilizado transporte pelas partes ou pelo Tribunal.»

Tabela IV (expressão legal - parte respeitante a peritos e peritagens):

Categoria - Remuneração por serviço/deslocação - Remuneração por fração/página/palavra

Peritos e peritagens - 1 UC a 10 UC (serviço) - 1/10 de UC (página)

Convertida em euros, é a seguinte a expressão da tabela IV:

Categoria - Remuneração por serviço/deslocação - Remuneração por fração/página/palavra

Peritos e peritagens - (euro) 102 a 1020 (serviço) - (euro) 10,20 UC (página)

5 - O tribunal a quo desaplicou, por inconstitucional, «a norma decorrente do Artigo 17.º, n.os 1 a 4 do Regulamento das Custas Processuais (conjugada com a Tabela IV do mesmo Regulamento) quando interpretada no sentido de que o limite superior de 10 UCs é absoluto, impedindo a fixação de remuneração do Perito em montante superior num processo como o presente em que o perito teve como base de trabalho a análise de pelo menos seis mil folhas de documentos, despendeu 51 horas de trabalho, apresentou um relatório de 29 páginas e ainda esclarecimentos, por violação dos princípios de justiça, da proporcionalidade ínsitos na ideia de Estado de Direito e da remuneração condigna, que decorrem dos artigos 2.º, 18.º, n.º 2, e 59.º, n.º 1, alínea a), da Constituição, bem como por violação do direito de acesso à justiça e a um processo equitativo, que decorrem do Artigo 20.º, n.º 1 e n.º 4 da Constituição».

A dimensão normativa que a decisão recorrida considera violadora da Constituição reside, assim, na interpretação das disposições legais em referência do Regulamento das Custas Processuais no sentido de que «o limite superior de 10 UCs é absoluto, impedindo a fixação de remuneração do Perito em montante superior», sendo, por conseguinte, sobre ela que incide o objeto do presente recurso.

b) Fundamentos da decisão recorrida

6 - O tribunal a quo desaplicou o preceito em causa por violação dos artigos 2.º, 18.º, n.º 2, 20.º, n.os 1 e 4, e 59.º, n.º 1, alínea a), da Constituição.

Na base do assim decidido está a consideração de o limite legal previsto ter «como consequência necessária uma de duas situações:

Ou a pretexto da colaboração com a Justiça, o Estado está a expropriar o trabalho do Sr. Perito ou a impor-lhe uma espécie de sanção civil, obrigando-o a trabalhar por período de tempo que não são efetivamente remunerados;

Ou o Sr. Perito está a ser remunerado por valores indignos, bastante inferiores aos valores de mercado e à prestação de serviços especializados. Neste contexto, não é expetável que os bons profissionais de cada especialidade se disponham a colaborar com a Justiça. Os Srs. Peritos tenderão a ser os profissionais que, por pouco mérito, não encontrem melhor ocupação profissional».

Desenvolvendo a ideia subjacente ao pressuposto enunciado, a decisão recorrida começa por lembrar que a Constituição portuguesa se funda «na dignidade da pessoa humana como seu valor fundamental, sendo que o direito à retribuição dos trabalhadores tem natureza análoga aos direitos, liberdades e garantias (cf. Artigo 17.º da Constituição)», entendendo que o limite legal do artigo 17.º do Regulamento das Custas Processuais «integra uma norma materialmente inconstitucional porque viola o princípio constitucional da retribuição do trabalho, segundo a quantidade, natureza e qualidade, conforme Artigo 59.º, n.º 1, alínea a) da Constituição». No entendimento do juiz a quo, «não é aceitável num estado de direito assente sobre o conceito da dignidade da pessoa humana a manutenção de uma norma que permita a realização de trabalho sem que o trabalhador veja remunerado o seu esforço». Prosseguindo a linha de argumentação assente no pressuposto enunciado, a decisão recorrida considera, de seguida, que «o limite absoluto à remuneração dos peritos contende com o direito à produção efetiva de prova pelas partes na medida em que não assegura que a perícia seja realizada por perito qualificado [...]». É entendimento do juiz a quo que «a operância de tal limite conduz à degradação da qualidade da prestação dos peritos», o que coloca em causa, igualmente, «a garantia de um processo equitativo porquanto da efetividade do direito de defesa e ou ação fica questionado com o recurso a colaboradores do tribunal que tenderão a não ser qualificados, idóneos e isentos».

Este, pois, o cerne da fundamentação da decisão recorrida.

c) Do mérito do recurso

7 - A questão a decidir incide sobre a remuneração da atividade desempenhada por intervenientes acidentais nos processos judiciais, atuando em coadjuvação de diligências judiciais. Mais concretamente está em causa a remuneração devida a um perito nomeado para realizar uma perícia no âmbito de um processo judicial (processo de natureza civil).

Importa, pois, começar por recordar os traços gerais do respetivo regime legal.

8 - O artigo 16.º do Regulamento da Custas Processuais ocupa-se do tipo de encargos compreendidos nas custas judiciais. Estes encargos representam, de um modo geral, as despesas que os processos normalmente comportam, designadamente no âmbito da produção de prova dos factos relevantes para a resolução jurídica do litígio. Distinguem-se, pois, da taxa de justiça.

Entre os encargos previstos no artigo 16.º citado, contam-se «as retribuições devidas a quem interveio acidentalmente no processo» (alínea h), do seu n.º 1).

Salvador Da Costa, socorrendo-se de Parecer do Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República, refere a este propósito que «intervêm acidentalmente nos processos, além das testemunhas a que se reporta a alínea e) do n.º 1 deste artigo, os peritos, os tradutores, os intérpretes, os depositários, os encarregados de vendas, os técnicos e outros. A despesa realizada pelos peritos ou intérpretes, por exemplo, em quaisquer diligências - emolumentos, remunerações por desenhos, plantas ou transportes em viatura própria - é abrangida por este normativo» (Salvador da Costa, Regulamento das Custas Processuais anotado, 2013, 5.ª ed., Almedina, p. 286).

Resulta, assim, evidente, que estas retribuições integram o conceito legal de encargos do processo, e portanto, também o de custas processuais.

9 - Constituindo a remuneração dos intervenientes acidentais no processo um encargo do processo, o seu valor releva para o apuramento do montante devido a título de custas pela parte que vier a ser condenada no seu pagamento. Desta forma, qualquer aumento na remuneração do perito tem inevitavelmente consequências no montante das custas a apurar.

10 - O Tribunal Constitucional tem uma vasta jurisprudência em matéria de custas judiciais. A questão de constitucionalidade colocada no presente recurso não incide, porém, sobre qualquer aspeto do regime jurídico das custas judiciais já tratado na jurisprudência do Tribunal Constitucional. Concretamente, a questão a decidir incide sobre o limite legal imposto por lei na fixação do montante da remuneração de perito nomeado nos autos pela atividade pericial desenvolvida. E sobre esta questão o Tribunal Constitucional ainda não teve ocasião de se pronunciar.

No Acórdão 380/06 o Tribunal abordou, no entanto, uma questão relativa ao pagamento de peritos em diligência que requeria conhecimentos especiais. Fê-lo, porém, numa dimensão diferente daquela que agora vem colocada. Aquele acórdão teve por objeto a norma resultante da conjugação entre a alínea b) do n.º 1 e o n.º 2 do artigo 34.º do Código das Custas Judiciais com o artigo 1.º da Portaria 1178-D/2000 e respetiva tabela anexa, na parte em que, referindo-se ao n.º 1 daquele artigo 34.º, atualizava as quantias a pagar aos «peritos em diligência que requeira conhecimentos especiais» e aos «peritos com habilitação ou conhecimentos especiais com apresentação de documentos, pareceres, plantas ou outros elementos de informação solicitados pelo tribunal», interpretada no sentido de que o tribunal pode livremente fixar os dias de remuneração pela perícia, reduzindo-os ou aumentando-os, tendo apenas a limitação do valor por dia de trabalho. A questão então colocada consistia em saber se aquela norma «não tendo um "tecto" máximo de remuneração a pagar por cada diligência realizada por um perito» violava o direito fundamental de acesso à justiça e ao direito (artigo 20.º, n.º 1 da Constituição) e o princípio da igualdade, «beneficiando a parte mais forte em juízo em prejuízo da parte mais fraca» (artigos 13.º, n.os 1 e 2, 18.º e 20.º da Constituição).

De acordo com a norma resultante dos preceitos legais então em causa (a alínea b) do n.º 1 e do n.º 2 do artigo 34.º do Código das Custas Judiciais conjugados com a Portaria 1178-D/2000), para calcular a remuneração a pagar a um perito que fosse incumbido de realizar uma perícia para a qual fossem exigidos conhecimentos especiais, havia que atender à remuneração fixada "por perícia", e ao tempo "razoável" de realização da perícia, medido em "dias de trabalho" e definidos em termos que permitissem considerar o relevo, a dificuldade na realização e a qualidade do trabalho efetuado, tendo por base as informações prestadas pelo próprio perito. Ressalvava-se, no entanto, a possibilidade de o tribunal reduzir o número de dias indicado pelo perito, por se considerar que a perícia poderia ter sido realizada em menos tempo. Em face daquela possibilidade, o Tribunal entendeu que a lei optara por definir um sistema que permitia uma adequação, caso a caso, ao grau de exigência ou ao relevo da perícia efetuada, sem deixar de reconhecer que, pese embora esta forma de definição do modo de cálculo da remuneração pudesse conduzir a valores muito altos, certo é que «a fixação de um teto máximo de valor poderia revelar-se desadequado em casos de perícias em que o grau de "dificuldade, relevo ou qualidade do serviço" fosse particularmente elevado».

Ora, a questão de constitucionalidade agora colocada prende-se precisamente com a fixação legal de um tal teto máximo, surgindo, pois, numa perspetiva inversa da então abordada pelo Tribunal. Enquanto no acórdão aludido se procurara saber se uma norma que não previa um "teto" máximo de remuneração a pagar pela diligência realizada por um perito, era conforme à Constituição, a questão que agora nos ocupa prende-se com a conformidade constitucional da previsão legal de um limite inultrapassável na fixação dessa remuneração.

11 - Convém recordar que, entretanto, e no âmbito da sua liberdade de conformação em matéria de delimitação das custas judiciais, o legislador alterou o regime do Código das Custas Judiciais (aprovado pelo Decreto-Lei 224-A/96, de 26 de novembro), substituindo-o pelo Regulamento das Custas Processuais (aprovado pelo 75/2000, de 9 de Maio, 35 781, de 5 de Agosto de 1946 e 108/2006, de 8 de Junho.">Decreto-Lei 34/2008, de 26 de Fevereiro, alterado pela Lei 43/2008, de 27 de agosto, Decreto-Lei 181/2008, de 28 de agosto, Lei 64-A/2008, de 31 de dezembro, Lei 3-B/2010, de 28 de abril, Decreto-Lei 52/2011, de 13 de abril, Lei 7/2012, de 13 de fevereiro, Lei 66-B/2012, de 31 de dezembro e Decreto-Lei 126/2013, de 30 de agosto).

Como expressamente aludido no preâmbulo do diploma que aprovou o Regulamento das Custas Processuais (75/2000, de 9 de Maio, 35 781, de 5 de Agosto de 1946 e 108/2006, de 8 de Junho.">Decreto-Lei 34/2008), a reforma empreendida visava «objetivos de uniformização e simplificação do sistema de custas processuais», concentrando «todas as regras quantitativas e de procedimento sobre custas devidas em qualquer processo, independentemente da natureza judicial, administrativa, fiscal ou constitucional, num só diploma». Um dos objetivos expressamente enunciados no diploma preambular consistia em «adequar o valor da taxa de justiça ao tipo de processo em causa e aos custos que, em concreto, cada processo acarreta para o sistema judicial, numa filosofia de justiça distributiva à qual não deve ser imune o sistema de custas processuais, enquanto modelo de financiamento dos tribunais e de repercussão dos custos da Justiça nos respetivos utilizadores». Nessa perspetiva, a taxa de justiça, representando o valor que cada interveniente deve prestar, por cada processo, como contrapartida pela prestação de um serviço, passou a ser fixada de acordo com «um sistema misto, assente, por um lado, no valor da causa até determinado limite, e, por outro, na sua correção nos casos de processos especial e particularmente complexos» (Salvador da Costa, Regulamento das Custas Processuais anotado, cit., p. 195), podendo, nestes casos, o juiz determinar a aplicação de valores agravados de taxa de justiça.

Como se deixava também explicitado no diploma preambular, tendo-se constatado que «o valor da ação não é um elemento decisivo na ponderação da complexidade do processo e na geração de custos para o sistema judicial», procurou-se «um aperfeiçoamento da correspetividade da taxa de justiça», estabelecendo-se «um sistema misto que assenta no valor da ação, até um certo limite máximo, e na possibilidade de correção da taxa de justiça quando se trate de processos especialmente complexos, independentemente do valor económico atribuído à causa».

12 - Ora, de acordo com o regime pretérito que decorria do já acima citado artigo 34.º, n.º 1, alínea b), e n.º 2, do Código das Custas Judiciais, em conjugação com a Portaria 1178-D/2000, de 15 de dezembro, quando a perícia implicasse mais do que um dia de trabalho, na fixação da remuneração do perito, o juiz, partindo embora da informação prestada pelo autor da perícia, podia reduzir ou ampliar o número de dias de trabalho indicado pelo perito, consoante entendesse, por um lado, que a perícia podia ter sido feita em menos tempo ou, por outro, que a dificuldade, qualidade e relevo do serviço o justificasse. Desta faculdade concedida ao juiz decorria a possibilidade de ajustamento da remuneração do perito em função do grau de dificuldade exigido, tempo despendido, ou mesmo a qualidade do serviço prestado.

O Regulamento das Custas Processuais, na versão aplicada na decisão recorrida, não prevê, contudo, idêntica faculdade, antes impõe um limite máximo inultrapassável no valor de (euro) 1020 na remuneração a fixar a cada perito. E é precisamente na fixação normativa deste limite que reside a questão de constitucionalidade a apreciar no presente recurso.

13 - Nos termos do n.º 4 do artigo 17.º do Regulamento das Custas Processuais, «a remuneração é fixada em função do valor indicado pelo prestador do serviço, desde que se contenha dentro dos limites impostos na tabela IV» [à qual acrescem as despesas de transporte que se justifiquem nos termos do aditamento introduzido na parte final daquele normativo pela Lei 7/2012]. Trata-se, assim, de «um normativo que privilegia razoavelmente a indicação do preço respetivo por quem presta o serviço de colaboração com a administração da justiça, no âmbito dos vários processos, nos diversos tribunais, mas a referida indicação não releva se não for conforme com os valores máximos a que se reporta a tabela IV» (Salvador da Costa, Regulamento das Custas Processuais anotado, cit., p. 291).

O juiz pode, então, aumentar ou diminuir a remuneração pedida pelo perito como compensação do serviço prestado, em função da complexidade da atividade desenvolvida, desde que não ultrapasse o valor máximo constante da tabela IV (euro) 1020).

O tribunal a quo desaplicou o preceito em causa por violação dos artigos 2.º, 18.º, n.º 2, 20.º, n.os 1 e 4, e 59.º, n.º 1, alínea a), da Constituição. Como já se referiu, a decisão recorrida parte da conceção da dignidade da pessoa humana como valor fundamental da Constituição Portuguesa e do facto de o direito à retribuição dos trabalhadores ter «natureza análoga aos direitos, liberdades e garantias (cf. Artigo 17.º da Constituição)», para concluir que o limite legal do artigo 17.º do Regulamento das Custas Processuais «integra uma norma materialmente inconstitucional porque viola o princípio constitucional da retribuição do trabalho, segundo a quantidade, natureza e qualidade, conforme Artigo 59.º, n.º 1, alínea a) da Constituição». No entendimento do juiz a quo, «não é aceitável num Estado de direito assente sobre o conceito da dignidade da pessoa humana a manutenção de uma norma que permita a realização de trabalho sem que o trabalhador veja remunerado o seu esforço».

Para além disso, a decisão recorrida considera, de seguida, que «o limite absoluto à remuneração dos peritos contende com o direito à produção efetiva de prova pelas partes na medida em que não assegura que a perícia seja realizada por perito qualificado, que analise a situação de forma cabal, competente e esclarecedora para o tribunal». É entendimento do juiz a quo que «a operância de tal limite conduz à degradação da qualidade da prestação dos peritos», o que coloca em causa, igualmente, «a garantia de um processo equitativo porquanto da efetividade do direito de defesa e ou ação fica questionado com o recurso a colaboradores do tribunal que tenderão a não ser qualificados, idóneos e isentos».

Começa-se por analisar este último argumento.

14 - Como se referiu, para além de enquadrar a questão de constitucionalidade em sede de direito à justa retribuição, a decisão recorrida questiona a conformidade da solução normativa em apreciação com o princípio do processo equitativo (artigo 20.º, n.º 4 da Constituição) e o direito de acesso à justiça e aos tribunais (artigo 20.º, n.º 1 da Constituição), sustentando que ela «contende com o direito à prova», igualmente decorrente dos citados normativos constitucionais.

Não será de excluir que a não exigência legal do pagamento da justa remuneração ao perito produza nos técnicos mais qualificados algum efeito desincentivador da disponibilidade para colaborar com a justiça. Nessa medida, aceita-se que a solução normativa em análise possa não configurar a melhor maneira de garantir, com eficácia, o direito à prova, não bastando para afastar esta conclusão a afirmação, adiantada pelo Ministério Público nas suas alegações, de que a colaboração do perito se situa na fase da análise da prova e não da sua produção. Uma e outra (produção e análise) são parte integrante da instrução do processo, cabendo, pois, integralmente no "direito à prova" que, enquanto decorrência da tutela efetiva do direito de acesso à justiça, não pode deixar de ser reconhecido às partes litigantes. Trata-se de facultar às partes a oportunidade para demonstrarem a realidade dos factos que suportam a sua pretensão (ou impugnação).

De todo o modo, a configurar-se o limite legal da remuneração do perito como uma restrição do direito à prova, este consistiria sempre num mero efeito indireto ou mediato daquela previsão legal. Ora, existe «uma dificuldade acrescida na identificação de critérios para a fixação dos limites, em termos práticos, do razoavelmente aceitável, no tocante às restrições indiretas aos direitos fundamentais» (Ronnie Preuss Duarte, Garantia de Acesso à Justiça, Coimbra Editora, 2007, p. 206).

Com efeito, nas "restrições indiretas" não é possível identificar a presença do subprincípio integrante do princípio da proporcionalidade consistente na necessidade da intervenção restritiva, uma vez que neste tipo de restrições, a atividade estadual (no caso legislativa), não é teleologicamente orientada a uma finalidade que exija a compressão de um direito fundamental. E sendo assim, tal como em qualquer caso em que a afetação negativa constitui mero efeito colateral da atuação do legislador, a sindicabilidade da sua conformidade constitucional, à luz do princípio da proporcionalidade, sempre exigiria uma maior gravidade da afetação do direito, isto é, uma maior evidência na verificação da respetiva inadequação ou desproporcionalidade, o que, no caso, não é possível afirmar.

De todo o modo, o constrangimento que a solução normativa sob sindicância pode provocar na disponibilidade para se ser perito em tribunal, configurará mera consequência possível - que não necessária - da sua aplicação.

Trata-se de uma plausibilidade, não de algo demonstrável, diante de um universo largo e variado de profissões técnicas convocáveis para o exercício de uma atividade que, de todo o modo, surgirá sempre como excecional e pontual na vida de cada profissional. Ao desincentivo ditado pela limitação remuneratória, outros elementos poderão ser contrapostos, como o prestígio granjeado pela dignidade que representa juntar os seus conhecimentos técnicos ou científicos à realização da justiça.

A solução poderá não ser a mais amiga da adesão dos melhores quadros técnicos a colaborar com os tribunais, mas tal não permite concluir pela verificação de uma restrição da garantia constitucional do direito à prova.

O legislador, na liberdade de conformação que lhe assiste em matéria de determinação dos valores devidos a título de custas, entendeu limitar o valor máximo atribuível a título de remuneração de cada perito, sem deixar de atender, dentro desse limite, aos valores reclamados pelo próprio e a critérios definidores do seu montante de acordo com o esforço e qualidade do serviço exigido.

15 - Afastado este aspeto, é chegado o momento de analisar o problema da perspetiva do direito à remuneração da atividade pericial junto dos tribunais.

Neste âmbito, em resposta ao raciocínio do tribunal a quo, sustenta o recorrente que não pode estar em causa a violação do princípio constitucional da retribuição do trabalho, segundo a quantidade, natureza e qualidade, consagrado no artigo 59.º, n.º 1, alínea a) da Constituição, uma vez que a colaboração prestada pelos peritos «não é [...] exercida como trabalho remunerado, na aceção do artigo 59.º da Constituição. O trabalho ali referido é o correspondente à atividade profissional habitual do perito, no caso dos autos, um Técnico Oficial de Contas». Mais sustenta que «a remuneração em causa nos autos reporta-se [...] a uma atividade específica e pontual de colaboração com o tribunal para além da atividade profissional habitual do perito, razão, essa, que, justamente, legitima tal remuneração adicional. Só que tal remuneração adicional encontra-se previamente estabelecida em diploma próprio. Até para salvaguardar um tratamento remuneratório idêntico para peritos que se encontrem nas mesmas circunstâncias».

16 - O artigo 59.º da Constituição ocupa-se dos direitos fundamentais dos trabalhadores, «fazendo elenco dos principais direitos dos trabalhadores assalariados que caracterizam o Estado social nesta vertente» (v. J. J. Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa anotada, Coimbra Editora, 4.ª ed. revista, vol. I, p. 772) visando, portanto, especialmente a relação de emprego subordinado (no regime de contrato de trabalho ou de contrato de trabalho em funções públicas). Tendo como destinatários todos os trabalhadores, o seu domínio de aplicação é, assim, o das relações jus-laborais.

A atividade pericial desenvolvida no âmbito de um processo judicial não se reconduz, porém, a uma relação de emprego subordinado, sendo diferente a sua natureza.

De acordo com o regime infraconstitucional estabelecido no Código de Processo Civil, a função de perito caracteriza-se pela obrigação de «desempenhar com diligência a função para que tiver sido nomeado, podendo o juiz condená-lo em multa quando infrinja os deveres de colaboração com o tribunal», e podendo o perito ser «destituído pelo juiz se desempenhar de forma negligente o encargo que lhe foi cometido, designadamente quando não apresente ou impossibilite, pela sua inércia, a apresentação do relatório no prazo fixado» (artigo 469.º do Código de Processo Civil). A lei dispensa pessoas que se encontrem no exercício de determinadas funções do exercício da função de perito (artigo 470.º, n.º 2 do Código de Processo Civil). Fora daqueles casos, só podem pedir escusa da intervenção como peritos «aqueles a quem seja inexigível o desempenho da tarefa, atentos os motivos pessoais invocados» (artigo 470.º, n.º 3 do Código de Processo Civil).

Salvo se forem funcionários públicos que intervenham no exercício das suas funções, após a nomeação pelo juiz (no despacho que ordena a realização da perícia - artigo 478.º, n.º 1 do Código de Processo Civil), os peritos prestam «compromisso de cumprimento consciencioso da função que lhes é cometida» (artigo 479.º, n.os 1, 2 e 3 do Código de Processo Civil).

Diferentemente da relação normal de trabalho, a atividade pericial caracteriza-se, assim, pela prestação esporádica no exercício de um serviço público, devendo salientar-se ainda a tendencial obrigatoriedade de aceitação da nomeação, já que só invocando motivos pessoais que permitam concluir pela inexigibilidade da nomeação será possível ver deferido o correspondente pedido de escusa.

Para além destes traços diferenciadores da relação de trabalho subordinado, existem outros de aproximação destas duas realidades, como a sujeição do perito ao dever de obediência e diligência na atividade de colaboração com o tribunal que é chamado a prestar.

Cobrando justificação na prossecução do interesse geral de administração da justiça, este regime de sujeição a que fica vinculado não deixa de impor ao perito um custo pessoal que, como qualquer sacrifício individualmente imposto, deve ser devidamente compensado.

17 - A solução normativa traduzida no reconhecimento do direito à remuneração das pessoas que intervenham nos processos ou que coadjuvem em quaisquer diligências (artigo 16.º e artigo 17.º, n.º 1, do Regulamento das Custas Processuais) tem subjacente o respeito pelo princípio da remuneração da atividade prestada a outrem (Salvador da Costa, Regulamento das Custas Processuais, anotado, cit., p. 290), que decorre, desde logo, do princípio da dignidade da pessoa humana.

O n.º 3 do artigo 17.º do Regulamento das Custas Processuais, ao prever a natureza variável da taxa de remuneração, estatuindo para esses casos, o dever de fixação numa das modalidades ali elencadas, devendo, em qualquer caso, ser tido em consideração «o tipo de serviços, ou usos do mercado e a indicação dos interessados», condiciona a remuneração da atividade desenvolvida pelo perito à quantidade, natureza e qualidade do serviço prestado, numa concretização do princípio da proporcionalidade na justa compensação pelo sacrifício, designadamente de direitos patrimoniais.

A questão que importa resolver circunscreve-se, assim, à limitação imposta na tabela IV do Regulamento das Custas Processuais, ao fixar um limiar máximo - um "teto" - inultrapassável à remuneração a atribuir pelo juiz ao perito pelo trabalho desenvolvido por este em colaboração com a administração da justiça.

18 - O motivo apresentado para a limitação referida passa pela necessidade de controlo das taxas de justiça a ser pagas pelas partes litigantes, de forma a não restringir excessivamente o direito de acesso à justiça.

Trata-se de uma preocupação constitucionalmente válida. De facto, a preocupação de evitar que as partes litigantes sejam oneradas com taxas de justiça excessivamente elevadas, tendo em vista não frustrar o direito de acesso aos tribunais garantido no artigo 20.º, n.º 1, da Constituição, encontra-se bem patente na jurisprudência do Tribunal Constitucional em matéria de custas.

Como salientado no Acórdão 467/91, «o asseguramento da garantia do acesso aos tribunais subentende uma programação racional e constitucionalmente adequada dos custos da justiça: o legislador não pode adotar soluções de tal modo onerosas que impeçam o cidadão médio de aceder à justiça».

Nesta matéria, o Tribunal tem afirmado que a liberdade de conformação do legislador, designadamente em matéria de definição do montante de taxas integradoras das custas judiciais, «não implica que as normas definidoras dos critérios de cálculo sejam imunes a um controlo de constitucionalidade, quer no que toca à sua aferição segundo regras de proporcionalidade, decorrentes do princípio do Estado de Direito (artigo 2.º da Constituição), quer no que respeita à sua apreciação à luz da tutela constitucional do direito de acesso à justiça (artigo 20.º da Constituição); em qualquer dos casos, sob cominação de inconstitucionalidade material (cf. Acórdãos n.os 1182/96 ou 352/91) [...]. E proferiu, mesmo, alguns julgamentos de inconstitucionalidade por violação combinada de ambos os princípios (por exemplo, nos Acórdãos n.os 1182/96 e 521/99» (Acórdão 227/07).

Ainda recentemente o Tribunal julgou «inconstitucionais, por violação do direito de acesso aos tribunais, consagrado no artigo 20.º da Constituição, conjugado com o princípio da proporcionalidade, decorrente dos artigos 2.º e 18.º, n.º 2, segunda parte, da Constituição, as normas contidas nos artigos 6.º e 11.º, conjugadas com a tabela I-A anexa, do Regulamento das Custas Processuais, na redação introduzida pelo Decreto-Lei 52/2011, de 13 de abril, quando interpretadas no sentido de que o montante da taxa de justiça é definido em função do valor da ação sem qualquer limite máximo, não se permitindo ao tribunal que reduza o montante da taxa de justiça devida no caso concreto, tendo em conta, designadamente, a complexidade do processo e o caráter manifestamente desproporcional do montante exigido a esse título» (Acórdão 421/13).

Tal como referido neste acórdão, o que tem determinado os julgamentos de conformidade ou inconformidade constitucional das soluções legais de tributação em sede de custas judiciais, tem sido «a ideia central de que a taxa de justiça assume, como todas as taxas, natureza bilateral ou correspetiva, constituindo contrapartida devida pela utilização do serviço público da justiça por parte do respetivo sujeito passivo. Por isso que, não estando nela implicada a exigência de uma equivalência rigorosa de valor económico entre o custo e o serviço, dispondo o legislador de uma "larga margem de liberdade de conformação em matéria de definição dos montante das taxas", é, porém, necessário que "a causa e justificação do tributo possa ainda encontrar-se, materialmente, no serviço recebido pelo utente, pelo que uma desproporção manifesta ou flagrante com o custo do serviço e com a sua utilidade para tal utente afeta claramente uma tal relação sinalagmática que a taxa pressupõe" (citado Acórdão 227/2007)». E, conclui-se naquele acórdão: «Os critérios de cálculo da taxa de justiça, integrando normação que condiciona o exercício do direito fundamental de acesso à justiça (artigo 20.º da Constituição), constituem, pois, a essa luz, zona constitucionalmente sensível, sujeita, por isso, a parâmetros de conformação material que garantam um mínimo de proporcionalidade entre o valor cobrado ao cidadão que recorre ao sistema público de administração da justiça e o custo/utilidade do serviço que efetivamente lhe foi prestado (artigos 2.º e 18.º, n.º 2 da mesma Lei Fundamental), de modo a impedir a adoção de soluções de tal modo onerosas que se convertam em obstáculos práticos ao efetivo exercício de um tal direito».

19 - À luz desta orientação jurisprudencial, será, pois, inevitável concluir que a preocupação de contenção na definição das custas a cobrar dos litigantes encontra uma expressão adequada e necessária na fixação de critérios objetivos para a delimitação e tabulação do custo (dos "preços") das perícias, como os que se encontram plasmados no artigo 17.º, n.º 3, do Regulamento das Custas Processuais.

É possível estender o mesmo juízo de idoneidade e indispensabilidade à previsão de valores máximos, como os indicados na tabela IV, para a fixação da remuneração dos peritos. Compreende-se que a determinação do valor remuneratório de uma atividade de coadjuvação do tribunal não esteja sujeita às regras de mercado ou ao jogo da livre concorrência, na fixação de preços, só assim se assegurando a compatibilização da sua repercussão no valor final das custas devidas, com a garantia do acesso à justiça.

Não existe nenhuma imposição constitucional a exigir a ilimitada fixação do valor remuneratório da perícia. A harmonização do direito à justa compensação do perito pelo serviço prestado com o direito de acesso aos tribunais antes impõe a determinação de alguma contenção na fixação de padrões dos respetivos valores remuneratórios.

20 - Todavia, a imposição de um teto máximo, inultrapassável, constitui uma imposição tão absoluta na fixação do valor da remuneração devida pela atividade pericial desenvolvida que, em abstrato, pode conduzir a situações em que o sacrifício imposto ao perito, designadamente no seu direito patrimonial de retribuição pela atividade desenvolvida, não seja devidamente compensado. Basta pensar nos casos em que o teto de remuneração imposto por lei traduz uma discrepância manifesta com o valor justo da atividade desenvolvida, tendo em conta a sua quantidade, natureza e ou qualidade. Ora, dado o montante do valor máximo previsto (euro)1020), não será difícil imaginar atividade pericial cujo valor, pela complexidade, dimensão ou mesmo duração do esforço exigido ao seu autor possa exceder - e exceder consideravelmente -, aquele "teto".

Não se rejeita que a remuneração do perito não tem de traduzir o preço praticado no mercado para um tal serviço e que a equivalência jurídica entre a utilização individualizada dos serviços dos tribunais e as quantias cobradas, a título de taxa, por essa utilização, não vem necessariamente acompanhada por uma equivalência estrita, em termos económicos, entre o valor do serviço prestado e o montante da quantia devida pela sua perceção (Acórdão 421/2007 e n.º 301/09). O problema é que a norma em apreciação não contempla um valor suficientemente dilatado para, de acordo com a normalidade das coisas, permitir satisfazer adequadamente em todas as situações o direito à justa compensação pelo sacrifício imposto aos peritos. E a ausência de uma cláusula geral que permita acautelar a consideração de circunstâncias excecionais na fixação judicial da remuneração pela realização da perícia, inviabiliza a tomada em consideração, por um juiz, do caso concreto em que a justa compensação pelo sacrifício não se contém nos limites do valor tabelado. Neste condicionalismo, a imposição de um "teto" inultrapassável abre a possibilidade de excessos, sendo, pois, de entender que o limite imposto se mostra excessivo ou intolerável em termos de poder considerar-se que afronta o princípio da proporcionalidade.

E, sendo assim, impõe-se concluir que a impossibilidade de o juiz exceder, em qualquer circunstância, o valor máximo definido para remunerar a atividade pericial se apresenta como uma solução de tal modo onerosa do sacrifício exigido ao perito que, no limite, pode resultar desproporcionada, por não encontrar na garantia do acesso à justiça razão suficiente que a justifique. Impor a alguém o dever de colaborar com o tribunal, exercendo as funções de perito, e limitar a respetiva remuneração a 10 UCs, «ainda que o tipo de serviço, os usos de mercado, a complexidade da perícia e o tempo necessário à sua realização levassem a considerar que a remuneração devida era superior», como pretende o digno recorrente, pode configurar solução excessiva.

O legislador tem mandato constitucional para implementar medidas que promovam e garantam o acesso à justiça de todos os cidadãos. Mas esse mandato não lhe confere legitimidade para o garantir à custa da imposição de um sacrifício excessivo aos agentes que colaboram na administração da justiça.

Na articulação dos vários interesses que se jogam na delimitação do valor da remuneração devida ao perito pela sua atividade de colaboração com a justiça, a operar no respeito pela garantia do acesso aos tribunais e à tutela jurisdicional efetiva, a norma trazida ao Tribunal Constitucional não satisfaz as exigências de proporcionalidade impostas pela Constituição (artigo 18.º, n.º 2), devendo ser, por isso, julgada inconstitucional.

Por estas razões deve ser confirmado o juízo de inconstitucionalidade proferido pela decisão recorrida, julgando-se improcedente o recurso.

III - Decisão

Em face do exposto, decide-se:

Julgar inconstitucional, a norma do artigo 17.º, n.os 1 a 4 do Regulamento das Custas Processuais (conjugado com a Tabela IV do mesmo Regulamento) no sentido de que «o limite superior de 10 UCs é absoluto, impedindo a fixação de remuneração do Perito em montante superior».

Consequentemente, negar provimento ao recurso.

Sem custas.

Lisboa, 14 de outubro de 2014. - Maria de Fátima Mata-Mouros - João Pedro Caupers - Maria Lúcia Amaral - José Cunha Barbosa - Joaquim de Sousa Ribeiro.

208239429

Anexos

  • Extracto do Diário da República original: https://dre.tretas.org/dre/382148.dre.pdf .

Ligações deste documento

Este documento liga aos seguintes documentos (apenas ligações para documentos da Serie I do DR):

  • Tem documento Em vigor 1946-08-05 - Decreto-Lei 35781 - Ministério da Educação Nacional - Secretaria Geral

    Aprova os estatutos da Caixa de Previdência do Ministério da Educação Nacional.

  • Tem documento Em vigor 1982-11-15 - Lei 28/82 - Assembleia da República

    Aprova a organização, funcionamento e processo do Tribunal Constitucional - repete a publicação, inserindo agora a referenda ministerial.

  • Tem documento Em vigor 1996-11-26 - Decreto-Lei 224-A/96 - Ministério da Justiça

    Aprova o Código das Custas Judiciais, publicado em anexo, e que faz parte integrante do presente diploma.

  • Tem documento Em vigor 2000-05-09 - Decreto-Lei 75/2000 - Presidência do Conselho de Ministros

    Regulamenta a Lei n.º 115/99, de 3 de Agosto, que tem por objectivo estabelecer o regime de constituição e os direitos e deveres das associações representativas dos imigrantes e seus descendentes.

  • Tem documento Em vigor 2000-12-15 - Portaria 1178-D/2000 - Ministério da Justiça

    Aprova a tabela para as despesas previstas nos artigos 34º e 43º e de actualização das quantias do Código das Custas Judiciais, publicada em anexo.

  • Tem documento Em vigor 2002-05-10 - Decreto-Lei 125/2002 - Ministério do Equipamento Social

    Regula as condições de exercício das funções de perito e árbitro no âmbito dos procedimentos para a declaração de utilidade pública e para a posse administrativa dos processos de expropriação previstos no Código das Expropriações.

  • Tem documento Em vigor 2004-07-29 - Lei 34/2004 - Assembleia da República

    Estabelece um novo regime de acesso ao direito e aos tribunais e transpõe parcialmente para a ordem jurídica nacional a Directiva n.º 2003/8/CE (EUR-Lex), do Conselho, de 27 de Janeiro, relativa à melhoria do acesso à justiça nos litígios transfronteiriços através do estabelecimento de regras mínimas comuns relativas ao apoio judiciário no âmbito desses litígios.

  • Tem documento Em vigor 2006-06-08 - Decreto-Lei 108/2006 - Ministério da Justiça

    Procede à criação de um regime processual civil de natureza experimental, aplicável às acções declarativas entradas, a partir de 16 de Outubro de 2006, em tribunais a determinar por portaria do Ministro da Justiça.

  • Tem documento Em vigor 2008-02-26 - Decreto-Lei 34/2008 - Ministério da Justiça

    Aprova o Regulamento das Custas Processuais, procedendo à revogação do Código das Custas Judiciais e procede às alterações ao Código de Processo Civil, ao Código de Processo Penal, ao Código de Procedimento e de Processo Tributário, ao Código do Registo Comercial, ao Código do Registo Civil, ao Decreto-Lei n.º 269/98, de 28 de Agosto, à Lei n.º 115/99, de 3 de Agosto, e aos Decretos-Leis n.os 75/2000, de 9 de Maio, 35 781, de 5 de Agosto de 1946, e 108/2006, de 8 de Junho.

  • Tem documento Em vigor 2008-08-27 - Lei 43/2008 - Assembleia da República

    Altera (primeira alteração) o Decreto-Lei n.º 34/2008, de 26 de Fevereiro, que aprova o Regulamento das Custas Processuais.

  • Tem documento Em vigor 2008-08-28 - Decreto-Lei 181/2008 - Ministério da Justiça

    Altera (segunda alteração) o Decreto-Lei n.º 34/2008, de 26 de Fevereiro, que aprova o Regulamento das Custas Processuais, bem como altera o Código das Custas Judiciais e procede às alterações ao Código de Processo Civil, ao Código de Processo Penal, ao Código de Procedimento e de Processo Tributário, ao Código do Registo Comercial, ao Código do Registo Civil, ao Decreto-Lei n.º 269/98, de 28 de Agosto, à Lei n.º 115/99, de 3 de Agosto, e aos Decretos-Leis n.os 75/2000, de 9 de Maio, 35 781, de 5 de Agosto (...)

  • Tem documento Em vigor 2008-12-31 - Lei 64-A/2008 - Assembleia da República

    Aprova o orçamento do Estado para 2009. Aprova ainda o regime especial aplicável aos fundos de investimento imobiliário para arrendamento habitacional (FIIAH) e às sociedades de investimento imobiliário para arrendamento habitacional (SIIAH), bem como o regime de isenção do IVA e dos Impostos Especiais de Consumo aplicável na importação de mercadorias transportadas na bagagem dos viajantes provenientes de países ou territórios terceiros.

  • Tem documento Em vigor 2010-04-28 - Lei 3-B/2010 - Assembleia da República

    Aprova o Orçamento do Estado para 2010. Aprova ainda o regime excepcional de regularização tributária de elementos patrimoniais (RERT II), que não se encontrem no território português, em 31 de Dezembro de 2009.

  • Tem documento Em vigor 2011-04-13 - Decreto-Lei 52/2011 - Ministério da Justiça

    Altera o Regulamento das Custas Processuais, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 34/2008, de 26 de Fevereiro, e o Código de Processo Civil.

  • Tem documento Em vigor 2012-02-13 - Lei 7/2012 - Assembleia da República

  • Tem documento Em vigor 2012-12-31 - Lei 66-B/2012 - Assembleia da República

    Aprova o Orçamento do Estado para o ano de 2013.

  • Tem documento Em vigor 2013-08-30 - Decreto-Lei 126/2013 - Ministério da Justiça

    Procede à alteração (oitava alteração) do Decreto-Lei n.º 34/2008, de 26 de fevereiro, que aprova o Regulamento das Custas Processuais.

Ligações para este documento

Este documento é referido nos seguintes documentos (apenas ligações a partir de documentos da Série I do DR):

  • Tem documento Em vigor 2017-03-08 - Acórdão do Tribunal Constitucional 33/2017 - Tribunal Constitucional

    Declara, com força obrigatória geral, a inconstitucionalidade da norma que impede a fixação de remuneração de perito em montante superior ao limite de 10 UC, interpretativamente extraída dos n.os 2 e 4 do artigo 17.º do Regulamento das Custas Processuais em conjugação com a sua tabela IV

Aviso

NOTA IMPORTANTE - a consulta deste documento não substitui a leitura do Diário da República correspondente. Não nos responsabilizamos por quaisquer incorrecções produzidas na transcrição do original para este formato.

O URL desta página é:

Clínica Internacional de Campo de Ourique
Pub

Outros Sites

Visite os nossos laboratórios, onde desenvolvemos pequenas aplicações que podem ser úteis:


Simulador de Parlamento


Desvalorização da Moeda