de 2 de Maio
Lei de Bases da Prevenção e da Reabilitação e Integração das Pessoas
com Deficiência
A Assembleia da República decreta, nos termos dos artigos 164.º, alínea d), e 169.º, n.º 2, da Constituição, o seguinte:
CAPÍTULO I
Disposições gerais
Artigo 1.º
Objectivos
A presente lei visa promover e garantir o exercício dos direitos que a Constituição da República Portuguesa consagra nos domínios da prevenção da deficiência, do tratamento, da reabilitação e da equiparação de oportunidades da pessoa com deficiência.
Artigo 2.º
Conceito da pessoa com deficiência
1 - Considera-se pessoa com deficiência aquela que, por motivo de perda ou anomalia, congénita ou adquirida, de estrutura ou função psicológica, intelectual, fisiológica ou anatómica susceptível de provocar restrições de capacidade, pode estar considerada em situações de desvantagem para o exercício de actividades consideradas normais tendo em conta a idade, o sexo e os factores sócio-culturais dominantes.2 - As pessoas com deficiência não constituem grupos homogéneos, pelo que exigem a definição de respostas específicas que vão ao encontro das suas necessidades diferenciadas e identificáveis.
3 - A identificação da situação de deficiência e consequente orientação e encaminhamento decorrem de um diagnóstico precoce, que tem carácter multidisciplinar.
Artigo 3.º
Conceito de reabilitação
1 - A reabilitação é um processo global e contínuo destinado a corrigir a deficiência e a conservar, a desenvolver ou a restabelecer as aptidões e capacidades da pessoa para o exercício de uma actividade considerada normal.2 - O processo de reabilitação envolve o aconselhamento e a orientação individual e familiar, pressupondo a cooperação dos profissionais aos vários níveis sectoriais e o empenhamento da comunidade.
CAPÍTULO II
Da política de reabilitação
Artigo 4.º
Princípios fundamentais
1 - A política de reabilitação obedece aos princípios da universalidade, da globalidade, da integração, da coordenação, da igualdade de oportunidades, da participação, da informação e da solidariedade.2 - A universalidade pressupõe que se encontrem formas adequadas de resposta às necessidades de todas as pessoas com deficiência, independentemente do tipo e grau de deficiência, da sua situação económica e social e da zona geográfica onde residam.
3 - A globalidade implica que a reabilitação seja um processo contínuo de respostas ao mesmo tempo sucessivas e simultâneas, de modo a respeitar o processo de evolução da pessoa e das suas necessidades.
4 - A integração traduz-se na assunção, por parte de cada departamento governamental, da responsabilidade por toda a população a que a sua política se dirige e pela adopção das medidas diferenciadas que a situação das pessoas com deficiência exige.
5 - A coordenação decorre da necessidade de uma estreita articulação entre todos os intervenientes no processo de reabilitação e de harmonização das medidas adoptadas.
6 - A equiparação de oportunidades impõe que se eliminem todas as discriminações em função da deficiência e que o ambiente físico, os serviços sociais e de saúde, a educação e o trabalho, a vida cultural e social em geral se tornem acessíveis a todos.
7 - A participação obriga à intervenção das pessoas com deficiência, através das suas organizações, na definição da política de reabilitação e na preparação das medidas dela decorrentes.
8 - A informação exige não só que a pessoa com deficiência e a sua família sejam permanentemente esclarecidas sobre os direitos que lhes assistem e as estruturas existentes vocacionadas para o seu atendimento, mas também que a sociedade em geral seja esclarecida sobre a problemática das pessoas com deficiência.
9 - A solidariedade pressupõe a responsabilização de toda a sociedade na prossecução da política de reabilitação.
CAPÍTULO III
Do processo de reabilitação
Artigo 5.º
Âmbito
O processo de reabilitação compreende medidas diversificadas e complementares nos domínios da prevenção, da reabilitação médico-funcional, da educação especial, da reabilitação psicossocial, do apoio sócio-familiar, da acessibilidade, das ajudas técnicas, da cultura, do desporto e da recreação e outros que visem favorecer a autonomia pessoal, nos termos dos artigos seguintes.
Artigo 6.º
Prevenção
1 - Ao Estado cabe promover, através dos organismos competentes, todas as acções necessárias que visem impedir o aparecimento ou agravamento da deficiência e anular ou atenuar os seus efeitos ou consequências.2 - A prevenção é constituída por um conjunto de medidas plurissectoriais que visam impedir o aparecimento ou agravamento da deficiência e das suas consequências de natureza física, psicológica e social, nomeadamente o planeamento familiar e o aconselhamento genético, os cuidados pré, peri e pós-natais, a educação para a saúde, a higiene e segurança no trabalho, a segurança rodoviária e a segurança no domicílio e nas actividades desportivas e recreativas.
3 - A detecção precoce de malformações, de afecções congénitas ou adquiridas e de deficiências que possam surgir com o avanço na idade visa pesquisar as suas origens, evitar o seu agravamento e anular ou atenuar os seus efeitos.
4 - As medidas de despiste destinam-se a formular um diagnóstico o mais precocemente possível, com vista ao estabelecimento de um programa de tratamento de reabilitação.
Artigo 7.º
Informação e fiscalização
Com vista à realização dos objectivos previstos no artigo anterior compete, nomeadamente, ao Estado:
1) Assegurar a realização de campanhas de informação junto das escolas, com vista à sensibilização dos jovens;
2) Incrementar campanhas de sensibilização da opinião pública para prevenir a sinistralidade por acidentes de viação, nomeadamente através dos órgãos de comunicação social e das escolas de condução, que devem, para o efeito, inserir nos seus programas conhecimentos sobre as causas e as consequências da falta de prevenção na condução;
3) Promover acções de informação e sensibilização da opinião pública para a adopção de comportamentos dissuasores do consumo de álcool, droga e tabaco e ainda da prática de automedicação;
4) Desenvolver campanhas de informação alertando para os perigos de acidentes domésticos e de lazer, designadamente quedas, intoxicações, queimaduras e afogamentos;
5) Assegurar, através dos serviços competentes, acções de fiscalização junto das empresas, com o objectivo de verificar se são observadas as regras mínimas de higiene e segurança no trabalho.
Artigo 8.º
Reabilitação médico-funcional
1 - A reabilitação médico-funcional é uma forma de intervenção programada de natureza médica e médico-educativa, que compreende o diagnóstico e um conjunto de tratamentos e de técnicas especializadas que tendem a reduzir as sequelas do acidente, da doença ou da deficiência, restabelecendo as funções físicas e mentais, valorizando as capacidades remanescentes e restituindo, tão completamente quanto possível, a aptidão de um indivíduo para o exercício da sua actividade.2 - As valências de medicina física e reabilitação serão incrementadas e alargadas, devendo, para o efeito, ser adoptadas as medidas necessárias.
Artigo 9.º
Educação especial
1 - A educação especial é uma modalidade de educação que decorre em todos os níveis do ensino público, particular e cooperativo e que visa o desenvolvimento integral da pessoa com necessidades educativas específicas, bem como a preparação para uma integração plena na vida activa, através de acções dirigidas aos educandos, às famílias, aos educadores, às instituições educativas e às comunidades.2 - Sem prejuízo do disposto no número anterior, devem ser adoptadas as necessárias medidas de integração progressiva dos alunos do ensino especial no sistema normal de ensino.
Artigo 10.º
Reabilitação profissional
1 - A reabilitação profissional tem por objectivo permitir à pessoa com deficiência o exercício de uma actividade profissional e compreende um conjunto de intervenções específicas no domínio da orientação e formação profissional, bem como as medidas que permitam a sua integração quer no mercado normal de emprego quer noutras modalidades alternativas de trabalho.2 - Para efeitos do disposto no número anterior, devem ser adoptadas as medidas necessárias à melhoria da capacidade de resposta das estruturas regulares de formação profissional e do alargamento da rede de estruturas específicas de reabilitação profissional.
Reabilitação psicossocial
A reabilitação psicossocial compreende um conjunto de técnicas específicas integradas no processo contínuo de reabilitação, com vista a desenvolver, conservar ou restabelecer o equilíbrio da pessoa com deficiência e das suas relações afectivas e sociais.
Artigo 12.º
Apoio sócio-familiar
O apoio sócio-familiar destina-se a permitir à pessoa com deficiência os meios que favoreçam a sua autonomia pessoal e independência económica e a sua integração e participação social mais completas, garantindo simultaneamente o adequado apoio às famílias.
Artigo 13.º
Acessibilidade e mobilidade
A acessibilidade visa eliminar as barreiras físicas que dificultam a autonomia e a participação plena na vida social.
Artigo 14.º
Ajudas técnicas
As ajudas técnicas, incluindo as decorrentes de novas tecnologias, destinam-se a compensar a deficiência ou a atenuar-lhe as consequências e a permitir o exercício das actividades quotidianas e a participação na vida escolar, profissional e social.
Artigo 15.º
Cultura, desporto e recreação
A cultura, o desporto e a recreação visam contribuir para o bem-estar pessoal e para o desenvolvimento das capacidades de interacção social.
CAPÍTULO IV
Da responsabilidade do Estado no processo de reabilitação
Artigo 16.º
Intervenção do Estado
1 - O Estado garante a observância dos princípios consagrados na presente lei, em estreita colaboração com as famílias e as organizações não governamentais.2 - Para os efeitos do número anterior, é definida uma política nacional de reabilitação contendo as medidas a adoptar, bem como planos integrados de acção que encontrem desenvolvimento apropriado no âmbito das políticas sectoriais a levar a efeito pelos vários departamentos governamentais.
3 - As medidas sectoriais a definir devem ser efectivadas preferentemente no âmbito dos serviços regulares existentes, sem prejuízo do enquadramento adequado de todas as iniciativas particulares que visem os objectivos da presente lei.
4 - Compete ainda ao Estado a coordenação e articulação de todas as políticas, medidas e acções sectoriais, a nível nacional, regional e local, de modo a assegurar à pessoa com deficiência um atendimento contínuo, nomeadamente na transição entre as fases do processo de reabilitação e de integração.
5 - Para a prossecução do disposto nos números anteriores é assegurado o fomento de acções de informação e sensibilização, de investigação e de formação dos recursos humanos intervenientes no processo de reabilitação.
Artigo 17.º
Relações do Estado com as instituições particulares
1 - O Estado reconhece e valoriza a acção desenvolvida pelas instituições particulares e cooperativas de e para pessoas com deficiência, na prossecução dos objectivos da presente lei.
2 - O Estado, em relação às instituições particulares e cooperativas, promove a compatibilização dos seus fins e actividades com a política nacional definida e garante o cumprimento da lei, defendendo os interesses das pessoas com deficiência.
CAPÍTULO V
Da participação dos sistemas de administração
Artigo 18.º
Serviço de saúde
Os serviços de saúde devem garantir os cuidados de promoção e vigilância da saúde, da prevenção da doença e da deficiência, o despiste e o diagnóstico, a estimulação precoce do tratamento e a reabilitação médico-funcional, assim como o fornecimento, adaptação, manutenção ou renovação dos meios de compensação que forem necessários.
Artigo 19.º
Política de educação
A política de educação deve garantir a integração nos estabelecimentos de ensino ou em instituições especializadas de pessoas com necessidades educativas especiais em condições pedagógicas, humanas e técnicas adequadas.
Artigo 20.º
Sistema de segurança social
O sistema de segurança social deve assegurar a protecção social da pessoa com deficiência através de prestações pecuniárias e modalidades diversificadas de acção social que favoreçam a autonomia pessoal e uma adequada integração na sociedade.
Artigo 21.º
Política de orientação e formação profissional
A política de orientação e formação profissional deve habilitar as pessoas com deficiência à tomada de decisões vocacionais adequadas e prepará-las para o exercício de uma actividade profissional segundo modelos diversificados e englobar o maior número de sectores de actividade económica, tendo em conta as transformações tecnológicas do sistema de produção.
Artigo 22.º
Política de emprego
A política de emprego deve incluir medidas, estímulos e incentivos técnicos e financeiros que favoreçam a integração profissional das pessoas com deficiência no mercado de trabalho e a criação de modalidades alternativas de actividades profissionais.
Artigo 23.º
Sector dos transportes
O sector dos transportes deve adoptar medidas que garantam à pessoa com deficiência o acesso, circulação e utilização da rede de transportes públicos, sem prejuízo de outras modalidades de apoio social.
Artigo 24.º
Regime legal de urbanismo e habitação
1 - O regime legal em matéria de urbanismo e habitação deve ter como um dos seus objectivos facilitar às pessoas com deficiência o acesso à utilização do meio edificado, incluindo os espaços exteriores.
2 - Para efeitos do disposto no número anterior, a legislação aplicável deve ser revista e incluir obrigatoriamente medidas de eliminação das barreiras arquitectónicas.
Artigo 25.º
Sistema fiscal
O sistema fiscal deve consagrar benefícios que possibilitem às pessoas com deficiência a sua plena participação na comunidade.
Artigo 26.º
Política de cultura, desporto e recreação
A política de cultura, desporto e recreação deve criar condições para a participação da pessoa com deficiência.
Artigo 27.º
Orçamentos
Os encargos decorrentes da aplicação desta lei devem ser inscritos nos orçamentos dos respectivos ministérios.
Artigo 28.º
Norma revogatória
É revogada a Lei 6/71, de 8 de Novembro.
Aprovada em 23 de Fevereiro de 1989.
O Presidente da Assembleia da República, Vítor Pereira Crespo.
Promulgada em 14 de Abril de 1989.
Publique-se.O Presidente da República, MÁRIO SOARES.
Referendada em 19 de Abril de 1989.
O Primeiro-Ministro, Aníbal António Cavaco Silva.