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Acórdão 297/2016, de 9 de Junho

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Sumário

Não julga inconstitucional a norma do artigo 52.º da Lei n.º 107/2009, de 14 de setembro, «ao prever um prazo único de cinco anos para a prescrição do procedimento por contraordenação laboral, independentemente da gravidade da infração, do grau de culpa do infrator, da sua capacidade económica ou da moldura aplicável»

Texto do documento

Acórdão 297/2016

Processo 1056/15

Acordam, em Plenário, no Tribunal Constitucional

I - Relatório

1 - Nos presentes autos, vindos do Tribunal Judicial da Comarca de Setúbal - Setúbal - Instância Central - 1.ª Secção do Trabalho - J1, em que é recorrente o MINISTÉRIO PÚBLICO e recorrida ACIONA FACILITY SERVICES, S. A., o primeiro vem interpor recurso obrigatório, ao abrigo do artigo 70.º, n.º 1, alínea a) da Lei 28/82, de 15 de novembro, na sua atual versão (LTC), do acórdão proferido por aquele Tribunal em 22 de outubro de 2015 (cf. fls. 491 a 494) - o qual recusou a aplicação do artigo 52.º da Lei 107/2009, de 14 de setembro,

«

ao prever um prazo único de cinco anos para a prescrição do procedimento por contraordenação laboral ou de segurança social, independentemente da gravidade da infração, do grau de culpa do infrator, da sua capacidade económica ou da moldura aplicável, por violação do princípio da proporcionalidade ínsito no artigo 18.º, n.º 2 da Constituição

»

(cf. fls. 493) e, em consequência, aplicou a regra geral do artigo 27.º do Regime Geral das Contra Ordenações (Decreto-Lei 433/82, de 27 de outubro, na redação conferida, em último lugar, pela Lei 109/2001, de 24 de dezembro) e declarou a prescrição do procedimento com a consequente extinção da responsabilidade da arguida (e ora recorrida) pelas quatro contraordenações que lhe foram imputadas (cf. fls. 493-verso).

2 - Dos documentos juntos aos autos tem-se por assente, com rele-vância para a decisão, o seguinte.

2.1 - Por decisão de 1 de junho de 2015 a Autoridade para as Condições de Trabalho (ACT), no âmbito de processo contraordenacional laboral por factos ocorridos entre agosto de 2010 e 21 de março de 2011, imputou à empresa arguida e ora recorrida quatro contraordenações graves, com mera negligência, por violação, respetivamente, dos artigos 246.º, n.º 1, 268.º, n.º 1 (versão original), 233.º, n.º 1, e 202.º, n.º 1, todos do Código do Trabalho, aplicando uma coima no valor de € 5.100,00 (cinco mil e cem euros) (cf. fls. 421).

2.2 - A arguida e ora recorrida impugnou judicialmente a decisão da ACT, tendo o Tribunal que proferiu a decisão ora recorrida recusado a aplicação do artigo 52.º da Lei 107/2009, de 14 de setembro, e, em consequência, aplicado a regra geral do artigo 27.º do Regime Geral das Contraordenações (RGCO), conjugada com o artigo 28.º, n.º 3, do mesmo, declarando a prescrição do procedimento com a consequente extinção da responsabilidade da arguida (e ora recorrida) pelas quatro contraordenações que lhe foram imputadas (cf. fls. 493 e 493-verso).

A sentença ora recorrida tem a seguinte fundamentação:

«

[...] Recebo a impugnação judicial, com efeito suspensivo, face ao depósito da coima e das custas (fs. 488) - artigo 35.º n.º 2 da Lei 107/2009, de 14 de setembro.

***

Da prescrição do procedimento:

O artigo 27.º do RGCO (DL 433/82, de 27 de outubro), na redação da Lei 109/2001, de 24 de dezembro, estabeleceu três prazos de prescrição do procedimento por contraordenação, de acordo com uma hierarquia de gravidade da infração:

cinco anos, quando se trate de contraordenação a que seja aplicável uma coima de montante máximo igualou superior a € 49.879,79; três anos, quando se trate de contraordenação a que seja aplicável uma coima de montante máximo igualou superior a € 2.493,99 e inferior a € 49.879,79; e um ano, nos restantes casos.

Sucede que, no domínio das contraordenações laborais e de segurança social, o artigo 52.º da Lei 107/2009, de 14 de setembro, não cuidou de estabelecer uma diferenciação de prazos de prescrição, adequada à gravidade da infração. Simplesmente estabeleceu um prazo único de prescrição para esta categoria de contraordenações, de cinco anos.

Este Tribunal interroga-se acerca da conformidade constitucional desta solução, nomeadamente quanto ao princípio da proporcionalidade, ínsito no artigo 18.º n.º 2 da Lei Fundamental.

O Tribunal Constitucional vem afirmando consistentemente que o legislador dispõe de uma ampla margem de decisão quanto à fixação legal dos montantes das coimas a aplicar, citando-se, por paradigmático, o Acórdão 574/95:

«

Quanto ao princípio da proporcionalidade das sanções, tem, antes de mais, que advertir-se que o Tribunal só deve censurar as soluções legislativas que cominem sanções que sejam desnecessárias, inadequadas ou manifesta e claramente excessivas, pois tal o proíbe o artigo 18.º, n.º 2, da Constituição. Se o Tribunal fosse além disso, estaria a julgar a bondade da própria solução legislativa, invadindo indevidamente a esfera do legislador que, aí, há de gozar de uma razoável liberdade de conformação [cf., identicamente, os acórdãos n.os 13/95 (Diário da República, 2.ª série, de 9 de fevereiro de 1995) e 83/95 (Diário da República, 2.ª série, de 16 de junho de 1995)], até porque a necessidade que, no tocante às penas criminais é - no dizer de FIGUEIREDO DIAS (Direito Penal II, 1988, policopiado, página 271) - “uma conditio iuris sine qua non de legitimação da pena nos quadros de um Estado de Direito democrático e social”, aqui, não faz exigências tão fortes.

De facto, no ilícito de mera ordenação social, as sanções não têm a mesma carga de desvalor ético que as penas criminais - para além de que, para a punição, assumem particular relevo razões de pura utilidade e estratégia social

»

- o sublinhado é da nossa responsabilidade.

Reforçando esta jurisprudência, veja-se mais recentemente o Acórdão 360/2011, o qual afirma a dado passo o seguinte:

«

[...] o legislador ordinário, na área do direito de mera ordenação social, goza de ampla liberdade de fixação dos montantes das coimas aplicáveis, devendo o Tribunal Constitucional apenas emitir um juízo de censura, relativamente às soluções legislativas que cominem sanções que sejam manifesta e claramente desadequadas à gravidade dos comportamentos sancionados. Se o Tribunal fosse além disso, estaria a julgar a bondade da própria solução legislativa, invadindo indevidamente a esfera do legislador que, neste campo, há de gozar de uma confortável liberdade de conformação, ainda que ressalvando que tal liberdade de definição de limites cessa em casos de manifesta e flagrante desproporcional idade

»

- de novo, o sublinhado é da nossa responsabilidade.

Aceitando em pleno esta orientação jurisprudencial, consideramos, no entanto, que a solução legislativa adotada no artigo 52.º da Lei 107/2009, de 14 de setembro, ao estabelecer um prazo único de cinco anos para prescrição do procedimento por contraordenação laboral ou de segurança social, independentemente da gravidade da infração ou da moldura da coima aplicável, revela-se desnecessária, inadequada ou manifestamente excessiva, para cumprir os objetivos de censura dos diversos factos ilícitos que ocorrem naqueles campos e de proteção dos interesses legalmente protegidos.

Note-se que o artigo 553.º do Código do Trabalho prevê que as contraordenações laborais se classificam em leves, graves e muito graves, enquanto o artigo 554.º n.º 1 determina que a cada escalão de gravidade das contraordenações laborais corresponde uma coima variável em função do volume de negócios da empresa e do grau de culpa do infrator.

Daí que os n.os 2, 3 e 4 do referido artigo 554.º do Código do Trabalho estabeleçam diferentes molduras de coima conforme o volume de negócios da empresa, a gravidade da infração e o grau de culpa do infrator, podendo tais molduras variar entre 2 UC e 5 UC (contra-ordenações leves praticadas por empresa com volume de negócios inferior a € 10.000.000,00, em caso de negligência), ou entre 55 UC e 95 UC (contraordenações graves praticadas por empresa com volume de negócios igualou superior a € 10.000.000,00, em caso de dolo), ou entre 300 UC e 600 UC (contraordenações muito graves praticadas por empresa com volume de negócios igualou superior a € 10.000.000,00, em caso de dolo).

Por outro lado, os valores máximos das coimas aplicáveis a contraordenações muito graves são elevados para o dobro em situação de violação de normas sobre o trabalho de menores, segurança e saúde no trabalho, direitos de estruturas de representação coletiva dos trabalhadores e direito à greve (artigo 556.º do Código do Trabalho). E em caso de reincidência, os limites mínimo e máximo da coima são elevados em um terço de valor, não podendo esta ser inferior ao valor da coima aplicada pela contraordenação anterior desde que os limites mínimo e máximo desta sejam superiores aos daquela (artigo 561.º n.” 2 do Código do Trabalho).

Já no domínio das contraordenações laborais praticadas por agente que não tenha trabalhadores ao serviço ou, sendo pessoa singular, não exerça uma atividade com fins lucrativos, o artigo 555.º do Código do Trabalho estabelece molduras de coima ligeiras, variando entre 1 UC e 2 UC (contraordenação leve negligente) e 25 UC e 50 UC (contraordenação muito grave dolosa).

Quanto às contraordenações da segurança social, o artigo 232.º do Código dos Regimes Contributivos do Sistema Previdencial de Segurança Social também as classifica em leves, graves e muito graves, enquanto o artigo 233.º estabelece molduras diversas, adequadas à gravidade da infração e ao grau de culpa do infrator, podendo variar entre € 50,00 e € 250,00 (contraordenação leve negligente), entre € 600,00 a € 2.400,00 (contraordenação grave dolosa), ou entre € 2.500,00 e € 12.500,00 (contraordenação muito grave dolosa). Por outro lado, estes limites mínimos e máximos são elevados em 50 ou 100, nos casos especiais previstos no n.º 4 daquele artigo 233.º do Código Contributivo.

Deste quadro legal, que resumidamente se traçou, é notório que o legislador se preocupou em estabelecer um quadro sancionatório proporcionado e equilibrado, procurando adequar as molduras das coimas quer à gravidade da infração, quer ao grau de culpa do infrator, quer à própria dimensão económica do infrator.

Mas, no que concerne ao prazo de prescrição do respetivo procedimento, o legislador já não teve a mesma preocupação. Quer esteja em causa uma contraordenação leve negligente praticada por pessoa singular que não exerce atividade com fins lucrativos, em que a moldura varia apenas entre 1 UC e 2 UC (artigo 555.º n.º 2 do Código do Trabalho), quer esteja em causa uma contraordenação muito grave dolosa, praticada por empresa com volume de negócios superior a € 10.000.000,00, em situação de violação de normas sobre trabalho de menores, segurança e saúde no trabalho, direitos de estruturas de representação coletiva dos trabalhadores e direito à greve, em que a moldura varia entre 300 UC e 1.200 UC (arts. 554.º n.º 4 alínea e) e 556.º n.º 1 do Código do Trabalho), a resposta do artigo 52.º da Lei 107/2009, de]4 de setembro. é única:

sendo a moldura da coima de 1 UC a 2 UC, ou de 300 UC a 1.200 UC, a prescrição do procedimento ocorre em ambos os casos em cinco anos.

Pois bem, em termos de política legislativa e de censura de factos ilícitos censuráveis, não se compreende a ambivalência do legislador, que estabelece diferentes molduras de coima, de acordo com critérios equilibrados e aceitáveis (poder económico do infrator, gravidade da infração e grau de culpa), mas já no que concerne ao prazo de prescrição do procedimento por contraordenação, coloca no mesmo patamar, quer as ninharias infraccionais, quer as infrações muito graves violadores de direitos especialmente relevantes dos trabalhadores (por exemplo, no domínio da segurança e saúde no trabalho), praticadas por infratores com forte poder económico.

No fundo, a solução adotada pelo artigo 52.º da Lei 107/2009, para além de premiar (ou potenciar) a inércia da administração (imobili-zando os processos de contraordenação durante anos e anos, ainda na fase administrativa), coloca em situação de desfavor os infratores de menor poder económico e os agentes de infrações de menor desvalor ético.

Acresce que esta solução, em termos de política legislativa, mostra-se claramente desequilibrada, em comparação com os prazos de prescrição do procedimento criminal. Na verdade, o artigo 118.º n.º 1 do Código Penal prevê um prazo de prescrição do procedimento criminal de apenas dois anos para crimes puníveis com pena de prisão de limite máximo inferior a 1 ano, ou mera multa, elevando esse prazo para cinco anos, no caso de crimes puníveis com pena de prisão cujo limite máximo Seja igualou superior a 1 ano, mas inferior a 5 anos.

Ou seja, confrontando o artigo 118.º n.º 1 alínea d) do Código Penal e o artigo 52.º da Lei 107/2009, de 14 de setembro, teremos que um crime punível com pena de prisão inferior a um ano ou mera multa, tem um prazo de prescrição do respetivo procedimento de apenas dois anos, enquanto a contraordenação leve, negligente e praticada por pessoa singular que não exerce uma atividade com fins lucrativos, com uma moldura de coima de apenas 1 UC a 2 UC, tem um prazo de prescrição do procedimento de cinco anos Cremos, pois, ter demonstrado claramente o absurdo da solução legislativa contida no aludido artigo 52.º da Lei 107/2009, de 14 de setembro, a qual se revela, em nossa opinião, desnecessária, inadequada e manifestamente excessiva, afrontando assim o princípio da proporcionalidade ínsito no artigo 18.º n.º 2 da Constituição.

Recuso, pois, a aplicação do artigo 52.º da Lei 107/2009, de 14 de setembro, ao prever um prazo único de cinco anos para a prescrição do procedimento por contraordenação laboral ou de segurança social, independentemente da gravidade da infração, do grau de culpa do infrator, da sua capacidade económica ou da moldura aplicável, por violação do princípio da proporcionalidade ínsito no artigo 18.º n.º 2 da Constituição.

Em consequência da recusa de aplicação da aludida norma, é aplicável a regra geral do artigo 27.º do RGCO (DL 433/82, de 27 de outubro), na redação da Lei 109/2001, de 24 de dezembro.

Vejamos, então, as consequências deste enquadramento para a À arguida Aciona Facility Services, S. A., estão imputadas as sedecisão do caso. guintes infrações:

- uma contraordenação grave, com mera negligência, por violação do artigo 246.º n.º 1 do Código do Trabalho;

- outra contraordenação grave, com mera negligência, por violação do artigo 268.º n.º 1 do Código do Trabalho, versão original;

- outra contraordenação grave, com mera negligência, por violação do artigo 233.º n.º 1 do Código do Trabalho; e, - outra contraordenação grave, também com mera negligência, por violação do artigo 202.º n.º 1 do Código do Trabalho.

A moldura da coima aplicável a cada uma das infrações é de € 1.204,00 a € 2.550,00 (artigo 554.º n.º 3 alínea d) do Código do Tra-balho), 1 os factos ocorreram entre agosto de 2010 e 21.03.2011.

O auto de notícia foi levantado em 24.08.2011, a defesa da arguida oferecida por registo postal de 11.10.2011, as testemunhas arroladas pela arguida na fase administrativa foram inquiridas pela autoridade recorrida em 17.11.2014, e a respetiva decisão proferida em 01.06.2015.

Por seu turno, a arguida ofereceu a sua impugnação judicial em 06.07.2015 e os autos foram recebidos neste Tribunal em 19.10.2015.

Do cotejo destas datas resulta não apenas que, entre 11.10.2011 e 17.11.2014 decorreram mais de três anos consecutivos, como em 21.09.2015 foram atingidos quatro anos e meio desde a última infração. Aplicando o prazo de prescrição do procedimento de três anos previsto no artigo 27.º alínea b) do ROCO (DL 433/82, de 27 de outubro), na redação da Lei 109/2001, de 24 de dezembro, o qual, mercê das interrupções legais, tem sempre lugar logo que decorrido o prazo de prescrição acrescido de metade (artigo 28.º n.º 3 do dito ROCO), e ponderando, ainda, que não ocorreram quaisquer outras causas de suspensão do prazo (artigo 27.º-A do ROCO), declaro a prescrição do procedimento no dia 11.10.2014, com a consequente extinção da responsabilidade da arguida pelas quatro contraordenações que lhe foram imputadas.

[...]

»

3 - Desta sentença foi interposto, pelo Ministério Público, recurso obrigatório para este Tribunal, com o seguinte teor (cf. fls. 497-verso):

«

O Ministério Público junto deste Tribunal, notificado da decisão de 22/10/2015 que considerou inconstitucional a norma contida no artigo 52.º da Lei 107/2009 de 14 setembro (ao prever um prazo único de cinco anos para a prescrição do procedimento por contraordenação laboral ou de segurança social, independentemente da gravidade da infração, do grau de culpa do infrator, da sua capacidade económica ou da moldura aplicável) por violação do princípio da proporcionalidade ínsito no artigo 18.º, n.º 2 da Constituição vem, ao abrigo do disposto nos artsº 280.º, n.º 1, alínea a) e n.º 3 da Constituição da República Portuguesa, 70.º, n.º 1, alínea a) da Lei 28/82 de 15/11 e com a legitimidade que lhe é conferida pelo artigo 72.º, n.º 1, alínea a) e n.º 3 da mesma Lei, dela interpor recurso obrigatório para o Tribunal Constitucional.

»

.

4 - O requerimento de recurso para este Tribunal foi admitido por despacho do Tribunal a quo de fls. 499.

5 - Tendo sido determinado que o julgamento do processo tenha lugar com intervenção do Plenário ao abrigo do disposto no artigo 79.º-A da LTC (cf. despacho de 9/12/2015, a fls. 504), foi proferido despacho para apresentação de alegações (cf. despacho de 16/12/2015, a fls. 506).

6 - O recorrente Ministério Público apresentou alegações, concluindo no sentido de ser concedido provimento ao recurso (cf. fls. 508-522), nos termos seguintes (cf. fls. 521-522):

«

[...] 3. Conclusão 1 - Numa jurisprudência uniforme e constante o Tribunal Constitucional tem entendido que o legislador ordinário goza de uma ampla liberdade de conformação, na definição de crimes e fixação de penas, sendo de considerar violado o princípio de proporcionalidade (artigo 18.º, n.º 2, da Constituição), apenas quando a sanção se apresente como manifesta e ostensivamente excessiva.

2 - Em direito sancionatório, essa ampla liberdade de legislador ordinário só pode ser maior, quando exercida fora do âmbito criminal, como é o caso do direito de mera ordenação social.

3 - Assim, o legislador ordinário, no caso a Assembleia da República, goza de uma liberdade reforçada, quer no que respeita à tipificação como contraordenação de certas condutas, quer à fixação da respetiva coima, quer na modelação de aspetos específicos do regime, como o da extinção da responsabilidade, por prescrição.

4 - Decorre da jurisprudência do Tribunal Constitucional que, quanto à prescrição - mesmo em matéria penal-, a única exigência que, eventualmente, se poderá retirar da Constituição é a da proibição da imprescritibilidade.

5 - Assim, a norma do artigo 52.º da Lei 107/2009, de 14 de setembro, enquanto prevê um prazo único de cinco anos para a prescrição do procedimento por contraordenação laboral, independentemente do valor da coima aplicável à infração, não viola o princípio da proporcionalidade (artigo 18.º, n.º 2, da Constituição), não sendo, por isso, inconstitucional.

6 - Aliás, o prazo único de cinco anos para a prescrição do procedimento contraordenacional, independentemente do valor da coima abstratamente aplicável à infração, está previsto em diversos diplomas legais.

7 - Assim ocorre, por exemplo:

no Regime Geral das Infrações Tributárias (artigo 33.º); em parte na LeiQuadro das Contraordenações Ambientais (artigo 40.º, n.º s 1 e 2); no Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras (artigo 209.º, n.º 1); no Código dos Valores Mobiliários (artigo 418.º, n.º 1). No Código da Estrada também está previsto um prazo fixo, mas de dois anos (artigo 188.º, n.º 1). 8 - Termos em que deve conceder-se provimento ao recurso.

»

7 - Decorrido o prazo para o efeito, a recorrida ACIONA FACILITY SERVICES, S. A. não contraalegou (cf. cota de fls. 524).

Cumpre apreciar e decidir.

II - Fundamentação A) Da delimitação do objeto do recurso

8 - O presente recurso tem por objeto um pedido de apreciação da constitucionalidade da norma (dimensão normativa) do artigo 52.º da Lei 107/2009, de 14 de setembro,

«

ao prever um prazo único de cinco anos para a prescrição do procedimento por contraordenação laboral ou de segurança social, independentemente da gravidade da infração, do grau de culpa do infrator, da sua capacidade económica ou da moldura aplicável

»

- cuja aplicação foi recusada pelo Tribunal a quo com fundamento na violação do princípio da proporcionalidade ínsito no artigo 18.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa (CRP).

O enunciado da dimensão normativa cuja aplicação foi recusada pela decisão recorrida, bem como, correlativamente, o enunciado da dimensão normativa efetuado no requerimento de interposição de recurso, reportam-se à norma do artigo 52.º da Lei 107/2009, de 14 de setembro, com expressa referência à previsão de

«

[...] um prazo único de cinco anos para a prescrição do procedimento por contraordenação laboral ou de segurança social [...]

»

(cf. decisão recorrida, fls. 493-493 verso e requerimento de interposição de recurso, fls. 497-verso - supra, I, 2.2 e 3) - de acordo, aliás, com o teor literal do preceito. Todavia verifica-se que, in casu, estão em causa tão só contraordenações laborais (e não de segurança social), pelo que apenas releva, enquanto ratio da decisão recorrida, a parte do enunciado da norma (dimensão normativa) que respeita ao prazo único de prescrição do procedimento por contraordenação laboral, assim se procedendo à correspondente delimitação do objeto do recurso.

B) Do mérito

9 - A norma do artigo 52.º da Lei 107/2009, de 14 de setembro (modificada pela Lei 63/2013, de 27 de agosto) - a qual aprovou o regime processual aplicável às contraordenações laborais e de segurança social-, ora sindicada, tem o seguinte teor:

«
Artigo 52.º

Prescrição do procedimento

Sem prejuízo das causas de suspensão e interrupção da prescrição previstas no regime geral das contraordenações, o procedimento extingue-se por efeito da prescrição logo que sobre a prática da contraordenação hajam decorrido cinco anos

»

. A norma em causa, desaplicada pela decisão recorrida, inscreve-se no quadro do regime processual aplicável às contraordenações laborais e de segurança social e, assim, no domínio mais vasto do direito sancionatório não penal e do regime processual aplicável ao ilícito de mera ordenação social.

9.1 - O regime substantivo das contraordenações laborais - as que estão em causa nos presentes autos - encontra-se regulado no Código do Trabalho vigente (aprovado pela Lei 7/2009, de 12 de fevereiro, com as últimas alterações introduzidas pela Lei 8/2016, de 1 de abril (CT 2009), aplicando-se, subsidiariamente, o referido Regime Geral das Contraordenações (cf. artigo 549.º do CT 2009).

Anteriormente, a matéria das contraordenações laborais fora regulada em lei própria (Lei 166/99, de 4 de agosto) e, a partir da entrada em vigor da Lei 99/2003, de 27 de agosto, passou a constar do Código do Trabalho então aprovado (CT 2003).

Em conformidade com o disposto no artigo 1.º do RGCO, segundo o qual

«

Constitui contraordenação todo o facto ilícito e censurável que preencha um tipo legal no qual se comine uma coima

»

, dispõe especificamente o artigo 548.º do Código do Trabalho vigente, que constitui contraordenação laboral o facto típico, ilícito e censurável que consubstancie a violação de uma norma que consagre direitos ou imponha deveres a qualquer sujeito no âmbito da relação laboral e que seja punível com coima.

Nos termos do RGCO (artigo 8.º, n.º 1), apenas são puníveis os factos praticados com dolo, ficando a punibilidade dos factos praticados com negligência dependentes de expressa previsão legal. Ora, a punibilidade da contraordenação laboral a título de negligência é expressamente consagrada no artigo 550.º do CT 2009, aqui se dispondo que a negligência nas contraordenações laborais é sempre punível.

Prevê a lei diferentes escalões de gravidade das contraordenações laborais:

tendo em conta a relevância dos interesses violados, as contraordenações laborais classificam-se em leves, graves e muito graves (artigo 553.º do CT 2009).

O RGCO estabelece limites mínimos e máximos para os montantes das coimas aplicáveis (artigo 17.º do RGCO), sendo o montante mínimo da coima aplicável às pessoas singulares de € 3,74 e o máximo de € 3740,98 e sendo o montante máximo da coima aplicável às pessoas coletivas de € 44891,81, com a ressalva de tais valores máximos se mostrarem reduzidos a metade (isto é, € 1870,49 e € 22445,91, respetivamente), em caso de negligência. Isto, sem prejuízo de o contrário resultar de lei. Já a determinação da medida da coima faz-se em função da gravidade da contraordenação, da culpa, da situação económica do agente e do benefício económico que este retirou da prática da contraordenação (artigo 18.º, n.º 1, do RGCO).

O atual Código do Trabalho prevê regras específicas quanto aos valores das coimas.

Para a determinação da medida da coima (artigo 554.º, n.º 1, do CT 2009), o legislador fixou como regra que a cada escalão de gravidade das contraordenações laborais corresponde uma coima variável em função do volume de negócios da empresa e do grau da culpa do infrator (distinguindo-se, a este último respeito, as contraordenações praticadas com dolo ou negligência).

Os limites estabelecidos para as coimas a aplicar no domínio das relações laborais constam dos n.os 2 a 4 do mesmo artigo 554.º:

«
Artigo 554.º

(Valores das coimas)

1 - [...] 2 - Os limites mínimo e máximo das coimas correspondentes a contraordenação leve são os seguintes:

a) Se praticada por empresa com volume de negócios inferior a (euro) 10 000 000, de 2 UC a 5 UC em caso de negligência e de 6 UC a 9 UC em caso de dolo;

b) Se praticada por empresa com volume de negócios igual ou superior a (euro) 10 000 000, de 6 UC a 9 UC em caso de negligência e de 10 UC a 15 UC em caso de dolo.

3 - Os limites mínimo e máximo das coimas correspondentes a contraordenação grave são os seguintes:

a) Se praticada por empresa com volume de negócios inferior a (euro) 500 000, de 6 UC a 12 UC em caso de negligência e de 13 UC a 26 UC em caso de dolo;

b) Se praticada por empresa com volume de negócios igual ou superior a (euro) 500 000 e inferior a (euro) 2 500 000, de 7 UC a 14 UC em caso de negligência e de 15 UC a 40 UC em caso de dolo;

c) Se praticada por empresa com volume de negócios igual ou superior a (euro) 2 500 000 e inferior a (euro) 5 000 000, de 10 UC a 20 UC em caso de negligência e de 21 UC a 45 UC em caso de dolo;

d) Se praticada por empresa com volume de negócios igual ou superior a (euro) 5 000 000 e inferior a (euro) 10 000 000, de 12 UC a 25 UC em caso de negligência e de 26 UC a 50 UC em caso de dolo;

e) Se praticada por empresa com volume de negócios igual ou superior a (euro) 10 000 000, de 15 UC a 40 UC em caso de negligência e de 55 UC a 95 UC em caso de dolo.

4 - Os limites mínimo e máximo das coimas correspondentes a contraordenação muito grave são os seguintes:

a) Se praticada por empresa com volume de negócios inferior a (euro) 500 000, de 20 UC a 40 UC em caso de negligência e de 45 UC a 95 UC em caso de dolo;

b) Se praticada por empresa com volume de negócios igual ou superior a (euro) 500 000 e inferior a (euro) 2 500 000, de 32 UC a 80 UC em caso de negligência e de 85 UC a 190 UC em caso de dolo;

c) Se praticada por empresa com volume de negócios igual ou superior a (euro) 2 500 000 e inferior a (euro) 5 000 000, de 42 UC a 120 UC em caso de negligência e de 120 UC a 280 UC em caso de dolo;

d) Se praticada por empresa com volume de negócios igual ou superior a (euro) 5 000 000 e inferior a (euro) 10 000 000, de 55 UC a 140 UC em caso de negligência e de 145 UC a 400 UC em caso de dolo;

e) Se praticada por empresa com volume de negócios igual ou superior a (euro) 10 000 000, de 90 UC a 300 UC em caso de negligência e de 300 UC a 600 UC em caso de dolo. [...]

»

.

A lei estabelece outros valores (menos elevados) para as coimas a aplicar nos casos em que o agente não tenha trabalhadores ao serviço ou, sendo pessoa singular, não exerça uma atividade com fins lucrativos, cuja variação depende do grau de culpa do infrator (artigo 555.º do CT 2009). Por outro lado, e especificamente quanto aos valores máximos das coimas aplicáveis a contraordenações muito graves, estabelece-se o agravamento para o dobro em situação de violação de normas sobre trabalho de menores, segurança e saúde no trabalho, direitos de estruturas de representação coletiva dos trabalhadores e direito à greve (artigo 556.º do CT 2009). Em caso de reincidência os limites mínimos e máximos da coima são elevados em um terço (artigo 561.º, n.º 2, do CT 2009).

9.2 - O regime processual das contraordenações laborais - cuja disciplina se manteve regulada nos artigos 630.º a 640.º do anterior Código do Trabalho (CT 2003), aprovado pela Lei 99/2003, de 27 de agosto, até à entrada em vigor, em 1 de outubro de 2009, da Lei 107/2009, de 14 de setembro - é hoje (e desde a referida data) objeto de diploma autónomo:

a citada Lei 107/2009. O mesmo se diga quanto ao regime processual das contraordenações de segurança social.

Com efeito, de acordo com a Exposição de Motivos que integrou a respetiva proposta de lei (PROPOSTA DE LEI 282/X/4.ª), o novo regime legal veio regular autonomamente a matéria processual das contraordenações laborais, cuja disciplina substantiva consta do Código do Trabalho, unificando, do mesmo passo, o regime processual aplicável às contraordenações laborais e de segurança social. Como se lê na citada Exposição de Motivos (disponível em www.parlamento.pt/ atividade parlamentar),

«

impõe-se alterar o regime processual aplicável às contraordenações laborais e de segurança social, simplificar e tornar comum a respetiva tramitação, adequando-a ao regime substantivo de contraordenações recentemente estabelecido no Código do Trabalho

»

. Os objetivos prosseguidos são, fundamentalmente, a simplificação dos procedimentos (instituindo-se um regime processual comum para as contraordenações laborais e de segurança social) e a criação de condições para uma maior eficácia da ação fiscalizadora cometida à Autoridade para as Condições de Trabalho e aos serviços do Instituto da Segurança Social, I. P. (ISS, I. P.).

A Lei 107/2009, de 14 de setembro, aprovou, assim, o regime processual aplicável às contraordenações laborais e de segurança social. O regime contido nesta Lei 107/2009 vigora hoje com as alterações - não relevantes na matéria que nos ocupa - introduzidas pela Lei 63/2013, de 27 de agosto.

Subsidiariamente, são aplicáveis ao processamento das contraordenações laborais e de segurança social, com as necessárias adaptações, e desde que o contrário não resulte da lei, os preceitos reguladores do processo de contraordenações previstos no Regime Geral das Contraordenações (artigo 60.º da Lei 107/2009, de 14 de setembro).

9.3 - Do novo regime processual das contraordenações laborais e de segurança social, releva a previsão, plasmada no artigo 52.º da Lei 107/2009, de 14 de setembro, de um prazo único de cinco anos para a prescrição dos procedimentos de contraordenação.

No domínio das contraordenações laborais tal constitui uma inovação, pois representa o alargamento do prazo de prescrição aplicável aos procedimentos de contraordenação para cinco anos - quando os prazos anteriores eram de um, três e cinco anos-, com vista a permitir às entidades competentes, na perspetiva do legislador, a conclusão dos procedimentos dentro de um prazo mais adequado em face da complexidade e volume das infrações. Isto, na medida em que o regime processual anterior, plasmado nos artigos 630.º a 640.º do CT 2003, seguia, nesta matéria, o Regime Geral das Contraordenações.

Já no domínio das contraordenações de segurança social, cujo regime substantivo se encontra regulado no Código dos Regimes Contributivos do Sistema Previdencial de Segurança Social (aprovado pela Lei 110/2009, de 16 de setembro, e sucessivas alterações (CRCSPSS)), a opção plasmada no artigo 52.º da Lei 107/2009, de 14 de setembro não diverge do estabelecido no artigo 245.º daquele Código, que determina, quanto à prescrição do procedimento, que, sem prejuízo das causas de suspensão e interrupção da prescrição previstas no regime geral das contraordenações, o procedimento por contraordenação extingue-se, por efeito da prescrição, logo que sobre a prática da contraordenação hajam decorrido cinco anos.

Em todo o caso, a solução normativa contida no artigo 52.º da Lei 107/2009, de 14 de setembro - estabelecendo um único prazo de prescrição para todos os procedimentos contraordenacionais nos domínios laboral e de segurança social - é efetivamente diversa da solução consagrada no Regime Geral das Contraordenações - o qual prevê, no seu artigo 27.º, três prazos de distintos de prescrição quanto ao procedimento contraordenacional em razão do montante da coima aplicável à contraordenação em causa.

Segundo esta disposição do RGCO, o procedimento por contraordenação extingue-se por efeito da prescrição logo que sobre a prática da contraordenação hajam decorrido os seguintes prazos:

«

a) Cinco anos, quando se trate de contraordenação a que seja aplicável uma coima de montante máximo igual ou superior a (euro) 49879,79;

b) Três anos, quando se trate de contraordenação a que seja aplicável uma coima de montante igual ou superior a (euro) 2493,99 e inferior a (euro) 49879,79;

c) Um ano, nos restantes casos.

»

Já o artigo 52.º da Lei 107/2009, de 14 de setembro - cuja aplicação foi recusada, por razões de constitucionalidade, pelo Juiz a quo nos presentes autos - prevê, como se referiu, um único prazo prescricional de cinco anos para os procedimentos de contraordenação no domínio laboral e de segurança social, não operando qualquer distinção em função do limite do montante da coima aplicável (como faz o citado artigo 27.º do RGCO) ou de outro critério suscetível de influir na medida da coima aplicada (gravidade da infração, grau de culpa do infrator, capacidade económica ou moldura aplicável). Tal não deixa de ser sublinhado por MANUEL M. ROXO/LUÍS C. OLIVEIRA (O Processo de Contraordenação Laboral e de Segurança Social, Almedina, Coimbra, 2009, pp. 72-73):

«

A prescrição do procedimento contraordenacional ocorre quando sobre a prática da contraordenação tenham decorrido 5 anos, qualquer que seja o valor da coima aplicável ou a gravidade da infração (artigo 52.º do RPCOLSS)

»

, assinalando os autores que

«

[e]ste preceito afasta-se significativamente do regime geral, cuja regra de prescrição tem 3 níveis (1 ano, 3 anos e 5 anos), consoante o valor da coima aplicável

»

.

9.4 - A Lei 107/2009, de 14 de setembro, prevê, assim, no citado artigo 52.º, um único prazo prescricional de cinco anos para os procedimentos de contraordenação nos domínios laboral e de segurança social.

De tal regra decorre a extinção do procedimento contraordenacional dirigido a sancionar os factos típicos, ilícitos e censuráveis que consubstanciem a violação de uma norma que consagre direitos ou imponha deveres a qualquer sujeito no âmbito da relação laboral e que sejam puníveis com coima ou todo o facto ilícito e censurável, previsto [no Código dos Regimes Contributivos do Sistema Previdencial de Segurança Social] e na legislação que o regulamenta, que preencha um tipo legal para o qual se comine uma coima, logo que sobre a prática da contraordenação hajam decorrido cinco anos (cf. artigo 548.º do CT 2009 e artigo 221.º do CRCSPSS).

Constituindo a norma que nos ocupa o regime específico (embora não necessariamente original) da prescrição dos procedimentos de contraordenação laboral e de segurança social, certo é que o instituto da prescrição dos procedimentos punitivos e sancionatórios mostra-se amplamente consagrado, no plano do direito infraconstitucional, nos domínios penal, contraordenacional e disciplinar.

9.4.1 - No domínio criminal, releva a previsão, no artigo 118.º do

Código Penal, de diversos prazos prescricionais, aqui se dispondo:

«
Artigo 118.º

Prazos de prescrição

1 - O procedimento criminal extingue-se, por efeito de prescrição, logo que sobre a prática do crime tiverem decorrido os seguintes prazos:

a) Quinze anos, quando se tratar de crimes puníveis com pena de prisão cujo limite máximo for superior a 10 anos ou dos crimes previstos nos artigos 335.º, 372.º, 373.º, 374.º, 374.º-A, 375.º, n.º 1, 377.º, n.º 1, 379.º, n.º 1, 382.º, 383.º e 384.º do Código Penal, 16.º, 17.º, 18.º e 19.º da Lei 34/87, de 16 de julho, alterada pelas Leis 108/2001, de 28 de novembro, 30/2008, de 10 de julho, 41/2010, de 3 de setembro, 4/2011, de 16 de fevereiro e 4/2013, de 14 de janeiro, 7.º, 8.º e 9.º da Lei 20/2008, de 21 de abril, e 8.º, 9.º, 10.º e 11.º da Lei 50/2007, de 31 de agosto, e ainda do crime de fraude na obtenção de subsídio ou subvenção;

b) Dez anos, quando se tratar de crimes puníveis com pena de prisão cujo limite máximo for igual ou superior a cinco anos, mas que não exceda dez anos;

c) Cinco anos, quando se tratar de crimes puníveis com pena de prisão cujo limite máximo for igual ou superior a um ano, mas inferior a cinco anos;

d) Dois anos, nos casos restantes. [...]

»

9.4.2 - Em matéria de contraordenações, prevê-se como regra geral, no artigo 27.º do Regime Geral das Contraordenações, que os prazos de prescrição são, reitere-se, de cinco, três ou um ano, em função do montante das coimas aplicáveis (supra, 9.3).

Se há regimes que, não estabelecendo prazos específicos de prescrição, têm por aplicáveis as regras gerais contidas no Regime Geral das Contraordenações - é o caso das contraordenações urbanísticas (Decreto-Lei 555/99, de 16 de dezembro, que aprova o Regime Jurídico da Urbanização e Edificação, alterado em último lugar pelo Decreto Lei 214-G/2015, de 2 de outubro) - certo é que os regimes especiais de contraordenações atualmente vigentes são muito diversos - uns, no sentido da diferenciação de prazos de prescrição do procedimento, nomeadamente em razão da gravidade da contraordenação; outros no sentido da consagração de um prazo único de prescrição do procedimento.

Como exemplos de regimes que consagram prazos de prescrição diferenciados, de três e cinco anos, mencionem-se o novo Regime Jurídico da Concorrência, aprovado pela Lei 19/2012, de 8 de maio (artigo 74.º) ou a LeiQuadro das Contraordenações Ambientais aprovada pela Lei 50/2006, de 29 de agosto, e sucessivas alterações (artigo 40.º, n.os 1 e 2) Sendo também vários os exemplos de regimes especiais vigentes que adotam um único prazo prescricional para os procedimentos contraordenacionais, como, aliás, assinalado nas Alegações do Ministério Público representado neste Tribunal (cf. fls. 518-520 supra, I, 6.), mencionem-se, a título de ilustração, os seguintes:

o artigo 33.º do Regime Geral das Infrações Tributárias (aprovado pela Lei 15/2001, de 5 de junho, com a última redação conferida pela Lei 7-A/2016, de 30 de março), que estabelece um prazo de cinco anos (n.º 1) o qual é reduzido ao prazo de caducidade do direito à liquidação da prestação tributária quando a infração depender daquela liquidação (n.º 2); no domínio das contraordenações rodoviárias, o artigo 188.º, n.º 1, do Código da Estrada (aprovado pelo Decreto Lei 114/94, de 3 de maio, com a última redação conferida pela Lei 116/2015, de 28 de agosto) que prevê um prazo de dois anos; o artigo 209.º, n.º 1, do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras (aprovado pelo Decreto Lei 298/92, de 31 de dezembro, e sucessivas alterações) ou o artigo 418.º, n.º 1, do Código dos Valores Mobiliários (aprovado pelo Decreto Lei 486/99, de 13 de novembro, e sucessivas alterações) que preveem um prazo de cinco anos.

9.4.3 - Em sede de responsabilidade disciplinar, pode dar-se como exemplo o disposto no Código do Trabalho vigente (CT 2009), que, nos termos do seu artigo 329.º, determina que

«

o direito de exercer o poder disciplinar prescreve um ano após a prática da infração, ou no prazo de prescrição da lei penal se o facto constituir igualmente crime

»

(n.º 1) e que

«

o procedimento disciplinar prescreve decorrido um ano contado da data em que é instaurado quando, nesse prazo, o trabalhador não seja notificado da decisão final

»

(n.º 3) e, bem assim, o disposto na Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas (Lei 35/2014, de 20 de junho, na sua versão atual decorrente das alterações introduzidas pela Lei 84/2015, de 7 de agosto), na qual se prevê que

«

o procedimento disciplinar prescreve decorridos 18 meses, a contar da data em que foi instaurado quando, nesse prazo, o trabalhador não tenha sido notificado da decisão final

»

(artigo 178.º, n.º 5).

10 - Assim enquadrada, no âmbito do direito infraconstitucional, a norma jurídica cuja dimensão normativa foi desaplicada pelo Tribunal a quo que proferiu a decisão ora recorrida para este Tribunal, cumpre de seguida analisar a questão de constitucionalidade a este propósito colocada, por referência à referida desaplicação e respetivos fundamentos invocados.

Entendeu o Tribunal a quo, na decisão ora recorrida (fls. 491-494), relembre-se, que

«

a solução legislativa adotada no artigo 52.º da Lei 107/2009, de 14 de setembro, ao estabelecer um prazo único de cinco anos para prescrição do procedimento por contraordenação laboral ou de segurança social, independentemente da gravidade da infração ou da moldura da coima aplicável, revela-se desnecessária, inadequada ou manifestamente excessiva para cumprir os objetivos de censura dos diversos factos ilícitos que ocorrem naqueles campos e de proteção dos interesses legalmente protegidos

»

(fls. 491-verso).

Do excurso feito pela disciplina substantiva das contraordenações laborais e de segurança social retira o juiz a quo a conclusão de que

«

o legislador se preocupou em estabelecer um quadro sancionatório proporcionado e equilibrado, procurando adequar as molduras das coimas quer à gravidade da infração, quer ao grau de culpa do infrator, quer à própria dimensão económica do infrator

»

(cf. sentença recorrida, fls. 492-verso), sublinhando, porém, que

«

no que concerne ao prazo de prescrição do respetivo procedimento, o legislador já não teve a mesma preocupação

»

(cf. idem). O Juiz assinala a

«

ambivalência do legislador

»

, na medida em que

«

estabelece diferentes molduras de coima, de acordo com critérios equilibrados e aceitáveis (poder económico do infrator, gravidade da infração e grau de culpa), mas já no que concerne ao prazo de prescrição do procedimento por contraordenação, coloca no mesmo patamar, quer as ninharias infraccionais, quer as infrações muito graves violadores de direitos especialmente relevantes dos trabalhadores (por exemplo, no domínio da segurança e saúde no trabalho), praticadas por infratores com forte poder económico

»

.

Considera, assim, que

«

a solução adotada pelo artigo 52.º da Lei 107/2009, para além de premiar (ou potenciar) a inércia da administração (imobilizando os processos de contraordenação durante anos e anos, ainda na fase administrativa), coloca em situação de desfavor os infratores de menor poder económico e os agentes de infrações de menor desvalor ético

»

.

Por fim, e estabelecendo a comparação com os prazos de prescrição criminal, em especial o estabelecido no artigo 118.º, n.º 1, alínea d) do Código Penal (de dois anos para os crimes puníveis com pena de prisão inferior a um ano ou mera multa), conclui pelo

«

absurdo da solução legislativa contida no aludido artigo 52.º da Lei 107/2009, de 14 de setembro, a qual se revela, em nossa opinião, desnecessária, inadequada e manifestamente excessiva, afrontando assim o princípio da proporcionalidade ínsito no artigo 18.º n.º 2 da Constituição

»

.

Nessa sequência, foi determinada a recusa de aplicação do artigo 52.º da Lei 107/2009, de 14 de setembro,

«

ao prever um prazo único de cinco anos para a prescrição do procedimento por contraordenação laboral ou de segurança social, independentemente da gravidade da infração, do grau de culpa do infrator, da sua capacidade económica ou da moldura aplicável, por violação do princípio da proporcionalidade ínsito no artigo 18.º n.º 2 da Constituição

»

, aplicando-se antes ao caso

«

a regra geral do artigo 27.º do RGCO (DL 433/82, de 27 de outubro), na redação da Lei 109/2001, de 24 de dezembro

»

.

11 - Estando em causa, nos presentes autos, uma questão de constitucionalidade reportada à norma do artigo 52.º da Lei 107/2009, de 14 de setembro, a qual prevê um prazo único de prescrição de cinco anos quanto aos procedimentos contraordenacionais laborais, deve referir-se desde logo que os prazos de prescrição do procedimento, acima referidos, fixados pelo legislador - quer os invocados na decisão ora recorrida, quer os demais referidos no enquadramento infraconstitucional supra efetuado -, uma vez decorridos, têm por efeito a extinção dos procedimentos dirigidos à punição do agente.

O tempo mostra-se, a este propósito, determinante. Com efeito, a prescritibilidade dos procedimentos punitivos significa atribuir uma específica relevância ao elemento temporal. Os procedimentos extinguem-se, por efeito da prescrição, logo que sobre a prática do crime, da contraordenação ou do ilícito disciplinar tiverem decorrido os prazos fixados na lei.

O tempo assume assim uma inegável influência sobre o exercício do poder punitivo do Estado (aqui centrandonos nos processos penal e contraordenacional), deste modo favorecendo o agente que praticou o ilícito em causa. Isto, naturalmente, sem prejuízo da previsão de cir-cunstâncias ou situações que determinam a suspensão e a interrupção do prazo de prescrição. É que (e não ocorrendo as previstas causas de suspensão ou de interrupção da prescrição ou cessados os respetivos períodos de suspensão ou interrupção), o decurso do tempo - fixado como prazo prescricional - determinará a impossibilidade de exercício, pelo Estado, do poder punitivo e sancionatório que lhe é conferido, com inegáveis reflexos na vida comunitária e na esfera do visado pelo procedimento em causa.

Por via do instituto da prescrição, procura-se, assim, a conciliação entre o interesse público na perseguição do ilícito (penal, contraordena-cional) e o direito do agente de não ver excessivamente protelada a definição das consequências (penais, contraordenacionais) do facto praticado, de modo a que possa alcançar a paz jurídica individual. Assim sendo, a relevância do instituto não se confina ao plano estritamente processual, mas reporta-se também ao plano substantivo. O duplo fundamento do instituto da prescrição - substantivo e processual - é assinalado por Jorge de Figueiredo Dias por referência quer à prescrição das penas, quer à própria prescrição do procedimento criminal (cf. Direito Penal Português - As consequências jurídicas do crime, Aequitas, 1993, p. 699-700).

Desde logo assinalando esta dupla natureza, processual e substantiva, do instituto da prescrição das penas criminais, dispõe o Acórdão Ora, e na medida em que o instituto da prescrição procura compatibilizar diversos (e, porventura, antagónicos) valores e interesses em presença, dotados estes de relevância fundamental, pode sem esforço - e mesmo na ausência de uma referência expressa à prescrição no texto da Constituição portuguesa - considerar-se o instituto da prescrição dos procedimentos punitivos como um valor constitucionalmente atendível. Reconhece-se, assim

«

que existem razões, constitucionalmente fundadas, decorrentes da ideia de certeza e de paz jurídica, do estado de direito democrático e do progressivo esbatimento da necessidade de perseguição penal com o decurso do tempo, à luz dos fins que tal perseguição serve, bem como das próprias garantias de defesa dos arguidos, que levam à consagração de um instituto como aquele

» e
«

que estes valores têm assento constitucional e reclamam, por si, que o citado instituto tenha de ser visto com um próprio valor constitucional para o comum dos ilícitos

»

(Acórdão 483/2002). E desses valores - tendo em vista a prescrição do procedimento criminal - nos dá conta o Acórdão agora citado (cf. 6.1):

«

[...] 6.1 - Haverá que ter em mira, e tão só, a questão da prescritibilidade do procedimento criminal em geral relativamente a crimes que, tal como o dos autos, o ordenamento jurídico sujeita ao instituto da prescrição.

Neste contexto, não se poderá escamotear que na nossa Lei Fundamental não se perspetiva unicamente como relevante, no que à instituição da criminalização diz respeito, o valor de uma perseguição penal repousada na preeminência da danosidade da ação criminosa. Como é sabido, se esse valor éticojurídico fundamental deve pautar aquela instituição, também se não deverá olvidar que são igualmente atendíveis princípios ou valores, também de ressonância éticojurídica fundamental, tais como os da necessidade da pena, de segurança, de certeza, de paz jurídica e até de garantias de defesa dos indiciados agentes do crime.

[...] Em face de um invocado cometimento de atos delituosos, se se assistisse a um muito dilatado decorrer do tempo entre esse cometimento e a respetiva punição, certamente que a sociedade deixaria de reclamar esta última, ainda que, no

«

momento

» da ocorrência dos factos, tivesse devidamente aquilatado da respetiva gravidade ou danosidade. À necessidade de punição reclamada aquando da ocorrência contrapor-se-ia, com o decurso de um alongado período temporal sem que ela surgisse, um sentimento de
«

apagamento

» daquela necessidade, algo como um
«

perdão

» decorrente da passagem do tempo.

É que, a sociedade, em nome da falada paz jurídica, que é um valor que inquestionavelmente preserva, conta com o reflexo que haverá de ter no ordenamento jurídico o apaziguamento das necessidades de punição que surgiram aquando da ocorrência da ação criminosa.

»

São, pois, razões também substantivas que justificam o instituto da prescrição do procedimento. Como se lê no Acórdão 445/2012, de igual modo a propósito do procedimento criminal:

«

[...] 6 - O instituto da prescrição do procedimento criminal justifica-se, desde logo, por razões substantivas, ligando-se a exigências político-criminais ancoradas nos fins das penas. Com o decurso do tempo, além do enfraquecimento da censura comunitária presente no juízo de culpa, por um lado, perdem importância as razões de prevenção especial, desligando-se a sanção das finalidades de ressocialização ou de segurança. Por outro lado, também do ponto de vista da prevenção geral positiva se justifica o instituto. Com o correr do tempo sobre a prática do facto, vai perdendo consistência a prossecução do efeito da pena de afirmação contrafáctica das expectativas comunitárias sobre a vigência da norma, já apaziguadas ou definitivamente frustradas. Finalmente há a considerar o efeito do tempo no agravamento das dificuldades probatórias, com a consequente potenciação do grau de incerteza do resultado. O que, em associação com a ideia de que à intervenção penal deve ser reservado um papel de ultima ratio, só legitimada quando ainda se mantenham a necessidade de assegurar os seus objetivos, justifica que o Estado não prossiga o procedimento transcorrido que seja o período de tempo legalmente determinado (Figueiredo Dias, Direito Penal Português - As Consequências Jurídicas do Crime, pág. 699).

»

Partindo-se da ideia de que a prescrição - fundada em razões constitucionalmente atendíveis - extingue o procedimento punitivo, consubstanciando para o arguido uma garantia material ou não meramente procedimental, as considerações acima expendidas, mesmo se dirigidas à prescrição do procedimento punitivo penal, podem ser estendidas ao processo contraordenacional.

Com efeito, e especificamente quanto às contraordenações laborais, já se escreveu (JOÃO SOARES RIBEIRO, Contraordenações Laborais - Regime Jurídico Anotado contido no Código do Trabalho, 2.ª edição, Almedina, Coimbra, 2003, pp. 108-109):

«

O instituto da prescrição fundamenta-se no efeito que o decurso do tempo produz nas coisas e nas relações humanas, assim como no esmaecimento do “mal” causado pela infração na consciência da sociedade.

Acresce uma razão de certeza jurídica:

com o decorrer do tempo, não só os elementos de facto se vão progressivamente diluindo, como as testemunhas vão apagando da sua memória as circunstâncias em que aqueles se produziram [...].

À prescrição não é alheia [...] uma ideia de justiça. Seria injusto manter indefinidamente o agente infrator sob a espada de Dâmocles que é a ameaça do procedimento infraccional ou a aplicação da sanção decidida.

Razões pelas quais é norma em todos os estados de direito a existência de um período, mais ou menos longo, decorrido o qual a infração automaticamente se extingue.

»

Isto, sem que se perca de vista que não há uma perfeita equiparação entre o ilícito penal e o ilícito de mera ordenação social (assim também, J. SOARES RIBEIRO,

«

Questões sobre o processo contraordenacional

»

, in Questões Laborais, Ano VIII, n.º 18, 2001, Coimbra Editora, Coimbra, pp. 121-141, p. 132) - diferenciação essa que se afigura determinante na análise da questão de constitucionalidade colocada a este Tribunal. 12 - O que está em causa nos presentes autos é analisar a conformidade constitucional da solução normativa que, em concreto, estabelece um único prazo prescricional de cinco anos para todos os procedimentos de contraordenação nas matérias laborais, independentemente da gravidade da infração ou da medida da coima aplicável, afastando-se quer do do regime geral do ilícito de mera ordenação social, quer do regime penal. Com efeito, a decisão recorrida, tomando o regime prescricional dos procedimentos criminais como paradigma, conclui pela desproporcionalidade da regra legal que

«

no que concerne ao prazo de prescrição do procedimento por contraordenação, coloca no mesmo patamar, quer as ninharias infraccionais, quer as infrações muito graves violadores de direitos especialmente relevantes dos trabalhadores

»

.

E é essa conclusão - no sentido da violação do princípio da proporcionalidade - que determina a desaplicação da norma sindicada e o sentido da decisão ora recorrida.

13 - O juízo de inconstitucionalidade formulado na decisão recorrida parte, para chegar à conclusão alcançada, da comparação da norma em análise com o regime prescricional do processo criminal, contido no artigo 118.º, do Código Penal, que diferencia os prazos de prescrição em função de critérios diversos, como o da medida da pena ou o da natureza do crime.

Ora não se pode sufragar tal juízo de inconstitucionalidade que, transpondo as considerações traçadas a propósito do regime contido no artigo 118.º do Código Penal - e, assim, a matriz do Direito Penal - para o domínio dos procedimentos de contraordenações laborais, conclui pelo desrespeito do princípio da proporcionalidade em face da opção de nivelamento ou uniformização do prazo prescricional - de cinco anos - daqueles procedimentos,

«

independentemente da gravidade da infração, do grau de culpa do infrator, da sua capacidade económica ou da moldura aplicável

»

.

Com efeito, esta não se afigura a perspetiva adequada para apreciar a questão de constitucionalidade em causa nos presentes autos, tendo em conta a inegável diferença existente entre os domínios sancionatórios penal e contraordenacional e os ilícitos penais e contraordenacionais. Com efeito, a diferença entre tais domínios sancionatórios e subjacentes ilícitos não permite que se apliquem ao domínio contraordenacional, com o mesmo rigor e extensão, os princípios constitucionais respeitantes ao domínio sancionatório penal, reconhecendo-se ao legislador democrático, naquele domínio contraordenacional uma maior margem de liberdade na determinação dos ilícitos e do respetivo regime substantivo e processual. De igual modo, e devido à assinalada diferença, não valem no domínio do ilícito contraordenacional as considerações formuladas pela doutrina em matéria de prescrição da pena e do procedimento punitivo penal, em especial quanto à diferenciação dos prazos de prescrição em função da medida de pena e da gravidade do ilícito, enquanto decorrência do princípio da proporcionalidade (neste último sentido aponta a reflexão de JOSÉ FARIA E COSTA,

«

O Direito Penal e o Tempo - Algumas reflexões dentro do nosso tempo e em redor da prescrição

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, in Boletim da Faculdade de Direito, Volume Comemorativo do 75.º Tomo do Boletim da Faculdade de Direito, Universidade de Coimbra, Coimbra, 2003, pp. 1139-1165, em especial 1160-1163) ou quanto à própria previsão de um prazo de prescrição enquanto instrumento da paz social numa perspetiva comunitária e também individual (vide também os ensinamentos de Figueiredo Dias, Direito Penal Português, Parte Geral II, As consequências jurídicas do crime, Aequitas, Editorial Notícias, 1993, p. 699).

14 - Sobre a distinção entre os domínios sancionatórios penal e contraordenacional já se pronunciou este Tribunal, em extensa, pese embora fragmentária, jurisprudência em que se colocou o problema da valência de determinados princípios constitucionais com relevo em matéria penal no domínio contraordenacional.

A tanto se refere a pormenorizada análise efetuada no Acórdão 201/2014, em especial nos excertos que se transcrevem de seguida, referidos aos princípios da legalidade e da tipicidade e da culpa e às garantias de defesa do arguido, de que nos prevalecemos:

[...] Em síntese, retira-se da jurisprudência do Tribunal Constitucional sobre a extensão dos princípios da legalidade e da tipicidade ao domínio contraordenacional que (i) embora tais princípios não valham “com o mesmo rigor” ou “com o mesmo grau de exigência” para o ilícito de mera ordenação social, eles valem “na sua ideia essencial”

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(ii) aquilo em que consiste a sua ideia essencial outra coisa não é do que a garantia de proteção da confiança e da segurança jurídica que se extrai, desde logo, do princípio do Estado de direito;

(iii) assim, a Constituição impõe “exigências mínimas de determinabilidade no ilícito contraordenacional” que só se cumprem se do regime legal for possível aos destinatários saber quais são as condutas proibidas como ainda antecipar com segurança a sanção aplicável ao correspondente comportamento ilícito.

Valioso é ainda o que o Tribunal disse no Acórdão 336/2008 É que “no caso dos crimes estamos perante condutas cujos elementos constitutivos, no seu conjunto, suportam imediatamente uma valoração - social, moral, cultural - na qual se contém já a valoração da ilicitude. No caso das contraordenações, pelo contrário, não se verifica uma correspondência imediata da conduta a uma valoração mais ampla daquele tipo; pelo que, se, não obstante ser assim, se verifica que o direito valora algumas destas condutas como ilícitas, tal só pode acontecer porque o substrato da valoração jurídica não é aqui constituído apenas pela conduta como tal, antes por esta acrescida de um elemento novo:

a proibição legal.” (FIGUEIREDO DIAS, na ob. cit., pág. 146).

Da autonomia do ilícito de mera ordenação social resulta uma autonomia dogmática do direito das contraordenações, que se manifesta em matérias como a culpa, a sanção e o próprio concurso de infrações (vide, neste sentido, Figueiredo Dias na ob. cit., pág. 150).

Não se trata aqui “de uma culpa, como a jurídicopenal, baseada numa censura ética, dirigida à pessoa do agente e à sua atitude interna, mas apenas de uma imputação do facto à responsabilidade social do seu autor; dito de outra forma, da adscrição social de uma responsabilidade que se reconhece exercer ainda uma função positiva e adjuvante das finalidades admonitórias da coima” (FIGUEIREDO DIAS em “O movimento da descriminalização e o ilícito de mera ordenação social”, in “Jornadas de Direito Criminal:

O Novo Código Penal Português e Legislação Complementar”, I, pág. 331, da ed. de 1983, do Centro de Estudos Judiciários).

E por isso, se o direito das contraordenações não deixa de ser um direito sancionatório de caráter punitivo, a verdade é que a sua sanção típica “se diferencia, na sua essência e nas suas finalidades, da pena criminal, mesmo da pena de multa criminal [...] A coima não se liga, ao contrário da pena criminal, à personalidade do agente e à sua atitude interna (consequência da diferente natureza e da diferente função da culpa na responsabilidade pela contraordenação), antes serve como mera admoestação, como especial advertência ou reprimenda relacionada com a observância de certas proibições ou imposições legislativas; e o que esta circunstância representa em termos de medida concreta da sanção é da mais evidente importância. Deste ponto de vista se pode afirmar que as finalidades da coima são em larga medida estranhas a sentidos positivos de prevenção especial ou de (re)socialização.” (FIGUEIREDO DIAS, em “Te-mas Básicos da Doutrina Penal”, pág. 150-151, da ed. de 2001, da Coimbra Editora).

Daí que, em sede de direito de mera ordenação social, nunca há sanções privativas da liberdade. E mesmo o efeito da falta de pagamento da coima só pode ser a execução da soma devida, nos termos do artigo 89.º, do Decreto Lei 433/82, e nunca a da sua conversão em prisão subsidiária, como normalmente sucede com a pena criminal de multa.

Por outro lado, para garantir a eficácia preventiva das coimas e a ordenação da vida económica em setores em que as vantagens económicas proporcionadas aos agentes são elevadíssimas, o artigo 18.º, n.º 2, do Decreto Lei 433/82 (na redação dada pelo Decreto Lei 244/95), permite que o limite máximo da coima seja elevado até ao montante do benefício económico retirado da infração pelo agente, ainda que essa elevação não possa exceder um terço do limite máximo legalmente estabelecido, erigindo, assim, a compensação do benefício económico como fim específico das coimas.

Estas diferenças não são nada despiciendas e deverão obstar a qualquer tentação de exportação imponderada dos princípios constitucionais penais em matéria de penas criminais para a área do ilícito de mera ordenação social”.

[...] Independentemente de qual seja a melhor opção legislativa para a punição do concurso de contraordenações, é seguro que as razões que justificam a solução do cúmulo jurídico em Direito Penal não são transponíveis qua tale para o direito de mera ordenação social.

A necessidade de conter o limite das penas de prisão dentro de parâmetros de possibilidade de execução física das mesmas, de humanidade, de respeito pelas próprias opções do legislador quanto às penas máximas e à ideia de ressocialização justificam o cúmulo jurídico no sistema penal mas já não fazem qualquer sentido em caso de concurso de contraordenações sancionadas apenas com montantes pecuniários.

Por outro lado, o referente da culpa jurídicopenal que permite agregar os vários factos cometidos entre si para efeito de cúmulo jurídico não surge com a mesma importância estrutural no ilícito de mera ordenação social”.

Como se sublinha no acórdão do Tribunal Constitucional n.º 336/2008, citando FIGUEIREDO DIAS, existem, desde sempre, razões de ordem substancial que impõem a distinção entre crimes e contraordenações, entre as quais avulta a natureza do ilícito e da sanção, sendo que a diferente natureza do ilícito condiciona, desde logo, a eventual incidência dos princípios da culpa, da proporcionalidade e da sociabilidade”.

À exceção do aresto indicado em último lugar, que, de modo categórico, nega qualquer valência do princípio da culpa no domínio contraordenacional, retira-se da jurisprudência do Tribunal Constitucional que o princípio da culpa se impõe também como limite à liberdade de conformação do legislador do ilícito contraordenacional, ainda que a margem dessa liberdade seja maior relativamente àquela de que este dispõe na configuração do ilícito penal, designadamente no que se refere à definição do que o legislador pode assumir e o que deve ser deixado ao juiz na determinação concreta da sanção. [...] Garantias de defesa do arguido 9.7 - A projeção na ordem contraordenacional dos princípios constitucionais com relevo em matéria penal tem sido também discutida na jurisprudência constitucional que versa as garantias de defesa do arguido, incluindo o direito ao recurso.

[...] Não obstante o reconhecimento da valência das garantias de defesa também no domínio contraordenacional, o Tribunal Constitucional tem, no entanto, recusado o entendimento de que o legislador ordinário estaria constitucionalmente vinculado a estabelecer no processo contraordenacional exatamente as mesmas garantias de defesa legislativamente estabelecidas no campo processualpenal. [...] Elucidativo a esse respeito é o que se afirmou no Acórdão 395/2002 [...] [n]o Acórdão 313/2007 [...] [e n] o Acórdão 487/2009 [...].

Os três exemplos acabados de referir concretizam o reconhecimento por parte da justiça constitucional de um maior poder de conformação do legislador na ordenação do processo contraordenacional.

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E, recentemente, teve o Tribunal Constitucional oportunidade de retomar a questão da aplicação de normas e princípios constitucionais em matéria de punição criminal ao processo de contraordenação, desta feita referindo-se especificamente ao processo de contraordenações laborais. Assim dispõe o Acórdão 76/2016:

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[...] 5 - Tratando-se de uma coima aplicada em processo de contraordenação laboral a primeiro dúvida que se levanta consiste em saber se os princípios constitucionais básicos em matéria de punição criminal constantes do artigo 29.º da CRP se aplicam também aos tipos de ilícitos contraordenacionais.

A Constituição faz referência ao direito contraordenacional (i) na alínea d), do n.º 1, do artigo 165.º, que inclui o regime geral do ilícito de mera ordenação social na reserva relativa da competência legislativa da Assembleia da República;

(ii) na alínea q), do n.º 1, do artigo 227.º, que atribui às regiões autónomas o poder de definir ilícitos contraordenacionais;

(iii) no n.º 3 do artigo 283.º, que define o regime dos efeitos repristinatórios da declaração de inconstitucionalidade, permitindo a revisão do caso julgado inconstitucional;

(iv) e no n.º 10 do artigo 32.º, que assegura ao arguido em processo de contraordenação o direito de audiência e defesa.

Não obstante a previsão do ilícito contraordenacional nesses pontos concretos, a Constituição não indica expressamente que outros princípios constitucionais são aplicáveis ao direito de mera ordenação social, o que provoca a discussão sobre a aplicabilidade, e em que termos, das normas e princípios constitucionais em matéria penal a esse domínio. Como referem Gomes Canotilho e Vital Moreira, em anotação ao artigo 29.º da CRP,

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é problemático saber em que medida é que os princípios consagrados neste artigo são extensivos a outros domínios sancionatórios. A epígrafe

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aplicação da lei criminal

» e o teor textual do preceito restringem a sua aplicação direta apenas ao direito criminal propriamente dito (crimes e respetivas sanções)
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- (Constituição da República Portuguesa Anotada, Vol. II, 4.ª ed. pág. 498).

Mas o facto de as contraordenações fazerem parte do poder punitivo estadual, cuja expressão máxima se encontra no direito penal, justifica que o seu regime jurídico seja influenciado pelos princípios e regras comuns a todo o direito sancionatório público. O direito de mera ordenação social é um direito sancionador, que permite à Administração participar no exercício do poder punitivo estadual, aplicando penalidades aos administrados, o que significa que esse direito e esse poder, enquanto emanação do jus puniendi, estão matizados pelos princípios e pelas regras “penais”. Por isso, há de admitir-se que os princípios constitucionais do direito penal possam influenciar os direitos sancionadores que derivam da mesma matriz. Como acrescentam os referidos autores, tem de

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entender-se que esses princípios devem, na parte pertinente, valer por analogia para os demais domínios sancionatórios, designadamente o ilícito de mera ordenação social e o ilícito disciplinar

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. Assim, os princípios com relevo em matéria penal, como os da legalidade, da culpa, non bis in idem, da não retroatividade, da proibição dos efeitos automáticos das penas, da proibição da transmissão da responsabilidade penal, podem estender-se ao domínio contraordenacional, até porque são derivados de princípios do Estado de Direito e da segurança jurídica, nomeadamente sob o seu aspeto de proteção da confiança, princípios constitucionais de validade fundamentante da ordem jurídica.

O que não significa, é evidente, que não deixe de haver diferenciações na extensão desses princípios ao domínio contraordenacional. É que a autonomia material do ilícito de mera ordenação social em relação ao ilícito penal, que dá origem a um sistema punitivo próprio, com espécies de sanção, com procedimentos punitivos e agentes sancionadores distintos, obsta a que se proceda a uma transposição automática e imponderada para o direito de mera ordenação social dos princípios constitucionais que regem a legislação penal. Tais ilícitos não se distinguem apenas pelo diferente tipo de cominação - uma coima ou uma pena - mas sobretudo por um critério material que atende à diferença de bens jurídicos protegidos e à diferente ressonância ética dos ilícitos. Num critério de distinção situado num plano ético, como o seguido por Figueiredo Dias, é possível distinguir condutas a que

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antes e independentemente do desvalor da ilicitude, corresponde, e condutas a que não corresponde, um mais amplo desvalor moral, cultural ou social. A conduta em si mesma, independentemente da sua proibição legal, é no primeiro caso axiologicamente relevante, no segundo caso axiologicamente neutra. O que no direito das contraordenações é axiologicamente neutro não é o ilícito, mas a conduta em si mesma, divorciada da proibição legal - sem prejuízo de, uma vez conexionada com este, ela passar a constituir substrato idóneo de um desvalor ético-social

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(cf. “O movimento da descriminalização e o ilícito de mera ordenação social”, in Eduardo Correia, et al. Direito penal económico e europeu:

textos doutrinários, Vol. I, Coimbra Editora, 1998, pág. 26 e 27).

Ora, esta distinção tem relevância no relacionamento desses direitos com a ordem jurídicoconstitucional. Como refere o mesmo autor

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são diferentes os princípios jurídicoconstitucionais, materiais e orgânicos, a que se submetem a legislação penal e a legislação das contraordenações

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. A submissão do direito das contraordenações às garantias essenciais do direito penal, isto é, às garantias relativas à segurança, certeza, confiança e previsibilidade dos cidadãos, não significa que as normas e princípios constitucionais em matéria penal tenham que ser aplicadas ao domínio contraordenacional com a mesma intensidade e com as mesmas exigências. A indiferença éticosocial das condutas que integram as contraordenações coloca diferente grau de exigência ao legislador ordinário na configuração dos respetivos ilícitos, já que não se trata de prevenir ou reprimir condutas ofensivas de bens jurídicoconstitucionais, independentemente da sua proibição legal, mas sim de advertir ou admoestar a inobservância de certas proibições ou imposições legislativas.

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Para efeitos de distinção entre ambos os ilícitos, a jurisprudência do Tribunal Constitucional tem seguido fundamentalmente os critérios da ressonância ética e dos diferentes bens jurídicos em causa (Acórdãos n.os 158/92, 344/93, 469/97, 461/2011, 537/2011, 45/2014, 180/2014). E com fundamento na diferente natureza do ilícito, da censura e das sanções, tem considerado que os princípios constitucionais com relevo em matéria penal não valem com a mesma extensão e intensidade no domínio contraordenacional. Não obstante estar consolidado na jurisprudência constitucional que o direito sancionatório público, enquanto restrição de direitos fundamentais, participa do essencial das garantias consagradas explicitamente para o direito penal, tem-se decidido reiteradamente que os princípios que orientam o direito penal não são automaticamente aplicáveis ao direito de mera ordenação social (Acórdãos n.os 344/93, 278/99, 160/04, 537/2011, 85/2012).

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Ora, desta jurisprudência e da demais nela citada pode, assim, retirar-se a conclusão de não caber a consideração, sem mais, das soluções normativas encontradas no direito penal - mesmo que informadas por princípios constitucionais - com vista a avaliar a conformidade constitucional da solução normativa consagrada no artigo 52.º da Lei 107/2009, de 14 de setembro, tal como resulta da ponderação feita pelo Tribunal ora recorrido.

Com efeito, o domínio do ilícito de mera ordenação social não se mostra imune à aplicação dos princípios constitucionais dirigidos à conformação da margem de liberdade do legislador em matéria de previsão e configuração do poder punitivo do Estado, entre os quais o princípio da proporcionalidade decorrente do princípio do Estado de Direito democrático.

Contudo, e não obstante a aplicação de tais princípios no domínio contraordenacional, é de salientar que com base na inelutável diferença entre os ilícitos penais e contraordenacionais, seja por referência aos valores e bens jurídicos tutelados, seja face à diversa ressonância ética dos ilícitos, seja por atenção ao tipo de cominação que lhes é associado - pena ou coima, neste caso com afetação do património, mas não da liberdade -, foi construída pela nossa jurisprudência constitucional uma linha de orientação que aponta no sentido de não se terem por automaticamente aplicáveis os princípios constitucionais de direito penal às contraordenações, de não se mostrarem esses princípios, quando aplicáveis, dotados da mesma intensidade e exigência em matéria de contraordenações e de, em consequência, se aceitar uma maior amplitude do poder de conformação do legislador democrático quando versa sobre o direito contraordenacional por comparação com a margem de discricionariedade deixada ao legislador penal.

Tendo presente o enquadramento jurisprudencial enunciado, passa-se a apreciar a específica questão de constitucionalidade objeto do presente recurso.

15 - A norma do artigo 52.º da Lei 107/2009, de 14 de setembro, questionada no presente recurso, adota um único prazo prescricional de cinco anos para todos os procedimentos de contraordenação laboral, assim se afastando da solução consagrada no regime geral das contraordenações, que prevê que os prazos de prescrição (artigo 27.º do RGCO) variam em função da moldura sancionatória aplicável.

A disciplina substantiva das contraordenações laborais (CT 2009, artigos 548.º e ss.) estabelece, como já se referiu (supra, 9.1), escalões de gravidade das contraordenações, classificadas, de acordo com o tipo da infração, em contraordenações leves, graves e muito graves, sendo as coimas mais ou menos elevadas consoante o escalão de gravidade da contraordenação praticada. Em matéria laboral, a coima aplicável também difere em função da situação económica do agente (as empresas distinguem-se pelo respetivo volume de negócio) e em função da culpabilidade do agente (dolo ou negligência) e aos escalões de gravidade das contraordenações, acrescem fatores de agravamento, como no caso de se mostrarem violadas normas sobre trabalho de menores, segurança e saúde no trabalho ou sobre direitos dos organismos representativos dos trabalhadores e dos dirigentes e delegados sindicais e do direito à greve ou, em qualquer caso, quando há reincidência do infrator.

Não obstante aquela diferenciação no tocante aos escalões de gravidade das contraordenações laborais e à correspondente moldura das coimas aplicáveis, o legislador prescindiu, em matéria de prescrição do procedimento por contraordenação laboral, matéria inserida no respetivo regime processual, de uma relação de proporção entre as medidas das coimas aplicáveis e os prazos de prescrição dos procedimentos sancionatórios destinados à aplicação daquelas coimas. Nessa medida, a solução legislativa em crise assume um caráter inovatório relativamente ao próprio regime geral das contraordenações (e ao regime anterior aplicável em matéria prescrição dos procedimentos de contraordenação laboral - supra, 9.3).

15.1 - O Tribunal Constitucional já teve ocasião de se pronunciar sobre a conformidade constitucional do estabelecimento de prazos de prescrição do procedimento de contraordenação mais dilatados em regimes especiais do que os fixados no regime geral. Fêlo a propósito do regime prescricional das infrações tributárias, pronunciando-se quanto ao prazo de prescrição do procedimento contraordenacional fiscal - um prazo único de cinco anos - estabelecido no artigo 35.º, n.º 1, do Código de Processo Tributário, aprovado pelo Decreto Lei 154/91, de 23 de abril (entretanto revogado pelo artigo 2.º, n.º 1, do Decreto Lei 433/99, de 26 de outubro, que aprovou o Código de Procedimento e Processo Tributário). Assim dispõe o Acórdão 302/97, na ótica do princípio da igualdade, na vertente da proibição do arbítrio (sucessivamente reiterado nos Acórdãos n.os 303/97, 213/98, 251/98, com a nota, a este propósito de ter neste último acórdão sido também invocado como termo de comparação o regime do prazo prescricional em sede criminal, e 355/98):

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5 - Dispõe a norma do n.º 1 do artigo 35.º do Código de Processo Tributário, aprovado pelo Decreto Lei 154/91, de 23 de abril:

“O procedimento por contraordenações fiscais prescreve no prazo de cinco anos a contar do momento da prática da infração”.

[...] 7 - Violará a referida norma o princípio constitucional da igualdade, tal como entendeu a sentença recorrida? O Tribunal entende que não, pelas razões que, sucintamente, se indicam.

7.1 - É sabido que o princípio constitucional da igualdade, entendido como limite objetivo da discricionariedade legislativa, não veda à lei a realização de distinções. Proíbe-lhe, antes, a adoção de medidas que estabeleçam distinções discriminatórias - desde logo, diferenciações de tratamento fundadas em categorias meramente subjetivas, como são as indicadas, exemplificativamente, no n.º 2 do artigo 13.º da Lei Fundamental (diferenciações baseadas na ascendência, sexo, raça, língua, território de origem, religião, convicções políticas ou ideológicas, instrução, situação económica ou condição social)-,ou seja, desigualdades de tratamento materialmente infundadas, sem qualquer fundamento razoável (vernünftiger Grund) ou sem qualquer justificação objetiva e racional. Numa expressão sintética, o princípio da igualdade, enquanto princípio vinculativo da lei, traduz-se na ideia geral de proibição do arbítrio (Willkürverbot). Cfr., por todos, os Acórdãos do Tribunal Constitucional n.os 186/90, 187/90 e 188/90, publicados no Diário da República, 2.ª série, de 12 de setembro de 1990.

7.2 - Ora, a esta luz, não vê o Tribunal como possa considerar-se que a norma do artigo 35.º, n.º 1, do Código de Processo Tributário, ao estabelecer um prazo prescricional para as contraordenações fiscais mais longo do que o estatuído para as contraordenações em geral, encerra uma desigualdade de tratamento arbitrária, sem fundamento razoável ou material bastante dos arguidos em processos de contra-ordenação fiscal em comparação com os arguidos em outros processos de contraordenação. É que, por um lado, toda a nossa tradição jurídica vai no sentido de se fixar um prazo de prescrição das transgressões que atualmente são contraordenações fiscais superior ao que era estabelecido para as transgressões em geral. Por outro lado, como sublinha o Exmº ProcuradorGeral Adjunto nas suas alegações, “a relevância das funções cometidas pela Lei Fundamental ao ‘sistema fiscal’ (arti-gos 106.º e 107.º da Constituição da República Portuguesa) constituirá suporte material bastante para legitimar o estabelecimento de um regime especial de prescrição do procedimento contraordenacional fiscal menos favorável aos infratores, dificultando e desincentivando a fuga ao cumprimento dos deveres fiscais - essenciais à satisfação das necessidades financeiras do Estado e demais entidades públicas e à realização de relevantes objetivos de justiça social”. Por último, como salientam A. Barros Lima Guerreiro/M. Silvério Elias Mateus (cf. Código de Processo Tributário Comentado, Lisboa, Edifisco, 1991, p. 68), a norma impugnada no presente recurso visou harmonizar o prazo de prescrição do processo de contraordenação fiscal com o prazo de caducidade do direito de liquidação dos impostos, pelo que “um prazo mais curto de prescrição do procedimento por contra-ordenações fiscais dificultaria a liquidação das obrigações tributárias no prazo legal, retirando qualquer incentivo à regularização tributária do contribuinte no período que faltasse para a caducidade da liquidação, (e) criaria situações de desigualdade entre os infratores”.

Eis, pois, em termos muito breves, as razões pelas quais a norma constante do artigo 35.º, n.º 1, do Código de Processo Tributário não é arbitrária, irrazoável ou materialmente infundada, pelo que não infringe o princípio da igualdade, plasmado no artigo 13.º, n.º 1, da Constituição.

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Do mesmo passo, a jurisprudência constitucional também se mostrou recetiva ao estabelecimento de regras especiais em matéria de procedimento de contraordenações laborais (e de segurança social), justificando a especificidade do regime das contraordenações laborais por atenção à

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especial relevância dos interesses em que se movem, como acontece no caso em presença

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. Assim, o Acórdão 226/2011, também na perspetiva da apreciação da conformidade da norma então em causa com o princípio da igualdade:

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[...] É dupla a desconformidade constitucional que a sentença recorrida imputa à norma na parte impugnada:

em primeiro lugar, a violação do artigo 219.º n.os 1 e 2 da Constituição, preceito que entrega ao Ministério Público a competência para o exercício da ação penal e lhe atribui autonomia,

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nos termos da lei

»; em segundo lugar, a violação do princípio da igualdade, por a norma criar uma situação de desigualdade entre os arguidos em processo de contraordenação laboral e de segurança social e os arguidos noutros processos de contraordenação, sujeitos ao Regime Geral das Contraordenações (Decreto-Lei 433/82 de 27 de outubro), no âmbito do qual a retirada da acusação pelo Ministério Público depende apenas do acordo do arguido.

4 - Este último fundamento é, no entanto, claramente improcedente e pode ser já afastado. Em primeiro lugar, é de acentuar que, para efeito da violação do parâmetro constitucional invocado (artigo 13.º da Constituição), não são sequer comparáveis as duas situações, a dos arguidos em processo de contraordenação laboral e a dos arguidos noutros processos de contraordenação disciplinados pelo regime geral previsto no Decreto Lei 433/82 de 27 de outubro. Na verdade, a figura do arguido em processo de contraordenação não constitui uma categoria dogmática que exija um tratamento uniforme, e não lhe corresponde uma individualidade própria que se imponha à ordem jurídica e que esta deva, por isso, respeitar. Em segundo lugar, a existência de regimes distintos, por si só, não determina a violação do princípio da igualdade. De acordo com jurisprudência assente do Tribunal, o princípio da igualdade, consagrado no artigo 13.º da Constituição, não proíbe em absoluto toda e qualquer diferenciação de tratamento, mas apenas as distinções materialmente infundadas, sem qualquer fundamento razoável ou sem qualquer justificação objetiva e racional. Conforme assevera o Acórdão 188/90 (Diário da República, 2.ª série, de 12 de setembro de 1990),

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Na sua dimensão material ou substancial, o princípio constitucional da igualdade vincula em primeira linha o legislador ordinário

» mas
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não impede o órgão legislativo de definir as circunstâncias e os fatores tidos como relevantes e justificadores de uma desigualdade de regime jurídico num caso concreto, dentro da sua liberdade de conformação legislativa

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, concluindo:

O princípio da igualdade, entendido como limite objetivo da discricionariedade legislativa, não veda à lei a realização de distinções. Proíbelhe, antes, a adoção de medidas que estabeleçam distinções discriminatórias, ou seja, desigualdades de tratamento materialmente infundadas, sem qualquer fundamento razoável (vernünftiger Grund) ou sem qualquer justificação objetiva e racional. Numa expressão sintética, o princípio da igualdade, enquanto princípio vinculativo da lei, traduz-se na ideia geral de proibição do arbítrio (Willkürverbot).

O artigo 13.º da Constituição não impede, em suma, que, em matéria de ilícito contraordenacional, o legislador ordinário possa estabelecer regimes especiais destinados a regular aspetos específicos do interesse público, e muito menos visará impor igualdade nos aspetos organizatórios das pessoas coletivas públicas. O regime geral das contraordenações e coimas terá sido originariamente pensado para as pequenas infrações, facilmente investigáveis, com implicações sociais limitadas; setores específicos da atividade económica, por exemplo, podem requerer uma adaptação do regime geral, tendo em atenção a especial relevância dos interesses em que se movem, como acontece no caso em presença. Não há, pois, que falar na violação do princípio da igualdade consagrado no artigo 13.º n.º 1 da Constituição.

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15.2 - Pese embora o diferente enfoque da jurisprudência agora citada, consideram-se, em grande medida, atendendo à especial relevância dos interesses em presença, transponíveis para a questão que nos ocupa as conclusões ali alcançadas, e, assim se concluindo igualmente pela viabilidade constitucional, também à luz do princípio da igualdade, da solução normativa (que se afasta da matriz do regime geral das contraor-denações) que constitui o objeto do presente recurso.

A operada adaptação do regime geral das contraordenações feita pela Lei 107/2009, de 14 de setembro - destinada a simplificar os procedimentos de contraordenação laboral (e de segurança social) e a permitir uma maior eficácia na atuação das entidades fiscalizadoras dos ilícitos cometidos nestas matérias - estabeleceu um prazo prescricional único de cinco anos para todas as infrações sancionadas com uma coima. Ora, cumpre ter presentes as razões que justificam a opção do legislador em prol da maior eficácia da atuação do Estado, estabelecendo um prazo de prescrição igual para todos os processos de contraordenação laboral e igualando, neste aspeto, o pequeno e o grande infrator.

Deve ter-se em vista que, em matéria de contraordenação laboral, os ilícitos cometidos afetam bens jusfundamentais a que se associam especiais deveres estaduais de proteção. Além disso, como se lê no Acórdão 226/2011 acima citado,

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o regime geral das contraordenações e coimas terá sido originariamente pensado para as pequenas infrações, facilmente investigáveis, com implicações sociais limitadas; setores específicos da atividade económica, por exemplo, podem requerer uma adaptação do regime geral, tendo em atenção a especial relevância dos interesses em que se movem

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, o que compreende a intenção do legislador no sentido de criar melhores condições para a investigação e perseguição dos ilícitos laborais, dada a relevância da matéria e a maior complexidade da ação fiscalizadora do Estado.

À especificidade do domínio das contraordenações laborais pode, assim, associar-se um regime específico destinado a criar as condições de eficácia necessária à atuação repressiva do Estado na fiscalização das infrações à disciplina das relações sóciolaborais, afastando-se, deste modo, um juízo de arbítrio quanto à concreta opção normativa em causa.

16 - Contudo, se a diferenciação dos regimes processuais das contraordenações, in casu laborais, se pode mostrar fundada em razões atendíveis, e nessa medida não arbitrária, cumpre ainda apreciar se cabe na margem de conformação do legislador a opção por um único prazo, de cinco anos, de prescrição, dos procedimentos contraordenacionais laborais.

Recorde-se que o juízo de inconstitucionalidade recorrido faz apelo à indiferenciação do prazo de prescrição aplicável perante critérios que o Juiz a quo considera relevantes, dirigindo-se aquele juízo de desvalor constitucional à norma que estabelece um único prazo prescricional de cinco anos

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independentemente da gravidade da infração, do grau de culpa do infrator, da sua capacidade económica ou da moldura aplicável

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.

Assinala o Juiz a quo a ausência de ponderação pelo legislador, no estabelecimento daquele prazo único de prescrição, de alguns dos critérios de graduação das coimas aplicáveis aos ilícitos contraordenacionais em causa, correspondendo às diferentes molduras das coimas previstas. Dos critérios de diferenciação invocados na dimensão normativa desaplicada - e que conforma a delimitação do objeto normativo do presente recurso-, uns assumem uma natureza essencialmente objetiva, resultante da ponderação feita, a montante, pelo legislador quanto à moldura da coima aplicável - assim a gravidade da infração, repercutida, como vimos, na moldura da coima -, outros projetam-se na determinação da coima aplicável em função da situação subjetiva do agente da infração, como é o caso dos invocados grau de culpa do infrator ou sua situação económica.

Assim, a questão de constitucionalidade colocada é a de saber se, na definição do prazo de prescrição dos procedimentos contraordenacionais laborais, devem mostrar-se traduzidos os critérios de diferenciação - acima enunciados - que subjazem à determinação e medida da coima aplicável, sob pena de formulação de um juízo desconforme com o princípio da proporcionalidade - por desadequação, desnecessidade ou excesso quanto ao prazo (único) de prescrição de cinco anos estabelecido pelo legislador.

Afigurando-se que a análise desta questão não se mostra enquadrada no específico parâmetro constitucional invocado pela decisão recorrida (artigo 18.º, n.º 2, da CRP), na medida em que não se vislumbra qual o concreto direito, liberdade ou garantia afetado pela norma sindicada, a mesma não pode deixar de ser efetuada mais amplamente à luz do invocado princípio da proporcionalidade enquanto decorrência do princípio do Estado de direito democrático plasmado no artigo 2.º da CRP, ao qual o legislador democrático se encontra necessariamente vinculado na concretização legislativa do direito sancionatório estadual.

17 - Para responder à questão colocada, vejamos, em primeiro lugar, as exigências constitucionais presentes no momento da definição das molduras das coimas - e respetiva diferenciação. Isto, já que o prazo prescricional consagrado na norma sindicada não atende à diferenciação das molduras das coimas aplicáveis.

O legislador, ao estabelecer um determinado ilícito de mera ordenação social, punível através de coima, delimita uma determinada moldura sancionatória. Essa moldura resulta, desde logo, de uma ponderação quanto ao valor dos bens jurídicos tutelados, que cabe prima facie na discricionariedade do legislador democraticamente legitimado. Servindo a coima essencialmente como especial advertência conducente à observância de certas proibições ou imposições legislativas, os limites da moldura sancionatória hão de corresponder à necessidade de prevenir a infração às regras estabelecidas. Depois, outros fatores poderão ser ponderados na determinação da medida da coima aplicável, como o grau de culpa do agente, a sua situação económica, o benefício económico retirado da infração.

Ora, é certo que, em grande medida, a determinação da moldura da coima aplicável responde a imperativos de proporcionalidade. Trata-se de direito sancionatório público e, deste modo, necessariamente contido nos limites constitucionais da necessidade e da justa medida.

Contudo, e mesmo aqui, não pode deixar de se assinalar a ampla margem de liberdade do legislador ordinário na definição da contraordenação e na fixação das molduras das coimas aplicáveis, devendo reservar-se um juízo de inconstitucionalidade por ofensa do princípio da proporcionalidade apenas para os casos de manifesto excesso.

Nesse sentido, entre outros, o recente Acórdão 591/2015 (cf. II, 5):

«

[...] o legislador ordinário, na área do direito de mera ordenação social, goza de ampla liberdade de fixação dos montantes das coimas aplicáveis, devendo o Tribunal Constitucional emitir juízos de censura somente nos casos em que as soluções legislativas cominem sanções que sejam manifesta e claramente desproporcionais relativamente à gravidade dos comportamentos sancionados.

»

Cumpre igualmente sublinhar que a intensidade do princípio é necessariamente menor quando se está perante matéria de mera ordenação social, já que, nesta sede, as sanções em caso algum representam uma restrição ao direito fundamental à liberdade pessoal (artigo 27.º da CRP) pois as coimas representam sempre, apenas, uma afetação patrimonial, não tendo prisão sucedânea.

E, especificamente quanto ao apelo à ponderação de fatores atinentes à situação subjetiva do agente da infração, em especial quanto à culpa do agente (e ao juízo de proporcionalidade sobre a medida da coima), já se pronunciou a jurisprudência constitucional, não retirando da Constituição a exigência de a culpa graduar a própria medida da coima, assim, admitindo este Tribunal o estabelecimento de coimas fixas.

Assim se pode ler no Acórdão 344/2007:

«

[...] 9. [...] [N]ão pondo em dúvida que os princípios da proporcionalidade e da igualdade e mesmo o princípio da culpa também vinculem o legislador na configuração dos ilícitos contravencionais (como nos de contraordenação) e respetivas sanções (cf. Acórdão 547/2001, publicado no Diário da República, 2.ª série, de 15 de julho) é diferente o limite que deles decorre para a discricionariedade legislativa na definição do que o legislador pode assumir e o que deve ser deixado ao juiz na determinação concreta da sanção.

Designadamente, não ocorre aqui colisão com nenhum dos preceitos constitucionais em que se funda a afirmação de violação do princípio da culpa, que é o nuclear na fundamentação da referida jurisprudência do Tribunal a propósito da ilegitimidade constitucional de penas criminais fixas. Na verdade, não está em causa minimamente o direito à liberdade (artigo 27.º, n.º 1) porque a multa contravencional, diversamente da multa criminal, não tem prisão sucedânea. E só de modo muito remoto - e nunca por causa da sua invariabilidade - uma sanção estritamente pecuniária, num ilícito sem qualquer efeito jurídico estigmatizante, pode contender com o princípio da dignidade da pessoa humana (artigo 1.º), que é de onde o Tribunal tem deduzido o princípio da culpa na “Consti-tuição criminal”.

Como diz FIGUEIREDO DIAS, O Movimento da Descriminalização…, pág. 29, a propósito da culpa na imputação das contraordenações, também perante uma categoria de infrações, punidas “independen-temente de toda a intenção maléfica”, não se trata de uma culpa, como a jurídicopenal baseada numa censura ética dirigida à pessoa do agente, à sua abstrata intenção, mas apenas de uma imputação do ato à responsabilidade social do seu autor.

Assim entendido, o princípio da culpa pode ser pressuposto da imposição da sanção (fundamento), mas não é um fator constitucionalmente necessário da sua medida concreta (limite individual), não significando a cominação de uma multa contravencional fixa, por si só, violação dos artigos 1.º e 27.º, n.º 1, da Constituição.

10 - Verifica-se que no domínio do direito de mera ordenação social o Tribunal tem admitido a constitucionalidade de sanções pecuniárias (coimas) fixas. É do que dá conta o Acórdão 74/95 (Diário da República, 2.ª série, 12 de junho de 1995) quando, confrontado com a possibilidade de, na situação aí apreciada, o jogo interpretativo conduzir a uma identificação entre o máximo e o mínimo da moldura penal, afirma que “a jurisprudência deste Tribunal, plasmada nos Acórdãos n.º 83/91 (Diário da República, 2.ª série, de 30 de agosto de 1991) e n.º 441/93, tem sido a seguinte:

[...] dos princípios constitucionais da justiça, igualdade e proporcionalidade

«

não decorre necessariamente, de forma direta ou indireta, a ilegitimidade constitucional de todas as chamadas penas fixas

»

, não existindo assim um obstáculo constitucional a uma sanção contraordenacional dessa natureza”.

Ora, para o confronto com os princípios constitucionais em causa, uma contravenção punida, apenas, com multa não se diferencia de uma contraordenação punida com coima, porque estas sanções significam exatamente o mesmo na esfera jurídica do respetivo destinatário:

apenas e só o sacrifício patrimonial. Neste domínio, em que a punição não é baseada numa censura ética e em que prevalece a função admonitória, é constitucionalmente suportável que a sanção seja legalmente tarificada, reduzindo a intervenção mediadora do juiz na individualização da sanção, em homenagem a exigências de prevenção geral e de eficácia da dissuasão. [...]

»

.

Assim sendo quanto à definição dos ilícitos contraordenacionais e ao estabelecimento das coimas aplicáveis, poderia, por maioria de razão, num domínio em que os critérios para a diferenciação dos ilícitos puníveis e das medidas da punição se mostram significativamente menos relevantes - pois estamos já na definição dos limites temporais do exercício do poder sancionatório do Estado -, compreender-se a solução normativa questionada na ampla margem de liberdade do legislador ordinário em matéria de contraordenações em termos que não convocam uma censura constitucional.

Ora o concreto prazo de cinco anos consagrado pelo legislador na norma ora sindicada, para o exercício daquele poder do Estado em matéria sancionatória contraordenacional, não se mostra (muito menos num juízo de evidência) desproporcionado em face quer das finalidades prosseguidas, em geral, pelo legislador no domínio contraordenacional - a advertência social relacionada com a obser-vância de certas proibições ou imposições legislativas e, assim, com a promoção de determinadas condutas, in casu na área das relações jurídico-laborais-, quer da finalidade apontada pelo legislador de criação de condições para uma maior eficácia da ação fiscalizadora do Estado e da perseguição dos ilícitos (contraordenacionais laborais) em causa. Com efeito, no domínio contraordenacional, cabe ainda na margem de conformação do legislador a configuração em concreto da dimensão processual do instituto da prescrição do procedimento e, deste modo, a determinação do tempo necessário para o adequado desenvolvimento do mesmo procedimento com vista à prossecução das referidas finalidades.

Acresce que a neutralidade da advertência social que constitui a finalidade do direito sancionatório contraordenacional e a irrelevân-cia da censura ética do autor da infração - num domínio em que no conteúdo do tipo contraordenacional não se integram os bens jurídicos protegidos -, se afiguram ainda compagináveis com a fixação, pelo legislador, de um concreto prazo de cinco anos para a prescrição do procedimento contraordenacional, não justificando ou impondo qualquer distinção quanto ao prazo:

face à natureza contraordenacional do ilícito, a diferenciação do prazo de prescrição do procedimento não se mostra constitucionalmente devida.

Além disso, o concreto prazo único de cinco anos fixado pelo legislador, não sendo irrisório nem excessivamente longo em face da diversidade das situações de infração que motiva a (re)ação do Estado - nem sequer superior aos prazos fixados pelo legislador em outros domínios do ilícito de mera ordenação social (supra, 9.4.2) -, não se revela desproporcionado no quadro de um domínio das relações jurídicas, como é o caso das relações jurídicolaborais, que reveste considerável complexidade, apresenta amplas implicações sociais.

Acresce referir que, se a apontada natureza autónoma do direito sancionatório contraordenacional, incluindo quanto ao tipo de cominação (coima) e aos fins e valores associados à sanção contraordenacional, implica uma maior margem de conformação por parte do legislador na determinação do ilícito e na configuração do respetivo regime substantivo e processual, outras razões e interesses podem ainda justificar a opção legislativa de consagração de um prazo prescricional único de cinco anos para todos os procedimentos contraordenacionais laborais, qualquer que seja o ilícito concretamente em causa. Ao estabelecer o prazo prescricional do procedimento de contraordenações em matéria laboral - que não deixa de se revelar uma instrumento da certeza e segurança do direito - o legislador deve compaginar os interesses em presença, desde logo a realização, num prazo considerado adequado para o efeito, dos fins do direito sancionatório em causa e a advertência social de proibição de condutas, por um lado, e os interesses dos visados pela ação do Estado, por outro. E a fixação de um único prazo em concreto de cinco anos pode ainda ancorar-se na diversidade dos interesses envolvidos, que transcendem os meros interesses privados, como se assinalou no Acórdão 106/2014 exatamente em matéria de tutela contraordenacional laboral:

«

[...] não obedecem, na ordenação de comportamentos e à censura da infração de normas precetivas ou proibitivas, a proteção de interesses meramente individuais [...]. No âmbito da relação de trabalho, a tutela, mesmo a tutela contraordenacional, transcende os interesses privados, materializando a proteção de interesses constitucionalmente protegidos, como avulta, em especial, nos campos normativos juslaborais regulados em termos imperativos. A específica infração em questão nos presentes autos, relativa ao intervalo mínimo de descanso entre jornadas de trabalho consecutivas (artigo 214.º, n.º 1 do Código do Trabalho), ilustra com nitidez essa dimensão objetiva, concretizadora de direito social de natureza fundamental, como seja o direito à organização do trabalho em termos de permitir a conciliação da atividade profissional com a vida familiar e o direito ao repouso, que constituem incumbências do Estado (artigo 59.º, n.os 1, alíneas b) e d) e 2, da Constituição) [...]

»

.]

Deste modo, e na linha da jurisprudência citada quanto à definição (e diferenciação) das molduras das coimas, não se pode concluir por um juízo de inconstitucionalidade por ofensa do princípio da proporcionalidade mesmo em face do estabelecimento pelo legislador de um prazo de prescrição uniforme de cinco anos para todos os procedimentos de contraordenação laboral em causa.

18 - Assim, e não se vislumbrando que a norma (dimensão norma-tiva) ora sindicada seja suscetível de violar outras normas ou princípios constitucionais, resta concluir pela não desconformidade constitucional da dimensão normativa desaplicada pela decisão ora recorrida.

III - Decisão

19 - Pelo exposto, acordam em:

a) Não julgar inconstitucional a norma do artigo 52.º da Lei 107/2009, de 14 de setembro,

«

ao prever um prazo único de cinco anos para a prescrição do procedimento por contraordenação laboral, independentemente da gravidade da infração, do grau de culpa do infrator, da sua capacidade económica ou da moldura aplicável

»; e, em consequência, b) Conceder provimento ao recurso e determinar a reforma da decisão recorrida em conformidade com o precedente juízo de não inconstitucionalidade. Sem custas, por não serem legalmente devidas. Lisboa, 12 de maio de 2016. - Maria José Rangel de Mesquita - Fernando Vaz Ventura - Maria de Fátima MataMouros - Pedro Machete - João Cura Mariano - Lino Rodrigues Ribeiro - Catarina Sarmento e Castro - João Pedro Caupers - Ana Guerra Martins - Maria Lúcia Amaral - Teles Pereira - Joaquim de Sousa Ribeiro.

209632434

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