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Acórdão 384/2005/T, de 20 de Setembro

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Texto do documento

Acórdão 384/2005/T. Const. - Processo 245/2005. - Acordam na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional:

I - Relatório. - 1 - A União Indiana solicitou à República Portuguesa, ao abrigo da Convenção Internacional para a Repressão de Atentados Terroristas à Bomba, aberta para assinatura, em Nova Iorque, em 12 de Janeiro de 1998, aprovada, para ratificação, pela Resolução da Assembleia da República n.º 40/2001, de 5 de Abril, e ratificada pelo Decreto do Presidente da República n.º 31/2001, de 25 de Junho (doravante designada por Convenção de Nova Iorque), a extradição do seu nacional Abu Salem Abdul Qayoom Ansari a fim de ser julgado pelos crimes nesse pedido elencados, alguns dos quais abstractamente puníveis com pena de morte e pena de prisão perpétua.

O Procurador-Geral da República emitiu parecer (cf. de fl. 3 a fl. 12) no sentido da admissibilidade do pedido, por, relativamente aos crimes abstractamente puníveis com a pena de morte, resultar do artigo 34.º-C do Extradition Act de 1962, da União Indiana, a comutação dessa pena em pena de prisão perpétua, e por, relativamente aos crimes puníveis com prisão perpétua (quer directamente cominada quer resultante da comutação ex lege da pena de morte), existirem garantias bastantes das autoridades indianas no sentido da não execução dessa pena. Entendeu-se, porém, não ser admissível o pedido quanto aos crimes cujo procedimento, nos termos da lei portuguesa, se encontrava extinto por prescrição, e quanto aos crimes puníveis com pena de prisão perpétua que não cabiam no âmbito de aplicação da Convenção de Nova Iorque, por, estando por esse motivo prejudicado o exercício da faculdade prevista no n.º 2 do seu artigo 9.º e não existindo outra base convencional vigente entre a União Indiana e a República Portuguesa, não estarem verificados, quando a estes crimes, os requisitos do artigo 33.º, n.º 4, da Constituição da República Portuguesa (CRP).

Foi com o âmbito assim delimitado que a Ministra da Justiça, por despacho de 28 de Março de 2003 (publicado no Diário da República, 2.ª série, n.º 86, de 11 de Abril de 2003, a pp. 5662 e 5663 - cf. de fl. 53 a fl. 54 destes autos), considerou admissível o pedido de extradição.

Tendo o Ministério Público requerido ao Tribunal da Relação de Lisboa a concessão da extradição assim delimitada (cf. de fl. 20 a fl. 34), procedeu-se à audição do extraditando, que declarou não dar o seu consentimento à extradição e não prescindir da regra da especialidade (cf. de fl. 101 a fl. 104).

O extraditando deduziu, por escrito, oposição ao pedido de extradição (fls. 142-174), tendo, após diversas diligências instrutórias, sido proferido o Acórdão de 4 de Fevereiro de 2004 (fls. 898-908), pelo qual o Tribunal da Relação de Lisboa decidiu autorizar a extradição do extraditando para a União Indiana para aí ser julgado pelos crimes constantes do pedido formulado pelo Ministério Público, com excepção dos puníveis com pena de morte ou com pena de prisão perpétua (crimes indicados sob os n.os I-1, I-2, I-3, I-5, I-6, I-7, VII-1 a VII-5 do relatório desse acórdão).

Este acórdão foi anulado por Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 9 de Junho de 2004 (fls. 1130-1158), face à procedência dos vícios de falta de fundamentação de facto e de omissão de pronúncia.

2 - Na sequência dessa anulação, o Tribunal da Relação de Lisboa proferiu o Acórdão de 14 de Julho de 2004 (fls. 1171-1189), com o mesmo conteúdo decisório do anterior acórdão.

Após elencar a matéria de facto tida por provada e por não provada, o Tribunal da Relação de Lisboa passou a apreciar os fundamentos da oposição à extradição deduzidos pelo extraditando, relativos a: i) inexistência de reciprocidade; ii) inexistência de garantia formal de que a pessoa reclamada não será extraditada para terceiro Estado; iii) falta de garantia de que a pessoa reclamada não será detida por factos diversos dos que fundamentam o pedido; iv) ausência de garantias de que não serão aplicadas ao extraditando a pena de morte ou a pena de prisão perpétua; v) ausência de garantias de que ele não será julgado por um tribunal de excepção; vi) violação das garantias estabelecidas na Convenção Europeia para a Protecção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais, e vii) risco de agravamento da situação processual do extraditando.

Sobre as questões da reciprocidade e das garantias de não aplicação de pena de morte ou de pena de prisão perpétua - únicas que interessam ao presente recurso de constitucionalidade - o Tribunal da Relação de Lisboa expendeu o seguinte:

"A questão da reciprocidade:

12 - O primeiro fundamento invocado pelo extraditando para se opor ao pedido formulado pelo Ministério Público é o de ausência de reciprocidade no que se refere a todos os processos por crimes não abrangidos pelo artigo 2.º da Convenção Internacional para a Repressão de Atentados Terroristas à Bomba, ou seja, por todos aqueles que foram incluídos naquela peça processual, excepção feita aos que são objecto dos processos RC-1(S)93 e CR144/95.

Analisemos então a questão colocada.

De acordo com o n.º 1 do artigo 3.º da Lei 144/99, de 31 de Agosto, 'as formas de cooperação a que se refere o artigo 1.º', entre as quais se conta a extradição, 'regem-se pelas normas dos tratados, convenções e acordos internacionais que vinculem o Estado Português e, na sua falta ou insuficiência, pelas disposições deste diploma'.

Embora alguns autores considerem que o Estado Português e a União Indiana, em matéria de extradição, ainda se encontram vinculados pelo tratado celebrado entre o nosso país e o Reino Unido em 17 de Outubro de 1892, modificado e estendido ao território da União Indiana pela Convenção de 20 de Janeiro de 1932 [v., nesse sentido, nomeadamente SERRANO, Mário Mendes, 'Extradição - Regime e praxis', in Cooperação Internacional Penal, Lisboa, CEJ, 2000, p. 23 e notas 37 e 39, e DELGADO, Filomena, 'A extradição', in Boletim do Ministério da Justiça, n.º 367, p. 57], o certo é que tal tratado, de duvidosa vigência [sobre a sucessão de tratados no caso de Estados que recentemente acederam à independência veja-se, nomeadamente, SHAW, Malcolm N., International Law, 4th edition, Cambridge University Press, United Kingdom, 1997, pp. 692 e segs., e a Convenção de Viena sobre a Sucessão de Estados em Matéria de Tratados, de 23 de Agosto de 1978, se bem que não assinada nem ratificada por Portugal (para consulta do seu texto veja-se, nomeadamente, ESCARAMEIA, Paula, Colectânea de Leis de Direito Internacional, 3.ª ed., Lisboa, Universidade Técnica de Lisboa, 2003, pp. 77 e segs.)], não foi invocado nem por um nem por outro dos Estados [considerando até a União Indiana que nenhum tratado bilateral entre os dois Estados está actualmente em vigor (v. fl. 21 do apenso I)], que apenas fundamentaram o pedido e a sua satisfação na referida Convenção Internacional para a Repressão de Atentados Terroristas à Bomba [aprovada, para ratificação, pela Resolução da Assembleia da República n.º 40/2001, de 25 de Junho, e ratificada pelo Decreto do Presidente da República n.º 31/2001, da mesma data] e no princípio da reciprocidade.

A ausência de um tratado de extradição entre os dois países não impede, no entanto, em geral, a cooperação uma vez que o nosso ordenamento constitucional apenas exige a celebração de uma convenção internacional no caso de a extradição ter na base um crime punível, segundo a lei do Estado requerente, com 'pena ou medida de segurança privativa ou restritiva da liberdade com carácter perpétuo ou de duração indefinida' (artigo 33.º, n.º 4). Fora desse âmbito, a cooperação internacional em matéria penal funda-se na mencionada Lei 144/99, de 31 de Agosto.

Assim sendo, a procedência do pedido formulado pelo Ministério Público depende, quanto aos crimes atrás mencionados que não são objecto dos processos RC-1(S)93 e CR 144/95, do preenchimento das condições estabelecidas nesse diploma, uma das quais é, de facto, a existência de reciprocidade (n.º 1 do artigo 4.º [de acordo com este preceito "a cooperação internacional em matéria penal regulada no presente diploma releva do princípio da reciprocidade"]).

No caso concreto, a garantia de reciprocidade consta do próprio pedido de extradição apresentado em nome da União Indiana pelo seu Ministro dos Negócios Estrangeiros [v. a redacção do original a fl. 2 do apenso I]. Mas, mesmo que se considerasse que essa garantia não se encontrava aí suficientemente expressa, ela resultaria, conforme se explica na carta do primeiro-secretário da Embaixada da Índia, junta a fl. 116, do facto de, ao abrigo do artigo 3.º da Lei de Extradição da União Indiana, ter sido aprovado e publicado o despacho GRS-822(E), de 13-12-2002, em que se determina a aplicação dessa mesma lei à República Portuguesa, diploma esse que assegura o respeito pelo princípio da reciprocidade.

Mas, mesmo que nenhuma dessas garantias existisse, a ausência de reciprocidade não impediria, só por si, a cooperação.

Na realidade, como flui do n.º 3 do artigo 4.º da Lei 144/99, de 31 de Agosto, a exigência de reciprocidade pode ser dispensada pelo Ministro da Justiça [uma vez que é o Ministro da Justiça que, nos termos do n.º 2 do artigo 4.º, "solicita uma garantia de reciprocidade se as circunstâncias o exigirem"] nas situações enunciadas nas três alíneas desse mesmo preceito.

Nesses casos, nomeadamente quando o poder político entenda que existe a necessidade de lutar contra determinadas formas de criminalidade, o Estado Português pode, mesmo assim, cooperar com o Estado estrangeiro.

Daí que, mesmo nesse caso, tendo S. Ex.ª a Ministra da Justiça aceite o pedido de extradição apresentado pela União Indiana, não seria a inexistência de reciprocidade que obstaria à sua admissibilidade.

[...]

A ausência de garantias de que não serão aplicadas ao extraditando a pena de morte ou a pena de prisão perpétua:

14 - A Constituição da República Portuguesa proíbe a extradição 'por crimes a que corresponda, segundo o direito do Estado requisitante, pena de morte ou pena de que resulte lesão irreversível da integridade física' [artigo 33.º, n.º 6, da Constituição da República Portuguesa], proibição essa que fundamenta, de acordo com a lei ordinária, a recusa de cooperação [alínea f) do n.º 1 do artigo 6.º da Lei 144/99, de 31 de Agosto].

No caso concreto, cinco dos crimes por que foi pedida pelo Ministério Público a extradição são puníveis, em abstracto, em face do Código Penal indiano, com pena de morte.

Porém, o artigo 34.º-C da Lei de Extradição indiana, aplicável a este pedido por força do mencionado despacho de 13 de Dezembro de 2002, altera as penas previstas nas normas incriminadoras, prevendo que, em casos como o presente, os mencionados crimes passem a ser puníveis, em abstracto, com pena de prisão perpétua [v. fl. 20 do apenso I].

Não se verifica, assim, o obstáculo à cooperação previsto na alínea e) do n.º 1 do artigo 6.º da Lei de Cooperação Internacional em Matéria Penal.

15 - Como já se referiu anteriormente, a nossa lei fundamental, na redacção ainda vigente [Note-se que durante o último processo de revisão constitucional, cujo texto ainda não foi publicado, foi aprovada uma nova redacção do n.º 4 do artigo 33.º da Constituição, em que a expressão "em condições de reciprocidade estabelecidas em convenção internacional e desde que o Estado requisitante" é substituída pela expressão "se, nesse domínio, o Estado requisitante for parte de convenção internacional a que Portugal esteja vinculado".], apenas permite 'a extradição por crimes a que corresponda, segundo o direito do Estado requisitante, pena ou medida de segurança privativa ou restritiva da liberdade com carácter perpétuo ou de duração indefinida, em condições de reciprocidade estabelecidas em convenção internacional e desde que o Estado requisitante ofereça garantias de que tal pena ou medida de segurança não será aplicada ou executada' [artigo 33.º, n.º 4, da Constituição da República Portuguesa].

A Constituição exige, portanto, dois requisitos para a admissibilidade, nesse caso, da extradição:

Condições de reciprocidade estabelecidas em convenção internacional;

Garantias prestadas pelo Estado requerente de que a pena ou a medida de segurança não serão, em concreto, aplicadas ou executadas.

Analisemos então o primeiro requisito exigido por essa disposição, o relativo à existência de uma convenção internacional em que se assegure o respeito pelo princípio da reciprocidade.

Diga-se antes do mais que uma tal convenção, por incidir sobre matérias relativas a direitos, liberdades e garantias e ao processo criminal [alíneas b) e c) do n.º 1 do artigo 165.º da Constituição da República Portuguesa], deverá ser aprovada pela Assembleia da República [alínea i) do artigo 161.º da Constituição da República Portuguesa] e ratificada pelo Presidente da República [alínea b) do artigo 135.º da Constituição da República Portuguesa], órgãos de cuja vontade depende, portanto, a vinculação do Estado Português.

Uma vez que, como se disse, o próprio Estado Indiano não considera vigente a convenção celebrada pela potência colonial antes da declaração de independência [v. o preâmbulo do Despacho de 13 de Dezembro de 2002], o instrumento requerido pela Constituição da República Portuguesa só poderia neste caso ser a já mencionada Convenção Internacional para a Repressão de Atentados Terroristas à Bomba, aprovada pela Resolução da Assembleia da República n.º 40/2001 e ratificada pelo Decreto do Presidente da República n.º 31/2001, ambos publicados em 25 de Junho.

De acordo com o n.º 2 do seu artigo 9.º, 'se um Estado Parte, que condiciona a extradição à existência de um tratado, receber um pedido de extradição formulado por um outro Estado Parte com o qual não tenha qualquer tratado de extradição, o Estado Parte requerido poderá, se assim o entender, considerar a presente Convenção como a base jurídica para a extradição relativamente aos crimes previstos no artigo 2.º A extradição ficará sujeita às restantes condições previstas pelo direito interno do Estado requerido.'

Pareceria assim, à primeira vista, estar encontrada a base legal que permitia o deferimento do pedido formulado no que se refere aos 11 crimes abrangidos pela previsão do artigo 2.º dessa Convenção e puníveis, em abstracto, com prisão perpétua.

A pretensão de encontrar neste instrumento a fonte legitimadora da extradição quanto a esses crimes depara porém com um obstáculo que se nos afigura incontornável. De facto, embora essa convenção tenha sido aprovada pela Assembleia da República e ratificada pelo Presidente da República, o vínculo que com base nela se estabelece entre o Estado Português e a União Indiana não resulta da aprovação e ratificação mas, no que a Portugal respeita, do despacho de S. Ex.ª a Ministra da Justiça. A convenção, só por si, apenas admite a possibilidade de a extradição poder ser concedida.

Quer isto dizer que os órgãos que para o efeito estão constitucionalmente legitimados não manifestaram a vontade de vincular o Estado Português ao dever de extraditar para a União Indiana pessoas acusadas de factos puníveis, em abstracto, com prisão perpétua, o que é exigido pelo artigo 33.º, n.º 4, da Constituição da República Portuguesa.

Outro entendimento acabaria por legitimar a delegação da competência reservada à Assembleia da República e ao Presidente da República num membro do Governo, no caso o Ministro da Justiça, o que constituiria uma contravenção ao disposto no n.º 2 do artigo 111.º da Constituição da República Portuguesa.

Por tudo isto, considera-se que não existe fundamento constitucionalmente legítimo para conceder a extradição do arguido Abu (ou Abbu) Salem Abdul Quayoom Ansari para a União Indiana para ele aí ser julgado pelos crimes puníveis (quer directamente quer em resultado do funcionamento do disposto no artigo 34.º-C da Lei de Extradição indiana) com pena de prisão perpétua (crimes indicados sob os n.os I-1, I-2, I-3, I-5, I-6, I-7 e VII-1 a VII-5 do relatório).

16 - A questão que ainda nesta sede se pode colocar é a de saber quais são as consequências a extrair da existência de requisitos negativos da cooperação quanto a alguns dos crimes englobados no pedido de extradição. Deverão eles impedi-la apenas quanto a esses crimes ou, pelo contrário, deve-lhes ser atribuído um carácter mais geral, obstando a toda e qualquer cooperação com o Estado requerente no caso concreto?

Poder-se-ia, por um lado, argumentar que, sendo negada a extradição do arguido com fundamento na alínea f) do n.º 1 do artigo 6.º da Lei 144/99, de 31 de Agosto, deveria ser 'instaurado procedimento penal pelos factos que fundamentam o pedido, sendo solicitados ao Estado requerente os elementos necessários' [cf. n.º 5 do artigo 32.º da Lei 144/99, de 31 de Agosto], o que poderia conduzir à aplicação ao arguido de uma pena de 25 anos. Nesse caso, a concessão de extradição poderia traduzir-se numa forma ínvia de acabar por impor uma pena de prisão, pelo menos, tendencialmente perpétua.

Tal argumento não nos parece ser, neste caso, pertinente, uma vez que o disposto no n.º 5 do artigo 32.º da Lei da Cooperação [que amplia o anteriormente previsto no n.º 2 do artigo 31.º da Lei 43/91, de 22 de Janeiro] e o regime previsto na alínea e) do artigo 5.º do Código Penal [redacção introduzida pela Lei 65/98, de 2 de Setembro] não são aplicáveis a crimes cometidos antes da sua entrada em vigor, razão pela qual não existe fundamento legal para julgar o arguido em Portugal pelos mencionados crimes.

Ora, assim sendo, a completa negação da cooperação conduzia à impunidade, mesmo por crimes em relação aos quais, quando considerados isoladamente, nada havia que a impedisse.

17 - Poder-se-ia também dizer que, vindo a ser concedida a extradição apenas por alguns dos crimes, o Estado requerente não estaria impedido de julgar o extraditado por outros crimes, desde que contidos no pedido de cooperação, uma vez que foi essa a extensão que deu ao compromisso que prestou [v. fl. 112], aparentemente reafirmado no articulado apresentado pelos seus mandatários [v. fl. 387], que parecem até não ter tomado conhecimento do indeferimento parcial do pedido resultante da decisão de S. Ex.ª a Ministra da Justiça, o que não seria sequer contrariado pelo teor literal do n.º 2 do artigo 16.º da Lei 144/99, de 31 de Agosto, disposição em que se consagra a regra da especialidade.

Também essa objecção se nos afigura não ser pertinente, uma vez que se deve entender que as garantias prestadas e a norma citada se referem aos termos da decisão de entrega, e não aos termos do pedido formulado (n.º 3 do artigo 16.º), o que, de resto, está conforme com o sentido da alínea a) do artigo 21.º da Lei Indiana de Extradição e foi reafirmado pelo Tribunal Supremo da União Indiana.

18 - Diga-se ainda que, sendo imputada ao extraditado uma pluralidade de crimes, cada um deles punível com pena de prisão não inferior a 1 ano [De acordo com o disposto no n.º 3 da Lei 144/99, de 31 de Agosto, "se a extradição tiver por fundamento vários factos distintos, cada um deles punível pela lei do Estado requerente e pela lei portuguesa com uma pena privativa de liberdade e se algum ou alguns deles não preencherem a condição referida no número anterior (punição com pena privativa de liberdade de duração não inferior a um ano), pode também conceder-se a extradição por estes últimos"], importaria conhecer as regras que disciplinam, na União Indiana, a situação de concurso e a sua punição para assim nos podermos certificar de que, pela via da cumulação material das penas, não viria a ser aplicada ao extraditando uma pena de prisão superior ao da sua esperança de vida, o que a transformaria numa pena perpétua.

Tal não se torna, porém, necessário uma vez que a União Indiana assegurou ao Estado Português que, caso fosse aplicado pelos tribunais uma pena superior, esta seria reduzida a 25 anos de prisão.

Nada obsta, portanto, a que se apreciem os restantes aspectos do pedido apresentado pela União Indiana."

E, tendo sido julgadas improcedentes as questões suscitadas pelo extraditando quanto à inexistência de garantia formal de que a pessoa reclamada não será extraditada para terceiro Estado, à falta de garantia de que a pessoa reclamada não será detida por factos diversos dos que fundamentam o pedido, à ausência de garantias de que ele não será julgado por um tribunal de excepção, à violação das garantias estabelecidas na Convenção Europeia para a Protecção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais e ao risco de agravamento da situação processual do extraditando, a extradição acabou por ser autorizada nos termos limitados atrás indicados.

3 - Foram interpostos dois recursos contra o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa para o Supremo Tribunal de Justiça: um, pelo Ministério Público (fls. 1195-1221), propugnando o deferimento do pedido de extradição "também quanto aos crimes punidos com pena de morte ou prisão perpétua"; outro, pelo extraditando (fls. 1326-1385), sustentando a declaração de nulidade do acórdão recorrido (por omissão de pronúncia e falta de fundamentação), o reconhecimento da violação do princípio da especialidade e dos demais requisitos substanciais necessários à concessão do pedido de extradição, com consequente indeferimento deste pedido na sua totalidade, ordenando-se o seu julgamento em Portugal por todos os crimes relativamente aos quais foi ordenado o seu julgamento na União Indiana.

Quer o Ministério Público (fls. 1537-1555) quer o extraditando (fls. 1561-1577) responderam às motivações dos recursos apresentados pela outra parte.

4 - No Supremo Tribunal de Justiça, o respectivo conselheiro relator proferiu, em 17 de Dezembro de 2004, o seguinte despacho (fl. 1620):

"Como é sabido, a Constituição da República Portuguesa só admite a extradição por crimes a que corresponda, segundo o direito do Estado requisitante, pena restritiva da liberdade com carácter perpétuo ou de duração indefinida se, além do mais, o Estado requisitante oferecer 'garantias de que tal pena não será aplicada ou executada' (artigo 33.º, n.º 4).

O texto constitucional, porém, 'não esclarece se a apreciação da suficiência das garantias incumbe exclusivamente ao Governo ou se o tribunal também se pode [e deve] pronunciar sobre essa matéria' (cf. Cooperação Internacional Penal, CEJ, 2000, p. 91).

Ora, uma das questões suscitadas no recurso do extraditando tem, justamente, a ver com 'a validade, a suficiência e o poder vinculativo das garantias prestadas pelo Estado requerente ao Estado Português, quanto à insusceptibilidade de o extraditando vir a ser condenado numa pena superior a 25 anos de prisão, por força da cumulação das penas aplicáveis:

Apesar de a decisão recorrida, na sua estrutura, ter agora maior correspondência com as exigências de um acórdão, o tribunal a quo voltou a não se pronunciar sobre a validade, a suficiência e o poder vinculativo das garantias prestadas pelo Estado requerente ao Estado Português, quanto à insusceptibilidade de o extraditando vir a ser condenado a uma pena superior a 25 anos de prisão, por força da cumulação das penas aplicáveis aos crimes relativamente aos quais for ordenada a sua extradição. O ora recorrente tem sérias dúvidas sobre o poder vinculativo dessas garantias do próprio Estado requerente, contestando a legitimidade do Vice-Primeiro-Ministro L. K. Advani para, no dia 17 de Dezembro de 2002, apresentar a garantia constante de fl. 6 a fl. 7 do pedido de extradição, como sendo vinculativa do Governo e da própria União Indiana.'

Num Estado de direito, o Governo de um Estado (ou o Governo central de uma união de Estados, como a União Indiana) jamais poderá garantir a não aplicação, pelos tribunais, de uma pena de prisão perpétua ou indefinida.

E mesmo num Estado ou união de Estados a quem compita, segundo seu direito interno (que não será sequer o Estado requerente), a execução das sentenças condenatórias dos tribunais criminais, uma garantia 'de carácter político e diplomático' da não execução de uma eventual pena de prisão perpétua também depara com dificuldades de tomo: desde logo, a de uma alteração desse regime que confira a execução das sentenças criminais aos próprios tribunais e, outrossim, a de à partida não ser (seriamente) garantível pelo respectivo governo central, num Estado ou união de Estados em que a comutação das penas caiba constitucionalmente ao chefe do Estado ou ao presidente da União, a futura outorga, por quem então o for, dessa benesse ao antigo extraditado.

Daí que, neste domínio, só uma (outra) garantia (suplementar) se afigure inequívoca: a de o Estado requerente 'aceitar [como integrante do pedido de extradição] a conversão das penas [se, efectivamente, de morte ou de prisão perpétua ou indefinida], por um tribunal português, segundo as disposições da lei portuguesa aplicáveis aos crimes [que, eventualmente, venham a motivar uma tal condenação]' [cf. artigo 6.º, n.º 2, alínea c), da Lei 144/99, de 31 de Agosto].

Assim sendo, importará, antes de se avançar para a decisão do recurso, que:

a) Se requisite, à Amnistia Internacional (fl. 1395), segunda via do 'parecer' que se anunciou acompanhar - mas não terá acompanhado - a sua carta n.º 752/2004 dirigida em 2 de Agosto de 2004 à Relação de Lisboa; e

b) Se oiçam os mandatários, no processo, da União Indiana (fls. 1397 e segs.) para que, em cinco dias, se pronunciem sobre a viabilidade da sugerida garantia suplementar e, em caso afirmativo, sobre o prazo mínimo de que ainda carecerão para (se for caso disso) a obterem, através da sua Embaixada em Lisboa, do Estado requerente."

5 - Em resposta a esta última solicitação, a União Indiana apresentou, em 28 de Dezembro de 2004, o seguinte requerimento (fls. 1662-1666):

"1 - A União Indiana considera que prestou à República Portuguesa - com base nas suas disposições constitucionais e legais, bem como tendo em conta as disposições constitucionais e legais portuguesas e a jurisprudência dos nossos tribunais superiores - garantias válidas, seguras, credíveis e suficientes, no sentido de que, caso a extradição venha a ser autorizada, o Sr. Abu Salem Ansari não será sujeito a uma pena superior a 25 anos de prisão, a pena máxima admitida pelo Direito português.

2 - De um lado, no que respeita aos crimes puníveis, em abstracto e em teoria, com pena de morte, essa pena é insusceptível de ser aplicada pelos tribunais indianos in casu, uma vez que o artigo 34.º-C da Lei de Extradição indiana procede, como demonstrado e reconhecido nos autos, a uma alteração da estatuição de tais normas incriminadoras, convertendo automaticamente a pena de morte em pena de prisão perpétua.

3 - Deste modo, e como o artigo 34.º-C da Lei de Extradição indiana é parte integrante do ordenamento jurídico indiano, estando os tribunais indianos obrigados a tomá-la em consideração caso a extradição seja autorizada, a aplicação da pena de morte é, summo rigore, uma impossibilidade jurídica.

4 - De outro lado, quanto aos crimes puníveis, em abstracto, com pena de prisão perpétua, a garantia prestada por S. Ex.ª o Senhor Vice-Primeiro-Ministro do Governo da União Indiana assegurando à República Portuguesa a não execução desta pena - nos termos e de acordo com os artigos 72.º e 73.º da Constituição Indiana, os artigos 432.º, n.º 1, 433.º, alíneas a) e b), do Código de Processo Penal indiano e o artigo 34.º-C da Lei da Extradição Indiana, tudo conforme já evidenciado nos autos - é uma garantia válida e vinculativa à luz do direito constitucional e legal indiano (cf. nomeadamente o parecer subscrito pelo eminente jurisconsulto indiano Dr. N. M. Ghatate, já junto aos autos).

5 - Tal garantia foi prestada pela entidade competente de acordo com o sistema político-constitucional de distribuição de poderes e competências vigente na União Indiana, pois o artigo 72.º, n.º 1, alínea b), da Constituição Indiana confere ao Presidente da Índia os poderes necessários para, designadamente, conceder perdões, anular penas ou comutar sentenças, mas o artigo 74.º da referida Constituição prescreve que a decisão do Presidente, nesta matéria como noutras, está vinculada à decisão prévia do Governo, mesmo que aquele com esta não concorde, pelo que é o Governo o órgão verdadeiramente competente para prestar a garantias dos autos, conforme reconhece jurisprudência pacífica e consolidada (casos Maru Ram v. UOI 1981 I SCC 107 e Kehar Singh v UIO 1989 I SCC 204).

6 - A garantia prestada pela União Indiana, enquanto Estado soberano, é fundada em preceitos legais e é vinculativa para o actual e para futuros presidentes e governos, como resulta das regras de direito internacional público que exigem que garantias soberanas solenes prestadas entre Estados soberanos sejam respeitadas no futuro e como exige a tradicional estoppel doctrine, pelo que permanece válida e eficaz independentemente da pessoa que momentaneamente ocupa este ou aquele cargo.

7 - A União Indiana considera ainda que a garantia prestada satisfaz as condições e os requisitos estabelecidos pelo Direito português, na medida em que o artigo 6.º, n.º 2, alínea b), da Lei 144/99, de 31 Agosto, admite que o Estado requerente ofereça garantias de que a pena de prisão perpétua não será aplicada ou executada, dispondo o n.º 3 do mesmo artigo que a apreciação da suficiência de tais garantias terá em conta, nomeadamente, nos termos da legislação e da prática do Estado requerente, a possibilidade de indulto, perdão, comutação de pena ou medida análoga, previstos na legislação do Estado requerente.

8 - A União Indiana reitera ainda que o sistema processual penal indiano não procede à alegada, e não demonstrada ou sequer indiciada, soma aritmética das penas em que o extraditando viesse, porventura, a ser condenado, caso fosse autorizada a sua extradição, pois entende-se que tais penas correm simultaneamente.

9 - Foi com base em todos estes pressupostos que a União Indiana prestou as garantias constantes dos presentes autos, que considerou bastantes, não tendo, por isso, prestado outras garantias.

10 - Além disso, nomeadamente no que se refere à garantia prevista no artigo 6.º, n.º 2, alínea c), da Lei 144/99, de 31 de Agosto, a União Indiana considerou, porventura erradamente, que a mesma se aplicaria apenas a casos de cooperação judiciária internacional relativos a agentes já condenados, e não a casos de extradição para julgamento dos agentes no Estado requerente.

Contudo,

11 - Sem prejuízo do que se expôs, caso se entenda que se mantém a necessidade de prestar outras garantias, tendo em conta a presente solicitação do Supremo Tribunal de Justiça, a União Indiana está inteiramente disponível para prestar ao Estado Português quaisquer garantias adicionais, compatíveis com o direito internacional e com o direito indiano, no sentido de dar maior conforto às autoridades portuguesas de que o Sr. Abu Salem Ansari não será, em qualquer caso, sujeito a uma pena de prisão superior a 25 anos.

12 - Para que a União Indiana possa prestar a garantia adicional agora solicitada em conformidade com o seu direito interno - no caso, evidentemente, de o Supremo Tribunal de Justiça entender que tal garantia é necessária -, requer-se a VV. Exmas., respeitosamente, que esclareçam e clarifiquem o modo como a mesma deve ser prestada, o respectivo conteúdo e a forma como seria executada.

13 - Desde já se indica o prazo de 30 dias como o prazo mínimo necessário para levar a cabo todos os trâmites necessários à prestação de uma garantia dessa natureza."

6 - Em complemento a este requerimento, a União Indiana veio a apresentar, em 5 de Janeiro de 2005, o seguinte requerimento (fls. 1689-1691):

"1 - A União Indiana apresentou, na passada semana, perante este Supremo Tribunal, e na sequência de notificação para o efeito, um requerimento relativo à prestação de garantias de que o extraditando, o Sr. Abu Salem Ansari, não será sujeito, uma vez extraditado para a União Indiana, a uma pena de prisão superior a 25 anos, a pena máxima admitida pelo direito português.

2 - No seguimento de tal requerimento, e ainda a respeito da validade e da suficiência das garantias já prestadas pelo Governo Indiano, vem a União Indiana, pelo presente, prestar o seguinte esclarecimento adicional.

3 - O artigo 77.º da Constituição Indiana regula a atribuição de poderes ao Governo Indiano e aos seus membros individualmente considerados, bem como certos aspectos da relação entre o Governo e o Presidente.

4 - Com relevância para o caso dos autos, o n.º 1 do referido preceito constitucional refere que todas as acções executivas do Governo são efectuadas em nome do Presidente da Índia.

5 - Estabelecendo o n.º 3 do mesmo artigo que o Presidente criará regras para uma conveniente gestão dos assuntos do Governo Indiano, procedendo à distribuição de poderes e competências pelos vários ministros.

6 - O então Presidente da União Indiana, no exercício dos poderes que lhe confere o artigo 77.º da Constituição Indiana, aprovou o 'Allocation of Business Rules Act, 1961', onde constam as regras, datadas de 1961, relativas à repartição de poderes pelo Governo Indiano, as quais se mantêm em vigor ainda hoje.

7 - De acordo com o parágrafo segundo das referidas regras, as matérias relativas a direito penal e direito processual penal, incluindo as matérias relativas a concessão de perdões, indultos, anulação de penas e comutação de sentenças, são da competência do Ministro dos Assuntos Internos.

8 - Deste modo, o então Vice-Primeiro-Ministro, o Sr. L.K. Advani, à data da prestação da garantia constante destes autos também titular da pasta dos Assuntos Internos, era, nos termos constitucionais e legais indianos, a pessoa competente para prestar a garantia de que não será aplicada ao extraditando, o Sr. Abu Salem Ansari, pena de prisão superior a 25 anos.

9 - E tal garantia é, consequentemente, válida e vinculativa para o actual e para futuros Governos da União Indiana (bem como para as demais entidades relevantes, conforme já explicado nos autos).

10 - É de notar que o n.º 2 do artigo 77.º da Constituição Indiana refere expressamente que a validade dos actos executados pelo Governo em nome do Presidente nos termos das referidas normas não poderá ser posta em causa com o fundamento de que não foram executados pelo próprio Presidente.

11 - Pelo exposto, requer-se a junção aos autos de uma cópia do artigo 77.º da Constituição Indiana, acompanhada da respectiva tradução para língua portuguesa.

12 - A União Indiana juntará, se for considerado necessário, as aludidas normas aprovadas pelo Presidente da Índia em 1961 ao abrigo do artigo 77.º, n.os 2 e 3, da Constituição Indiana, bem como tudo mais que for julgado pertinente."

Em anexo a este requerimento foi junta tradução de inglês para português do artigo 77.º da Constituição Indiana (fls. 1693-1694).

Na sequência de despacho do conselheiro relator do Supremo Tribunal de Justiça, de 6 de Janeiro de 2005 (fl. 1702), foram os recorrentes/recorridos notificados da junção do aludido documento, o que não suscitou qualquer reacção.

7 - Por Acórdão de 27 de Janeiro de 2005 (fls. 1711-1731), o Supremo Tribunal de Justiça (STJ) concedeu provimento ao recurso do Ministério Público e negou-o ao do extraditando, autorizando a extradição deste para a União Indiana "com vista ao seu julgamento com vista à totalidade dos crimes identificados no pedido do Ministério Público".

Esta alteração do decidido no acórdão recorrido assentou na seguinte fundamentação:

"10 - Crimes puníveis com pena de morte:

10.1 - 'Relativamente aos crimes puníveis com pena de morte ou, em alternativa, com prisão perpétua, os tribunais indianos estão obrigados a aplicar, em caso de extradição de Abu Salem, o disposto no artigo 34.º-C do Extradition Act, 1962 (ou na secção 34-C da Lei de Extradição da Índia de 1962', ou seja, a converter em prisão perpétua a pena de morte que eventualmente venha a caber [abstractamente] a algum ou alguns dos seus crimes.

10.2 - Com efeito, e como bem aduz o MP na motivação do seu recurso, 'nos termos do artigo 34.º-C da Lei de Extradição indiana (Extradition Act, 1962), quem seja entregue ao Estado Indiano na sequência de um pedido de extradição por crimes a que corresponda a pena de morte não poderá ser condenado nessa pena se as leis do Estado requerido não sancionarem a prática desse crime com a pena de morte". Ante, pois, a inaplicabilidade da pena de morte, pelos tribunais indianos, a crimes cometidos aos extraditados provenientes de países que a não cominem genérica ou especificamente, 'não se poderá sequer dizer' - como concluiu, e bem, a Relação de Lisboa - 'que [quaisquer d]os crimes pelos quais se requer a extradição sejam [concretamente] puníveis com pena de morte'.

10.3 - Nem se obtempere - como fez o extraditando na sua resposta ao recurso do MP que a ressalva que abre o artigo 34.º-C do Extradition Act, 1962 ('Sem prejuízo do conteúdo de qualquer outra lei à data em vigor, quando um criminoso fugitivo que tenha cometido um crime punível com pena de morte na Índia for submetido ou devolvido por um Estado estrangeiro, a pedido do Governo central, e as leis desse Estado estrangeiro não prevejam a pena de morte relativamente a esse mesmo crime, o respectivo criminoso será passível de condenação a prisão perpétua apenas no que diz respeito a esse crime.') obsta a que 'se possa concluir, sem mais, por uma conversão automática da pena de morte em pena de prisão perpétua' (na medida em que 'outra lei à data em vigor' poderia vir a contrariar essa prevista conversão).

10.4 - É que não poderá dar-se a tal ressalva - por força dos princípios gerais universais do direito penal (máxime o da não retroactividade de lei desfavorável) - um tal alcance. Mas, antes, o de que vigorando à data da condenação 'outra lei' mais favorável - será essa a aplicável (e não a de prisão perpétua decorrente da conversão da pena de morte prevista, para o crime, à data da extradição).

11 - Crimes puníveis com pena de prisão perpétua:

11.1 - Nos termos do artigo 33.º, n.º 4, da Constituição, 'só é admitida a extradição, por crimes a que corresponda, segundo o direito do Estado requisitante, pena [...] privativa ou restritiva da liberdade com carácter perpétuo ou de duração indefinida, em condições [...] estabelecidas em convenção internacional e desde que o Estado requisitante ofereça garantias de que tal pena [...] não será aplicada ou executada'.

11.2 - E é com base na Convenção Internacional para a Repressão de Atentados Terroristas à Bomba (Nova Iorque, 12 de Janeiro de 1998), de que são signatários (entre outros) Portugal e a União Indiana, que esta pede àquele a extradição - por crimes puníveis, segundo o seu direito, com pena de prisão perpétua ou de morte (obrigatoriamente convertível em prisão perpétua) - do ora recorrente Ab(b)u Salem.

11.3 - Porém, esta Convenção distingue entre os Estados Partes que condicionam a extradição à existência de um tratado (bilateral) de extradição (em que o Estado requerido, ao receber um pedido de extradição formulado por outro Estado Parte com o qual não tenha qualquer tratado de extradição, poderá, se assim o entender, considerar a Convenção como a base jurídica para a extradição relativamente a 'atentados terroristas à bomba') e os Estados Partes que não condicionam a extradição à existência de um tratado (que reconhecerão tais crimes como passíveis de extradição nas condições previstas pelo direito interno do Estado requerido).

11.4 - Ora, Portugal não condiciona a extradição, de um modo geral, à existência de um tratado (bilateral). Com efeito, 'as formas de cooperação a que se refere o artigo 1.º [da Lei 144/99]' - nelas se incluindo a 'extradição' - regem-se pelas normas tanto dos 'tratados', como das 'convenções ou acordos internacionais que vinculem o Estado Português', como ainda, na sua falta (ou insuficiência), 'pelas disposições deste diploma' (artigo 3.º, n.º 1).

11.5 - É certo que a Constituição, relativamente a crimes 'a que corresponda, segundo o direito do Estado requisitante, pena [...] privativa ou restritiva da liberdade com carácter perpétuo ou de duração indefinida', só admite a extradição 'em condições de reciprocidade estabelecidas em convenção internacional'.

11.6 - Mas já não condiciona a extradição à [pre]existência de um específico tratado (bilateral) de extradição, antes se bastando com uma qualquer convenção internacional, que, não constituindo um tratado de extradição (mas visando outros objectivos, como, por exemplo, a repressão de atentado terroristas à bomba), imponha aos Estados Partes, em condições de reciprocidade, a extradição de nacionais (artigo 33.º, n.º 3) ou de estrangeiros (artigo 33.º, n.º 4).

11.7 - Daí que não se aplique ao caso - contra o que o tribunal a quo pressupôs - o n.º 2 do artigo 9.º da Convenção de Nova Iorque, 1998.

11.8 - E daí, pois, que Portugal, não condicionando a extradição à existência de um específico 'tratado de extradição', haja - ao assinar essa Convenção - reconhecido como passíveis de extradição, 'nas condições previstas pelo [seu] direito interno', os crimes previstos no n.º 2 ['Comete um crime nos termos da presente Convenção quem, de forma ilegal e intencional, distribuir, colocar, descarregar ou fizer detonar um explosivo ou outro instrumento letal dentro ou contra um local público, uma instalação do Estado ou pública, um sistema de transporte público ou uma infra-estrutura: a) com o propósito de causar a morte ou lesões físicas graves; b) ou com o propósito de obter elevados níveis de destruição de tal local, instalação, sistema ou infra-estrutura [...]'].

11.9 - Ao ratificá-la, o Estado Português comprometeu-se, aliás, a conceder aos demais Estados Partes 'a mais ampla cooperação no tocante a procedimentos de extradição instaurados relativamente a crimes previstos no artigo 2.º' (artigo 10.º, n.º 1), 'em conformidade com o respectivo direito interno' (n.º 2).

11.10 - A obrigação de extradição ficaria, no entanto, ressalvada se o Estado Parte requerido tivesse ou viesse a ter [e, no caso, não teve nem tem] 'sérios motivos para crer que o pedido de extradição [...] havia sido formulado com o propósito de [...] punir qualquer pessoa com base na raça, religião, nacionalidade, origem étnica ou opinião política' ou tivesse 'razões para crer que a satisfação do pedido poderia prejudicar a situação da pessoa em causa por qualquer uma destas razões' (artigo 12.º).

12 - Garantias:

12.1 - No entanto, a extradição por crimes a que corresponda, segundo o direito interno do Estado requisitante, prisão perpétua ou de duração indefinida, não se basta com a satisfação das condições exigidas em convenção internacional, mas exige ainda, da parte do Estado requisitante, o oferecimento de 'garantias de que tal pena não será aplicada ou executada' (artigo 33.º, n.º 4, da Constituição).

12.2 - Como o Governo da União Indiana não pode garantir que tal pena não venha a ser aplicada pelos seus tribunais (independentes), apenas dele será de exigir a garantia de que, na eventualidade da sua aplicação, recorrerá, para a confinar, às medidas legais ao seu alcance ('indulto, perdão, comutação da pena ou medida análoga').

12.3 - A Relação, como instância de facto, reconheceu que 'o Governo da União Indiana garantiu, em conformidade com o direito interno indiano e a prática nacional em matéria de execução de penas, que a pena de prisão perpétua será comutada, exercendo, para esse efeito, os poderes que lhe são conferidos ao abrigo dos artigos 432.º e 433.º, alínea b), do Código de Processo Penal Indiano de 1973' e, mais ainda, que 'as autoridades indianas prestaram solenemente ao Governo Português garantias formais segundo as quais, em caso de extradição, Ab(b)u Salem não será punido nem com pena de morte nem com pena de prisão global superior a 25 anos'.

12.4 - Acontece que, 'para efeitos de apreciação da suficiência das garantias [de que tal pena não será executada] ter-se-á em conta, nos termos da legislação e da prática do Estado requerente, a possibilidade de não aplicação da pena ou de concessão da liberdade condicional, bem como a possibilidade de indulto, perdão, comutação da pena ou medida análoga, previstas na legislação do Estado requerente' (artigo 6.º, n.º 3, da LCIP).

12.5 - É do seguinte teor o artigo 77.º ('Condução da actividade do Governo da Índia') da Constituição da União Indiana: '(1) Toda a actividade executiva do Governo da Índia é exercida de forma expressa em nome do Presidente. (2) Despachos e outros instrumentos elaborados e subscritos em nome do Presidente serão autenticados do modo que vier especificado no regulamento a elaborar pelo Presidente, e a validade de um despacho ou instrumento autenticado deste modo não será posta em causa com o fundamento de que não se trata de um despacho ou instrumento elaborado e subscrito pelo Presidente. (3) O Presidente elaborará um regulamento no sentido de uma condução mais conveniente da actividade do Governo da Índia e para distribuir a referida actividade entre os vários ministros.'

12.6 - Ora, 'o então presidente da União Indiana, no exercício dos poderes que lhe conferia o artigo 77.º da Constituição Indiana, aprovou o Allocation of Business Rules Act, 1961, donde constam as regras, que se mantêm em vigor ainda hoje, relativas à repartição de poderes pelo Governo Indiano; de acordo com o seu § 2.º, as matérias relativas a direito penal e direito processual penal, incluindo as matérias relativas a concessão de perdões, indultos, anulação de penas e comutação de sentenças, são da competência do Ministro dos Assuntos Internos; deste modo, o então vice-primeiro-ministro, L. K. Advani, à data titular da pasta dos assuntos internos, era, nos termos constitucionais e legais indianos, a entidade competente para prestar a garantia de que não seria aplicada ao extraditando, Abu Salem, pena de prisão superior a 25 anos'.

12.7 - Não consentirá o artigo 77.º, n.º 2, da Constituição da União Indiana, assim, que a validade dessa 'garantia' venha a ser 'posta em causa com o fundamento de que não se trata de um [...] instrumento elaborado e subscrito pelo Presidente'. Pois que, se bem que o seu artigo 72.º, n.º 1, alínea b), confira ao Presidente os poderes necessários para conceder perdões, anular penas ou comutar sentenças, já o seu artigo 74.º prescreve que 'a decisão do Presidente, nesta matéria como noutras, está vinculada à decisão prévia do Governo, pelo que é este o órgão verdadeiramente competente para prestar a garantia dos autos, conforme reconhece jurisprudência pacífica e consolidada (casos Mam Ram v. UOI 1981 SCC 107 e Kehar Singh v. UIO 1989 I SCC 204)'.

12.8 - Daí, em suma, que 'a garantia prestada pela União Indiana, enquanto Estado soberano, seja vinculativa para o actual e para futuros presidentes e governos, como decorre da tradicional estoppel doctrine e resulta das regras de direito internacional público que exigem que as garantias soberanas solenes prestadas entre Estados soberanos sejam respeitadas no futuro' (ibidem).

12.9 - Acresce, em benefício da 'suficiência das garantias prestadas', que 'o sistema processual penal indiano não procede à [...] soma aritmética [nem jurídica] das penas'. Estas, diversamente, 'correm simultaneamente' - e não sucessivamente (ibidem).

12.10 - De qualquer modo, mais uma vez se recorda que 'a admissão e a concessão da extradição levam implícito - na decorrência da própria aceitação das garantias oferecidas o seu condicionamento (resolutivo) ao cumprimento, pelo Estado requisitante, de tais garantias', condicionamento que conferirá ao Estado requisitado (oficiosamente ou a pedido do interessado) - na eventualidade de o Estado requerente vir a incumprir o seu compromisso de definição (nomeadamente, limitando-a a 25 anos) de eventual pena perpétua ou de duração indefinida - o 'direito de, oportunamente (e pelos canais diplomáticos ou judiciários), exigir a restituição do extraditado'.

13 - Decisão:

13.1 - Tudo visto, o Supremo Tribunal de Justiça, reunido em conferência para apreciar os recursos opostos à decisão da Relação de Lisboa que, em 14 de Julho de 2004, 'autorizou [com limitações] a extradição de Abu Salem (aliás, Abdul Qayoom Ansari) para a União Indiana', autoriza, na procedência do recurso do MP e na improcedência do recurso do extraditando, a sua extradição para a União Indiana com vista ao seu julgamento pela totalidade dos crimes identificados no pedido do MP (cf., supra, n.º 1).

13.2 - Fica, porém, explícito que a admissão e a concessão da extradição - na decorrência da própria aceitação das garantias oferecidas - ficam condicionadas (resolutivamente) ao cumprimento, pelo Estado requisitante, das garantias prestadas, condicionamento que conferirá ao Estado requisitado (oficiosamente ou a pedido do interessado), em caso de inobservância, o direito de, oportunamente (e pelos canais diplomáticos ou judiciários), exigir a devolução do extraditado."

8 - Notificado deste acórdão, veio o extraditando arguir a sua nulidade e requerer a sua correcção (fls. 1744-1753). A nulidade radicaria em ter sido proferido sem que fosse dado conhecimento ao extraditando da apresentação, pela União Indiana, das peças processuais de fls. 1662-1666 e 1689-1691, com preterição do princípio do contraditório, logo suscitando a questão da inconstitucionalidade, por violação dos artigos 32.º, n.º 1, e 32.º, n.º 5, da CRP, de eventual interpretação dos artigos 3.º, n.º 2, e 25.º, n.º 2, da Lei 144/99, "que entenda não ser extensível ao processo de extradição o princípio do contraditório previsto no artigo 327.º do CPP e no artigo 3.º, n.º 3, do Código de Processo Civil". A correcção visava a indicação, na parte dispositiva do acórdão, das disposições legais aplicáveis ao abrigo das quais foi admitido o pedido de extradição.

Por Acórdão de 3 de Março de 2005 (fls. 1831-1834), o Supremo Tribunal de Justiça indeferiu a arguição de nulidade, mas corrigiu o anterior acórdão. Após transcrever as passagens do acórdão recorrido, da motivação do recurso do Ministério Público e da resposta do extraditando, que aludiam à prestação de garantia pelo Vice-Primeiro-Ministro indiano, concluindo o extraditando por referir a conveniência de estar junta aos autos a lei que confere poderes ao Governo indiano para a prestação de garantias de comutação de penas, pondera o Supremo Tribunal de Justiça:

"1.3 - Caberia, pois, ao tribunal de recurso - suprindo o correspondente 'dever de procura' do tribunal recorrido - 'obter, oficiosamente, o respectivo conhecimento' (artigo 348.º, n.º 1, do Código Civil). E foi o que fez, ainda que competisse ao MP, que invocara (mas não identificara) esse 'direito estrangeiro', 'fazer a prova da sua existência e conteúdo' (idem).

1.4 - E assim se chegou ao Allocation of Business Rules Act, 1961, que 'o então Presidente da União Indiana, no exercício dos poderes que lhe conferia o artigo 77.º da Constituição Indiana, aprovara com vista ao estabelecimento das regras relativas à repartição de poderes pelo Governo Indiano'.

1.5 - Ora, de acordo com o seu § 2.º, as matérias relativas a direito penal e direito processual penal, incluindo as matérias relativas a concessão de perdões, indultos, anulação de penas e comutação de sentenças, passaram - e continuam - a ser da competência do Ministro dos Assuntos Internos, donde que o então Vice-Primeiro-Ministro, L. K. Advani, titular da pasta dos assuntos internos à data do pedido de extradição, fosse, nos termos constitucionais e legais indianos, a entidade competente para prestar - como prestou - a garantia de que não seria aplicada ao extraditando, Abu Salem, pena de prisão superior a 25 anos.

1.6 - Tratando-se, assim, de direito estrangeiro, cujo conhecimento oficioso incumbia ao tribunal, não se vê que o Supremo, ao aplicá-lo (como a Relação, aliás, já aplicara, embora sem identificação dos respectivos diploma e parágrafo), dele devesse dar prévio conhecimento ao extraditando.

1.7 - É certo que 'o juiz deve observar e fazer cumprir, ao longo de todo o processo, o princípio do contraditório, não lhe sendo lícito, salvo caso de manifesta desnecessidade, decidir questões de direito ou de facto, mesmo que de conhecimento oficioso, sem que as partes tenham tido possibilidade de sobre elas se pronunciarem' (artigo 3.º, n.º 3, do CPC).

1.8 - Só que essa 'questão' (a da competência - perante o respectivo direito interno - do Ministro dos Assuntos Internos da União Indiana para prestar ao Estado requerido a 'garantia' de que eventual pena perpétua seria objecto de 'perdão' ou 'indulto' de modo que a pena a executar não excedesse 25 anos de prisão) não só não constituía 'questão nova' como sobre ela já as partes se haviam pronunciado abundantemente. Aliás, o requerido Ab(b)u Salem, como cidadão indiano que era e é, estava particularmente bem posicionado - tanto mais que fizera um 'estudo' a esse propósito - para 'conhecer' o estatuto infraconstitucional do relacionamento institucional entre o Presidente e o Governo da União Indiana.

1.9 - Além de que a observância do contraditório é dispensável em 'caso de manifesta desnecessidade'. E, no caso, o Supremo, na avaliação da 'garantia' prestada, atendera, mais que à 'competência' da entidade que a concedera (que, aliás, seria de 'presumir', ante os princípios de 'boa fé' e de 'lealdade' que presidem, no direito internacional, ao relacionamento entre os Estados em geral e, de um modo particular, entre os Estados democráticos), à consideração de que 'a admissão e a concessão da extradição levam implícito - na decorrência da própria aceitação das garantias oferecidas - o seu condicionamento (resolutivo) ao cumprimento, pelo Estado requisitante, de tais garantias', condicionamento que conferirá ao Estado requisitado (oficiosamente ou a pedido do interessado) - na eventualidade de o Estado requerente vir a incumprir o seu compromisso de definição (nomeadamente limitando-a a 25 anos) de eventual pena perpétua ou de duração indefinida - o 'direito de, oportunamente (e pelos canais diplomáticos ou judiciários), exigir a restituição do extraditado'.

1.10 - Por outro lado, nem sequer havia que dar conhecimento ao extraditando dos memoranda da União Indiana de fls. 1689-1691 e 1662-1666, pois que produzidos no âmbito de um incidente suscitado pelo relator em 17 de Dezembro de 2004 e por ele 'abandonado' logo que se deu conta de que a disposição em que para tanto se estribara - a do artigo 6.º, n.º 2, alínea c), da Lei 144/99, de 31 de Agosto -, pressupunha um pedido de extradição (que não era o sub specie) que visasse a execução de penas - já aplicadas - 'privativas da liberdade com carácter perpétuo ou de duração indefinida'.

1.11 - E se o acórdão ora reclamado os reportou foi simplesmente como forma indirecta de - em benefício, afinal, do extraditando 'vincular' a União Indiana, como que em reforço das garantias já prestadas, aos seus próprios 'protestos' de reafirmação e estrito cumprimento dessas garantias.

1.12 - Acresce que o Supremo, ao assim proceder, não conheceu de qualquer questão de que hão pudesse tomar conhecimento (pois que apenas tratou de questões colocadas nos recursos, ainda que com apelo a normas que, até aí implicitamente invocadas, só nele vieram a ser explicitamente identificadas), única situação em que, nessa parte, o acórdão poderia ter incorrido em 'nulidade' [artigos 425.º, n.º 4, e 379.º, n.º 1, alínea c), do CPP]."

Quanto ao pedido de correcção, reconheceu-se neste Acórdão de 3 de Março de 2005:

"2 - Correcção:

2.1 - Se bem que a sentença deva terminar por um dispositivo que contenha, além do mais, ''as disposições legais aplicáveis'' [artigo 374.º, n.º 3, alínea a), do CPP], a ''decisão'' (artigo 425.º, n.º 3) de um recurso não constitui, propriamente, uma ''sentença' nem os artigos 423.º, n.º 5, 424.º, n.º 2, e 425.º, n.º 4, obrigam, na sua redacção, à observância dos ''requisitos da sentença'' (artigo 374.º, n.º 2).

2.2 - De qualquer modo, será de aproveitar este ensejo para prestar, a propósito das disposições legais aplicadas, dois esclarecimentos:

2.2.1 - O primeiro para dar conta de que o acórdão se fundou, ao invocar os ''termos do artigo 33.º, n.º 4, da Constituição'' (itens 11.1, 11.5 e 11.6), na versão [conferida pela Lei Constitucional 1/2001] da Constituição da República Portuguesa em vigor à data do pedido de extradição e da decisão recorrida (''Só é admitida a extradição, por crimes a que corresponda, segundo o direito do Estado requisitante, pena [...] privativa ou restritiva da liberdade com carácter perpétuo ou de duração indefinida, em condições [...] estabelecidas em convenção internacional e desde que o Estado requisitante ofereça garantias de que tal pena [...] não será aplicada ou executada.''). E fê-lo justamente por razões de ''segurança jurídica'' e, por isso, de aplicação ao caso dos parâmetros constitucionais do próprio pedido de extradição. Se bem que a redacção dada pela Lei Constitucional 1/2004, de 24 de Julho, àquela norma constitucional (''Só é admitida a extradição por crimes a que corresponda, segundo o direito do Estado requisitante, pena ou medida de segurança privativa ou restritiva da liberdade com carácter perpétuo ou de duração indefinida, se, nesse domínio, o Estado requisitante for parte de convenção internacional a que Portugal esteja vinculado e oferecer garantias de que tal pena ou medida de segurança não será aplicada ou executada.'') mais não tenha que ''corroborado'', autenticamente, a interpretação que o anterior texto, apesar de alguma ambiguidade, já merecia (e que o Supremo, no caso, lhe concedeu).

2.2.2 - E o segundo para, oficiosamente [artigos 425.º, n.º 4, e 380.º, n.º 1, alínea b), do CPP], identificar a norma (que, por evidente lapso, não se identificou explicitamente no acórdão) do n.º 3 do artigo 9.º da Convenção Internacional para a Repressão de Atentados Terroristas à Bomba, que (a par, entre outras, das dos n.os 1 e 2 do artigo 6.º da Lei 144/99, de 31 de Agosto) efectivamente aplicou (em detrimento da do n.º 2 do mesmo artigo, que a Relação aplicara) nos itens 11.2 e seguintes do acórdão, que, por isso, deverão passar a ser lidos assim:

''11.2 - E é com base na Convenção Internacional para a Repressão de Atentados Terroristas à Bomba (Nova Iorque, 12 de Janeiro de 1998), de que são signatários (entre outros) Portugal e a União Indiana, que esta pede àquele a extradição - por crimes puníveis, segundo o seu direito, com pena de prisão perpétua ou de morte (obrigatoriamente convertível em prisão perpétua) - do ora recorrente Ab(b)u Salem.

11.3 - Porém, esta convenção distingue entre os Estados Partes que condicionam a extradição (artigo 9.º, n.º 2) à existência de um tratado (bilateral) de extradição (em que o Estado requerido, ao receber um pedido de extradição formulado por outro Estado Parte com o qual não tenha qualquer tratado de extradição, poderá, se assim o entender, considerar a Convenção como a base jurídica para a extradição relativamente a 'atentados terroristas à bomba' e os Estados Partes que não condicionam a extradição (artigo 9.º, n.º 3) à existência de um tratado (que reconhecerão tais crimes como passíveis de extradição nas condições previstas pelo direito interno do Estado requerido).

11.4 - Ora, Portugal não condiciona a extradição, de um modo geral, à existência de um tratado (bilateral). Com efeito, 'as formas de cooperação a que se refere o artigo 1.º [da Lei 144/99]' - nelas se incluindo a 'extradição' - regem-se pelas normas tanto dos 'tratados', como das 'convenções ou acordos internacionais que vinculem o Estado Português', como ainda, na sua falta (ou insuficiência), 'pelas disposições deste diploma' (artigo 3.º, n.º 1).

11.5 - É certo que a Constituição [antes da Lei Constitucional 1/2004], relativamente a crimes 'a que correspond[esse], segundo o direito do Estado requisitante, pena [...] privativa ou restritiva da liberdade com carácter perpétuo ou de duração indefinida', só admitia a extradição 'em condições de reciprocidade estabelecidas em convenção internacional'.

11.6 - Mas já não condiciona(va) a extradição à [pre]existência de um específico tratado (bilateral) de extradição, antes se bastando com uma qualquer convenção internacional, que, não constituindo um tratado de extradição (mas visando outros objectivos, como, por exemplo, a repressão de atentados terroristas à bomba), imp[usesse] aos Estados Partes, em condições de reciprocidade, a extradição de nacionais (artigo 33.º, n.º 3) ou de estrangeiros (artigo 33.º, n.º 4).

11.7 - Daí que não se aplique ao caso - contra o que o tribunal a quo pressupôs - o n.º 2 [mas, sim, o n.º 3] do artigo 9.º da Convenção de Nova Iorque, 1998.

11.8 - E daí, pois, que Portugal, não condicionando a extradição à existência de um específico 'tratado de extradição' [Convenção, artigo 9.º, n.º 3], haja - ao assinar essa Convenção - reconhecido como passíveis de extradição, 'nas condições previstas pelo [seu] direito interno', os crimes previstos no n.º 2 ['Comete um crime nos termos da presente Convenção quem, de forma ilegal e intencional, distribuir, colocar, descarregar ou fizer detonar um explosivo ou outro instrumento letal dentro ou contra um local público, uma instalação do Estado ou pública, um sistema de transporte público ou uma infra-estrutura: a) com o propósito de causar a morte ou lesões físicas graves; b) ou com o propósito de obter elevados níveis de destruição de tal local, instalação, sistema ou infra-estrutura [...]'].''"

9 - O extraditando interpôs, ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional (aprovada pela Lei 28/82, de 15 de Novembro, e alterada, por último, pela Lei 13-A/98, de 26 de Fevereiro - doravante designada por LTC), recursos para o Tribunal Constitucional, quer do Acórdão do STJ de 27 de Janeiro de 2005, que autorizou a sua extradição para a União Indiana a fim de aí ser julgado pela totalidade dos crimes constantes do pedido formulado pelo Ministério Público, quer do Acórdão do STJ de 3 de Março de 2005, na parte em que indeferiu arguição de nulidade por ele deduzida contra o anterior acórdão.

De acordo com os respectivos requerimentos de interposição de recurso, o recorrente pretende que o Tribunal Constitucional aprecie:

1) No primeiro recurso, a inconstitucionalidade - por violação dos artigos 33.º, n.os 4 [na redacção da Lei Constitucional 1/2001, de 12 de Dezembro] e 6, 111.º, n.º 2, 135.º, alínea b), 161.º, alínea i), e 165.º, n.º 1, alínea b), da Constituição da República Portuguesa (CRP), - das normas constantes do artigo 9.º, n.º 3, da Convenção Internacional para a Repressão de Atentados Terroristas à Bomba, aberta para assinatura, em Nova Iorque, em 12 de Janeiro de 1998, aprovada, para ratificação, pela Resolução da Assembleia da República n.º 40/2001, de 5 de Abril de 2001, e ratificada pelo Decreto do Presidente da República n.º 31/2001, de 25 de Junho (doravante designada por Convenção de Nova Iorque), e do artigo 6.º, n.º 2, alíneas a) e b), da Lei 144/99, de 31 de Agosto - Lei de Cooperação Judiciária Internacional em Matéria Penal (doravante designada por LCJIMP), sendo aquela primeira norma quer "na interpretação [...] segundo a qual [...] obrigaria Portugal à extradição por crimes a que é abstractamente aplicável a pena de morte, mesmo que, dado o teor na norma indiana constante dos autos (artigo 34.º-C do Extradition Act de 1962), não exista uma impossibilidade jurídica de ela vir a ser aplicada", quer "quando interpretada no sentido [...] de obrigar Portugal a extraditar uma pessoa por factos a que corresponde, abstractamente, a pena de prisão perpétua, mesmo na ausência de um compromisso convencionado entre as Partes de proceder a tal extradição mediante a prestação de garantias de não aplicação ou execução de tal pena", questões de inconstitucionalidade que teriam sido suscitadas durante o processo e concretamente na resposta à motivação do recurso do Ministério Público, embora reportadas ao n.º 2 do referido artigo 9.º, cujo fim e sentido são em tudo idênticos ao da norma do n.º 3, sendo a diversidade das hipóteses num e noutro contempladas irrelevantes para o conteúdo cuja inconstitucionalidade se pretende ver apreciada, e sendo certo que ao longo do processo sempre se discutiu a aplicabilidade da norma do n.º 2, pelo que não lhe era exigível que impugnasse a constitucionalidade de uma norma (a do n.º 3) que só veio a ser aplicada, pela primeira vez, no acórdão recorrido; e

2) No segundo recurso, a inconstitucionalidade - por violação dos artigos 32.º, n.os 1 e 5, e 33.º, n.º 4, da CRP - das normas constantes dos artigos 3.º, n.º 2, e 25.º, n.º 2, da LCJMP, "as quais remetem para os artigos 4.º e 327.º do Código de Processo Penal (CPP), na interpretação [...] segundo a qual tais normas não obrigam ao cumprimento do princípio do contraditório, com tradução expressa no artigo 327.º do CPP e, em sede de recurso, no artigo 3.º, n.º 3, do Código de Processo Civil (CPC), aplicável por força do artigo 4.º do CPP, por manifesta desnecessidade e por nos encontrarmos no âmbito de matéria que se insere no âmbito de cognição do tribunal recorrido", questão de inconstitucionalidade que teria sido suscitada no requerimento de arguição de nulidade do primeiro acórdão.

No Tribunal Constitucional, o relator, nos despachos que determinaram a elaboração de alegações em ambos os recursos, convidou recorrente e recorridos a pronunciarem-se sobre as seguintes questões prévias:

1) No primeiro recurso: i) exclusão do objecto do recurso da questão da inconstitucionalidade da norma do artigo 6.º, n.º 2, alíneas a) e b), da LCJIMP, "por tal questão não ter sido suscitada pelo recorrente, perante o tribunal recorrido, em termos de este estar obrigado a dela conhecer, designadamente na resposta à motivação do recurso interposto pelo Ministério Público para o STJ, peça por ele especificadamente indicada como sendo aquela onde teria suscitado as questões de inconstitucionalidade que pretende ver apreciadas", e ii) não conhecimento da questão de inconstitucionalidade da norma do n.º 3 do artigo 9.º da Convenção de Nova Iorque "por, durante o processo, e designadamente na mencionada peça processual, o recorrente haver suscitado a questão da inconstitucionalidade da norma do n.º 2 (e não da do n.º 3) desse preceito"; e

2) No segundo recurso: não conhecimento do seu objecto, "quer por a violação da Constituição ser imputada, não a qualquer norma ou interpretação normativa, mas à própria decisão judicial, em si mesma considerada, quer por o acórdão recorrido não ter aplicado, como ratio decidendi, a dimensão normativa cuja conformidade constitucional se pretende ver apreciada".

10 - Relativamente ao primeiro recurso, o recorrente apresentou alegações, no termo das quais formulou as seguintes conclusões:

"1 - O presente recurso deve conhecer da questão da inconstitucionalidade da norma do n.º 3 do artigo 9.º da Convenção Internacional para a Repressão de Atentados Terroristas à Bomba.

2 - Como resulta do acórdão final que se pronunciou sobre a arguição de nulidade e correcção do acórdão, em 3 de Março de 2005, a norma aplicada é efectivamente aquela que motiva o presente recurso para o Tribunal Constitucional: a norma contida no artigo 9.º, n.º 3, da Convenção de Nova Iorque.

3 - Durante o processo, concretamente na resposta apresentada ao recurso interposto pelo Ministério Público, o ora recorrente suscitou a inconstitucionalidade da norma contida no n.º 2 do artigo 9.º da Convenção de Nova Iorque, na interpretação pretendida e que motivou a interposição de recurso pelo Ministério Público.

4 - E fê-lo unicamente quanto à norma expressa no artigo 9.º, n.º 2, da referida Convenção, porquanto essa fora a única norma invocada quer no recurso interposto pelo Ministério Público quer no acórdão da Relação de Lisboa, que deferiu parcialmente o pedido de extradição, negando, porém, a extradição por crimes que implicassem a aplicação de penas de morte e prisão perpétua, precisamente por ausência de conformidade do mencionado artigo 9.º, n.º 2, da Convenção de Nova Iorque com as exigências constitucionais em matéria de extradição.

5 - A questão da inconstitucionalidade foi adequadamente suscitada relativamente à norma contida no n.º 2 do artigo 9.º da Convenção de Nova Iorque, o que resulta do texto e claramente do contexto em que a arguiu.

6 - O extraditando, na mesma peça processual - resposta ao recurso do Ministério Público - aderiu expressamente à parte da fundamentação do acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa que, quanto aos crimes puníveis com pena de prisão perpétua, declarou a inconformidade do artigo 9.º, n.º 2, da Convenção com o artigo 33.º, n.os 4 e 6, da Constituição.

7 - O fim e sentido de ambas as normas (a do artigo 9.º, n.º 2, que foi sendo discutida ao longo do processo, e a do artigo 9.º, n.º 3) são em tudo idênticos à norma contida no artigo 9.º, n.º 3, da referida Convenção, aplicada no acórdão recorrido, diferindo apenas as respectivas hipóteses, de forma irrelevante para o conteúdo cuja inconstitucionalidade se pretende ver apreciada.

8 - Isto é, ambas as normas visam, na concreta interpretação que lhes foi dada, a concessão da extradição por factos puníveis com pena de prisão perpétua, pelo que os motivos da inconstitucionalidade são os mesmos e valem indistintamente para ambas as hipóteses.

9 - As razões que motivaram o extraditando a arguir a inconstitucionalidade do artigo 9.º, n.º 2, da Convenção são, portanto, as mesmas, valendo ipsis verbis quanto à inconstitucionalidade do artigo 9.º, n.º 3, da mesma Convenção Internacional, que ora se pretende ver declarada.

10 - Pelo que se pode concluir que o recorrente suscitou a questão de inconstitucionalidade 'durante o processo', tendo o recorrente cumprido o ónus da correcta e atempada suscitação da inconstitucionalidade durante o processo.

11 - Quando assim não se entenda - o que só por mera hipótese se admite, sem conceder -, então, sempre se terá de concluir que não pôde o extraditando prevenir a questão de inconstitucionalidade que ora pretende ver declarada, porquanto, tendo impugnado a constitucionalidade da norma cuja aplicabilidade foi sendo discutida ao longo do processo, não lhe era exigível que impugnasse a constitucionalidade de uma norma cuja aplicação nunca havia sido suscitada durante o mesmo, até à decisão do Supremo Tribunal de Justiça.

12 - O presente recurso de fiscalização concreta da constitucionalidade deve abranger (também) e a título complementar a interpretação que, no acórdão recorrido, é consagrada a propósito do artigo 6.º, n.º 2, alíneas b) e c), da Lei de Cooperação Judiciária Internacional em Matéria Penal.

13 - A aceitação da fiscalização da interpretação de tais normas - artigos 6.º, n.º 2, alíneas a) e b) - resulta, assim, de forma indirecta, na medida em que tais normativos, é hoje unânime, estão de acordo com as imposições constitucionais em matéria de extradição, as quais ocupam a primazia ou o topo da pirâmide em matéria de hierarquia na apreciação de um pedido de extradição.

14 - Assim, porque em primeiro plano se situa a violação imediata do artigo 33.º, n.os 4 e 6, da Constituição da República Portuguesa, só mediatamente, pela remissão do artigo 9.º, n.º 3, da Convenção de Nova Iorque para o direito interno português, resulta a violação do artigo 6.º, n.º 2, alíneas a) e b), da Lei de Cooperação Judiciária Internacional em Matéria Penal, no âmbito de conhecimento do recurso devem também ser incluídas as normas constantes do artigo 6.º, n.º 2, alíneas a) e b), do diploma por último citado.

15 - O presente recurso tem como finalidade aferir da compatibilidade da norma contida no n.º 3 do artigo 9.º da Convenção de Nova Iorque, na interpretação que lhe foi dada pelo Supremo Tribunal de Justiça, no seu acórdão de 27 de Janeiro de 2005, corrigido por Acórdão de 3 de Março do mesmo ano, como ratio da decisão de autorizar a extradição do recorrente para a União Indiana por crimes abstractamente puníveis com pena de morte ou pena de prisão perpétua.

16 - Visa-se assim aferir da compatibilidade da norma do artigo 9.º, n.º 3, da Convenção de Nova Iorque, com o disposto nos n.os 4 e 6 do artigo 33.º da Constituição.

17 - Contrariamente ao que se sustenta no acórdão recorrido a aplicação de pena de morte não conforma uma 'verdadeira impossibilidade jurídica à luz do sistema legal do Estado requerente, como vem sendo exigido pela jurisprudência constitucional' (cf. Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 417/95).

18 - Do teor do artigo 34.º-C do Extradition Act de 1962 não se pode concluir que há uma conversão automática, ope legis, da pena de morte em pena de prisão perpétua, pois a própria norma impõe uma condição: não existir outra norma em vigor, desconhecendo-se se existe outra norma ou algum condicionalismo ou obstáculo à mencionada conversão.

19 - É com base na Convenção de Nova Iorque que a União Indiana reclama o extraditando para aí ser julgado por crimes a que é aplicável pena de prisão perpétua, directamente ou por via de conversão de penas de morte, nos termos do artigo 34.º-C do Extradition Act de 1962 (cf. ponto 11.2 do acórdão recorrido).

20 - Considerando o texto de tal norma, seria fundamental que na matéria de facto dada como provada ficasse a constar que inexistissem outras leis aplicáveis aos factos onde se derrogasse aquela comutação, tendo-se limitado quer o Tribunal da Relação da Lisboa quer o tribunal recorrido a consignar que a referida norma do artigo 34.º-C da Lei de Extradição de 1962 se encontra em vigor na União Indiana.

21 - O tribunal recorrido, ao analisar os argumentos trazidos pelo extraditando (desde o início, já aquando da dedução da oposição), quanto à questão da susceptibilidade de aplicação da pena de morte, incorre no erro de considerar que, sobrevindo norma àquela constante no artigo 34.º-C da Lei de Extradição indiana que derrogue a hipótese de comutação, esta terá obrigatoriamente conteúdo mais favorável, para, assim, lançar mão do princípio universal de direito penal da 'não retroactividade da lei penal da lei de conteúdo mais desfavorável'.

22 - Considerando que os crimes mais antigos por que é reclamado o extraditando remontam ao ano de 1991, quid iuris, se entre 1962 e as datas a que se reportam os vários crimes constantes do pedido de extradição (pelo menos, 29 anos), tiver entrado qualquer norma em vigor que derrogue aquela hipótese automática de comutação?!

23 - Será esta, manifestamente, a lei aplicável, por ser a lei em vigor à data da prática do facto, donde resulta nem ser compaginável qualquer aplicação de princípio de não aplicação retroactiva de lei de conteúdo mais desfavorável.

24 - Assim, a norma do dito n.º 3 do artigo 9.º da Convenção de Nova Iorque, quando interpretada no sentido de que Portugal se encontra obrigado a conceder a extradição de pessoas por factos a que cabe, abstractamente, a pena de morte, dada a garantia de não aplicação dessa pena contida no artigo 34.º-C do Extradition Act (1962) indiano, não é compatível com o artigo 33.º, n.º 6, da CRP e deve, nessa medida, ser considerada inconstitucional.

25 - Independentemente do que supra se analisou quanto à inconstitucionalidade do artigo 9.º, n.º 3, da Convenção - na interpretação que lhe é dada no acórdão recorrido -, por incompatibilidade com o artigo 33.º, n.º 6, da Constituição, cumpre analisar autonomamente, a possibilidade de extradição por 11 crimes (6 crimes a que se aplica directamente, mais 5, por via de conversão de pena de morte) em que é aplicável pena de prisão perpétua.

26 - E, assim, da compatibilidade da interpretação que quanto ao mesmo artigo 9.º, n.º 3, da Convenção de Nova Iorque é feita no acórdão recorrido, com as implicações constitucionais em matéria de extradição por crimes que impliquem a aplicação de penas de prisão perpétua, nos termos do artigo 33.º, n.º 4, da lei fundamental.

27 - Considera o extraditando que a Lei Constitucional aplicável aos presentes autos é a redacção do artigo 33.º, n.º 4, na versão da Lei Constitucional 1/2001, e não a sua versão actual, introduzida pela Lei Constitucional 1/2004.

28 - É o que se impõe, designadamente, pelo facto de ser a lei aplicável aquando da apresentação do pedido de extradição pela União Indiana, por ter sido a lei aplicada pelo acórdão recorrido (tal como resulta do acórdão final corrigido, proferido no dia 3 de Março), em nome dos princípios da segurança e da confiança jurídicas, da 'unidade da Constituição', bem como por ser a lei de conteúdo mais favorável aos interesses do extraditando.

29 - A norma efectivamente aplicada pelo Supremo Tribunal de Justiça, no segmento do acórdão recorrido (pontos 11.1 a 11.10) em que trata a matéria ora em análise, é a contida no artigo 9.º, n.º 3, da Convenção de Nova Iorque, tal como resulta do acórdão final proferido a 3 de Março de 2005.

30 - De tal norma resulta que Portugal é incluído no grupo de países que não condiciona a extradição, de um modo geral, à existência de um tratado (bilateral), donde resulta uma obrigação para Portugal de considerar como crimes passíveis de extradição aqueles que vêm elencados no artigo 2.º da Convenção de Nova Iorque.

31 - Há, assim, que cotejar o conteúdo dessa norma com as normas internas que regulam a extradição, tanto constitucionais (artigo 33.º, n.º 4), como as que resultam da Lei de Cooperação Judiciária Internacional em Matéria Penal (artigos 6.º, n.º 2, alíneas a) e b)).

32 - Sabendo que a Convenção de Nova Iorque nem se trata de convenção cujo fim principal seja a extradição, nada na referida Convenção deve ser interpretado, sem mais, como obrigação de extraditar, havendo sempre que aferir 'das condições previstas pelo direito interno do Estado requerido', isto é, da sua compatibilidade com o disposto no artigo 33.º, n.º 4, da CRP.

33 - O acórdão recorrido, ao sufragar o entendimento de que em matéria de extradição por crimes a que seja aplicável pena de prisão perpétua, o Estado Português se basta com uma mera convenção, precludiu a imposição constitucional expressa no segmento 'condições de reciprocidade estabelecidas em convenção internacional'.

34 - A doutrina mais autorizada vem reconhecendo que esta exigência, em Estados como o Português, em que não existe pena de prisão perpétua, se concretiza e 'se reflecte sobre as garantias consideradas suficientes, uma vez que estas terão que ser vinculativas por força de uma convenção ou acordo internacional'.

35 - Não basta, portanto, haver reciprocidade, a qual, aliás, não precisa de estar consubstanciada sob a forma de tratado ou convenção internacional (conforme resulta do artigo 4.º da Lei de Cooperação Judiciária Internacional), mas sim, quanto a esta 'especial reciprocidade', que a mesma esteja corporizada sob a específica forma de 'convenção internacional'.

36 - Uma coisa é a mera existência de convenção; outra, bem diferente e com consequências bem mais vastas, é a mesma Convenção servir de base convencional por crimes que impliquem a aplicação de pena de prisão perpétua.

37 - No presente caso, há convenção constitucionalmente válida, todavia, quanto à questão da aplicação da pena de prisão perpétua, não há condições de reciprocidade definidas em convenção internacional.

38 - Do âmbito de aplicação da Convenção, não se pode concluir que aprovação e posterior ratificação se tenham também estendido a crimes que impliquem aplicação de pena de prisão perpétua.

39 - Pelo que, necessariamente, para que, nesta matéria, a Convenção fosse constitucionalmente válida teria de haver intervenção da Assembleia da República ou do Presidente da República, ou quando muito teria de haver autorização legislativa ao Governo, visto estarmos no âmbito dos direitos fundamentais [artigos 135.º, alínea b), 161.º, alínea i), e 165.º, n.º 1, alíneas b) e c), da lei fundamental].

40 - Uma vez que as convenções internacionais devem ser aprovadas pela Assembleia da República e ratificadas pelo Presidente da República, são estes os órgãos legitimados para legislar em matéria penal e, assim, para decidir os casos e em que casos em que o Estado Português aceita extraditar por crimes a que seja aplicável a pena de prisão perpétua.

41 - Não basta uma qualquer convenção internacional, mas sim uma Convenção internacional onde especificamente se estabeleçam garantias de que tal pena não poderá ser aplicada ou executada: 'condições de reciprocidade estabelecidas em convenção internacional'.

42 - Assim, a norma contida no n.º 3 do artigo 9.º da Convenção de Nova Iorque, quando interpretada no sentido, que lhe deu o acórdão recorrido, de obrigar Portugal a extraditar uma pessoa por factos a que corresponde, abstractamente, a pena de prisão perpétua, mesmo na ausência de um compromisso convencionado entre as Partes de proceder a tal extradição mediante a prestação de garantias de não aplicação ou execução de tal pena, é inconstitucional, por violação do n.º 4 do artigo 33.º da Constituição, na redacção que lhe deu a Lei Constitucional 1/2001.

43 - A interpretação acolhida no acórdão recorrido dos mencionados normativos: artigo 9.º, n.º 3, da Convenção de Nova Iorque e artigo 6.º, n.º 2, alíneas a) e b), da Lei de Cooperação Judiciária Internacional em Matéria Penal violou, portanto, o disposto no artigo 33.º, n.os 4 e 6, e nos artigos 111.º, n.º 2, 135.º, alínea b), 161.º, alínea i), e 165.º, n.º 1, alíneas b) e c), todos da Constituição da República Portuguesa."

11 - Relativamente a este primeiro recurso, o representante do Ministério Público no Tribunal Constitucional apresentou contra-alegações, concluindo:

"1.º Está excluída a possibilidade do conhecimento do recurso relativamente à norma do artigo 6.º, n.º 2, alíneas a) e b), da Lei 144/99, de 31 de Agosto, uma vez que a questão da inconstitucionalidade não foi suscitada de modo processualmente adequado.

2.º De igual forma não se pode tomar conhecimento do recurso quanto à norma do n.º 3 do artigo 9.º da Convenção Internacional, por falta do preenchimento do requisito da sua invocação adequada, sendo certo que não integra o conceito da decisão surpresa o facto do Supremo Tribunal de Justiça a ter efectivamente aplicado.

3.º Para a hipótese remota de o Tribunal Constitucional entender tomar conhecimento do recurso é manifesto que nenhuma norma ou princípio constitucional foi violado, quer tomando como parâmetro a redacção das normas dos n.os 4 e 6 do artigo 33.º da Constituição, de acordo com a revisão de 2001, quer tendo em consideração a que lhe foi introduzida pela revisão de 2004, em vigor à data da decisão recorrida, que aplicou as normas cuja conformação constitucional foi suscitada.

4.º Termos em que deverá improceder o presente recurso."

12 - Ainda relativamente ao primeiro recurso, a União Indiana apresentou contra-alegações (fls. 2029-2076), no termo das quais formulou as seguintes conclusões:

"1.ª O presente recurso de constitucionalidade interposto pelo extraditando contra o Acórdão do Supremo de Tribunal de Justiça de 27 de Janeiro de 2005 não cumpre os necessários pressupostos processuais de admissibilidade contidos no artigo 280.º, n.º 1, alínea b), da Constituição da República Portuguesa e artigo 70.º, n.º 1, alínea b), da Lei do Tribunal Constitucional, pelo que o Tribunal Constitucional não deve dele tomar conhecimento.

2.ª Com efeito, no que concerne à alegada inconstitucionalidade das normas contidas no artigo 6.º, n.º 2, alíneas a) e b), da Lei 144/99, de 31 de Agosto, não se vislumbra qualquer referência a essa questão, directa ou indirecta, na resposta apresentada ao recurso do Ministério Público para o STJ, ou em qualquer outra peça processual anterior ao acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de modo que o extraditando não observou o ónus de suscitação atempada e adequada da questão de constitucionalidade que pretendia ver apreciada pelo Tribunal Constitucional [cf. ponto I, (i), das alegações, pp. 5 e 6].

3.ª Quanto à pretensa inconstitucionalidade do artigo 9.º, n.º 3, da Convenção de Nova Iorque, na parte relativa aos crimes puníveis, teoricamente e em abstracto, com a pena de morte (ponto 5 do requerimento de interposição de recurso), o presente recurso não deve ser conhecido, em primeiro lugar, porque, percorrendo a reposta do extraditando ao recurso do MP para o Supremo, não se vê, uma vez mais, qualquer alusão a uma eventual inconstitucionalidade desta norma (ou de qualquer outra, nomeadamente a do artigo 9.º, n.º 2, da mesma Convenção) na parte relativa à conversão ope legis operada pelo artigo 34.º-C da Lei de Extradição indiana.

4.ª Nessa peça processual, o extraditando limita-se a contestar que o artigo 34.º-C da Lei de Extradição indiana seja apto a preencher o conceito de impossibilidade jurídica de aplicação da pena de morte - conceito pressuposto na decisão do Tribunal da Relação de Lisboa -, o que é coisa bem diferente de observar o ónus de suscitação atempada da questão de inconstitucionalidade.

5.ª Por outro lado, e em segundo lugar, resulta claro do acórdão recorrido que o artigo 9.º, n.º 3, da Convenção de Nova Iorque não foi aplicado na dimensão normativa cuja conformidade constitucional o extraditando pretende ver apreciada, pois o Supremo Tribunal de Justiça decidiu, como já havia decidido, nesta parte, o Tribunal da Relação de Lisboa, que o artigo 34.º-C da Lei de Extradição indiana implica uma verdadeira e própria impossibilidade jurídica de aplicação da pena de morte e, por isso e nessa medida, autorizou a extradição também por estes crimes.

6.ª Deste modo, não é verdade que o acórdão por ora posto em crise tenha interpretado o artigo 9.º, n.º 3, da Convenção de Nova Iorque no sentido de obrigar Portugal à extradição por crimes a que é abstractamente aplicável a pena de morte 'mesmo que não exista uma impossibilidade jurídica de ela vir a ser aplicada', o que, aliás, revela bem que o que o extraditando pretende é discutir a interpretação feita pelo Supremo do aludido artigo 34.º-C da Lei de Extradição indiana, isto é, fiscalizar a constitucionalidade da própria decisão judicial [cf. ponto I, (ii), a), das alegações, pp. 7-13].

7.ª Quanto à parte do recurso relativa à pretendida inconstitucionalidade do artigo 9.º, n.º 3, da Convenção de Nova Iorque, interpretado no sentido de permitir a extradição por crimes puníveis, em abstracto, com pena de prisão perpétua, 'mesmo na ausência de um compromisso convencionado entre as Partes de proceder a tal extradição mediante a prestação de garantias', cabe frisar que esta concreta questão de constitucionalidade não foi colocada pelo extraditando, nesta dimensão normativa, antes do acórdão do STJ.

8.ª Por um lado, o artigo 9.º, n.º 2, da Convenção de Nova Iorque não é idêntico ao n.º 3 do mesmo artigo, e a questão de inconstitucionalidade não se coloca nos mesmos termos em relação às duas normas: o n.º 2 prevê uma faculdade que carece de ser exercida pelos Estados contratantes, o que foi decisivo na decisão do Tribunal da Relação a que o extraditando diz ter aderido, pois este Tribunal entendeu que a inconstitucionalidade radicaria no exercício dessa faculdade incumbir ao Governo e não à Assembleia da República.

9.ª No n.º 3, pelo contrário, está em causa uma obrigação que decorre directamente da Convenção, isto é, da aprovação e ratificação pela Assembleia da República e Governo, de modo que já não se coloca a questão de constitucionalidade acerca do órgão competente para exercer o direito contido no n.º 2.

10.ª Isto é, a dimensão normativa do artigo 9.º, n.º 2, que o extraditando diz ter reputado inconstitucional na resposta ao recurso do Ministério Público nada tem que ver com a dimensão normativa efectivamente aplicada pelo STJ ao abrigo do artigo 9.º, n.º 3, e (agora) arguida de inconstitucional.

11.ª Finalmente, não se pode considerar que a dimensão efectivamente aplicada pelo STJ fosse 'de todo em todo' inesperada, de tal modo que não lhe fosse exigível suscitar a sua inconstitucionalidade antecipadamente, tendo em conta o carácter controvertido desta questão, a proximidade entre o artigo 9.º, n.º 2 e o n.º 3, e o modo como o pedido de extradição foi originariamente configurado e subsequentemente promovido pelo Ministério Público junto do Tribunal da Relação.

12.ª Por outro lado, a concreta inconstitucionalidade que o extraditando agora imputa ao artigo 9.º, n.º 3, poderia - e deveria, para permitir o recurso para o TC - ter sido suscitada, nos seus exactos termos, em relação ao n.º 2, a norma que este julgava ser aplicável, e não o foi [cf. ponto I, (ii), b), das alegações, pp. 13-19).

13.ª Sem prescindir, caso VV. Exmas. entendam tomar conhecimento do objecto do recurso, deve o mesmo ser julgado improcedente e confirmada a decisão recorrida, pois o Supremo Tribunal de Justiça não aplicou qualquer norma inconstitucional.

14.ª Na parte do recurso relativa aos crimes puníveis, teoricamente e em abstracto, com pena de morte, cabe salientar que, como já foi reconhecido nos autos, por força das disposições conjugadas do artigo 34.º-C da Lei de Extradição indiana e do artigo 24.º da Constituição da República Portuguesa, não se pode sequer dizer que algum dos crimes pelos quais se requer a extradição seja punível com pena de morte, sendo esta pena juridicamente inaplicável, porque substituída pela pena de prisão perpétua.

15.ª Nem sequer se está perante uma garantia prestada pela União Indiana, pois o artigo 34.º-C da Lei de Extradição faz parte do corpo normativo a que os tribunais indianos estão rigorosamente adstritos; dá que, rigorosamente, segundo o direito do Estado requisitante, entendido este na sua globalidade e integralidade (i. e., incluindo o artigo 34.º-C da Lei de Extradição), a pena de morte não é aplicável a qualquer dos crimes incluídos no pedido de extradição dos autos.

16.ª O significado do segmento inicial do artigo 34.º-C, '[s]em prejuízo do conteúdo de qualquer outra lei à data em vigor' ('Notwithstanding anything contained in any other law [...]', na versão inglesa), é o de fazer prevalecer esta norma sobre as demais, não admitindo qualquer derrogação em contrário, e não, como pretende o extraditando, abrir a hipótese de existirem normas que excepcionem o que aí está estatuído.

17.ª O extraditando, porventura baseando-se numa dificuldade ou imprecisão de tradução, parece ignorar que o artigo 34.º-C visa precisamente salvaguardar a possibilidade de obter a extradição de Estados que, como Portugal, a recusam quando os crimes em causa são puníveis com pena de morte e que essa finalidade ficaria irremediavelmente posta em causa na insólita interpretação aventada nas alegações.

18.ª Finalmente, o extraditando parece também ignorar que o artigo 34.º-C da Lei de Extradição foi, como desde sempre se encontra demonstrado nos autos, introduzido apenas em 1993, por força do Amendment Act de 1993, não estando em vigor, como erroneamente é afirmado, desde 1962 (cf. ponto II (i), das alegações, pp. 22-29).

19.ª Quanto à última questão constante do recurso, desde a revisão constitucional de 1997 que, em matéria de extradição, a tutela constitucional do valor da liberdade passou a ser um pouco mais ténue do que a tutela do valor da vida, tendo o legislador constituinte criado um direito constitucional mais permissivo para a extradição por crimes a que seja aplicável pena de carácter perpétuo, mediante reciprocidade e garantias.

20.ª O requisito constitucional 'reciprocidade constante em convenção internacional' deve ser entendido não quanto à prestação de garantias relativas à não aplicação da pena de prisão perpétua, mas quanto ao próprio dever de extraditar, exigindo-se, deste modo, que Portugal e o Estado Requerente em causa sejam partes numa Convenção Internacional que reciprocamente imponha o dever de extraditar pelos mesmos crimes.

21.ª Esta interpretação do artigo 33.º, n.º 5, veio a ser confirmada pela revisão constitucional de 2004, que, nesta parte, não inovou, limitando-se, como acertadamente decidiu o STJ, a esclarecer as justificadas dúvidas e ambiguidades que a anterior redacção suscitava, não tendo criado direito constitucional novo 'mais permissivo', como resulta claramente dos trabalhos preparatórios.

22.ª Sendo este o correcto sentido da norma constitucional, antes e depois da Lei Constitucional 1/2004, torna-se claro que o Supremo Tribunal de Justiça não aplicou uma dimensão normativa do artigo 9.º, n.º 3, da Convenção de Nova Iorque inconstitucional.

23.ª O Estado Português ficou juridicamente vinculado ao conteúdo normativo desta Convenção Internacional, nomeadamente ao artigo 9.º, n.º 3, quando concluiu os mecanismos internos de adesão, sendo certo que essa vinculação se deu, do ponto de vista jurídico-internacional, através da Resolução da Assembleia da República n.º 40/2001 [artigo 161.º, alínea i), da CRP] e posterior ratificação pelo Decreto do Presidente da República n.º 31/2001 [artigo 135.º, alínea b), da CRP].

24.ª Deste modo, quanto aos crimes previstos no artigo 2.º da Convenção de Nova Iorque, se puníveis com prisão perpétua, verifica-se, por força dessa Convenção, em relação a todos os Estados Partes, o requisito 'reciprocidade estabelecida em convenção internacional' ou, por outras palavras, e mais propriamente, 'o Estado requisitante [é] parte de convenção internacional a que Portugal esteja vinculado' (cf. ponto II (ii) das alegações, pp. 29-41).

25.ª Assim, e concluindo, tendo em conta que o artigo 33.º, n.º 4, da anterior redacção da CRP, se correctamente interpretado, não exige, como pretende o extraditando, que a possibilidade de oferecer garantias de não aplicação da pena de prisão perpétua esteja especificadamente prevista em convenção internacional, o Supremo Tribunal de Justiça não aplicou uma dimensão normativa do artigo 9.º, n.º 3, da Convenção de Nova Iorque inconstitucional ao autorizar a extradição por crimes puníveis com pena de prisão perpétua mediante a prestação de garantias relativas à sua não aplicação que foram consideradas válidas e suficientes."

13 - Relativamente ao segundo recurso, o recorrente apresentou alegações, no termo das quais formulou as seguintes conclusões:

"1.ª O recorrente, notificado do acórdão final proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça, sob o título de 'Garantias', foi confrontado com normas e institutos jurídicos nunca antes invocados pela União Indiana e que não instruíram o pedido de extradição e que, nessa medida, não fundamentaram nem o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, nem sequer o recurso interposto pelo Ministério Público.

2.ª Sendo tal acórdão final insusceptível de recurso, o recorrente tentou alertar o tribunal a quo, pela via da arguição de nulidade, que uma tal preclusão do direito do contraditório, como a verificada, sempre feriria tal segmento decisório do acórdão de inconstitucionalidade, dando assim ao tribunal a quo 'oportunidade' de suprir a omissão do contraditório, fundamento que motivou o recorrente a suscitar a questão da inconstitucionalidade (no mesmo sentido, v. Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 93/99 - processo 676/98, da 2.ª Secção, disponível em www.tribunalconstitucional.pt).

3.ª Na tentativa, assim, de prevenir uma interpretação inconstitucional de normas, o recorrente identificou as normas e a respectiva interpretação, concretamente dos artigos 3.º, n.º 2, e 25.º, n.º 2, da Lei de Cooperação Internacional em Matéria Penal, em conjugação com o artigo 3.º, n.º 3, do Código de Processo Civil, operada a remissão através do artigo 4.º do Código de Processo Penal, para justificar o imperativo de cumprimento do princípio do contraditório.

4.ª Em resposta a tal requerimento, por acórdão final proferido no dia 3 de Março de 2005, o tribunal a quo veio responder de forma em que se pode concluir claramente que considera expressamente aplicável no âmbito de processos de extradição o princípio do contraditório, por força do artigo 3.º, n.º 3, do CPC (cf. ponto 1.7 do acórdão final), princípio esse naturalmente aplicável em resultado da conjugação das normas constantes dos artigos 4.º do CPP e 3.º, n.º 2, e 25.º, n.º 2, da Lei de Cooperação Judiciária Internacional em Matéria Penal.

5.ª Todavia, o mesmo acórdão consagra o entendimento de que não estava obrigado a cumprir tal princípio, integrando tais questões em matéria do seu conhecimento oficioso e por manifesta desnecessidade, sob pretexto de que as partes já se teriam pronunciado abundantemente sobre tal questão (garantias de que a pena de prisão perpétua ou pena de morte não poderiam ser aplicáveis).

6.ª O recorrente suscita, portanto, uma questão de inconstitucionalidade normativa, resultante de uma concreta interpretação do artigo 3.º, n.º 3, do CPC, em resultado da remissão dos artigos 3.º, n.º 2, e 25.º, n.º 2, da Lei de Cooperação, e do artigo 4.º do CPP, ao considerar-se que o tribunal não estava obrigado a cumprir o contraditório, por manifesta desnecessidade, quando se trata de matéria de garantias em processo de extradição.

7.ª Ao suscitar a questão de inconstitucionalidade nos termos delimitados pelo requerimento de interposição de recurso, resulta, pois, claramente que em causa está uma concreta interpretação de normas ou conjunto de normas efectivamente aplicadas no acórdão recorrido e não, directamente, a própria decisão judicial, sendo precisamente a dimensão normativa ou ratio decidendi aplicada no acórdão recorrido cuja conformidade constitucional pretende ver apreciada.

8.ª O presente recurso visa a fiscalização concreta das normas contidas nos artigos 3.º, n.º 2, e 25.º, n.º 2, da Lei de Cooperação Judiciária Internacional quando interpretadas no sentido de exonerarem o tribunal recorrido de cumprir o contraditório, nos termos do artigo 3.º, n.º 3, do CPC, por remissão do artigo 4.º do CPP, por manifesta desnecessidade.

9.ª Quando se trata de matéria relativa às garantias prestadas pela União Indiana, no âmbito de um processo de extradição, com referência a normas nunca antes invocadas, o que viola o direito e as garantias de defesa do extraditando, bem como o condicionalismo exigido pela lei fundamental quanto à extradição por crimes que impliquem a pena de prisão perpétua 'garantias de que tal pena não será aplicada ou executada', sendo por isso inconstitucional, por violação dos artigos 32.º, n.os 1 e 5, e 33.º, n.º 4, da Constituição da República Portuguesa.

10.ª O Tribunal Constitucional tem admitido a extensão ao processo de extradição e ao extraditando das garantias constitucionais relativas ao processo criminal e ao arguido (cf. Acórdão do Tribunal Constitucional de 2 de Outubro de 1987).

11.ª Para bem se perceber a importância e necessidade do cumprimento do princípio do contraditório, tratando-se de invocação de novas normas ou leis no âmbito de um pedido de extradição, vejam-se a título de exemplo os artigos 6.º, n.os 2, alíneas a) e b), e 3, e 23.º, n.º 1, alínea f), todos da Lei de Cooperação Judiciária Internacional em Matéria Penal.

12.ª Não se pode concluir que é inócuo surgirem novas normas e que as mesmas não carecem de ser notificadas ao extraditando, sob pena de se verem gorados princípios fundamentais com tutela constitucional, como o princípio de defesa do extraditando e o princípio da igualdade.

13.ª Para aferir da validade das garantias prestadas há que necessariamente convocar e analisar precisamente as normas do Estado requerente, no caso da União Indiana, no sentido de verificar 'nos termos da legislação e da prática do Estado requerente, a possibilidade de não aplicação da pena [...] a possibilidade de indulto, perdão, comutação de pena ou medida análoga, previstos na legislação do Estado requerente'.

14.ª Notificado do acórdão recorrido, constatou o recorrente que, no ponto 12, sob o título 'Garantias', o mesmo consagrou a propósito matéria nova, não trazida ao seu conhecimento, não obstante ter sido especificamente impugnada pelo extraditando em sede de recurso.

15.ª O acórdão recorrido supre o problema da eventual insuficiência da garantia, remetendo, em nota de rodapé, para os 'Memorandos' de fl. 1689 a fl. 1691 e de fl. 1662 a fl. 1666, os quais alegadamente remetem para normas e institutos da lei indiana que nunca foram invocados em momento anterior (nem no acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa nem no recurso interposto pelo Ministério Público que dedica um capítulo à validade da garantia), que não constam do processo e, sobretudo, não foram dados a conhecer ao extraditando para sobre os 'mesmos' se pronunciar.

16.ª A factualidade referente à garantia é fundamental para a defesa do extraditando, na medida em que no pedido de extradição constam inúmeros crimes em que é aplicável, em abstracto, pena de prisão perpétua (directamente, ou por via da conversão das penas de morte por força do artigo 34.º-C do Extradiction Act, de 1962), o que implica a verificação da sua conformidade com as exigências constitucionais, tendo refracções directas no âmbito de aceitação do presente pedido de extradição.

17.ª O acórdão recorrido não poderia ter tomado em consideração tais factos novos ou adicionais sem antes ter dado conhecimento ao extraditando do seu teor para que, quanto aos mesmos, se pudesse pronunciar, sobretudo estando em causa matéria 'tão cara' e fundamental para a apreciação do seu pedido de extradição.

18.ª O tribunal a quo, antes da prolação da decisão final, estava, assim, obrigado a dar cumprimento ao princípio do contraditório, procedendo à notificação ao extraditando a fl. 1620, de fl. 1662 a fl. 1666 e de fl. 1689 a fl. 1691, para que sobre os teor dos mesmos se pudesse posicionar, dizendo o que se lhe afigurasse necessário (cf. Acórdão do Tribunal Constitucional, de 6 de Maio de 1993, Boletim do Ministério da Justiça, n.º 427, p. 57).

19.ª Quaisquer factos novos ou elementos adicionais que surjam em fase de recurso hão-de, e por maioria de razão, forçosamente ser submetidos ao princípio do contraditório, por força do princípio geral do contraditório previsto no artigo 3.º, n.º 3, do Código de Processo Civil, aplicável ao processo penal por força do disposto no artigo 4.º do Código de Processo Penal, igualmente aplicável aos processo de extradição por força dos artigos 3.º, n.º 2, e 25.º, n.º 2, da Lei 144/99.

20.ª No caso em apreço, o não cumprimento do princípio do contraditório, apesar das melhores intenções do tribunal a quo expressas no acórdão que incidiu sobre a 'reclamação' de 3 de Março de 2005 (cf. ponto 1.11), tem efeitos verdadeiramente perversos e graves.

21.ª É que, dispondo directamente a lei fundamental que só será admissível a extradição por crimes que impliquem pena de prisão perpétua se 'o Estado requisitante oferecer garantias de que tal pena ou medida de segurança não será aplicada ou executada', no caso em apreço, forçoso será concluir que essas garantias não foram oferecidas pelo Estado requerente, a União Indiana, mas sim por mero requerimento dos seus mandatários, no âmbito dos poderes limitados de intervenção que lhes são conferidos neste processo (cf. artigo 47.º, n.º 4, da Lei de Cooperação Judiciária Internacional).

22.ª Porquanto a nova lei apenas citada no acórdão recorrido, Allocation of Business Rules Act, de 1961, não consta sequer do processo.

23.ª Por outro lado, o suposto 'reforço' de garantias colhido pelo tribunal a quo vai de encontro a todos os obstáculos desde o início suscitados pelo extraditando, concretamente, quando alega que o 'Vice-Primeiro-Ministro' não tem (nunca teve) competência para prestar uma garantia (como a que consta dos autos) de que 'ao extraditando não será aplicada pena de prisão superior a 25 anos', por essa garantia não ser válida e vinculativa para o Estado requerente e, por maioria de razão, para o Estado Português.

24.ª Porquanto, pela primeira vez, no acórdão recorrido se faz constar que 'o então, Vice-Primeiro-Ministro, L. K. Advani, à data titular da pasta dos assuntos internos (?!) era, nos termos constitucionais e legais indianos, a entidade competente para prestar a garantia de que não seria aplicada ao extraditando Abu Salem pena de prisão superior a 25 anos'.

25.ª Sabendo que a garantia soberana solene de 17 de Dezembro de 2002 é indubitavelmente subscrita por L. K. Advani, na qualidade de Vice-Primeiro-Ministro (cf. fls. 6 e 7 dos autos de extradição), e não na qualidade de Ministro dos Assuntos Internos.

26.ª Pelo exposto, o Supremo Tribunal de Justiça, ao proferir o acórdão recorrido, sem antes ter dado conhecimento ao extraditando de elementos novos resultantes das peças processuais já mencionadas de fl. 1662 a fl. 1666 e de fl. 1689 a fl. 1691, com referência à garantia soberana solene, a uma lei nunca antes invocada e não constante sequer dos autos, bem como a um artigo da Constituição Indiana nunca antes invocado e que nem tem correspondência com os actos efectuados pelo Governo da União Indiana nos presentes autos, preteriu o principio do contraditório, princípio esse com tutela constitucional, decorrência do princípio do Estado de direito democrático, que lhe impunha cumprir nos termos dos artigos 2.º, 32.º, n.º 1, e 33.º, n.º 4, da lei fundamental.

27.ª A interpretação acolhida no acórdão recorrido dos mencionados normativos: artigo 3.º, n.º 2, e 25.º, n.º 2, da Lei de Cooperação Judiciária Internacional em Matéria Penal, 4.º do CPP e 3.º, n.º 3, do CPC, aplicável aos processos de extradição por força dos normativos anteriores, ao ter decidido que não era obrigatório dar cumprimento ao princípio do contraditório que emana do artigo 3.º, n.º 3, do CPC é inconstitucional, porquanto viola o disposto nos artigos 2.º, 32.º, n.º 1, e 33.º, n.º 4, todos da Constituição da República Portuguesa."

14 - Relativamente a este segundo recurso, o representante do Ministério Público no Tribunal Constitucional apresentou contra-alegações, concluindo:

"1 - Não tendo as normas, cuja inconstitucionalidade se suscita, sido aplicadas na dimensão normativa invocada, como ratio decidendi pelo acórdão recorrido, questionando-se no fundo a própria decisão em si, num recurso que só pode versar sobre conformação normativa à lei fundamental, não deverá conhecer-se do seu objecto.

2 - Termos em que nunca o presente recurso poderia proceder."

15 - Também a União Indiana apresentou contra-alegação relativamente ao segundo recurso, concluindo do seguinte modo:

"1.ª O recorrente pretende ver apreciada a constitucionalidade das normas contidas nos artigos 3.º, n.º 2, e 25.º, n.º 2, da Lei 144/99, de 31 de Agosto, quando interpretadas no sentido de exonerarem o tribunal recorrido de cumprir o princípio do contraditório, nos termos do artigo 3.º, n.º 3, do Código de Processo Civil (CPC), por remissão do artigo 4.º do Código de Processo Penal (CPP), por manifesta desnecessidade.

2.ª Não está preenchido o pressuposto processual que exige a aplicação pelo Tribunal recorrido da norma cuja inconstitucionalidade se pretende ver apreciada, como ratio decidendi ou fundamento normativo da decisão judicial reflexamente posta em crise.

3.ª Sendo que o que o recorrente pretende ver apreciado não é a interpretação de qualquer norma, mas sim a decisão judicial do tribunal a quo, a apreciação e valoração do STJ relativamente ao princípio do contraditório, ou seja, a própria decisão recorrida.

4.ª O Tribunal a quo configurou a norma referente ao princípio do contraditório em toda a sua extensão, isto é, como admitindo uma excepção a tal princípio em casos de manifesta desnecessidade. Simplesmente, atendendo à matéria em causa, considerou, precisamente, desnecessário tal contraditório.

5.ª Falece também assim o requisito da aplicação pelo tribunal recorrido, como ratio decidendi, de norma cuja inconstitucionalidade haja sido suscitada durante o processo, uma vez que a dimensão normativa que o recorrente pretende ver analisada, que afirma ser a interpretação do artigo 3.º, n.º 3, do CPC, em resultado da remissão dos artigos 3.º, n.º 2, e 25.º, n.º 2, da Lei da Cooperação e do artigo 4.º do CPP, não foi a aplicada no acórdão recorrido como ratio decidendi.

6.ª Pelo exposto, não deve o presente recurso ser admitido, por não estarem reunidos e verificados os necessários pressupostos processuais previstos no artigo 280.º, n.º 1, alínea b), da Constituição da República Portuguesa e no artigo 70.º, n.º 1, alínea b), da Lei do Tribunal Constitucional.

7.ª Foi o próprio recorrente quem, na resposta ao recurso do Ministério Público, interposto da decisão do Tribunal da Relação de Lisboa de 14 de Julho de 2004, que autorizou parcialmente a extradição requerida, levantou a questão da validade das garantias prestadas, pelo que a mesma não pode ser considerada uma 'questão nova'.

8.ª Os 'Memorandos' apresentados pelos mandatários da União Indiana, a que o recorrente se refere, surgiram no seguimento e em cumprimento de um despacho do STJ, no qual aquele Tribunal, manifestando dúvidas relativamente às garantias já prestadas, sugeriu uma eventual garantia suplementar, concedendo um prazo aos mandatários da União Indiana para sobre tal se pronunciarem.

9.ª A questão que o recorrente coloca em causa, o saber quem teria competência, no direito interno da União Indiana, para prestar a garantia de que certas penas não serão executadas, é uma questão presente desde o início do processo a que nos estamos a reportar, quer na sua fase administrativa quer na sua fase judicial, e que o extraditando várias vezes colocou em relevo.

10.ª A aplicação de normas e institutos do direito interno da União Indiana, pela decisão do STJ, não deve ser considerada imprevisível ou insólita, devido precisamente às várias questões já suscitadas a propósito das garantias.

11.ª Não é desrazoável exigir ao recorrente que contasse com tal aplicação, nomeadamente tendo em conta o conhecimento oficioso que cabia ao tribunal fazer relativamente ao direito estrangeiro.

12.ª Tem manifesta aplicação a excepção ao princípio do contraditório, ou seja, o ser um caso de manifesta desnecessidade, por não ser matéria nova, por ser de conhecimento oficioso e por sobre ela já as partes se terem pronunciado, tendo vindo do extraditando, por via do seu recurso, o impulso para se analisar, novamente, a questão.

13.ª A conjugação destes factores permite aferir da manifesta desnecessidade de dar cumprimento ao princípio do contraditório.

14.ª Não foram os mandatários a oferecer quaisquer garantias suplementares, tendo somente respondido ao que lhes foi solicitado pelo STJ, em despacho, prestando esclarecimentos relativamente à garantia já prestada e demonstrando a disponibilidade da União Indiana para prestar uma garantia suplementar, caso assim se entendesse.

15.ª É de notar o próprio Exmo. Conselheiro Relator, na sequência dos esclarecimentos prestados pela União Indiana, 'abandonou' o incidente que havia suscitado quando se deu conta que a disposição em que se baseara para suscitar tal incidente [o artigo 6.º, n.º 2, alínea c), da Lei 144/99, de 31 de Agosto] pressupunha um pedido de extradição, que visava a execução de penas já aplicadas 'privativas da liberdade com carácter perpétuo ou de duração indefinida', o que não era o caso em análise.

16.ª Também por esse motivo não haveria que dar conhecimento ao recorrente de tais 'Memorandos'.

17.ª Deste modo, e em conclusão, o Supremo Tribunal de Justiça não aplicou qualquer norma inconstitucional, nomeadamente por violação do princípio do contraditório, não tendo havido qualquer violação dos artigos 32.º, n.os 1 e 5, e 33.º, n.º 4, da Constituição da República Portuguesa ou de quaisquer outras normas constitucionais.

Nestes termos, não deve o presente recurso ser admitido, por não estarem verificados os necessários pressupostos processuais, ou, quando assim não se entenda, deve o mesmo ser julgado improcedente e, consequentemente, mantida a decisão recorrida nos seus precisos termos."

16 - Foram juntos aos autos dois pareceres jurídicos: um, pelo extraditando, ainda no STJ, logo após a apresentação do requerimento de interposição do primeiro recurso para o Tribunal Constitucional, da autoria do Prof. Doutor Jorge de Figueiredo Dias (fls. 1767-1821); outro, pela União Indiana, na sequência da apresentação das suas contra-alegações neste Tribunal, da autoria do Prof. Doutor Vital Moreira (fls. 2080-2133). O extraditando, ora recorrente, foi notificado, nos termos do artigo 526.º do Código de Processo Civil, da apresentação deste último parecer, tendo-lhe no mesmo acto (cf. fl. 2134) sido remetidas cópias das contra-alegações da União Indiana, o que não lhe suscitou qualquer reacção.

Tudo visto, cumpre apreciar e decidir.

II - Fundamentação. A) - Recurso do Acórdão do STJ de 3 de Março de 2005 - 17 - Começar-se-á pela apreciação do recurso do Acórdão do STJ de 3 de Março de 2005, pois, embora interposto em segundo lugar, reporta-se a um momento processual (o da eventual audição do recorrente sobre "elementos" trazidos aos autos pelos mandatários da União Indiana) que, na tramitação normal do recurso perante o STJ, se localizaria antes da prolação do acórdão que apreciou o mérito dos recursos interpostos do acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa.

E a primeira questão que o recurso ora em análise levanta é a da sua admissibilidade, logo suscitada no despacho do relator que determinou a apresentação de alegações e a que se associaram os recorridos.

Recorde-se que foi o conselheiro relator do STJ que, por despacho de 17 de Dezembro de 2004 (cf., supra, n.º 4), determinou a audição dos mandatários da União Indiana para se pronunciarem sobre a viabilidade da prestação de garantia suplementar, que, na perspectiva do autor do despacho, se mostrava necessário que fosse prestada de forma inequívoca - "a de o Estado requerente 'aceitar [como integrante do pedido de extradição] a conversão das penas [se, efectivamente, de morte ou de prisão perpétua ou indefinida], por um tribunal português, segundo as disposições da lei portuguesa aplicáveis aos crimes [que, eventualmente, venham a motivar uma tal condenação]' [cf. artigo 6.º, n.º 2, alínea c), da Lei 144/99, de 31 de Agosto]".

Em resposta a este convite, os mandatários da União Indiana apresentaram os requerimentos a fls. 1662-1666 e 1689-1691 (cf., supra, n.os 5 e 6), em que, não obstante reiterarem a opinião de já haver sido prestada garantia suficiente, manifestam disponibilidade para prestação de garantia adicional, se reputada necessária, não sem aludir (cf. n.º 10 do primeiro requerimento) a que sempre haviam entendido que a garantia prevista no artigo 6.º, n.º 2, alínea c), da Lei 144/99, se aplicava "apenas a casos de cooperação judiciária internacional relativos a agentes já condenados, e não a casos de extradição para julgamento dos agentes no Estado requerente".

Foi por, de seguida, ter sido proferido o Acórdão de 27 de Janeiro de 2005, que concedeu provimento ao recurso do Ministério Público, que conteria, no ponto 12, sob o título "Garantias", "matéria nova", remetendo para os aludidos dois requerimentos, sem que ao extraditando tivesse sido notificada a apresentação dos mesmos, que o extraditando veio arguir a nulidade desse acórdão, por preterição do princípio do contraditório, referindo ainda que "uma interpretação dos artigos 3.º, n.º 2, e 25.º, n.º 2, da Lei 144/99, de 31 de Agosto, que entenda não ser extensível ao processo de extradição o princípio do contraditório previsto no artigo 327.º do CPP e no artigo 3.º, n.º 3, do Código de Processo Civil, aplicável por força do artigo 4.º do CPP, sempre se encontraria ferida de inconstitucionalidade, por violação dos artigos 32.º, n.º 1, e 32.º, n.º 5, da lei fundamental" (cf., supra, n.º 8).

Esta arguição de nulidade foi desatendida pelo Acórdão do STJ de 3 de Março de 2005, com a seguinte fundamentação: i) as considerações contidas no ponto 12 ("Garantias") do precedente acórdão inserem-se no âmbito da indagação, que oficiosamente lhe compete, do direito estrangeiro (no caso, do direito interno do Estado requerente da extradição com relevância para o apuramento da suficiência da garantia prestada no sentido da não aplicação da pena de prisão perpétua), não sendo imposto que "o Supremo, ao aplicá-lo (como a Relação, aliás, já aplicara, embora sem identificação dos respectivos diploma e parágrafo), dele devesse dar prévio conhecimento ao extraditando"; ii) tratava-se de questão que "não só não constituía 'questão nova' como sobre ela já as partes se haviam pronunciado abundantemente"; iii) a observância do contraditório é dispensável em caso de desnecessidade, e, no caso, os requerimentos apresentados pelos mandatários da União Indiana foram "produzidos no âmbito de um incidente suscitado pelo relator em 17 de Dezembro de 2004 e por ele 'abandonado' logo que se deu conta de que a disposição em que para tanto se estribara - a do artigo 6.º, n.º 2, alínea c), da Lei 144/99, de 31 de Agosto - pressupunha um pedido de extradição (que não era o sub specie) que visasse a execução de penas - já aplicadas - 'privativas da liberdade com carácter perpétuo ou de duração indefinida'"; iv) as alusões feitas no acórdão a algumas afirmações contidas nesses requerimentos tiveram por propósito "de forma indirecta [...] - em benefício, afinal, do extraditando - 'vincular' a União Indiana, como que em reforço das garantias já prestadas, aos seus próprios 'protestos' de reafirmação e estrito cumprimento dessas garantias"; v) o STJ, "ao assim proceder, não conheceu de qualquer questão de que não pudesse tomar conhecimento (pois que apenas tratou de questões colocadas nos recursos, ainda que com apelo a normas que, até aí implicitamente invocadas, só nele vieram a ser explicitamente identificadas), única situação em que, nessa parte, o acórdão poderia ter incorrido em 'nulidade' [artigos 425.º, n.º 4, e 379.º, n.º 1, alínea c), do CPP]".

Atenta a fundamentação deste acórdão e os termos em que a questão de constitucionalidade em causa no presente recurso foi colocada pelo recorrente - quer na peça processual (arguição de nulidade do primeiro acórdão) em que a suscitou (aludindo à "interpretação dos artigos 3.º, n.º 2, e 25.º, n.º 2, da Lei 144/99, de 31 de Agosto, que entenda não ser extensível ao processo de extradição o princípio do contraditório previsto no artigo 327.º do CPP e no artigo 3.º, n.º 3, do Código de Processo Civil, aplicável por força do artigo 4.º do CPP"), quer no requerimento de interposição de recurso (cf., supra, n.º 9, aludindo à interpretação das mesmas normas que entenda que elas "não obrigam ao cumprimento do contraditório [...] por manifesta desnecessidade e por nos encontrarmos no âmbito de matéria que se insere no âmbito de cognição do tribunal recorrido"), quer nas correspondentes alegações (cf., supra, n.º 13, aludindo à interpretação das mesmas normas no sentido de que nos processos de extradição "não era obrigatório dar cumprimento ao princípio do contraditório", sem mais) -, e mesmo admitindo que as alegadas violações da Constituição não são directamente reportadas à decisão judicial recorrida e que é possível discernir, apesar das oscilações registadas na sua identificação, um critério normativo cuja conformidade constitucional foi questionada, entende-se que, no caso, não existe coincidência entre a dimensão normativa questionada e a dimensão normativa aplicada, como ratio decidendi, pela decisão recorrida.

A norma central aqui em causa é a do artigo 3.º, n.º 3, do Código de Processo Civil (CPC), já que as normas dos artigos 3.º, n.º 2, e 25.º, n.º 2, da LCJIMP se limitam a considerar subsidiariamente aplicáveis as disposições do CPP, e a norma do artigo 327.º do CPP, invocada pelo recorrente, reafirma a operatividade do princípio do contraditório na decisão das questões incidentais sobrevindas no decurso da audiência de julgamento e na produção de meios de prova apresentados em audiência de julgamento (neste contexto, seria mais adequada, para sustentar a aplicabilidade do artigo 3.º, n.º 3, do CPC, a invocação do artigo 4.º do CPP).

Ora, a norma do artigo 3.º, n.º 3, do CPC ("O juiz deve observar e fazer cumprir, ao longo de todo o processo, o princípio do contraditório, não lhe sendo lícito, salvo caso de manifesta desnecessidade, decidir questões de direito ou de facto, mesmo que de conhecimento oficioso, sem que as partes tenham tido a possibilidade de sobre elas se pronunciarem") contém uma regra, condicionada a um pressuposto, e uma excepção. O pressuposto é o de que o tribunal tenha de decidir questão sobre a qual as partes ainda não tiveram possibilidade de se pronunciar; a regra é a de que, nesses casos, o tribunal não deve decidir sem conceder às partes possibilidade de se pronunciarem; a excepção é a de que o tribunal pode não ouvir as partes, mesmo que se trate de questão sobre a qual elas ainda não se pronunciaram, se considerar essa audição manifestamente desnecessária.

O acórdão recorrido, no seu ponto 1.8 (transcrito, supra, no n.º 8), entendeu - e esta foi a sua primeira e principal ratio decidendi - que sobre a questão em causa "já as partes se haviam pronunciado abundantemente", pelo que nem sequer se verificava o pressuposto de aplicação da regra do n.º 3 do artigo 3.º do CPC. Só como fundamentação adjuvante ou reforçativa é que, no subsequente ponto 1.9, o STJ refere que a observância da regra do contraditório (supondo que fosse operativa no presente caso, o que já fora afastado no número anterior) é dispensável em caso de manifesta desnecessidade, e, em seguida, desenvolve as razões pelas quais entende que, mesmo na hipótese de ser devido o acatamento dessa regra, o mesmo seria de reputar manifestamente desnecessário.

Ora, o recorrente, no requerimento de interposição deste recurso de constitucionalidade (supra-referenciado, n.º 9) - quando já estava na posse de todos os elementos necessários para identificar a dimensão normativa aplicada pelo STJ e em que, portanto, já não podia beneficiar da compreensão por eventual menos rigor nessa identificação que se justificava quando, perante uma mera omissão de actuação processual do STJ (falta de notificação das respostas dos mandatários da União Indiana), teve de, na arguição dessa nulidade, suscitar pela primeira vez a questão de inconstitucionalidade -, nenhuma questão de inconstitucionalidade suscita a propósito da primeira e principal ratio decidendi do acórdão do STJ: a de que, por se tratar de questão sobre a qual as partes já se haviam pronunciado, não era sequer aplicável a regra do contraditório. Na verdade, nesse requerimento, o recorrente apenas suscita a inconstitucionalidade das referidas normas, "na interpretação [...] segundo a qual tais normas não obrigam ao cumprimento do princípio do contraditório [...] por manifesta desnecessidade e por nos encontrarmos no âmbito de matéria que se insere no âmbito de cognição do tribunal recorrido". Mas, como se demonstrou, não foi essa a ratio decidendi do acórdão recorrido.

Não tendo o recorrente englobado no âmbito do presente recurso a inconstitucionalidade da interpretação normativa em que se baseou o principal fundamento da decisão ora em apreço - a de que não se aplica a regra do contraditório, consagrada no artigo 3.º, n.º 3, do CPC, quanto a decisão de questões (identificada a "questão" como sendo a da "competência - perante o respectivo direito interno - do Ministro dos Assuntos Internos da União Indiana para prestar ao Estado requerido a 'garantia' de que eventual pena perpétua seria objecto de 'perdão' ou 'indulto' de modo que a pena a executar não excedesse 25 anos de prisão") sobre as quais as partes já se pronunciaram -, é manifesto que se verifica uma situação de não identidade entre a dimensão normativa aplicada como ratio decidendi determinante e a dimensão normativa arguida de inconstitucionalidade, que obsta à admissibilidade do recurso e ao conhecimento do seu objecto.

Acresce que, mesmo que o Tribunal Constitucional viesse a apreciar a constitucionalidade da dimensão normativa invocada em segunda linha pelo acórdão recorrido (se valesse a regra do contraditório, a sua observância seria de considerar, no caso, manifestamente desnecessária), e mesmo que viesse a conceder provimento ao recurso, tal decisão nenhuma repercussão teria no sentido final da decisão impugnada, uma vez que esta sempre se manteria, com o mesmo conteúdo, ancorada no primeiro fundamento.

Por estas razões, o recurso interposto do Acórdão do STJ de 3 de Março de 2005 surge como inadmissível, pelo que dele não se tomará conhecimento.

B) Recurso do Acórdão do STJ de 27 de Janeiro de 2005 - 18 - Relativamente a este recurso, foram suscitadas pelo relator, no despacho que determinou a apresentação das respectivas alegações (cf., supra, n.º 9), as questões prévias de eventual não conhecimento, por não adequada suscitação pelo recorrente, perante o tribunal recorrido, das questões de constitucionalidade quer das normas do artigo 6.º, n.º 2, alíneas a) e b), da LCJIMP, quer da norma do artigo 9.º, n.º 3, da Convenção de Nova Iorque.

A inadmissibilidade do recurso quanto à primeira questão é patente: percorrendo quer a motivação do recurso do extraditando para o STJ quer a sua resposta à motivação do recurso do Ministério Público (peça por ele especificamente referida como sendo aquela onde teria suscitado tal questão), nenhuma alusão é feita ao artigo 6.º, n.º 2, alíneas a) e b), da LCJIMP, designadamente à sua eventual inconstitucionalidade. A referência a esta questão de inconstitucionalidade surge, pela primeira vez, no requerimento de interposição de recurso para o Tribunal Constitucional, o que, como é sabido, não constitui momento oportuno para esse efeito.

Por estas razões, não se conhecerá de tal questão no âmbito do presente recurso.

19 - Diferente é a questão a dar à segunda "questão prévia" suscitada.

Dispõe o artigo 9.º da Convenção de Nova Iorque, de que Portugal e a União Indiana são partes:

"1 - Os crimes previstos no artigo 2.º serão considerados como crimes passíveis de extradição em qualquer tratado de extradição celebrado entre Estados Partes antes da entrada em vigor da presente Convenção. Os Estados Partes comprometem-se a considerar tais crimes como passíveis de extradição em qualquer tratado de extradição a ser subsequentemente celebrado entre eles.

2 - Se um Estado Parte, que condiciona a extradição à existência de um tratado, receber um pedido de extradição formulado por outro Estado Parte com o qual não tenha qualquer tratado de extradição, o Estado Parte requerido poderá, se assim o entender, considerar a presente Convenção como a base jurídica para a extradição relativamente aos crimes previstos no artigo 2.º A extradição ficará sujeita às restantes condições previstas pelo direito interno do Estado requerido.

3 - Os Estados Partes que não condicionem a extradição à existência de um tratado reconhecerão os crimes previstos no artigo 2.º como passíveis de extradição nas condições previstas pelo direito interno do Estado requerido.

[...]"

São distintos o âmbito de aplicação e a prescrição contidos nos n.os 2 e 3: o n.º 2 aplica-se aos Estados que condicionam a extradição à existência de um tratado, e faculta-lhes a possibilidade de considerarem a Convenção como base jurídica para a extradição relativamente aos crimes previstos no artigo 2.º; o n.º 3 aplica-se aos Estados que não condicionam a extradição à existência de um tratado e impõe-lhes o dever de considerarem esses crimes como passíveis de extradição.

Ao longo de todo o presente processo, quer na fase administrativa quer na judicial, até à prolação do acórdão ora recorrido, todos os intervenientes partiram do pressuposto de que era aplicável a norma do n.º 2 do artigo 9.º Desde logo, o parecer do Procurador-Geral da República, acolhido no despacho da Ministra da Justiça, refere o artigo 9.º, n.º 2, da Convenção de Nova Iorque, e parte do pressuposto de que Portugal condiciona a extradição à existência de um tratado (cf., supra, n.º 1).

O acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, recorrido para o STJ, também expressamente reconhece que é aplicável esse n.º 2 do artigo 9.º, e, aliás, o fundamento para a recusa de autorizar a extradição quanto aos crimes puníveis com pena de morte ou com pena de prisão perpétua, utilizado nesse acórdão, só é compreensível no âmbito desse preceito: é por se entender que a Convenção apenas possibilita (não vincula) o Estado Português a conceder a extradição que se considerou, nesse acórdão, que a vinculação para a conceder, no presente caso, não podia provir de um acto de um membro do Governo (a Ministra da Justiça), mas sim dos órgãos constitucionalmente habilitados a vincular o Estado Português, que são, atentas as matérias em causa (direitos, liberdades e garantias e processo criminal), a Assembleia da República e o Presidente da República.

Também toda a motivação do recurso interposto pelo Ministério Público foi estruturada na base da subsunção do caso à previsão do n.º 2 do artigo 9.º (cf. conclusão 6.ª), e, naturalmente, foi na mesma perspectiva que o extraditando elaborou a sua resposta a esse recurso e suscitou a questão da inconstitucionalidade da norma do n.º 2 do artigo 9.º da Convenção de Nova Iorque, em termos, aliás, coincidentes com os aduzidos no acórdão do Tribunal da Relação.

Efectivamente, só no Acórdão do STJ de 27 de Janeiro de 2005 é que, pela primeira vez em todo o processo, se alude ao n.º 3 do artigo 9.º da Convenção de Nova Iorque e, mais, se considera ser o mesmo aplicável ao caso dos autos. Como se demonstra nos n.os 11.2 a 11.8 desse acórdão (objecto de correcção pelo acórdão de 3 de Março de 2005 - cf., supra, n.º 8), "Portugal não condiciona a extradição, de um modo geral, à existência de um tratado (bilateral)" (n.º 11.4), e "daí que se não aplique ao caso - contra o que o tribunal a quo pressupôs - o n.º 2 [mas, sim, o n.º 3] do artigo 9.º da Convenção de Nova Iorque, 1998" (n.º 11.7).

Neste contexto, se não se pode afirmar que a aplicação da norma do n.º 3 do citado artigo 9.º fosse totalmente imprevisível, anómala ou insólita (antes aparecendo até eventualmente como a mais correcta), é certo que ela foi inesperada, por nunca antes aventada nos autos. E isto é quanto basta para que não se vede ao extraditando a possibilidade de ver apreciada pelo Tribunal Constitucional a constitucionalidade de uma interpretação normativa acolhida, pela primeira vez, oficiosamente, no acórdão recorrido, sem sequer ter sido sugerida ou defendida pelos restantes intervenientes processuais.

Conhecer-se-á, pois do recurso interposto do Acórdão do STJ de 27 de Janeiro de 2005, embora com o respectivo âmbito circunscrito à questão da inconstitucionalidade da norma do artigo 9.º, n.º 3, da Convenção de Nova Iorque, quer "na interpretação [...] segundo a qual [...] obrigaria Portugal à extradição por crimes a que é abstractamente aplicável a pena de morte, mesmo que, dado o teor na norma indiana constante dos autos (artigo 34.º-C do Extradition Act de 1962), não exista uma impossibilidade jurídica de ela vir a ser aplicada", quer "quando interpretada no sentido [...] de obrigar Portugal a extraditar uma pessoa por factos a que corresponde, abstractamente, a pena de prisão perpétua, mesmo na ausência de um compromisso convencionado entre as Partes de proceder a tal extradição mediante a prestação de garantias de não aplicação ou execução de tal pena".

A circunstância de, relativamente à primeira dimensão normativa indicada, o acórdão recorrido não ter reconhecido a inexistência de impossibilidade jurídica de aplicação da pena de morte prende-se já com o mérito do recurso, não justificando essa divergência de juízos, entre tribunal recorrido e recorrente, quanto à existência ou inexistência de tal impossibilidade jurídica, que se considere que, por falta de coincidência entre a dimensão normativa aplicada e a impugnada, o recurso também era inadmissível nesta parte, como sustentam os recorridos.

20 - Entrando na apreciação do mérito deste recurso, cumpre, antes de mais, determinar o parâmetro constitucional aplicável, uma vez que os crimes imputados ao extraditando abstractamente puníveis com pena de morte ou de prisão perpétua foram cometidos nos anos de 1992, 1993 e 1995, na vigência da versão da CRP de 1989, o pedido de extradição foi apresentado e o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa foi proferido na vigência da versão de 2001 e, por último, o acórdão do STJ, ora recorrido, foi prolatado já na vigência da versão de 2004 da CRP. Ora, partindo do pressuposto (aventado nos autos e cuja correcção será adiante analisada) de que a versão de 2004, sendo mais facilitadora da concessão de extradição, é mais desfavorável para o extraditando, coloca-se o problema da aplicação no tempo das sucessivas versões constitucionais.

Questão aparentada com a presente já foi suscitada perante o Tribunal Constitucional face à expressa consagração do princípio da irretroactividade da lei fiscal na revisão de 1997, embora então a alteração constitucional fosse de sinal contrário à ora pressuposta: enquanto a versão de 2004, na apontada perspectiva, seria mais desfavorável para o extraditando, a alteração da constituição fiscal em 1997 foi mais favorável para os contribuintes, já que, antes dela, se entendia (designadamente a jurisprudência do Tribunal Constitucional) que nem toda a irretroactividade fiscal era inconstitucional, mas só aquela que ofendesse de modo inadmissível e intolerável a confiança e a segurança jurídicas. O Tribunal Constitucional começou - nos Acórdãos n.os 275/98, 540/98, 620/98 e 689/98 - por considerar inadmissível a atendibilidade da nova redacção por as decisões judiciais então recorridas serem anteriores à entrada em vigor da revisão constitucional de 1997. No Acórdão 172/2000, em que, pela primeira vez, apesar de a decisão da 1.ª instância ser anterior à entrada em vigor do texto da quarta revisão constitucional, a decisão judicial recorrida (acórdão do Supremo Tribunal Administrativo) fora proferida já na vigência da revisão constitucional de 1997, o Tribunal Constitucional entendeu que essa decisão devia ter utilizado como parâmetro do juízo de constitucionalidade o texto da Constituição resultante dessa revisão, derivando do novo artigo 103.º, n.º 3, a inconstitucionalidade superveniente de normas retroactivas em matéria fiscal. Deste entendimento viria a afastar-se o Acórdão 193/2001, utilizando basicamente os fundamentos desenvolvidos no voto de vencido aposto pelo conselheiro Cardoso da Costa naquele Acórdão 172/2000, e no mesmo sentido do Acórdão 193/2001, e com a mesma fundamentação, viriam a decidir os Acórdãos n.os 284/2001 e 306/2001, tendo, por último, o Acórdão 110/2002, em recurso para o plenário interposto, ao abrigo do artigo 79.º-D da LTC, contra o Acórdão 306/2001, com fundamento em oposição com o decidido no Acórdão 172/2000, confirmado aquele Acórdão 306/2001. Para a solução prevalecente, para além de considerações ligadas às indesejáveis consequências de a diferença de tratamento de situações tributárias contemporâneas acabar por derivar tão-somente da diversidade do momento da prolação, em cada caso, das últimas decisões judiciais, foi determinante a consideração de que "no contencioso administrativo, a intervenção judicial se faz para apreciação da legalidade de uma decisão da Administração que foi produzida num determinado momento e no quadro de um ordenamento jurídico então vigente, de acordo com o princípio, assente pacificamente, do tempus regit actum", pelo que não haveria "qualquer razão para os princípios e normas constitucionais especificamente reguladoras desse contencioso se não regerem quanto à sua aplicação no tempo pelas mesmas regras que disciplinam o direito administrativo infraconstitucional". Não deixou, porém, a aludida declaração de voto (e os posteriores acórdãos que a ela aderiram) de assinalar que o princípio da não retroactividade, isto é, o de que as leis só valem, em princípio, para o futuro, também aplicável às normas constitucionais, como o evidencia o artigo 282.º, n.º 2, da CRP, não excluía de todo a ocorrência de excepções, dando justamente como exemplo paradigmático "o caso do domínio penal, quando aí caiba aplicar o princípio consignado na parte final do artigo 29.º, n.º 4, ainda da Constituicão".

Revertendo ao caso ora em análise, há que assinalar que, diversamente dos limites dos poderes de cognição então impostos aos tribunais administrativos (e tributários) no âmbito da impugnação de actos administrativos (e tributários), cingidos à apreciação da legalidade do acto impugnado, tendo em conta a realidade de facto e o quadro jurídico existentes à data da prática desse acto, os tribunais judiciais gozam de poderes de plena jurisdição quando apreciam pedidos de extradição, pelo que, em regra, deverão atender ao quadro jurídico vigente à data da prolação da decisão judicial. Mas, sendo isto certo, não menos certo é que, nesse específico domínio, estão sujeitos ao princípio da legalidade, consagrado, explicitamente para o domínio penal, pelo n.º 4 do artigo 29.º da CRP, mas que - adiante-se desde já - há que considerar aplicável também a, pelo menos, certa categoria de normas processuais penais, às quais se devem equiparar as normas que regulam a admissibilidade de extradição.

Quanto ao primeiro aspecto, as primeiras decisões proferidas pelo Tribunal Constitucional foram no sentido de considerar que aquele artigo 29.º, n.º 4, da CRP apenas respeitava à aplicação da lei criminal, não valendo para os preceitos processuais, para os quais regia o artigo 32.º, que não previa qualquer princípio de aplicação retroactiva de normas mais favoráveis: cf. Acórdãos n.os 155/88 e 70/90, que não julgaram inconstitucional a norma do artigo 7.º, n.º 1, do Decreto-Lei 78/87, de 17 de Fevereiro, enquanto impedia a aplicação aos processos pendentes das normas dos artigos 215.º e 217.º do Código de Processo Penal por ele aprovado, apesar de estabelecerem prazos de prisão preventiva mais favoráveis para os arguidos, tendo o Acórdão 70/90 sido objecto de anotação crítica de J. J. Gomes Canotilho (Revista de Legislação e de Jurisprudência, n.º 3792, ano 123.º, pp. 94-96), que, na esteira do ensinamento de Figueiredo Dias (Direito Processual Penal, vol. I, Coimbra, 1981, p. 32; Direito Processual Penal, policopiado, Coimbra, 1988-1989, p. 10), preconizou a extensão daquele princípio "às normas ou fragmentos de normas processuais penais de natureza substantiva", como tais se considerando "as normas processuais penais que condicionem a responsabilidade penal ou contendam com os direitos fundamentais do arguido ou do recluso".

Posteriormente, o Tribunal Constitucional veio a admitir a aplicabilidade do princípio do artigo 29.º, n.º 4, da CRP a determinadas categorias de normas processuais penais. Assim, pelos Acórdãos n.os 250/92 e 451/93 foi julgada inconstitucional, também por violação desse preceito constitucional, a norma do referido artigo 7.º, n.º 1, do Decreto-Lei 78/87, agora na parte em que mandava aplicar aos processos pendentes regras do artigo 667.º do CPP de 1929, que admitiam a reformatio in pejus em condições postergadas pelo novo CPP, já que estava em causa "a questão de constitucionalidade de normas que têm a ver directamente com a pena aplicável", acolhendo-se a opinião de Figueiredo Dias de que "[...] importa que a aplicação da lei processual penal a actos ou situações que decorrem na sua vigência, mas se ligam a uma infracção cometida no domínio da lei processual antiga, não contrarie nunca o conteúdo da garantia conferida pelo princípio da legalidade. Daqui resultará que não deve aplicar-se a nova lei processual penal a um acto ou situação processual que ocorra em processo pendente, sempre que da nova lei resulte um agravamento da posição processual do arguido ou, em particular, numa limitação do seu direito de defesa.".

A extensão do princípio da aplicação do regime mais favorável a normas processuais sobre direito de recurso, por este, "enquanto garantia de defesa, prefigura[r] uma questão de natureza processual 'quase substantiva'", foi admitida pelo Acórdão 207/94, embora, no caso, não tenha sido emitido juízo de inconstitucionalidade por entre o questionado assento de 24 de Janeiro de 1990 e a norma por ele interpretada (artigo 21.º do Decreto-Lei 605/75, de 3 de Novembro) não se verificar uma situação de sucessão de regimes jurídicos distintos, formando o assento e a norma um complexo normativo incindível.

Esta extensão do princípio do n.º 4 do artigo 29.º da CRP ao processo penal foi reafirmada pelo Acórdão 183/2001, a propósito de alteração operada pela Lei 59/98, de 25 de Agosto, ao artigo 400.º, n.º 1, alínea d), do CPP, de que resultaria a admissibilidade de recurso que até aí não era contemplado. A esse propósito, expendeu-se nesse acórdão:

"De acordo com a perspectiva da recorrente (perspectiva essa pressuposta pela decisão recorrida), o recurso que não era admissível em face do artigo 400.º, n.º 1, alínea d), do Código de Processo Penal, na versão originária, sê-lo-ia à luz da redacção conferida a esse preceito pela Lei 59/98.

Colocada a questão nestes termos, é legítimo suscitar o problema de saber se não se deverá submeter ao disposto no artigo 29.º, n.º 4, in fine, da Constituição, este tipo de casos, aplicando-se, então, obrigatoriamente o regime mais favorável ao arguido [...]. Estará, assim, posto em causa, por eventual violação do artigo 29.º, n.º 4, in fine, da Constituição, o próprio critério de aplicação da lei no tempo, constante do mencionado artigo 6.º, n.º 2, da Lei 59/98.

A esta hipótese poder-se-ia, desde logo, objectar com a circunstância de a matéria em questão respeitar ao processo penal, enquanto o artigo 29.º, n.º 4, da Constituição, apenas se referir ao direito penal substantivo.

Uma tal visão do problema não pondera, porém, que existem normas processuais penais materiais que, assim como as normas de direito penal, também afectam os direitos fundamentais. É o caso paradigmático das normas relativas à prisão preventiva, mas é também, segundo alguma doutrina, o caso das normas referentes aos graus de recurso, na medida em que conferem (ou não) possibilidades acrescidas de o arguido ver o seu caso reapreciado e decidido em sentido favorável (cf., quanto a este aspecto, Taipa de Carvalho, Sucessão de Leis Penais, 2.ª ed. rev., 1997, pp. 260 e segs., onde esse autor autonomiza as normas processuais penais formais das normas processuais penais materiais; cf., também, Jorge de Figueiredo Dias, Direito Processual Penal, lições coligidas por Maria João Antunes, 1988, pp. 80 e segs., em que o autor afasta a possibilidade de recurso à analogia no direito processual penal 'na medida imposta pelo conteúdo de sentido do princípio da legalidade e, portanto, sempre que o recurso venha a traduzir-se num enfraquecimento da posição ou numa diminuição dos direitos processuais do arguido').

Relativamente às normas processuais penais que afectam (ou que são susceptíveis de afectar) direitos fundamentais poderá existir, assim, justificação para a aplicação do princípio de imposição da retroactividade da lei penal mais favorável. Os princípios da necessidade e da intervenção mínima do direito, no que respeita à limitação dos direitos, liberdades e garantias (artigo 18.º, n.º 2, da Constituição), decorrente do princípio geral da liberdade, e ainda o princípio da igualdade, subjacentes à solução da aplicação retroactiva da lei penal mais favorável, poderão justificar, também, a aplicação de tal regra constitucional no âmbito das denominadas normas processuais penais materiais, uma vez que aí está igualmente em causa a tutela de direitos, liberdades e garantias (cf. Taipa de Carvalho, ob. cit., pp. 101 e segs.)."

Assente a aplicabilidade do princípio do artigo 29.º, n.º 4, da CRP às "normas processuais penais materiais", resta recordar que desde sempre o Tribunal Constitucional reconheceu natureza penal à fase judicial do processo de extradição. Fê-lo quando julgou (Acórdãos n.os 45/84, 192/85 e 147/86) e depois declarou, com força obrigatória geral (Acórdão 54/87), inconstitucional, por violação do artigo 32.º, n.os 1 e 5, da CRP, a norma do artigo 33.º, n.º 2, do Decreto-Lei 437/75, de 16 de Agosto, que estabelecia a ordem de intervenção do extraditando e do Ministério Público para alegações, dando a última palavra ao Ministério Público. Como se lê no Acórdão 54/87, que procedeu à generalização dos anteriores juízos de inconstitucionalidade:

"O processo judicial de extradição visa decidir da legitimidade da entrega de um cidadão estrangeiro às autoridades de um Estado estrangeiro, para aí ser julgado por certo crime ou para cumprir pena a que tenha sido condenado (Decreto-Lei 437/75, artigo 2.º). É, portanto, um processo de escopo inquestionavelmente penal. No processo de extradição não se julga criminalmente nem se condena o extraditado, mas é manifesto que é através da extradição que o extraditado pode vir a ser julgado e condenado ou obrigado a cumprir uma pena.

Por conseguinte, o processo judicial de extradição tem a ver directamente com a liberdade pessoal do extraditando. Não apenas porque em consequência da extradição pode vir a ser condenado a prisão ou ter de cumprir a pena a que já tenha sido condenado, mas também, e desde logo, porque a extradição implica a sua saída forçada do País e a sua transferência para outro país, o que tudo se traduz em sacrifícios da sua liberdade pessoal. Aliás, o processo de extradição integra naturalmente como acto necessário a prisão do extraditando [Decreto-Lei 437/75, artigos 11.º, 12.º e 28.º, n.º 3, e CRP, artigo 27.º, n.º 3, alínea b)].

A natureza criminal do processo de extradição revela-se também em alguns aspectos do seu regime legal. A lei processual penal comum é referida em várias disposições a título supletivo (cf. os artigos 14.º, 34.º, n.º 2, e 50.º, n.º 1, do Decreto-Lei 437/75).

O recurso das decisões da Relação faz-se para a secção criminal do Supremo Tribunal de Justiça (artigos 26.º, n.º 3, e 33.º, n.º 2).

A favor da natureza penal do processo judicial de extradição pronuncia-se a melhor doutrina. No Acórdão 192/85 transcreve-se a seguinte posição de um autor, que não é de mais reproduzir também aqui:

'A fase judicial do processo de extradição fundado num crime é sem dúvida, tanto formal como substancialmente, processo penal, mesmo no seu sentido mais estrito: por isso mesmo, a tendência é hoje para integrar as normas do processo de extradição nos códigos de processo penal [...] ou, pelo menos, para fazer constar daqueles uma norma de reenvio para legislação especial em matéria de extradição. [J. Figueiredo Dias, in Revista de Legislação e de Jurisprudência, ano 118.º, p. 14, nota, 3.]'

Foi com base neste conjunto de considerações que os acórdãos que estão na base do presente pedido de declaração de inconstitucionalidade com força obrigatória geral concluíram pela caracterização penal do processo de extradição."

De quanto se expôs conclui-se que a regra a adoptar quanto à aplicação no tempo das normas constitucionais relativas à autorização de extradição deve ser a de considerar relevante a redacção da Constituição vigente à data da formulação do pedido de extradição, só sendo aplicáveis normas constitucionais supervenientes se se mostrarem mais favoráveis para o extraditando. Selecciona-se como elemento relevante a data do pedido de extradição, e não a data da prática dos crimes que o fundamentam, pois é aquele pedido que coloca o caso em conexão com a ordem jurídica portuguesa e a consideração desse momento é suficiente para acautelar eficazmente os valores que estão na base desta específica dimensão do princípio da legalidade, designadamente o objectivo de evitar manipulações legislativas posteriores intencionalmente orientadas para o agravamento da posição do extraditando. A aplicação imediata de normas constitucionais adoptadas após a formulação do pedido de extradição e que viessem permitir a extradição em situações antes constitucionalmente proibidas colidiria com os princípios constitucionais da segurança jurídica e da legalidade penal, inexistindo interesses jurídicos relevantes que justifiquem o sacrifício desses valores, uma vez que o Estado requerente, quando formulou o pedido, apenas podia legitimamente contar com a aplicação do quadro constitucional e legal a essa data vigente.

Há, pois, que considerar como parâmetro constitucional relevante, no presente caso, a redacção constitucional vigente à data do pedido de extradição, isto é, a redacção constitucional emergente da revisão de 2001, só sendo de aplicar as alterações introduzidas pela revisão de 2004 se estas se mostrassem mais favoráveis ao extraditando.

21 - Não cumpre, na economia do presente acórdão, fazer uma exposição detalhada da evolução verificada nas diversas versões da Constituição em matéria de extradição nem dos divergentes pronunciamentos jurisprudenciais e doutrinais que suscitou (cf., sobre o tema, Filomena Delgado, "A extradição", in Boletim do Ministério da Justiça, n.º 367 (Junho de 1987), pp. 23-93, Jorge de Figueiredo Dias, "Extradição e non bis in idem", in Direito e Justiça, vol. IX, tomo I, 1995, pp. 213-222, Jorge Miranda e Miguel Pedrosa Machado, "Processo de extradição e recurso para o Tribunal Constitucional: admissibilidade e tema do recurso", na mesma revista, pp. 223-243, Carlos Fernandes, A Extradição e o Respectivo Sistema Português, Lisboa, 1996, Pedro Caeiro, "Proibições constitucionais de extraditar em função da pena aplicável (O estatuto constitucional das proibições de extraditar fundadas na natureza da pena correspondente ao crime segundo o direito do Estado requerente, antes e depois da Lei Constitucional 1/97)", in Revista Portuguesa de Ciência Criminal, ano 8, fasc. 1.º, Janeiro-Março de 1998, pp. 7-25, Mário Mendes Serrano, 'Extradição - Regime e praxis', in Cooperação Internacional Penal, vol. I, Centro de Estudos Judiciários, 2000, pp. 13-112, Frederico Alcântara de Melo, Extradição: o Regime Português nos Casos de Pena de Morte e de Prisão Perpétua, ed. policopiada, Lisboa, 2001, e Paulo Saragoça da Matta, "O sistema português de extradição após a publicação da Lei 144/99, de 31 de Agosto", em Maria Fernanda Palma (coord.), Casos e Materiais de Direito Penal, Coimbra, 2004, pp. 239-258). Apenas há que, especificamente quanto às condicionantes constitucionais à extradição de cidadãos estrangeiros por crimes abstractamente puníveis, no Estado requerente, com pena de morte ou de prisão perpétua, apreciar se a interpretação acolhida no acórdão recorrido se mostra constitucionalmente conforme.

Relativamente aos crimes abstractamente puníveis com pena de morte, a Constituição começou por proclamar, no n.º 3 do artigo 23.º da sua versão originária, que "[n]ão há extradição por crimes a que corresponda pena de morte segundo o direito do Estado requisitante", formulação que transitou, com a revisão de 1982, para o n.º 3 do artigo 33.º, e aí foi mantida pela revisão de 1989, sempre sem alteração de redacção.

Foi nesse quadro que se firmou a jurisprudência do Tribunal Constitucional, desde o Acórdão 417/95 - a que se seguiram os Acórdãos n.os 430/95 e 449/95 (tendo estes três acórdãos julgado inconstitucional "a norma do artigo 4.º, n.º 1, alínea a), do Decreto-Lei 437/75, de 16 de Agosto, por violação do artigo 33.º, n.º 3, da Constituição, na parte em que permite a extradição por crimes puníveis no Estado requerente com a pena de morte, havendo garantia da sua substituição") e que culminou com o Acórdão 1146/96 (que declarou, com força obrigatória geral, a inconstitucionalidade da referida norma, ainda em vigor no Território de Macau, "na parte em que permite a extradição de crimes puníveis no Estado requerente com a pena de morte, havendo garantia da sua substituição, se essa garantia, de acordo com o ordenamento penal e processual penal do Estado requerente, não for juridicamente vinculante para os respectivos tribunais") - no sentido de condicionar a extradição à impossibilidade jurídica de aplicação da pena de morte pelos tribunais do Estado requerente.

A extensão desse regime rigoroso aos casos de extradição por crimes puníveis com pena de prisão perpétua, operada pelo Acórdão 474/95, provocou conhecidas reacções, tendo, no âmbito da revisão constitucional de 1989, sido apresentadas propostas visando assumidamente contrariar a jurisprudência do Tribunal Constitucional, admitindo um "sistema de garantias" capaz de ultrapassar a proibição de extradição, quer por crimes puníveis com pena de morte, quer por crimes puníveis com pena de prisão perpétua, tentativa que, como desenvolvidamente se dá conta no Acórdão 1/2001, só logrou sucesso nesta segunda parte. Instituiu-se, assim, na revisão de 1997, uma dualidade de regimes nos n.os 4 e 5 do artigo 33.º: no primeiro ("Não é admitida a extradição por motivos políticos, nem por crimes a que corresponda, segundo o direito do Estado requisitante, pena de morte ou outra de que resulte lesão irreversível da integridade física") conservou-se a base de sustentação da anterior jurisprudência do Tribunal Constitucional quanto a extradição por crimes puníveis com pena de morte; no segundo ("Só é admitida a extradição por crimes a que corresponda, segundo o direito do Estado requisitante, pena ou medida de segurança privativa ou restritiva da liberdade com carácter perpétuo ou de duração indefinida, em condições de reciprocidade estabelecidas em convenção internacional e desde que o Estado requisitante ofereça garantias de que tal pena ou medida de segurança não será aplicada ou executada") consagrou-se a admissibilidade de um "sistema de garantias".

O n.º 5 do artigo 33.º da versão de 1997 transitou, com a revisão de 2001, para o n.º 6 do mesmo preceito, apenas com o aditamento da expressão "nem a entrega a qualquer título" a seguir a "[n]ão é admitida a extradição", e assim foi mantida na revisão de 2004.

22 - Há, pois, que apurar se, no presente caso, se verificam os requisitos a que a jurisprudência do Tribunal Constitucional - que ora se reitera - tem condicionado a admissibilidade da extradição por crime abstractamente punível com pena de morte. Utilizando formulações do Acórdão 1146/96, "a extradição só é consentida quando, segundo o direito interno do Estado requerente, a pena susceptível de, em concreto, ser aplicada ou já aplicada ao caso não seja a pena de morte", entendendo-se a expressão "segundo o direito do Estado requisitante", usada no então n.º 3 do artigo 33.º da CRP, "como sendo o direito internamente vinculante desse Estado, constituído, tão-só, pelo respectivo corpo de normas penais, de que conste a possibilidade abstracta da pena de morte, e por quaisquer mecanismos - e só eles que se inscrevam vinculativamente no direito e processuais, ainda que decorrentes do direito constitucional ou do direito jurisprudencial do Estado requisitante, dos quais resulte que a pena de morte não será devida no caso concreto, porque nunca pode ser aplicada"; em suma, deve entender-se que a Constituição "proíbe a extradição por crimes cuja punição com pena de morte seja juridicamente possível, de acordo com o ordenamento penal e processual penal do Estado requisitante, sendo, por isso, incompatível com quaisquer garantias de não aplicação ou de substituição da pena capital prestadas pelo Estado requerente, que não se traduzam numa impossibilidade jurídica da sua aplicação".

O acórdão recorrido - tal como, aliás, já o entendera o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa - considerou que da disposição do artigo 34.º-C da Lei de Extradição indiana resultava a impossibilidade jurídica da aplicação da pena de morte, pois ela procedeu à comutação automática em pena de prisão perpétua das penas de morte aplicáveis a crimes pelos quais é requerida a extradição, para a União Indiana, a Estado que não preveja a pena de morte. Mais entendeu o acórdão recorrido, no âmbito da sua função de identificação e interpretação do direito estrangeiro aplicável, que a expressão inicial desse preceito (aceitando a tradução, constante dos autos, da expressão "Notwithstanding anything contained in any other law for the time beeing in force [...]" por "Sem prejuízo do conteúdo de qualquer outra lei à data em vigor [...]"), jamais poderia ser interpretada como possibilitando que qualquer outra lei posterior poderia contrariar essa conversão automática de penas, pois a tal se oporiam os princípios gerais universais do direito penal, máxime o da não retroactividade de lei desfavorável, devendo antes ler-se como significando que se à data da condenação vigorasse outra lei mais favorável, seria essa a aplicável (e não a de prisão perpétua). Por isso se entendeu verificar-se uma situação de impossibilidade jurídica de aplicação, pelos tribunais indianos, de pena de morte, o que possibilitava a autorização da extradição sem violação do artigo 33.º, n.º 6, da CRP.

Enquanto pressuposto do juízo de constitucionalidade, o Tribunal Constitucional pode sindicar a correcção dessa interpretação, mas, situando-nos nesse domínio, não pode deixar de aceitar-se a sua bondade.

Ao mesmo resultado se chegaria, aliás, se se preferisse uma outra tradução, eventualmente mais correcta, da palavra notwithstanding por "não obstante" ou "apesar de", em vez de "sem prejuízo de", que tornaria ainda mais claro que o sentido da norma é de assegurar sempre supremacia à conversão automática da pena de morte por pena de prisão perpétua, não obstante a (ou apesar da) existência de outras normas em sentido contrário, e nunca a de permitir a revogação futura e absolutamente livre dessa regra de garantia. Interpretação esta última que, aliás, seria perfeitamente ilógica, pois representaria a autodestruição da garantia que, com a norma em causa, a União Indiana se dispôs a prestar aos Estados cuja cooperação pretendia assegurar no âmbito da extradição.

Alega o recorrente que se ignora se entre 1962, data da Lei de Extradição indiana, e a prática dos crimes puníveis com pena de morte terá sido editada norma que derrogue aquela comutação automática de penas, norma essa que poderia ser aplicada sem ofensa da proibição da retroactividade da lei desfavorável. Acontece que, apesar de a Lei de Extradição indiana datar de 1962, o artigo 34.º-C agora em causa apenas lhe foi aditado pelo Amendment Act de 1993, e iniciou a sua vigência em 18 de Dezembro de 1993 (cf. parecer jurídico de N. M. Ghatate, a fls. 375-381), portanto em data posterior à prática dos crimes puníveis com pena de morte (cometidos entre Dezembro de 1992 e Abril de 1993). Assim, para além de não existir qualquer indício da edição de norma, posterior ao aditamento do citado artigo 34.º-C, que visasse derrogar este preceito, o certo é que no ordenamento jurídico indiano vigoram princípios vinculativos que sempre impediriam a não aplicação ao recorrente da aludida comutação automática da pena de morte em pena de prisão perpétua. Desde logo, o artigo 20.º, n.º 1, da Constituição da Índia consagra expressamente os princípios da legalidade penal e da proibição da aplicação retroactiva da lei penal mais desfavorável (na versão inglesa: "No person shall be convicted of any offence except for violation of a law in force at the time of the commission of the act charged as an offence, nor be subjected to a penalty greater than that wich might have been inflicted under the law in force at the time of the commission of the offence."). Depois, a Índia é parte, desde 10 de Julho de 1979, do Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos, assinado em Nova Iorque em 7 de Outubro de 1976 (aprovado, para ratificação, pela Lei 29/78, de 12 de Junho), que dispõe no seu artigo 15.º, n.º 1 (na tradução oficial portuguesa):

"Ninguém será condenado por actos ou omissões que não constituam um acto delituoso, segundo o direito nacional ou internacional, no momento em que forem cometidos. Do mesmo modo não será aplicada nenhuma pena mais forte do que aquela que era aplicável no momento em que a infracção foi cometida. Se posteriormente a esta infracção a lei prevê a aplicação de uma pena mais ligeira, o delinquente deve beneficiar da alteração."

Neste contexto, o entendimento do acórdão recorrido de que se verifica uma situação de impossibilidade jurídica - observada na perspectiva de um Estado de direito - de aplicação ao extraditando, pelos tribunais indianos, de pena de morte, respeita o condicionamento de que a jurisprudência do Tribunal Constitucional tem feito depender a admissibilidade da extradição por crimes abstractamente puníveis com pena de morte, pelo que a interpretação e aplicação dadas ao artigo 9.º, n.º 3, da Convenção de Nova Iorque não viola qualquer princípio ou norma constitucionais, designadamente a do n.º 6 do artigo 33.º da CRP.

23 - Relativamente aos crimes abstractamente puníveis com pena de prisão perpétua, quer directamente cominada, quer resultante da conversão, por força do artigo 34.º-C da Lei de Extradição indiana, é que se poderia colocar a questão da determinação do parâmetro constitucional atendível, atenta a diversidade de redacção dos preceitos constitucionais pertinentes. Com efeito, à data da formulação do pedido de extradição, vigorava a versão dada pela Lei Constitucional 1/2001, que transferiu para o n.º 4 do artigo 33.º da Constituição, sem qualquer alteração de redacção, o n.º 5 do mesmo preceito, introduzido pela revisão de 1997, a que já se fez referência ("Só é admitida a extradição por crimes a que corresponda, segundo o direito do Estado requisitante, pena ou medida de segurança privativa ou restritiva da liberdade com carácter perpétuo ou de duração indefinida, em condições de reciprocidade estabelecidas em convenção internacional e desde que o Estado requisitante ofereça garantias de que tal pena ou medida de segurança não será aplicada ou executada."), enquanto à data do acórdão recorrido já vigorava a redacção dada àquele n.º 4 pela Lei Constitucional 1/2004, de 24 de Julho ("Só é admitida a extradição por crimes a que corresponda, segundo o direito do Estado requisitante, pena ou medida de segurança privativa ou restritiva da liberdade com carácter perpétuo ou de duração indefinida, se, nesse domínio, o Estado requisitante for parte de convenção internacional a que Portugal esteja vinculado e oferecer garantias de que tal pena ou medida de segurança não será aplicada ou executada."). Tendo sido mantido o sentido da parte final do preceito (oferecer o Estado requisitante garantias de que a pena ou medida de segurança privativa ou restritiva da liberdade com carácter perpétuo ou de duração indefinida não será aplicada ou executada), a alteração cifrou-se na substituição da expressão "em condições de reciprocidade estabelecidas em convenção internacional" pela expressão "se, nesse domínio, o Estado requisitante for parte de convenção internacional a que Portugal esteja vinculado".

Essa alteração constitucional teve origem no projecto de revisão constitucional n.º 3/IX, apresentado pelo PSD e pelo CDS-PP, que propunha a adopção da fórmula "se o mesmo Estado mantiver com Portugal convenção internacional sobre a matéria". Na apresentação dessa proposta, o seu alcance foi assim explicitado pelo Deputado António Montalvão Machado (Diário da Assembleia da República, IX Legislatura, 2.ª sessão legislativa, 2.ª série-RC, n.º 5, de 4 de Fevereiro de 2004, pp. 152 e 153):

"Sr. Presidente, quanto à proposta em si mesma, ela resulta de uma aparente dificuldade derivada da letra do n.º 4 do artigo 33.º, ao aludir às condições de reciprocidade estabelecidas em convenção internacional.

Cremos que a interpretação do n.º 4 do artigo 33.º implica, sem dúvida, que a extradição só deve ser admitida estando em causa pena ou medida de segurança privativa ou restritiva da liberdade com carácter perpétuo, ou duração indefinida, desde que o Estado requisitante ofereça garantias de que tal pena ou medida de segurança não vai ser aplicada ou executada e em condições de reciprocidade estabelecidas em convenção internacional.

Ora, como é sabido, Portugal, em bom rigor, jamais poderia celebrar qualquer acordo ou convenção internacional em termos de reciprocidade a propósito da pena privativa de liberdade com carácter perpétuo ou duração indefinida, o que tem gerado dificuldades de interpretação e de aplicação do dispositivo. É que, não tendo Portugal, como não tem, prisão perpétua, nenhuma convenção poderia estabelecer condições de reciprocidade a tal respeito, vinculando os Estados para com Portugal.

A letra que se propõe, ou o texto que se propõe é esclarecedor, pois vai no sentido de tornar claro que a convenção internacional não é, certamente, a propósito da prisão perpétua mas, sim, a propósito da matéria da própria extradição, por isso se estatui que '[s]ó é admitida a extradição por crimes a que corresponda, segundo o direito do Estado requisitante, pena ou medida de segurança privativa ou restritiva da liberdade com carácter perpétuo ou duração indefinida, se o mesmo Estado mantiver com Portugal convenção internacional sobre a matéria e ofereça garantias de que tal pena ou medida de segurança não será aplicada ou executada'.

Sr. Presidente e Srs. Deputados, são estes os dois argumentos. De facto, para Portugal não basta que haja da parte do Estado requisitante a garantia de que não executa uma pena privativa da liberdade com carácter perpétuo; é preciso saber que Estado é que está a solicitar esta extradição - tem de ser, portanto, um Estado que tenha com Portugal convénio acerca justamente da execução da extradição."

Como resulta desta intervenção, a alteração proposta revestir-se-ia de propósitos meramente clarificadores do sentido da expressão "em condições de reciprocidade estabelecidas em convenção internacional", constante da versão anterior. Na verdade, essa reciprocidade poderia reportar-se ao dever de extraditar, ou ao tipo de crimes identificados pelas penas aplicáveis, ou às garantias. Interpretada no segundo sentido (isto é, no sentido de que Portugal só extraditaria por crimes puníveis com prisão perpétua se o Estado requerente estivesse obrigado, por convenção, a extraditar para Portugal pessoas acusadas por crimes puníveis com igual pena), a regra seria de facto inaplicável dada a inexistência dessa pena na ordem jurídica portuguesa. O sentido da alteração foi, assim, o de assumir que a reciprocidade respeita ao dever de extraditar "nesse domínio" [a substituição da fórmula inicialmente proposta ("se o mesmo Estado mantiver com Portugal convenção internacional sobre a matéria") pela finalmente adoptada ("se, nesse domínio, o Estado requisitante for parte de convenção internacional a que Portugal esteja vinculado") visou, como resulta do debate parlamentar, englobar, para além de convenções bilaterais entre Portugal e o Estado requerente, também as convenções a que estejam vinculados por pertencerem a organizações internacionais outorgantes desses instrumentos].

Neste contexto, é possível, desde já, concluir que a nova redacção não é mais favorável para o extraditando. Ela será idêntica à anterior se, como no ponto seguinte se apurará, já perante a redacção de 1997-2001 se devesse reportar a reciprocidade ao dever de extraditar; e será mais desfavorável se se entender, como o recorrente sustenta, que as condições de reciprocidade constantes de convenção respeitavam às garantias. De uma forma ou de outra, não sendo a versão de 2004 mais favorável, ela, de acordo com o critério supradefinido, no n.º 20, não será aplicável ao caso dos autos, mas sim a redacção de 1997-2001.

24 - Como se referiu, foi com a introdução do n.º 5 do artigo 33.º da CRP pela revisão de 1997, transferido, sem alteração de redacção, para o n.º 4 do mesmo preceito pela revisão de 2001, que essa matéria passou a ser tratada de forma expressa no texto constitucional. A formulação do preceito, na sua literalidade, desde logo aponta para a sujeição da admissibilidade da extradição por crimes a que corresponda, segundo o direito do Estado requisitante, pena ou medida de segurança privativa ou restritiva da liberdade com carácter perpétuo ou de duração indefinida a dois requisitos distintos, de verificação cumulativa: i) existência de "condições de reciprocidade estabelecidas em convenção internacional", e ii) oferecimento pelo Estado requisitante de "garantias de que tal pena ou medida de segurança não será aplicada ou executada".

Relativamente a este último requisito - prestação de garantias de não aplicação ou de não execução da pena em causa -, o Tribunal Constitucional já teve oportunidade de proceder à sua densificação em termos que merecem reiteração. Fê-lo no Acórdão 1/2001, onde, depois de reconhecer ter sido intenção do legislador constituinte de 1997 não alterar a doutrina do Tribunal Constitucional relativa à extradição por crimes a que seja aplicável a pena de morte, mas "criar direito constitucional diferente mais permissivo para a extradição por crimes a que seja aplicável pena ou medida de segurança de carácter perpétuo", e de registar as passagens mais relevante dos trabalhos parlamentares, incluindo a audição do Presidente do Tribunal Constitucional, concluiu:

"Torna-se nítido, assim, que a permissão do n.º 5 claramente excede a anterior doutrina do Tribunal; e que tal ocorre quando admite que as garantias sejam apenas de direito internacional público e relativas à mera não execução da pena, mesmo em casos onde esta ainda pode ser aplicada pelos tribunais. Tais serão as garantias anteriores à condenação relativas à aplicação de medidas que pressupõem uma prévia condenação, como sejam o indulto, o perdão, a comutação de pena, a amnistia e análogas medidas de clemência que, por definição, não são obrigatórias do ponto de vista do direito interno, isto é, não são juridicamente decretáveis pelos tribunais, embora possam ser prometidas e devidas a um Estado estrangeiro e, uma vez decretadas, sejam juridicamente vinculantes para os tribunais. As garantias diplomáticas de tais medidas são garantias de direito internacional público - e nesse sentido não são meramente políticas -, mas não são garantias de direito interno imediatamente vinculantes para os tribunais."

De acordo com este entendimento, que se mantém, a extradição por crime punível com pena de prisão perpétua não depende da verificação de uma situação de impossibilidade jurídica de aplicação dessa pena pelos tribunais do Estado requerente. Mesmo existindo a possibilidade jurídica de aplicação dessa pena, para que a extradição possa ser concedida basta a prestação de garantia de não execução de tal pena, garantia que não pode ser meramente política, mas sim de direito internacional público (o que abrange as garantias diplomáticas), juridicamente vinculativa do Estado requerente perante o Estado requerido e que, uma vez executada (designadamente por comutação, pelo órgão do Estado requerente constitucionalmente competente para o efeito, da pena de prisão perpétua em pena de duração limitada), seja juridicamente vinculativa para os tribunais do Estado requerido.

Mais complexo é o entendimento a dar ao primeiro requisito apontado: existência de condições de reciprocidade estabelecidas em convenção internacional.

Já atrás se assinalou o triplo aspecto a que teoricamente este requisito podia ser reportado: ao dever de extraditar, ao tipo das penas ou às garantias.

E também já se apontou o absurdo do segundo entendimento, atenta a inexistência desse tipo de pena no ordenamento jurídico português (já no citado Acórdão 1/2001 se constatara que: "Pelo que respeita, entretanto, à exigência de 'reciprocidade' - também feita no n.º 5 do artigo 33.º - não pode ter o sentido de reciprocidade nas condições de extradição por pena ou medida perpétua, pois tal não existe na ordem jurídica portuguesa.").

A passagem seguinte do referido acórdão - passagem que se pode considerar, de certo modo, lateral, por versar aspecto que não integrava o objecto do pedido (que incidia apenas sobre as normas relativas à possibilidade de extradição por crimes puníveis com pena de morte) - parece apontar para o entendimento de serem "as garantias consideradas suficientes" que teriam de "ser vinculativas por força de uma convenção ou acordo internacional". Entende-se, porém, que as condições de reciprocidade que devem estar estabelecidas em convenção internacional respeitam ao dever de extraditar. Na verdade, na economia do preceito constitucional, o requisito da prestação de garantias é autónomo e cumulativo relativamente ao requisito da existência de condições de reciprocidade estabelecidas em convenção internacional.

Isto é: Portugal aceita extraditar pessoas acusadas de crimes abstractamente puníveis com pena de prisão perpétua se, cumulativamente: i) o Estado requerente também estiver vinculado, por convenção internacional, a aceitar pedidos de extradição formulados por Portugal (obviamente por crimes puníveis por outras penas que não a de prisão perpétua, inexistente no nosso país), designadamente quanto à mesma espécie de crimes em causa no pedido de extradição [o inciso "neste domínio", adoptado na revisão de 2004, é interpretado por Jorge Miranda e Rui Medeiros (Constituição Portuguesa Anotada, t. I, Coimbra, 2005, p. 369) como exigindo que "o crime", para cujo julgamento seja pedida a extradição, "conste de convenção internacional a que tanto o Estado requisitante como o Estado Português se encontram vinculados"], e ii) oferecer garantias de que a pena de prisão perpétua não será aplicada. O primeiro requisito compreende-se porque o regime geral da extradição prevê que a falta de reciprocidade não impede a satisfação de um pedido de cooperação judiciária internacional em matéria penal (uma das formas da qual é a extradição) nos casos elencados no n.º 3 do artigo 4.º da LCJIMP. Da norma constitucional resulta, pois, que, estando em causa a extradição por crimes a que é aplicável pena de prisão perpétua, nesses casos é sempre exigível a existência de reciprocidade do dever de extraditar, constante de convenção internacional.

Esse é, aliás, o conceito juridicamente corrente do princípio da reciprocidade - do ut des. Como refere Francisco Bueno Arus ("El principio de reciprocidad en la extradición y la legislación española", Anuario de Derecho Penal y Ciencias Penales, t. XXXVII, fasc. I, Janeiro-Abril de 1984, pp. 67-79), citando Schultz: "O princípio da reciprocidade estabelece a regra de que uma extradição não é lícita senão quando o Estado requerido obtém do Estado requerente a garantia de que este lhe entregará um fugitivo perseguido por factos idênticos e com as mesmas qualidades pessoais que o perseguido cuja extradição é pedida."

O condicionamento da extradição por crime punível com prisão perpétua à existência de condições de reciprocidade estabelecidas em convenção internacional que ligue Portugal ao Estado requerente é suficiente para satisfazer as preocupações relacionadas com a base de confiança e com a credibilidade que este Estado deve merecer. Por outro lado, quanto à suficiência de garantias, o que é exigível - como, aliás, o próprio Acórdão 1/2001 assinalou - é que elas sejam vinculativas para o Estado requerente face ao direito internacional público. Ora a vinculação internacional dos Estados não se opera apenas através da celebração de convenções bilaterais ou multilaterais, podendo também resultar de actos unilaterais.

A doutrina e a jurisprudência internacional-publicistas de há muito reconhecem aos actos jurídicos unilaterais dos Estados natureza jurídica vinculativa, independentemente de os caracterizar, ou não, também como fonte de direito internacional, e entre esses actos inclui-se a promessa, entendida como a declaração unilateral de vontade pela qual certo sujeito se compromete a agir ou não agir de certo modo ou como o compromisso assumido por um Estado de tomar no futuro determinada atitude (cf. André Gonçalves Pereira e Fausto de Quadros, Manual de Direito Internacional Público, 3.ª ed., Coimbra, 1993, pp. 265-268, Jorge Miranda, Curso de Direito Internacional Público, 2.ª ed., Lisboa, 2004, pp. 50-53, e Albino de Azevedo Soares, Lições de Direito Internacional Público, 4.ª ed., Coimbra, 1988, pp. 191-193).

Cingindo-nos aos actos jurídicos unilaterais autónomos, isto é, cuja eficácia não depende da aceitação de outrem, entre os quais as promessas (ou garantias), a sua vinculatividade, em termos de direito internacional público, assenta essencialmente no princípio da boa fé. Como refere Eric Suy (Les Actes Juridiques Unilatéraux en Droit International Public, Paris, 1962, p. 151): "O interesse superior da segurança das relações internacionais exige que a promessa seja obrigatória desde que se torne conhecida pelos sujeitos interessados, e esse interesse traduz-se no princípio da boa fé que deve reger todas as relações internacionais. Alargando a noção do pactum, queremos dizer que a norma fundamental, a fonte da promessa, é a norma consuetudinária que prescreve que os compromissos internacionais devem ser respeitados.". Desde que subjacente à promessa esteja a vontade do órgão do Estado de assumir um compromisso e desde que ela seja levada ao conhecimento dos interessados (o que é diferente de ficar dependente da sua aceitação), o princípio da boa fé, internacionalmente reconhecido, constitui o fundamento da vinculatividade jurídico-internacional do compromisso assumido (cf. Paul Reuter, Droit International Public, Paris, 1983, pp. 142-144, e Nguyen Quoc Dinh, Patrick Daillier e Alain Pellet, Droit International Public, 6.ª ed., Paris, 1999, p. 359), sendo comummente assinalado que a ausência de formalismo é a regra nos actos unilaterais (Jean-Paul Jacqué, "Acte et norme en droit international public", in Académie de Droit International, Recueil des Cours, 1991, II, pp. 357-417, em especial a p. 379). As específicas categorias de promessas que se traduzem na renúncia ao exercício de um direito são não só admitidas pela prática dos Estados como a doutrina lhes atribui carácter obrigatório, com base na confiança que deve presidir às relações internacionais e a própria natureza dos sujeitos internacionais em causa - os Estados - justifica que à promessa seja atribuída uma eficácia jurídica mais vasta do que a normalmente reconhecida pelos direitos internos a promessas de sujeitos privados (cf. G. Venturini, "La portée et les effets juridiques des attitudes et des actes unilatéaux des États", in Académie de Droit International, Recueil des Cours, 1964, II, pp. 363-461, em especial de p. 394 a p. 405).

Neste contexto, nenhum razão válida existe para exigir que a prestação de garantia de não execução de pena de prisão perpétua conste de convenção internacional, sendo igualmente vinculativos, à luz do direito internacional público, os compromissos assumidos pelas entidades constitucionalmente competentes para obrigar o Estado requerente através da emanação de actos unilaterais, como as promessas, observados os requisitos atrás enunciados.

Conclui-se, assim, não ser constitucionalmente exigível que a prestação de garantias esteja estabelecida em convenção internacional. Desta apenas tem de constar a consagração do princípio da reciprocidade quanto ao dever de extraditar: do ut des.

25 - Esclarecidos os requisitos de que depende a autorização de extradição por crime punível com pena de prisão perpétua, de acordo com a versão constitucional de 1997/2001, resta apreciar se os mesmos são respeitados pela interpretação acolhida no acórdão recorrido os respeita.

Quanto ao primeiro, exigindo a Constituição o estabelecimentos das condições de reciprocidade em convenção internacional, e não necessariamente através de tratado bilateral, esse requisito constitucional mostra-se satisfeito pelo facto de Portugal e União Indiana serem Partes da Convenção de Nova Iorque, que prevê, em condições de reciprocidade para os Estados subscritores, o dever de extraditar pelos crimes em causa nestes autos.

Quanto à garantia de não aplicação ou execução da pena de prisão perpétua, resulta do exposto no número precedente que essas garantias não têm de estar previstas em tratado bilateral ou outra convenção internacional, bastando que sejam prestadas, caso a caso, pelas autoridades do Estado requerente, em termos que jurídico-internacionalmente o vinculem.

Da natureza judicial do processo de extradição (n.º 7 do artigo 33.º da CRP), resulta que o juízo da suficiência da garantia há-de caber ao tribunal e não às autoridades políticas ou administrativas do Estado requerido. Esse juízo cabe naturalmente ao tribunal comum competente para autorizar a extradição, em cujo âmbito de cognição se insere a interpretação do direito do Estado requerente pertinente para ajuizar da consistência jurídica da garantia oferecida. Neste domínio, entendendo-se, como se entende, que esse juízo de suficiência da garantia formulado pelo tribunal penal não se impõe sempre, como um dado indiscutível, ao Tribunal Constitucional, a intervenção deste Tribunal cinge-se, no entanto, aos aspectos em que esse juízo interfira directamente com os requisitos constitucionais, tendo sempre presente que não lhe compete apreciar a constitucionalidade das decisões judiciais, em si mesmas consideradas, mas apenas dos critérios normativos por elas aplicados.

No presente caso, o STJ, após identificação e interpretação das disposições constitucionais e legais da União Indiana concluiu que a garantia dada pelo Vice-Primeiro-Ministro e Ministro dos Assuntos Internos, de acordo com as regras constitucionais próprias de cooperação e interdependência entre o Presidente da União Indiana e os membros do Governo, vinculava jurídico-internacionalmente o Estado requerente a, na hipótese de o extraditando vir a ser condenado em pena de prisão perpétua, ser a mesma comutada em pena de prisão em caso algum superior a 25 anos, sendo essa garantia vinculante para o actual e futuros Presidentes e governos.

Contra este juízo judicial de suficiência jurídica da garantia prestada não são aduzidos pelo recorrente quaisquer argumentos que pudessem ser ponderados pelo Tribunal Constitucional, na específica função de fiscalizador da constitucionalidade normativa.

Pelo que, também nesta última perspectiva, não se possa dar por verificada qualquer violação do artigo 33.º, n.º 4, da CRP.

III - Decisão. - 26 - Em face do disposto, acordam em:

a) Não conhecer do recurso interposto do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 3 de Março de 2005;

b) Não julgar inconstitucional a norma do artigo 9.º, n.º 3, da Convenção Internacional para a Repressão de Atentados Terroristas à Bomba, aberta para assinatura, em Nova Iorque, em 12 de Janeiro de 1998, aprovada, para ratificação, pela Resolução da Assembleia da República n.º 40/2001, de 5 de Abril, e ratificada pelo Decreto do Presidente da República n.º 31/2001, de 25 de Junho, interpretada no sentido de que obriga Portugal à extradição do recorrente para a União Indiana, por crimes, previstos no seu artigo 2.º, a que é abstractamente aplicável pena de morte, quando, por força do artigo 34.º-C da Lei de Extradição indiana, existe impossibilidade jurídica de aplicação dessa pena, e por crimes a que é abstractamente aplicável pena de prisão perpétua, quando exista reciprocidade do dever de extraditar consagrada em convenção internacional da qual Portugal seja igualmente parte e o Estado requerente ofereceu garantia jurídico-internacionalmente vinculante da não aplicação de pena de prisão de duração superior a 25 anos; e, consequentemente,

c) Negar provimento ao recurso interposto do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 27 de Janeiro de 2005.

Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 20 unidades de conta.

Lisboa, 13 de Julho de 2005. - Mário José de Araújo Torres - Benjamim Rodrigues - Maria Fernanda Palma (vencida nos termos da declaração de voto junta) - Rui Manuel Moura Ramos (tem voto de conformidade do Exmo. Conselheiro Paulo Mota Pinto, que não assina por não estar presente) - Mário José de Araújo Torres.

Declaração de voto. - Perante as dúvidas sobre a constitucionalidade do artigo 9.º, n.º 3, da Convenção de Nova Iorque - na interpretação segundo a qual Portugal estaria obrigado a extraditar uma pessoa por factos a que corresponda, abstractamente, a pena de prisão perpétua, sem que exista compromisso convencionado entre Portugal e a União Indiana de proceder a tal extradição mediante a prestação de garantias de não aplicação ou execução de tal pena - decidi não contribuir para a maioria que se formou. As minhas dúvidas radicam nos seguintes pontos:

1.º Só tem verdadeiramente sentido considerar que o artigo 33.º, n.º 4, da Constituição, na versão vigente à data do pedido de extradição, é a norma constitucional aplicável, mesmo após a nova redacção conferida pela revisão constitucional de 2004, se se entender que existe uma verdadeira sucessão de normas constitucionais no tempo, sendo a norma actualmente vigente menos favorável. Se o conteúdo normativo for idêntico, o parâmetro é sempre o mesmo, ou seja, o estabelecido pela versão vigente à data da decisão recorrida (a actual versão);

2.º A consideração de elementos literais e históricos na interpretação do artigo 33.º, n.º 4, na versão da revisão constitucional de 2001, leva-me a concluir que eram suportadas pela norma constitucional, então vigente, interpretações segundo as quais a possibilidade de extradição por crimes a que correspondesse no direito do Estado requisitante a prisão perpétua dependia de convenção internacional, em que o Estado Português e o Estado requisitante fossem partes, pela qual se estabelecessem efectivas condições de reciprocidade relativamente ao dever de extradição por tais crimes;

3.º Ora, as relações de reciprocidade relativamente ao dever de extraditar por crimes punidos dessa forma pelo Estado requisitante só poderiam ser concebíveis, num contexto lógico-jurídico, se fossem conexionadas com garantias de que tal pena ou medida de segurança não viesse a ser aplicável;

4.º O facto de o artigo 33.º, n.º 4, na versão agora considerada, acrescentar à exigência de reciprocidade a exigência de que o Estado requisitante ofereça garantias de que tal pena não será aplicada ou executada não permite por si concluir que a reciprocidade estabelecida em convenção internacional prescindiria desse tipo de garantias;

5.º No contexto histórico que suscitou a revisão constitucional, aliás, apenas se justificava eliminar a exigência, decorrente de interpretação da versão anterior da Constituição pelo Tribunal Constitucional, de uma vinculação de fonte jurídica interna do Estado requisitante, recolocando o problema ao nível dos mecanismos da cooperação penal internacional;

6.º Foi essa a perspectiva que me levou a subscrever o Acórdão 1/2001, que interpretou o artigo 33.º, n.º 4, após a revisão constitucional de 2001, e é esse o sentido que, a meu ver, justificou o consenso formado à volta da ideia de que bastariam as garantias juridicamente vinculantes no plano do direito internacional público;

7.º A passagem do plano da vinculatividade das garantias na dimensão jurídica interna para o plano da vinculatividade conferida pelo direito internacional público não significa senão o reconhecimento do valor da cooperação jurídica internacional penal e não um retrocesso, a esse nível, para a mera lógica político-diplomática ancestral do direito internacional público. Só, aliás, o entendimento de que não teria sido suficiente essa alteração de planos justifica a nova redacção da Constituição, como resulta claro da discussão parlamentar;

8.º Negar que a revisão constitucional de 2004 se orientou num sentido menos garantista no plano jurídico, sendo meramente clarificadora, é negar a evidência do contexto da revisão. Mesmo que a nova versão apenas viesse impedir interpre tações como a que defendi, isso sempre significaria que essas interpretações eram sustentáveis e que, in dubio pro libertate, deveriam ser admitidas.

Todas estas razões de dúvida profunda quanto à argumentação do acórdão levam-me a não poder, em consciência, e sem prejuízo de ulterior estudo do problema, fazer parte da maioria que decidiu não julgar inconstitucional a norma agora considerada. - Maria Fernanda Palma.

Anexos

  • Extracto do Diário da República original: https://dre.tretas.org/dre/2340721.dre.pdf .

Ligações deste documento

Este documento liga aos seguintes documentos (apenas ligações para documentos da Serie I do DR):

  • Tem documento Em vigor 1975-08-16 - Decreto-Lei 437/75 - Ministério da Justiça - Gabinete do Ministro

    Define o regime jurídico da extradição.

  • Tem documento Em vigor 1975-11-03 - Decreto-Lei 605/75 - Ministério da Justiça - Gabinete do Ministro

    Altera o Código de Processo Penal e institui o júri.

  • Tem documento Em vigor 1978-06-12 - Lei 29/78 - Assembleia da República

    Aprova, para ratificação, o Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos.

  • Tem documento Em vigor 1982-11-15 - Lei 28/82 - Assembleia da República

    Aprova a organização, funcionamento e processo do Tribunal Constitucional - repete a publicação, inserindo agora a referenda ministerial.

  • Tem documento Em vigor 1987-02-17 - Decreto-Lei 78/87 - Ministério da Justiça

    Aprova o Código de Processo Penal.

  • Tem documento Em vigor 1987-03-17 - Acórdão 54/87 - Tribunal Constitucional

    Declara a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, da norma constante do n.º 2 do artigo 33.º do Decreto-Lei n.º 437/75, de 16 de Agosto, na parte em que estabelece a ordem de intervenção do extraditando e do Ministério Público para alegações, por violação dos n.os 1 e 5 do artigo 32.º da Constituição.

  • Tem documento Em vigor 1991-07-27 - Lei 43/91 - Assembleia da República

    Regula a organização e o funcionamento do sistema de planeamento (Lei Quadro do Planeamento).

  • Tem documento Em vigor 1996-12-20 - Acórdão 1146/96 - Tribunal Constitucional

    Decide declarar a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, por violação do artigo 33º., nº. 3 da Constituição, da norma constante do artigo 4º., nº. 1, alínea a), do Decreto-Lei nº. 437/75, de 16 de Agosto - Define o Regime Jurídico da Extradição -, (em vigor no território de Macau), na parte em que permite a extradição por crimes puníveis no Estado requerente com a pena de morte, havendo garantia da sua substituição, se esta garantia, de acordo com o ordenamento penal e processual penal do Estad (...)

  • Tem documento Em vigor 1997-09-20 - Lei Constitucional 1/97 - Assembleia da República

    Aprova a quarta revisão da Constituição da República Portuguesa, de 2 de Abril de 1976, e fixa normas para aplicação no tempo de alguns dos preceitos revistos. Publica, em anexo, o novo texto constitucional.

  • Tem documento Em vigor 1998-02-26 - Lei 13-A/98 - Assembleia da República

    Altera a lei orgânica sobre a organização, funcionamento e processo do Tribunal Constitucional.

  • Tem documento Em vigor 1998-08-25 - Lei 59/98 - Assembleia da República

    Altera o Código do Processo Penal, aprovado pelo Decreto-Lei 78/87 de 17 de Fevereiro, na redacção introduzida pelos Decretos-Leis 387-E/87, de 29 de Dezembro, 212/89, de 30 de Junho e 317/95, de 28 de Novembro. Republicado na integra, o referido código, com as alterações resultantes deste diploma.

  • Tem documento Em vigor 1998-09-02 - Lei 65/98 - Assembleia da República

    Altera o Código Penal, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 400/82, de 23 de Setembro, revisto e republicado pelo Decreto-Lei n.º 48/95, de 15 de Março.

  • Tem documento Em vigor 1999-08-31 - Lei 144/99 - Assembleia da República

    Aprova a lei da cooperação judiciária internacional em matéria penal.

  • Tem documento Em vigor 2001-05-15 - Acórdão 1/2001 - Supremo Tribunal de Justiça

    Os contratos verbais celebrados entre Arsenal do Alfeite e os médicos ao seu serviço no domínio da vigência do Decreto-Lei n.º 33/80, de 13 de Agosto, revestem a natureza de contratos de trabalho sujeitos ao Regime Jurídico do Contrato Individual de Trabalho, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 49 408, de 24 de Novembro de 1969, e não de contratos administrativos de provimento, se estiverem verificados os requisitos do contrato de trabalho, designadamente a subordinação jurídica. A tal não faz obstáculo a declara (...)

  • Tem documento Em vigor 2001-12-12 - Lei Constitucional 1/2001 - Assembleia da República

    Altera a Constituição da República Portuguesa, aprovada pelo Decreto do Presidente da República de 2 de Abril de 1976 [DD66/76] (Quinta revisão constitucional). Republicado em anexo o texto constitucional com as alterações ora introduzidas.

  • Tem documento Em vigor 2004-07-24 - Lei Constitucional 1/2004 - Assembleia da República

    Altera a Constituição da República Portuguesa (Sexta revisão constitucional). Publica, em anexo, o novo texto constitucional.

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