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Acórdão 38/84, de 7 de Maio

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Sumário

Declara a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, dos artigos 1.º, 4.º, n.º 2, 7.º, 10.º (antiga redacção) e 10.º, n.os 1 e 3 (redacção da Lei n.º 15/81) do citado decreto-lei, e da Portaria n.º 92/81, por violação do princípio da liberdade de associação, tal como ficou definido e dos mesmos artigos 1.º e 7.º, também por violação do n.º 1 do artigo 62.º da Constituição.

Texto do documento

Acórdão 38/84
Processo 54/83
Por escritura pública lavrada no dia 28 de Abril de 1977, de fl. 27 v.º fl. 38 v.º do livro de notas n.º 189-D do 20.º Cartório Notarial de Lisboa (fotocópia a fls. 140 e seguintes), foi constituída uma sociedade cooperativa anónima de responsabilidade limitada denominada Cooperativa de Ensino Universidade Livre, S. C. A. R. L., com sede em Lisboa, tendo por objecto «apoiar o ensino universitário», para o que poderia «estabelecer salas de estudo, ministrar o ensino de cadeiras ou cursos paralelos ou complementares do ensino oficial ou particular, criar cursos de especialização ou de reciclagem para pós-graduados ou promover conferências e outras actividades de índole científica ou cultural e de nível universitário» (n.º 1 do artigo 2.º dos respectivos estatutos), e cabendo-lhe ainda «promover, patrocinar e exercitar a investigação científica e a alta cultura em todos os ramos do saber, designadamente naqueles que na Cooperativa se professem» (n.º 2 do mesmo artigo).

A mesma Cooperativa, devidamente matriculada na Conservatória do Registo Comercial de Lisboa, passou mais tarde a denominar-se Universidade Livre, C. R. L. (fls. 165 e seguintes).

Em 1 de Março de 1979 foi-lhe concedido, pelo despacho do Secretário de Estado do Ensino Superior e Investigação Científica n.º 28/79, de 1 de Março (Diário da República, 2.ª série, de 10 de Março de 1979), autorização provisória para «funcionar como estabelecimento superior particular», sob reserva de aprovação dos planos de estudo por parte da mesma Secretaria de Estado e de vistoria das instalações, ficando a concessão da autorização definitiva pendente da aprovação do Estatuto do Ensino Particular e Cooperativo.

Em 30 de Setembro de 1980, o Decreto-Lei 426/80 reconheceu a Universidade Livre como pessoa colectiva de utilidade pública, tendo por fim ministrar o ensino de nível pós-secundário.

E, como o n.º 2 do artigo 4.º desse decreto-lei dispunha que a composição e funcionamento dos órgãos internos da Universidade Livre, além do reitor, seria definida por portaria do Ministro da Educação e Ciência, a Portaria 92/81, de 21 de Janeiro, veio dar execução a esse preceito, estabelecendo a composição e funcionamento desses órgãos.

Finalmente, a Lei 15/81, de 31 de Julho, alterou, por ratificação, o Decreto-Lei 426/80.

É a apreciação da constitucionalidade de algumas das disposições destes diplomas que vem requerida pelo Exmo. Procurador-Geral da República e pelo Exmo. Provedor de Justiça, a pedido da agora denominada Universidade Livre, C. R. L.

Observado o disposto no artigo 54.º da Lei 28/82, de 15 de Novembro, o Exmo. Primeiro-Ministro remeteu a este Tribunal o parecer da Auditoria Jurídica da Presidência do Conselho de Ministros junto a fls. 28 e seguintes e 109 e seguintes, em que se sustenta a inconstitucionalidade das normas em questão, e, por sua vez, o Exmo. Presidente da Assembleia da República limitou-se a oferecer o merecimento dos autos (fls. 23 e 133).

Cumpre decidir.
2.1 - Foi o Decreto-Lei 426/80, como se disse, que atribuiu à Universidade Livre, estabelecimento de ensino superior particular, a natureza de pessoa colectiva de utilidade pública (artigo 1.º), com o regime próprio dessas pessoas colectivas, nomeadamente quanto à aquisição e fruição de bens e isenções fiscais (artigo 7.º, conjugado com a Lei 2/78, de 17 de Janeiro). A sua sede foi fixada em Lisboa, embora lhe fosse permitido exercer as suas actividades de ensino e investigação noutras cidades, mediante autorização do Ministério da Educação e Ciência (artigo 2.º). A sua representação junto das autoridades públicas foi confiada ao respectivo reitor (artigo 4.º, n.º 1), ficando a composição e funcionamento dos restantes órgãos internos para ser definida em portaria do Ministro da Educação e Ciência (n.º 2 do mesmo artigo). A criação dos cursos a ministrar pela Universidade dependeria de autorização do mesmo ministro, mediante aprovação dos respectivos programas, sua direcção e regimes a observar quanto à apreciação do mérito escolar e à atribuição de títulos e diplomas (artigo 5.º, n.º 1). Foi fixado em 120 dias o prazo para a Universidade submeter à aprovação do Ministério o seu estatuto e respectivos regulamentos e os planos dos referidos cursos (artigo 10.º). No que não estivesse previsto neste diploma, a Universidade Livre reger-se-ia pelo seu estatuto e pela legislação sobre o ensino particular e cooperativo (artigo 12.º, n.º 1).

Dando execução ao disposto no n.º 2 do artigo 4.º desse decreto-lei, a Portaria 92/81 veio instituir os órgãos internos da Universidade Livre (n.º 1) e regular a respectiva composição e competência (n.os 2 e seguintes).

A Lei 15/81 alterou a redacção dos artigos 1.º e 10.º do Decreto-Lei 426/80 e revogou o n.º 2 do seu artigo 4.º

Vejamos então os preceitos destes diplomas, arguidos de inconstitucionalidade.
2.2 - Segundo o Exmo. Procurador-Geral da República, são inconstitucionais:
Os artigos 1.º, 4.º, n.º 2, 7.º, 10.º (versão original) e 10.º, n.os 1 e 3 (versão da Lei 15/81), do Decreto-Lei 426/80, por violação dos artigos 62.º, 82.º, 87.º e 89.º, n.os 3 e 4, da Constituição;

Os citados artigos 4.º, n.º 2, e 10.º, n.os 1 e 3, também por violação do artigo 61.º, n.º 3, da Constituição (acrescentado pela Lei Constitucional 1/83);

Os mesmos artigos 1.º e 4.º, n.º 2, por violação do artigo 167.º, alínea n), da Constituição (inconstitucionalidade orgânica), durante o lapso de tempo que decorreu até à Lei 15/81;

Todos os números da Portaria 92/81, por violação dos artigos 61.º, n.º 3, 62.º, 82.º, 87.º e 89.º, n.os 3 e 4, da Constituição.

No ponto de vista do Exmo. Provedor de Justiça, são inconstitucionais:
O artigo 1.º do Decreto-Lei 426/80, por violação do n.º 3 do artigo 61.º e do n.º 2 do artigo 75.º da Constituição;

O n.º 2 do artigo 4.º do mesmo decreto-lei, por violação do n.º 3 do artigo 61.º, do n.º 1 do artigo 84.º e do n.º 4 do artigo 89.º da Constituição (até à sua revogação pela Lei 15/81);

O n.º 1 do artigo 10.º do mesmo diploma (na redacção da Lei 15/81), por violação do artigo 12.º da Constituição;

O n.º 3 desse artigo 10.º (introduzido pela Lei 15/81), por violação dos citados artigos 61.º, n.º 3, e 89.º, n.º 4;

A Portaria 92/81, por violação dos mesmos preceitos (n.º 3 do artigo 61.º e n.º 4 do artigo 89.º).

Examinemos cada um desses preceitos.
2.3 - Artigo 1.º do Decreto-Lei 426/80.
Dispunha esse artigo, na sua redacção primitiva:
A Universidade Livre, como estabelecimento de ensino superior particular, é uma pessoa colectiva de utilidade pública e tem por fim ministrar o ensino de nível pós-secundário em paralelo com as restantes universidades portuguesas e cultivar a investigação e o progresso das ciências nela professadas.

A sua redacção foi alterada pelo artigo 1.º da Lei 15/81, ficando o mesmo preceito a ser constituído por dois números, o primeiro dos quais reproduz o texto anterior, e o n.º 2 ficou assim redigido:

O património da Universidade Livre é constituído pelos bens e rendimentos que lhe forem afectados pela Cooperativa de Ensino Universidade Livre, S. C. A. R. L., e pelos que lhe vierem a ser doados ou deixados, bem como pelos subsídios que, nos termos do artigo 8.º, lhe venham a ser concedidos pelo Ministério da Educação e Ciência.

2.3.1 - Pretende o Exmo. Procurador-Geral da República que este artigo 1.º (na sua redacção primitiva) enferma de inconstitucionalidade orgânica, por violação do preceito do artigo 167.º, alínea n), da Constituição (também na sua versão originária).

De acordo com este normativo, era da exclusiva competência da Assembleia da República legislar sobre «bases do sistema de ensino».

Nas bases do sistema de ensino cabem matérias como: modalidades ou níveis de ensino (ensino pré-escolar e ensino escolar, abrangendo este o ensino básico, o secundário e o superior); obrigatoriedade ou facultatividade do ensino; ensino oficial (ministrado pelo Estado) ou ensino particular (incluindo o cooperativo); escolas onde se ministra o ensino (escolas primárias, escolas secundárias, escolas superiores); gratuitidade ou não gratuitidade do ensino; atribuições do Estado relativamente ao ensino particular; graus que são conferidos pelos estabelecimentos de ensino superior; formação dos agentes de ensino e idade mínima para a matrícula no ensino escolar. De realçar a este propósito que a nossa Constituição consigna, no capítulo «Direitos e deveres culturais», a obrigação para o Estado de «assegurar o ensino básico universal, obrigatório e gratuito», de «criar um sistema público de educação pré-escolar», de «garantir a educação permanente e eliminar o analfabetismo», de «garantir a todos os cidadãos, segundo as suas capacidades, o acesso aos graus mais elevados do ensino, da investigação científica e da criação artística», de «estabelecer progressivamente a gratuitidade de todos os graus de ensino», de «estabelecer a ligação do ensino com as actividades produtivas e sociais» e de «estimular a formação de quadros científicos e técnicos originários das classes trabalhadoras» (artigo 74.º, n.º 3), e, segundo J. J. Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, 1978, nota IV ao artigo 167.º, nas bases do sistema de ensino devem considerar-se abrangidas, além da estrutura do sistema escolar, todas estas matérias de que fala o artigo 74.º

Ora, tem-se como certo que o artigo 1.º do Decreto-Lei 426/80, ao dispor que a Universidade Livre é uma pessoa colectiva de utilidade pública e tem por fim ministrar o ensino superior em paralelo com as restantes universidades portuguesas, não legislou sobre bases do sistema de ensino, não violando, portanto, o artigo 167.º, alínea n), da Constituição.

2.3.2 - E violará os artigos 62.º, 82.º, 87.º e 89.º, n.os 3 e 4, como quer o Exmo. Procurador-Geral da República, ou o n.º 3 do artigo 61.º (trata-se da redacção actual) e o n.º 2 do artigo 75.º, como afirma o Exmo. Provedor de Justiça?

O artigo 61.º, na parte que aqui interessa, dá a todos o direito de constituírem cooperativas (n.º 1, na anterior redacção; n.º 2, na redacção actual) e dispõe que as cooperativas desenvolvem livremente as suas actividades (primeira parte do n.º 3, na actual redacção).

O artigo 62.º garante a todos o direito à propriedade privada e à sua transmissão, em vida ou por morte (n.º 1), e acrescenta que, por fora dos casos previstos na Constituição, a expropriação por utilidade pública (hoje também a requisição) só pode ser efectuada mediante pagamento de justa indemnização (n.º 2).

No n.º 2 do artigo 75.º confere-se ao Estado o poder de fiscalizar o ensino particular (hoje fala-se também no ensino cooperativo).

Segundo o artigo 82.º (n.º 1 da redacção primitiva), é a lei que determina os meios e as formas de intervenção e de nacionalização e socialização dos meios de produção, bem como os critérios de fixação de indemnizações.

No artigo 87.º prevê-se a expropriação dos meios de produção em abandono.
No n.º 3 (hoje n.º 4) do artigo 89.º diz-se que o sector cooperativo é constituído pelos bens e unidades de produção possuídos e geridos pelos cooperadores, em obediência aos princípios cooperativos.

Ora, desde logo terá de afastar-se a violação do artigo 61.º, n.º 1, já que não foi vedada ou limitada à Cooperativa de Ensino Universidade Livre a possibilidade de se constituir como tal.

Evidente é também a não violação de qualquer dos artigos 62.º, n.º 2, 82.º, n.º 1, e 87.º, por não poder falar-se aqui em expropriação por utilidade pública (cf. o Decreto-Lei 845/76, de 11 de Dezembro) ou em qualquer forma de intervenção estadual, de nacionalização ou de socialização, no sentido que a estas figuras devo atribuir-se; sobre os respectivos conceitos vejam-se, por exemplo, Gomes Canotilho e Vital Moreira, ob. cit., anotação ao artigo 82.º, e António Meneses Cordeiro, «A Constituição Patrimonial Privada» (em Estudos sobre a Constituição, 3.º vol., p. 365), n.º 22.

Quanto ao artigo 75.º
Atribui-se agora expressamente ao Estado a fiscalização do ensino cooperativo (antes da Lei Constitucional 1/82 falava-se em «ensino particular», certamente por contraposição a «ensino público», de modo, portanto, a abranger também o cooperativo). E, na verdade, contêm-se normas sobre essa matéria quer na Lei 9/79, relativa às bases do ensino particular e cooperativo, quer no Estatuto do Ensino Particular e Cooperativo (Decreto-Lei 553/80, de 21 de Novembro), quer no Código Cooperativo, aprovado pelo Decreto-Lei 454/80, de 9 de Outubro, quer nos diplomas que sucessivamente regulamentaram as cooperativas de ensino, ou seja, os Decretos-Leis 310/81, de 17 de Novembro e 441-A/82, de 6 de Novembro: assim, por força do artigo 22.º, n.º 1, deste último diploma, «nenhuma cooperativa de ensino pode iniciar o funcionamento da actividade escolar do estabelecimento de ensino a seu cargo antes da autorização do Ministro da Educação.

Ora, a concessão de personalidade à Universidade Livre, feita no artigo 1.º do Decreto-Lei 426/80, não foi o meio ou processo adequado de fiscalização pelo Estado do ensino por ela ministrado. Mas o que se não pode dizer é que seja o n.º 2 do artigo 75.º a norma violada com tal preceito.

O artigo 1.º do Decreto-Lei 426/80 violou, sim, o n.º 1 do artigo 62.º Garante-se aí, com efeito, o «direito à propriedade privada» e, embora não seja unânime o sentido a dar ao preceito, isto é, se o direito de propriedade, para a nossa Constituição, constitui um direito fundamental especial - como quer o Prof. João de Castro Mendes, «Direitos, Liberdades e Garantias - Alguns Aspectos Gerais» (em Estudos sobre a Constituição, 1.º vol., p. 93), n.º 6 -, um dos «direitos de natureza análoga aos direitos previstos no título II», aos quais se refere o artigo 17.º da Constituição - como sustentam Gomes Canotilho e Vital Moreira, ob. cit., nota II ao artigo 62.º -, ou apenas um direito económico e não um direito individual - como entende Menezes Cordeiro, estudo citado, n.º 15, III -, a verdade é que o artigo 1.º do Decreto-Lei 426/80, ao separar da Cooperativa de Ensino Universidade Livre, S. C. A. R. L., autonomizando-a como pessoa jurídica diferente, a Universidade Livre, ofendeu o «direito à propriedade privada» a que se refere aquele artigo 62.º, no seu n.º 1, e de que era titular a Cooperativa.

E violou também o princípio da liberdade de associação, «enquanto direito da própria associação a prosseguir livremente a sua actividade», abrangendo, portanto, a «autonomia estatutária» e a «liberdade de organização e actuação» ou o «direito de auto-organização» (cf. J. J. Gomes Canotilho e Vital Moreira, ob. cit., nota II ao artigo 46.º e nota V ao artigo 57.º), princípio esse próprio de um Estado de direito democrático (Constituição, artigo 2.º) e que aflora em vários preceitos da lei fundamental: assim, artigo 46.º, n.º 2 («as associações prosseguem livremente os seus fins sem interferência das autoridades públicas»), artigo 57.º (actual artigo 56.º), n.º 2, alínea c) (no exercício da liberdade sindical é garantida aos trabalhadores a «liberdade de organização e regulamentação interna das associações sindicais»), artigo 61.º, n.º 3, na sua actual redacção («as cooperativas desenvolvem livremente as suas actividades»).

Como consequência da violação do «direito à propriedade privada» garantido no n.º 1 do artigo 62.º, poderia pretender-se que foi violado igualmente o n.º 3 (actual n.º 4) do artigo 89.º, na justa medida em que o «sector cooperativo» ficou desfalcado de «bens» que pertenciam à Cooperativa.

Tal não pode, porém, concluir-se, desde logo porque dos estatutos da Cooperativa não resulta que esta se tenha constituído «em obediência aos princípios cooperativos», designadamente o princípio da adesão livre (princípio da porta aberta). Sobre estes princípios podem ver-se: José Manuel Ribeiro Sérvulo Correia, «O sector cooperativo português. Ensaio de uma análise de conjunto» (no Boletim do Ministério da Justiça, n.º 196, p. 31, n.º 5); Joaquim da Silva Lourenço, «O Cooperativismo e a Constituição» (em Estudos sobre a Constituição, 2.º vol., p. 373, n.os 14 e 15); Menezes Cordeiro, estudo citado, n.º 19; e Prof. Jorge Miranda, Manual de Direito Constitucional, t. II, 2.ª ed. (1983), n.º 10. Como ensina este último autor, «para efeito de regime constitucional, as cooperativas definem-se através de certos parâmetros, os princípios cooperativos (artigos 61.º, n.º 2, e 89.º, n.º 4). Só as empresas que os observem beneficiam do auxílio do Estado (artigos 84.º, 65.º, n.º 2, alínea b), 100.º, 102.º e 110.º, n.º 3) e têm direitos de participação (artigos 104.º e 110.º, n.º 3); podem ser preferidas pelos trabalhadores em vez da reprivatização de pequenas e médias empresas nacionalizadas fora dos sectores básicos da economia (artigo 83.º, n.º 2) e não são tidas como 'entidades da mesma natureza' das empresas privadas, nos sectores vedados à iniciativa privada (artigo 85.º, n.º 3)».

2.4 - Artigo 4.º, n.º 2, do Decreto-Lei 426/80.
Dispunha este número, já aliás revogado pelo artigo 2.º da Lei 15/81:
A composição e funcionamento dos restantes órgãos internos da Universidade Livre (no n.º 1 falava-se do reitor) será definida por portaria do Ministro da Educação e Ciência, tendo em conta a participação dos docentes e discentes, cabendo àqueles a responsabilidade de assegurar a qualidade científica e pedagógica do ensino.

2.4.1 - Pretende o Exmo. Procurador-Geral da República que também esta norma enferma de inconstitucionalidade orgânica, por violação do citado artigo 167.º, alínea n), da Constituição.

Mas, pelas razões já ditas, não se trata de matéria que se inclua nas bases do sistema de ensino e que seja, por isso mesmo, da competência da Assembleia da República. O próprio Decreto-Lei 414-A/82, de 6 de Novembro, que contêm disposições relativas às cooperativas de ensino, preceitua, aliás, no seu artigo 23.º que nos estabelecimentos de ensino onde se ministre o ensino superior deverão existir, pelo menos, os seguintes órgãos académicos: reitor ou director, conselho científico, conselho pedagógico e conselho disciplinar (n.º 1), e que a forma de eleição, a composição e o funcionamento desses órgãos e de outros que os estabelecimentos de ensino proponham se regerão obrigatoriamente pelo estatuto do respectivo estabelecimento, desde que não contrarie o disposto quanto a idênticos órgãos do ensino superior oficial (n.º 2).

Não se verifica, pois, a inconstitucionalidade orgânica apontada ao n.º 2 do artigo 4.º do Decreto-Lei 426/80.

2.4.2 - E violará esse preceito o n.º 3 do artigo 61.º e o n.º 3 (actual n.º 4) do artigo 89.º (como querem os requerentes), os artigos 62.º, 82.º e 87.º (como pretende o Exmo. Procurador-Geral da República) ou o n.º 1 do artigo 84.º (como afirma o Exmo. Provedor de Justiça)?

Já se transcreveu o n.º 2 do artigo 4.º do Decreto-Lei 426/80 e já se resumiu o conteúdo dos preceitos do n.º 3 do artigo 61.º (redacção actual), bem como dos artigos 62.º, 82.º e 87.º e do n.º 3 (hoje, n.º 4) do artigo 89.º, todos da Constituição. Falta apenas referir que o n.º 1 do artigo 84.º incumbe ao Estado o dever de fomentar (estimular e apoiar, na redacção actual) a criação e a actividade de cooperativas.

Começando por este último preceito, não se vê em que é que ele possa ter sido violado por uma norma, como a do n.º 2 do artigo 4.º do Decreto-Lei 426/80, que manda definir por portaria do Ministro da Educação e Ciência a composição e funcionamento de órgãos de uma universidade.

Quanto aos outros preceitos.
O que atrás ficou dito relativamente ao artigo 1.º do Decreto-Lei 426/80 é suficiente para se concluir que também o n.º 2 do artigo 4.º não violou o n.º 2 do artigo 62.º, o artigo 82.º, o artigo 87.º ou o n.º 3 (actual n.º 4) do artigo 89.º

A norma em apreciação não põe igualmente em causa o «direito à propriedade privada» garantido pelo n.º 1 do artigo 62.º e, por isso, não foi violado também este preceito.

O que ela viola é o princípio da liberdade de associação, no sentido atrás definido, isto é, enquanto direito da Cooperativa a elaborar ela própria os seus estatutos, a organizar-se, a prosseguir livremente a sua actividade (cf. artigo 61.º, n.º 3), sem prejuízo, é claro, do respeito pelos requisitos genericamente fixados nos termos da Constituição.

2.5 - Artigo 7.º do Decreto-Lei 426/80.
Dispõe este artigo:
Relativamente à aquisição e fruição dos seus bens e às actividades que exerça para a realização dos seus fins, a Universidade Livre goza das prerrogativas das pessoas colectivas de utilidade pública e, consequentemente, está abrangido pela Lei 2/78, de 17 de Janeiro.

Também este artigo violaria, no pensamento do Exmo. Procurador-Geral da República, os artigos 62.º, 82.º, 87.º e 89.º, n.os 3 e 4.

Representando ele uma mera aplicação à Universidade Livre da natureza de pessoa colectiva de utilidade pública que lhe é atribuída pelo artigo 1.º do mesmo diploma, não pode deixar de enfermar da inconstitucionalidade que já vimos afectar esse artigo 1.º Mas não mais.

2.6 - Artigo 10.º do Decreto-Lei 426/80 e Portaria 92/81.
Dizia o artigo 10.º do Decreto-Lei 426/80, na sua redacção originária:
A Universidade Livre submeterá à aprovação do Ministério da Educação e Ciência, no prazo de 120 dias, o seu estatuto e respectivos regulamentos e os planos de estudo dos cursos referidos no n.º 1 do artigo 5.º do presente diploma.

Com a Lei 15/81 o preceito passou a ter a seguinte redacção:
1. O Estatuto da Universidade Livre definirá a composição e funcionamento dos órgãos internos da Universidade, garantindo a participação dos docentes, a quem cabe a responsabilidade de assegurar a qualidade científica e pedagógica do ensino, e dos discentes, e deve ser submetido à aprovação do Ministro da Educação e Ciência pela Cooperativa de Ensino Universidade Livre, S. C. A. R. L., com parecer favorável da Universidade, no prazo de 60 dias.

2. A Universidade Livre submeterá à aprovação do Ministério da Educação e Cultura, no prazo de 120 dias, os respectivos regulamentos e os planos de estudo dos cursos referidos no n.º 1 do artigo 5.º do presente diploma.

3. Enquanto não for aprovado o estatuto da Universidade Livre, continua em vigor a Portaria 92/81, de 21 de Janeiro.

Por sua vez, a Portaria 92/81 instituiu os órgãos internos da Universidade Livre, que passaram a ser o reitor e os vice-reitores, o conselho universitário, o conselho disciplinar e as comissões especiais (n.º 1.º), fixou dos departamentos, o conselho administrativo, o conselho disciplinar e as comissões especiais (n.º 1.º); fixou a competência do reitor e dos vice-reitores (n.º 2.º), a composição e competência do conselho universitário (n.os 3.º e 4.º), do conselho pedagógico e científico (n.os 5.º e 6.º), dos conselhos escolares dos departamentos (n.os 7.º e 8.º), do conselho administrativo n.os 9.º e 10.º) e do conselho disciplinar (n.os 11.º e 12.º), e as finalidades e constituição das comissões especiais (n.os 13.º e 14.º), e regulou a duração do mandato dos órgãos académicos electivos e a sua entrada em funções (n.º 15.º).

Para o Exmo. Procurador-Geral da República, o artigo 10.º, na sua primitiva redacção, os n.os 1 e 3 do mesmo artigo, na redacção actual, e bem assim a Portaria 92/81, violam os preceitos dos artigos 62.º, 82.º, 87.º e 89.º, n.os 3 e 4, da Constituição, violando ainda os n.os 1 e 3 do artigo 10.º e a Portaria 92/81 o preceito do n.º 3 do artigo 61.º (versão actual). Por sua vez, o Exmo. Provedor de Justiça é de opinião que o n.º 1 do artigo 10.º viola o artigo 12.º da Constituição e o n.º 3 do mesmo artigo e a Portaria 92/81 violam os preceitos do n.º 3 do artigo 61.º e do n.º 4 do artigo 89.º

Conhecidos os restantes preceitos pretensamente violados, transcreve-se o artigo 12.º da Constituição:

1. Todos os cidadãos gozam dos direitos e estão sujeitos aos deveres consignados na Constituição.

2. As pessoas colectivas gozam dos direitos e estão sujeitas aos deveres compatíveis com a sua natureza.

A verdade é que as normas agora em apreciação contendem apenas com o princípio da liberdade de associação, tal como ficou caracterizado a propósito dos artigos 1.º e 4.º, n.º 2, do Decreto-Lei 426/80.

Esse é, pois, o único princípio por elas violado.
Esta conclusão não implica, porém, quanto aos planos de estudo, que o Governo não possa determinar às escolas particulares e cooperativas, em geral, que elas os submetam à respectiva aprovação.

3 - Pelo exposto:
Não se declara a inconstitucionalidade, quer do artigo 1.º, quer do n.º 2 do artigo 4.º ou do Decreto-Lei 426/80, por violação do artigo 167.º, alínea n), da Constituição;

Declara-se a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, dos artigos 1.º, 4.º, n.º 2, 7.º, 10.º (antiga redacção) e 10.º, n.os 1 e 3 (redacção da Lei 15/81) do citado decreto-lei e da Portaria 92/81, por violação do princípio da liberdade de associação, tal como ficou definido, e dos mesmos artigos 1.º e 7.º, também por violação do n.º 1 do artigo 62.º da Constituição.

Tribunal Constitucional, 11 de Abril de 1984. - Mário Brito (relator) - Antero Alves Monteiro Dinis - Martins da Fonseca - Vital Moreira - José Maria Magalhães Godinho - Jorge Campinos - Messias Bento (vencido, em parte, nos termos da declaração de voto que junto) - Joaquim Costa Aroso (vencido, em parte, nos mesmos termos e pelas razões constantes da declaração de voto de Messias Bento) - José Manuel Cardoso da Costa (vencido, em parte, nos termos da declaração de voto do Exmo. Conselheiro Messias Bento, que, com a devida vénia, subscrevo. Permitindo-me ainda, para além disso, sublinhar, com referência ao artigo 1.º do diploma - na versão da Lei 15/81, o n.º 1 desse artigo -, que a sua inconstitucionalidade, radicando na atribuição de personalidade jurídica ao estabelecimento «Universidade Livre», se situa afinal, bem vistas as coisas, apenas no inciso de tal preceito em que a mesma entidade é qualificada como «pessoa colectiva de utilidade pública». Nesse entendimento - provavelmente válido também para o artigo 7.º - votei) - Luís Nunes de Almeida (vencido, em parte, nos termos e com os fundamentos da declaração de voto do Exmo. Conselheiro Messias Bento) - Raul Mateus (votei a restrição dos efeitos da declaração de inconstitucionalidade nos termos da declaração de voto anexa) - Armando M. Marques Guedes.


Declaração de voto
1 - Do meu ponto de vista, o artigo 10.º do Decreto-Lei 426/80, de 30 de Setembro, na sua redacção primitiva, só é inconstitucional na medida em que exige que a Universidade Livre submeta à apreciação do Ministério da Educação e Cultura o seu estatuto e respectivos regulamentos. Já o não é na parte em que impõe a sujeição a essa mesma aprovação dos planos de estudo.

De facto, só naquele ponto o legislador violou o princípio da autonomia organizatória de que gozam as entidades privadas (singulares ou colectivas), designadamente as cooperativas, decorrente da ideia de Estado de direito e reflectido, entre outros, nos artigos 46.º, n.os 1 e 2, e 61.º, n.º 3, da Constituição. Na parte, porém, em que manda submeter os planos de estudo a aprovação ministerial, o legislador limita-se a exercer o direito - que lhe assiste (cf. artigo 75.º, n.º 2) - de fiscalizar o ensino particular e cooperativo, sempre que este, porque enquadrado no âmbito do sistema nacional de educação, haja de conceder diplomas ou certificados de estudos e graus académicos.

O ensino particular e cooperativo viu as suas bases gerais aprovadas pela Assembleia da República através da Lei 9/79, de 19 de Março.

É certo que os seus princípios se não aplicam às escolas de nível superior (cf. artigo 4.º, n.º 2). No entanto, não deixa de ter interesse referir - ao menos como tópico de interpretação - que no artigo 6.º, n.º 2, alínea c), daquela lei se preceitua serem atribuições do Estado «garantir o nível pedagógico e científico dos programas e métodos, de acordo com as orientações gerais da política educativa». E esta doutrina aparece repetida no artigo 4.º, alínea e), do Decreto-Lei 553/80, de 21 de Novembro, que contém o Estatuto do Ensino Particular e Cooperativo, com excepção das escolas de nível superior. Aí se dispõe, com efeito, competir ao Estado «velar pelo nível pedagógico e científico dos programas e planos de estudos».

2 - Identicas são as razões por que entendi também que o artigo 10.º, n.º 1, daquele Decreto-Lei 426/80 - agora na redacção introduzida pela Lei 15/81, de 31 de Julho - só é inconstitucional no ponto em que exige que o estatuto da Universidade Livre seja submetido à aprovação do Ministério da Educação e Cultura, já não o sendo enquanto impõe que ela tenha um estatuto e que neste se defina a composição e funcionamento dos órgãos da Universidade, garantindo a participação dos docentes - quem cabe a responsabilidade de assegurar a qualidade científica e pedagógica do ensino - e, bem assim, a dos discentes.

Só naquela medida, com efeito, se viola o mencionado princípio de auto organização, pois, quanto ao mais, do que se trata é do exercício do referido poder de tutela por parte do Estado sobre o ensino particular e cooperativo.

Nas cooperativas que ministrem ensino superior - veio, entretanto, preceituar o artigo 24.º, n.º 3, do Decreto-Lei 310/80, de 17 de Novembro - «a composição e funcionamento dos órgãos académicos [...] reger-se-ão pelos respectivos estatutos, sem prejuízo do disposto quanto a idênticos órgãos do ensino superior oficial». Órgãos académicos que deverão ser, pelo menos, os seguintes (cf. n.º 2 do mesmo artigo 24.º):

a) Reitor ou director;
b) Conselho pedagógico ou científico;
c) Conselho disciplinar.
Embora apenas quanto às escolas cooperativas de ensino superior - as escolas particulares aguardam a publicação do decreto-lei a que se refere o artigo 4.º n.º 2, da Lei 9/79 -, a existência de um estatuto próprio, onde se definam a composição e o funcionamento dos órgãos académicos, é hoje uma exigência legal.

Quando, pois, no n.º 1 do artigo 10.º do Decreto-Lei 426/80, na redacção da Lei 15/81, se prevê a necessidade de um estatuto próprio para a Universidade Livre, onde se definam a composição e o funcionamento dos respectivos órgãos académicos, não se está a atentar contra qualquer dos direitos da pessoa colectiva Cooperativa Universidade Livre. Trata-se, com efeito, de uma exigência que sempre se justificaria, com ou sem a autonomização (personalização) da Universidade Livre em relação à respectiva Cooperativa. É uma exigência que, por isso mesmo, aqui vem feita independentemente dessa autonomização. Autonomização que - operada pelo artigo 1.º do mencionado Decreto-Lei 426/80 - aqui, porém, não está pressuposta, tal como o não está, de resto, na redacção primitiva deste artigo 10.º

Messias Bento.

Declaração de voto
1 - Dentro do sistema jurídico, o Tribunal Constitucional actua como subsistema coordenador, cujo papel de auto-regulação é fundamental na manutenção do seu equilíbrio, pois que o sistema é aberto e está em intercâmbio constante com os órgãos dotados de competência normativa.

Assim, a interferência, positiva ou negativa, destes órgãos é susceptível de provocar, por referência ao parâmetro constitucional, desequilíbrios no sistema jurídico.

Nessa função homeostática, a uma situação de instabilidade induzida por acção do legislador responde o Tribunal com uma subtracção compensadora: a norma irregular é inconstitucionalizada e excluída do sistema [artigo 281.º, n.º 1, alínea a), da Constituição]; e a uma situação de instabilidade causada por omissão do legislador responde o Tribunal apelando para uma adição compensadora por parte do órgão legislativo competente para tomar as medidas necessárias à execução das normas constitucionais (artigo 283.º, n.º 2).

No primeiro caso, o de inconstitucionalidade por acção, se for originária a inconstitucionalidade da norma, assim declarada pelo Tribunal Constitucional com força obrigatória geral - artigo 282.º, n.º 1 -, a respectiva declaração produzirá, em regra, efeitos desde a entrada em vigor da norma inconstitucionalizada. Excepcionalmente, e esta não é a única excepção, poderá o Tribunal - artigo 282.º, n.º 4 -, quando a segurança jurídica, razões de equidade ou interesse público de excepcional relevo, que deverá ser fundamentado, o exigirem, fixar os efeitos da inconstitucionalidade com alcance mais restrito.

A restrição de efeitos é susceptível de comportar uma mera referência temporal (durante o período de tempo ressalvado é mantido o influxo da norma inconstitucionalizada sobre todas as situações jurídicas com ela conexionadas) ou envolver ainda uma indicação categorizadora (a cristalização do influxo da norma, em tal período, abarcará só algumas dessas situações).

Com maior ou menor amplitude, a restrição de efeitos, nos quadros do artigo 282.º, n.º 4, da Constituição, dependerá da concorrência de um dos requisitos atrás apontados (segurança jurídica, equiparado, interesse público), requisitos que têm de revestir, qualquer deles, e não só o último, excepcional relevo.

2 - Ao declarar a inconstitucionalidade de uma norma com força obrigatória geral, o Tribunal Constitucional contribui para o reequilíbro do sistema jurídico. Mas, ao mesmo tempo, há que reconhecê-lo, o exercício desta competência constitui um factor de incerteza e insegurança do direito. «A confiança nas leis existentes, a certeza de que produzirão os devidos efeitos os factos realizados em harmonia com as suas prescrições, o respeito pelos interesses criados sob a garantia da lei, constituem a verdadeira base da autoridade e da força obrigatória das leis e, por meio delas, da ordem social.» (Guilherme Moreira, Instituições de Direito Civil, vol. I, p. 70.)

Tal certeza e segurança do direito é que serão em geral afectadas, em maior ou menor grau, pelos reflexos da inconstitucionalização o ex tunc de uma norma sobre as relações jurídicas que à sua sombra nasceram, evoluíram ou se extinguiram (a inconstitucionalização, importa notá-lo, poderá, porém, ao nível das suas consequências, ser sinal contrário, o que sucederá sempre que acarrete a expurgação do ordenamento jurídico da norma que haja representado grave ataque - por exemplo, por inadmissível retroactividade - a essa mesma certeza e segurança).

A limitação de efeitos representa, assim, um meio de atenuar os riscos da incerteza e insegurança consequentes, em princípio, à declaração de inconstitucionalidade por acção.

As normas em causa no presente acórdão são objecto de um juízo de inconstitucionalidade originária. De facto, desde a sua entrada em vigor se confrontaram com a Constituição, sendo irrelevante, nesse domínio, a revisão introduzida pela Lei Constitucional 1/81, de 30 de Setembro: a inconstitucionalidade manteve-se.

Por razões de segurança jurídica entendi que o Tribunal devia ter feito uso dos poderes conferidos pelo artigo 282.º, n.º 4, da Constituição. De seguida direi porquê.

A segurança jurídica não é apenas a «certeza do conteúdo do direito ou a 'segurança do direito' em si mesmos», mas também «mais naturalmente a 'segurança através do direito', a 'certeza da acção' ou a segurança na vida social oferecida e garantida pelo direito» (Castanheira Neves, Revista de Legislação e Jurisprudência, ano 105, p. 260, nota 80).

É particularmente nesta segunda acepção que o n.º 4 do artigo 282,º da Constituição se refere à segurança jurídica resultante da inconstitucionalização e na lógica do que se disse anteriormente, não basta para justificar a limitação de efeitos que a declaração de inconstitucionalidade envolva uma certa incerteza para o mundo do direito e para a vida social dele dependente. Isso, como se viu, sucederá em regra. Essencial será, sim, que a investida contra a segurança jurídica resultante da inconstitucionalização alcance excepcional relevo.

No caso, as normas inconstitucionalizada do Decreto-Lei 426/80, de 30 de Setembro, da Lei 15/81, de 31 de Julho, e da Portaria 92/81, de 21 de Janeiro, haviam autonomizado o estabelecimento Universidade Livre da Cooperativa de Ensino Universidade Livre, S. C. A. R. L., que o criara como seu, e haviam-lhe atribuído personalidade jurídica, impondo-lhe uma estrutura organizatória impeditiva de qualquer interferência efectiva da Cooperativa.

Esta inconstitucionalização, com efeitos ex tunc, repercutir-se-á sobre a situação jurídica dos discentes que frequentem ou frequentaram a Universidade Livre, pessoa colectiva de utilidade pública?

Ao nível do direito positivo, a resposta a esta pergunta não tem um mínimo de certeza, quer pela novidade da situação, quer pela ausência de normas que expressamente a prevejam. A segurança que o direito deve oferecer e garantir cessa aqui de existir. As vítimas dessa incerteza, que naturalmente actuaram de boa-fé, são aqueles discentes, discriminados em relação aos demais estudantes universitários, sem problemas dessa natureza.

Esta nota de violenta insegurança justificaria, na álgebra do artigo 282.º, n.º 4, da Constituição, a limitação dos efeitos da declaração de inconstitucionalidade, limitação que, na minha perspectiva, deveria comportar uma indicação de ordem categorizadora, com inteira ressalva, até ao momento da publicação do acórdão no Diário da República, daquelas situações.

Raul Mateus.
Está conforme.
Lisboa, 12 de Abril de 1984. - O Escrivão de Direito, (Assinatura ilegível.)

Anexos

  • Extracto do Diário da República original: https://dre.tretas.org/dre/20994.dre.pdf .

Ligações deste documento

Este documento liga aos seguintes documentos (apenas ligações para documentos da Serie I do DR):

  • Tem documento Em vigor 1976-12-11 - Decreto-Lei 845/76 - Ministérios da Justiça e da Habitação, Urbanismo e Construção

    Aprova o Código das Expropriações.

  • Tem documento Em vigor 1978-01-17 - Lei 2/78 - Assembleia da República

    Concede determinadas isenções fiscais às pessoas colectivas de utilidade pública e de utilidade pública administrativa.

  • Tem documento Em vigor 1979-03-19 - Lei 9/79 - Assembleia da República

    Estabelece as bases do ensino particular e cooperativo.

  • Tem documento Em vigor 1980-08-19 - Decreto-Lei 310/80 - Presidência do Conselho de Ministros e Ministério da Habitação e Obras Públicas

    Uniformiza as designações das classes dos alvarás dos empreiteiros de obras públicas e dos industriais da construção civil.

  • Tem documento Em vigor 1980-09-30 - Decreto-Lei 426/80 - Ministério da Educação e Ciência

    Reconhece a Universidade Livre como pessoa colectiva de utilidade pública, tendo por fim ministrar o ensino de nível pós-secundário.

  • Tem documento Em vigor 1980-10-09 - Decreto-Lei 454/80 - Presidência do Conselho de Ministros - Gabinete do Ministro Adjunto do Primeiro-Ministro

    Aprova o Código Cooperativo.

  • Tem documento Em vigor 1980-11-21 - Decreto-Lei 553/80 - Ministério da Educação e Ciência

    Aprova o Estatuto do Ensino Particular e Cooperativo.

  • Tem documento Em vigor 1981-01-21 - Portaria 92/81 - Ministério da Educação e Ciência

    Dá execução ao disposto no n.º 2 do artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 426/80, de 30 de Setembro (composição e funcionamento de vários órgãos internos da Universidade Livre).

  • Tem documento Em vigor 1981-07-31 - Lei 15/81 - Assembleia da República

    Altera, por ratificação, o Decreto-Lei n.º 426/80, de 30 de Setembro (reconhecimento da Universidade Livre como pessoa colectiva de utilidade pública).

  • Tem documento Em vigor 1981-11-17 - Decreto-Lei 310/81 - Presidência do Conselho de Ministros

    Regulamenta as cooperativas de ensino.

  • Tem documento Em vigor 1982-09-30 - Lei Constitucional 1/82 - Assembleia da República

    Aprova a primeira revisão Constitucional, determinando a sua entrada em vigor no trigésimo dia posterior ao da publicação no diário da república, bem como publicação conjunta da Constituição da República Portuguesa de 2 de Abril de 1976, no seu novo texto.

  • Tem documento Em vigor 1982-11-06 - Decreto-Lei 441-A/82 - Presidência do Conselho de Ministros e Ministério da Educação

    Estabelece disposições relativas às cooperativas de ensino.

  • Tem documento Em vigor 1982-11-15 - Lei 28/82 - Assembleia da República

    Aprova a organização, funcionamento e processo do Tribunal Constitucional - repete a publicação, inserindo agora a referenda ministerial.

Ligações para este documento

Este documento é referido nos seguintes documentos (apenas ligações a partir de documentos da Série I do DR):

  • Tem documento Em vigor 1985-10-28 - Decreto-Lei 453/85 - Ministério da Educação

    Submete a Cooperativa de Ensino Universidade Livre, S. C. A. R. L., ao regime legal geral instituído pelo Decreto-Lei n.º 100-B/85, de 8 de Abril, salvaguardando os direitos do estabelecimento de ensino Universidade Livre, instituído pela referida Cooperativa, bem como os dos alunos que a frequentam. Revoga o Decreto-Lei n.º 426/80, de 30 de Setembro, e o Decreto do Governo n.º 59/83, de 11 de Julho.

  • Tem documento Em vigor 2004-11-04 - Acórdão 589/2004 - Tribunal Constitucional

    Declara a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, da norma do artigo 13.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 594/74, de 7 de Novembro, relativa à promoção e constituição de associações internacionais em Portugal (Proc. 337/99).

Aviso

NOTA IMPORTANTE - a consulta deste documento não substitui a leitura do Diário da República correspondente. Não nos responsabilizamos por quaisquer incorrecções produzidas na transcrição do original para este formato.

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