Decreto-Lei 679/75
de 9 de Dezembro
Restabelecido o julgamento com intervenção do júri nos processos criminais de maior gravidade, importava definir a capacidade e legitimidade para o exercício da função de jurado e, bem assim, o processo de selecção dos membros do júri.
A capacidade para ser jurado está definida de forma ampla, enquanto capacidade de gozo de um verdadeiro direito político. No entanto, afigurou-se não se poder reduzir a idade mínima a menos de 25 anos, uma vez que é igualmente essa a idade média para o início da carreira da magistratura judicial. Acautela-se assim uma certa experiência da vida como condição para uma correcta interpretação dos indícios e dos factos. Exige-se, por outro lado, o saber ler e escrever, em virtude de a prova documental apenas ser perceptível a quem preencha tais requisitos. Não se estabelece, porém, qualquer condição relativa aos conhecimentos ou preparação escolar do indivíduo, como sucede em alguns países, uma vez que o juízo sobre os factos e a determinação da pena há-de assentar, sobretudo, em regras da experiência comum e em juízos ético-sociais que não pressupõem uma preparação livresca.
A enumeração das incompatibilidades com a função de jurado tem em vista, sobretudo, evitar que intervenham no júri pessoas que, quer pelo seu conhecimento do mundo forense, quer pela posição de autoridade ou destaque que desempenhem na sociedade, possam originar uma reacção de temor reverencial por parte dos demais jurados.
Finalmente, definiram-se em termos intencionalmente genéricos os fundamentos de suspeição dos jurados, por forma a suscitar o debate contraditório acerca da sua imparcialidade e a assegurar por essa via a própria isenção do júri.
No que respeita ao processo de selecção do júri, adoptou-se o critério do sorteio, reservando às entidades administrativas mais preparadas para o efeito - os concelhos e as administrações de bairro - a importante tarefa de proceder à triagem das pessoas sorteadas, em função dos requisitos enunciados por lei. O processo de selecção que se adoptou assegura o acesso de toda e qualquer pessoa que preencha os requisitos legais ao exercício da função, o que corresponde à própria natureza de direito e de dever político que reveste o exercício dessa função, e permite afirmar que o júri é, afinal, a própria representação, no acto do julgamento, do nosso país real. A despeito da intervenção do factor sorte no processo adoptado, pensa-se que tal critério escapa às acusações fáceis de parcialidade que poderiam ser apontadas a um sistema de recrutamento que se baseasse no voluntariado ou na nomeação, por muito relevantes que sejam as razões que têm sido invocadas a favor destes dois métodos.
Finalmente, estabelecem-se as remunerações dos membros do júri, por forma a diminuir, tanto quanto possível, os sacrifícios inerentes ao exercício da função de jurado.
Nestes termos:
Usando da faculdade conferida pelo artigo 3.º, n.º 1, alínea 3), da Lei Constitucional 6/75, de 26 de Março, o Governo decreta e eu promulgo, para valer como lei, o seguinte:
Artigo 1.º Os jurados serão recrutados de entre os cidadãos portugueses, inscritos no recenseamento eleitoral e que satisfaçam as seguintes condições:
a) Ter mais de 25 e menos de 70 anos de idade;
b) Saber ler e escrever a língua portuguesa;
c) Não ter sofrido condenação por crime doloso, salvo se a condenação tiver sido declarada de nenhum efeito ou caduca e no caso de reabilitação;
d) Não se achar preso;
e) Estar no pleno gozo dos direitos civis e políticos.
Art. 2.º Não podem ser jurados:
a) O Presidente da República;
b) O Chefe e o Vice-Chefe do Estado-Maior-General das Forças Armadas;
c) Os Chefes dos Estados-Maiores dos três ramos das forças armadas;
d) Os membros do Conselho Superior da Revolução não englobados nas alíneas anteriores;
e) Os membros da Assembleia Constituinte ou do corpo legislativo;
f) Os Ministros e Secretários ou Subsecretários de Estado;
g) Os magistrados judiciais e do Ministério Público;
h) Os magistrados administrativos;
i) Os funcionários judiciais;
j) Os ministros de qualquer religião;
l) Os advogados;
m) Os solicitadores;
n) As autoridades policiais e agentes de autoridade;
o) Os que padeçam de doença ou anomalia que torne impossível o bom exercício do cargo.
Art. 3.º Não podem ser jurados em determinada causa as pessoas sobre as quais incidirem os impedimentos previstos no artigo 107.º do Código de Processo Penal ou os motivos de suspeição dos juízes e ainda aquelas que por outras razões não ofereçam garantias de imparcialidade na apreciação dos factos.
Art. 4.º - 1. Anualmente, durante o mês de Outubro, as câmaras municipais ou, nos concelhos de Lisboa e Porto, as administrações de bairro prepararão as relações de jurados por concelho ou bairro, respectivamente.
2. No caso de as freguesias de um concelho corresponderem a mais de uma comarca, a câmara municipal preparará diversas relações de jurados, por forma que cada relação de jurados corresponda ao grupo de freguesias que pertença à mesma comarca.
Art. 5.º - 1. O número de pessoas que deve compreender a relação de jurados por bairro, concelho ou grupo de freguesia será fixado, para cada comarca, por despacho conjunto dos Ministros da Administração Interna e da Justiça.
2. A fixação do número de jurados, nos termos do número anterior, atenderá, por um lado, ao número de processos de querela na comarca durante o ano transacto e, por outro, à proporção do número dos eleitores do concelho, bairro ou grupo de freguesias relativamente ao número total de eleitores na comarca.
Art. 6.º - 1. As pessoas que constituirão a relação de jurados por concelho, bairro ou grupo de freguesias serão seleccionadas por sorteio.
2. O sorteio será realizado em acto público pelo presidente da câmara municipal ou, nos concelhos de Lisboa e Porto, pelo administrador do bairro, na presença de um magistrado do Ministério Público da comarca para cuja pauta de jurados se realiza o sorteio e de um representante dos cidadãos eleitores presentes ao acto.
3. Serão sorteadas pessoas em número igual ao dobro do que deve corresponder à relação de jurados por concelho, bairro ou grupo de freguesias.
Art. 7.º - 1. Para o sorteio serão utilizados os cadernos de recenseamento existentes relativos às freguesias em causa, sendo os mesmos numerados, incluindo-se os supletivos, e respeitando-se a ordem alfabética das freguesias.
2. Será utilizada uma urna eleitoral em cada local de sorteio, na qual serão lançados dez cartões de papel, dobrados em quatro, representando cada um um algarismo de 1 a 0.
3. Cada possível jurado será sorteado do seguinte modo:
a) É tirado em primeiro lugar um cartão, que será logo desdobrado, sendo o seu algarismo o determinante das unidades do número de série dos cadernos eleitorais, fixados nos termos do n.º 1. O cartão será depois novamente dobrado e metido na urna e esta agitada.
É depois tirado outro cartão, que determinará o número da dezena do número de série dos cadernos, e assim sucessivamente até se atingir o número de operações equivalente ao número de algarismos correspondente ao último caderno numerado.
Na operação respeitante ao mais alto dos valores a sortear estarão na urna apenas cartões pelos algarismos que vão de 0 até ao número mais alto que se deve atingir na operação. Exemplo: se houver cadernos numerados de a 1 a 35, tirar-se-á primeiro o número das unidades, e tirar-se-á depois o número das dezenas, devendo encontrar-se neste caso na urna apenas os cartões relativos aos algarismos 0, 1, 2 e 3;
b) Repetem-se depois as operações para a determinação do número da folha do caderno cujo número for obtido pelas anteriores operações;
c) E, finalmente, repetem-se as operações destinadas a determinar o número de linha dessa folha, encontrando-se assim a pessoa sorteada.
Art. 8.º - 1. O presidente da câmara municipal ou, nos concelhos de Lisboa e Porto, o administrador do bairro apurarão se as pessoas sorteadas reúnem os requisitos previstos no artigo 1.º e se não estão abrangidos pelo artigo 2.º, até atingir um número de pessoas com capacidade para jurar igual ao número de jurados que cabe ao concelho, bairro ou grupo de freguesias.
2. Para efeitos dessa verificação, poderão aquelas entidades exigir e obter das pessoas sorteadas as informações necessárias, salvo quanto à matéria da alínea c) do artigo 1.º, que deverá ser inquirida pelo juiz presidente da comarca e socorrer-se de quaisquer outros elementos ao seu dispor.
Art. 9.º - 1. O juiz da comarca (ou o do 1.º juízo, quando exista mais de um, ou o do 1.º juízo criminal em Lisboa e Porto), depois de recebidas as relações dos sorteados por concelho ou bairro, poderá delas mandar riscar as pessoas relativamente às quais haja verificado a existência de incapacidade.
2. Dentro dos dez dias seguintes ao recebimento das relações indicadas no número anterior, o juiz fará afixar à entrada do tribunal a pauta dos jurados da comarca, que assinará em todas as folhas.
Art. 10.º - 1. Durante o período de dez dias após a afixação da pauta pode qualquer pessoa reclamar contra irregularidades no processo de selecção ou invocar incapacidade das pessoas que constituem a pauta de jurados da comarca.
2. Tais reclamações serão dirigidas ao juiz da comarca ou ao do 1.º juízo e resolvidas no prazo de cinco dias, a contar do termo do concedido para as reclamações.
3. Quer em atendimento de reclamações apresentadas, quer oficiosamente, poderá o juiz anular o processo de selecção, ordenando a sua repetição, ou proceder à eliminação dos nomes de jurados que não reúnam as condições para o efeito, ou ao acrescento daqueles que, havendo sido sorteados, tenham sido indevidamente eliminados.
Das decisões tomadas oficiosamente pelo juiz sobre a matéria não cabe igualmente qualquer recurso.
4. Até ao dia 1 de Dezembro de cada ano o juiz fará afixar a pauta definitiva da comarca, a qual vigorará para o ano civil subsequente.
Art. 11.º - 1. No caso de a pauta de jurados da comarca se vir a revelar insuficiente, poderá o juiz solicitar aos presidentes das câmaras ou aos administradores do bairro a realização de nova operação de selecção de jurados, indicando o número necessário de jurados para a pauta adicional.
2. A circunstância de, em consequência das operações previstas nos artigos 8.º a 10.º, o número de jurados da pauta ser inferior ao número fixado pelo despacho a que se refere o artigo 5.º não obriga, só por si, à realização de sorteio adicional.
Art. 12.º Sempre que haja lugar à intervenção do júri, o juiz do processo procederá ao sorteio dos jurados que hão-de constar da pauta do julgamento. Serão sorteados pelo menos vinte pessoas, as quais serão imediatamente convocadas para a audiência.
Art. 13.º Podem requerer escusa do exercício da função de jurado:
a) Os militares, quando no activo;
b) As pessoas que apresentam impedimento considerado pelo tribunal como razão justificativa, desde que o mesmo não seja susceptível de compensação de ordem pecuniária;
c) As pessoas que hajam desempenhado como efectivos ou suplentes funções de jurado duas ou mais vezes no decurso do período anual de vigência da pauta de jurados;
d) A doença grave ou morte do cônjuge, ascendente, descendente, irmão ou afim nos mesmos graus.
Art. 14.º - 1. As pessoas que venham a ser designadas para o exercício da função de jurado em determinado processo terão direito a receber um subsídio correspondente às despesas de transporte, alimentação e alojamento e a uma compensação pela perda de remuneração que hajam tido de suportar por virtude de tal exercício.
2. Tais retribuições serão fixadas e mandadas liquidar pelo juiz do processo, dentro dos limites que venham a ser estabelecidos pelo Ministro das Finanças, e serão suportadas pelo Cofre Geral dos Tribunais.
Art. 15.º - 1. No corrente ano as câmaras municipais e as administrações de bairro organizarão as relações de jurados a que se refere o artigo 4.º, no prazo de trinta dias, a contar da publicação do despacho a que se refere o artigo 5.º
2. Observar-se-ão nos tribunais, logo que recebidas as relações de jurados, os prazos indicados nos artigos 9.º e 10.º, 1 e 2, devendo o juiz fazer afixar a pauta definitiva dentro dos trinta dias seguintes àquele recebimento.
Visto e aprovado em Conselho de Ministros. - José Baptista Pinheiro de Azevedo - Vasco Fernando Leote de Almeida e Costa - João de Deus Pinheiro Farinha - Francisco Salgado Zenha.
Promulgado em 22 de Novembro de 1975.
Publique-se.
O Presidente da República, FRANCISCO DA COSTA GOMES.