Decreto-Lei 282-A/84
de 20 de Agosto
A entrada em vigor do Decreto-Lei 145-A/78, de 17 de Junho, deve ser considerada como um marco histórico do trabalho portuário em Portugal.
Com efeito, pela primeira vez, este importante sector da actividade laboral viu as suas bases gerais consagradas através de um diploma legal. Pela primeira vez, também, se reconheceu ao trabalho portuário um estatuto de dignidade, que bem merece e de que há muito carecia.
Decorreram, entretanto, alguns anos, durante os quais foi possível reconhecer que, basicamente, se está no caminho certo.
Mas a experiência ensinou, igualmente, ser necessário o aperfeiçoamento dos mecanismos legais criados, tendo em mente a dignificação do trabalho portuário e a concretização dos objectivos que o mesmo visa alcançar.
Igualmente se impõe articular o regime jurídico do trabalho portuário com a restante legislação de trabalho, no respeito dos princípios gerais constitucionalmente consagrados, e esclarecer alguns aspectos do estatuto dos trabalhadores portuários.
Não pode esquecer-se, finalmente, o período de crise aguda por que passa o comércio mundial e os reflexos que esta crise projecta na indústria dos transportes marítimos, razão de ser dos portos e da organização portuária.
Daí que se imponha encontrar mecanismos organizativos que, tendo em conta todos os condicionamentos apontados, se insiram também na política de rigor financeiro que se torna imperioso seguir. É que só assim será possível continuar a manter o estatuto de dignidade que o trabalho portuário merece.
Com a consagração dos órgãos de gestão bipartida (OGB), de outras formas organizativas e da possibilidade de celebração de acordos entre o Instituto do Trabalho Portuário (ITP) e a autoridade portuária para a gestão do trabalho portuário a nível local, garante-se a cobertura nacional da organização do trabalho portuário.
Na elaboração da presente legislação participaram as associações representativas dos trabalhadores, nos termos da Constituição e da Lei 16/79, de 26 de Maio, e teve-se em conta o disposto na Convenção n.º 137 da Organização Internacional do Trabalho, introduzida na nossa ordem jurídica pelo Decreto 56/80, de 1 de Agosto.
Nestes termos:
O Governo decreta, nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 201.º da Constituição, o seguinte:
Artigo 1.º
(Âmbito do trabalho portuário)
1 - Nos portos nacionais, as actividades relativas a operações de carga e descarga de embarcações de comércio, bem como a movimentação de mercadorias, provenientes ou destinadas ao transporte marítimo, nos armazéns e terraplenos interiores aos limites das áreas de domínio público marítimo e das áreas sob jurisdição das administrações e juntas autónomas dos portos, só poderão ser exercidas por trabalhadores portuários titulares de carteira profissional e devidamente inscritos nos termos do artigo 12.º do presente diploma, salvo disposição legal em contrário.
2 - Serão efectuadas sem recurso aos trabalhadores portuários referidos no número anterior as operações:
a) Que envolvam embarcações militares ou material militar, desde que operadas em áreas sob jurisdição militar, por pessoal militar, salvo expressa autorização da competente autoridade militar;
b) De controle ou fiscalização de natureza aduaneira, policial ou portuária, levadas a cabo pelas autoridades competentes, salvo se implicarem movimentação de mercadorias;
c) De abastecimento de bancas e óleos lubrificantes a granel à navegação, salvo expresso acordo em contrário do armador;
d) De movimentação de sobressalentes, material de bordo, de mantimentos, abastecimentos, combustíveis e lubrificantes, quando as quantidades a movimentar sejam inferiores a 3 t por navio;
e) De carga, descarga e trasfega, desde que líquidos e a granel, de combustíveis e produtos petrolíferos;
f) De carga, descarga e trasfega de produtos químicos cujas características imponham especiais regras de actuação e segurança, a definir pelo Instituto do Trabalho Portuário (ITP), e sempre salvo expresso acordo em contrário da entidade por conta de quem corra a operação;
g) De carga, descarga e arrumação de peixe fresco, refrigerado ou congelado, este quando em instalações privativas das empresas de pesca e, em qualquer caso, quando se destine ou provenha das embarcações de pesca, salvo se se tratar de carga manifestada ou a manifestar;
h) De movimentação de materiais e mercadorias no interior dos estaleiros de construção e reparação naval, bem como dos terminais petrolíferos, em fases posteriores à sua descarga de navios de transporte provenientes do exterior ou nas fases anteriores ao início da sua carga para os navios de transporte com destino ao exterior dos estaleiros ou terminais.
Artigo 2.º
(Organização administrativa do trabalho portuário)
1 - O tratamento à escala nacional das questões atinentes ao trabalho portuário é levado a cabo pelo (ITP, entidade tutelar, coordenadora e fiscalizadora dos órgãos de gestão do trabalho portuário, de estrutura participativa, integrando representantes dos órgãos de gestão do trabalho portuário, de estrutura participativa, integrando representantes dos órgãos da Administração Pública, dos sindicatos representativos dos trabalhadores portuários e dos operadores portuários, cuja organização, atribuições e funcionamento serão objecto de diploma específico.
2 - Nos portos de Lisboa, Setúbal e Douro e Leixões continuarão a funcionar, enquanto necessário, sob a tutela do ITP, centros coordenadores do trabalho portuário (CCTP), que terão a seu cargo a gestão da prestação do trabalho portuário, designadamente a inscrição dos operadores, bem como a inscrição, a identificação, a distribuição e o pagamento aos trabalhadores portuários, cobrando às entidades operadoras as taxas em vigor.
3 - Por acordo entre os organismos representativos dos trabalhadores portuários e os organismos representativos dos operadores portuários, poderão ser criados órgãos de gestão bipartida (OGB) ou qualquer outra forma de organização ou estrutura tendo como atribuições a inscrição dos operadores portuários, bem como a inscrição, a identificação, a distribuição e o pagamento aos trabalhadores portuários, cobrando aos operadores os encargos correspondentes.
4 - Os órgãos, organizações ou estruturas previstos no número anterior não poderão coexistir com os CCTP e ficam sujeitos a fiscalização do ITP, carecendo os seus estatutos ou regras de funcionamento de aprovação do Ministro do Mar, precedida de parecer favorável do ITP.
5 - Nos portos não dotados de CCTP ou de OGB ou qualquer das organizações ou estruturas previstas nos números anteriores, e se estas ou os OGB não forem criados no prazo previsto no artigo 14.º, a gestão do trabalho portuário será cometida à autoridade portuária, nos termos que vierem a ser definidos entre esta e o ITP e aprovados pelo Ministro do Mar.
6 - Os CCTP e os órgãos, organizações ou estruturas previstos nos n.os 3 e 5 ficam obrigados a fornecer ao ITP os elementos estatísticos e outros de que este careça para cabal cumprimento dos seus objectivos.
Artigo 3.º
(Admissão de trabalhadores portuários)
1 - A admissão dos trabalhadores portuários será feita pelos CCTP e pelos órgãos, organizações ou estruturas previstos no n.º 3 do artigo 2.º, de acordo com as condições a fixar pelo ITP, mediante aprovação prévia do Ministro do Mar.
2 - Os trabalhadores portuários não pertencentes aos quadros permanentes de empresas formam o contingente comum de cada porto.
3 - É vedado o acesso à profissão de trabalhador portuário a candidatos que tenham sido condenados a penas de prisão iguais ou superiores a 2 anos, por sentença judicial com trânsito em julgado, pelos crimes de furto, roubo, ofensas corporais voluntárias ou homicídio.
Artigo 4.º
(Fixação de contingentes)
Nos portos de comércio marítimo cujo movimento justifique a presença de trabalhadores portuários, os contingentes tecnicamente necessários serão fixados por despacho do Ministro do Mar, ouvidas as associações sindicais e de operadores, e revistos sempre que necessário de harmonia, designadamente, com os seguintes factores:
a) Natureza e volume do tráfego;
b) Apetrechamento técnico e equipamento utilizado;
c) Eficiência, economia e segurança no trabalho;
d) Número e constituição de equipas tecnicamente adequadas às operações a realizar.
Artigo 5.º
(Garantia salarial)
1 - Os trabalhadores portuários do contingente comum a que se refere o n.º 2 do artigo 3.º beneficiarão de uma garantia salarial, cujo montante e condições de pagamento são fixados por portaria conjunta dos Ministros do Trabalho e Segurança Social e do Mar, tendo em conta, designadamente, que:
a) Pode ser fixada porto por porto;
b) A sua concessão deve depender da presença diária dos respectivos trabalhadores no porto;
c) Pode ser de montante inferior à remuneração base contratual que corresponder à categoria profissional dos trabalhadores, excluídos todos e quaisquer subsídios.
2 - A garantia salarial referida no número anterior será financiada através da constituição de um fundo, com receitas provenientes das contribuições dos operadores portuários, a fixar anualmente por despacho conjunto dos Ministros do Trabalho e Segurança Social e do Mar, o qual será administrado pelo ITP nas condições que forem estabelecidas pela portaria referida no número anterior.
3 - As contribuições a que se refere o n.º 2 serão fixadas tendo em conta, nomeadamente, o tipo de portos e a gestão local do trabalho portuário, não devendo ser superior a 10% das remunerações pagas pelos operadores portuários a título de retribuição directa dos trabalhadores do contingente comum a que se refere o n.º 2 do artigo 3.º
4 - Quando, por razões ligadas à evolução técnica ou económica de um porto, ou por se verificarem reduções sensíveis no trabalho portuário, os contingentes de trabalhadores fixados nos termos do artigo 4.º se tornarem excessivos, determinando situações deficitárias no fundo de garantia salarial, o Fundo de Desemprego poderá facultar as verbas em falta, sem prejuízo de posterior reembolso, mediante despacho conjunto dos Ministros do Trabalho e Segurança Social e do Mar.
Artigo 6.º
(Trabalho por turnos)
A organização do trabalho portuário será, tanto quanto possível, sujeita ao regime de trabalho por turnos, de acordo com as necessidades de cada porto e em obediência a um sistema rotativo de escalas.
Artigo 7.º
(Regime jurídico-laboral dos trabalhadores portuários)
1 - Os trabalhadores portuários ficam sujeitos ao regime jurídico do contrato individual de trabalho e demais legislação de trabalho em tudo quanto não seja previsto em legislação especial.
2 - O exercício do poder disciplinar sobre os trabalhadores portuários é da competência:
a) Do CCTP, nos casos previstos no n.º 2 do artigo 2.º;
b) Do OGB, organização ou estrutura, nos casos previstos no n.º 3 do artigo 2.º;
c) Da autoridade portuária, nos casos previstos no n.º 5 do artigo 2.º;
d) Do operador portuário a cujos quadros permanentes pertença o trabalhador.
3 - No desempenho da sua actividade profissional, os trabalhadores portuários estão sob a direcção técnica do operador portuário ou da entidade que os requisitou.
4 - Os instrumentos de regulamentação colectiva de trabalho aplicáveis aos trabalhadores portuários serão outorgados entre os sindicatos representativos destes e os operadores portuários ou suas associações.
5 - Os trabalhadores portuários dos quadros permanentes de operadores portuários despedidos com justa causa ficarão impedidos pelo período de 2 anos, a partir da data do despedimento, de ingressar no contingente comum a que se refere o n.º 2 do artigo 3.º
Artigo 8.º
Sem prejuízo do disposto no presente diploma, os poderes e deveres que, por lei, são atribuídos à entidade patronal competem, relativamente aos trabalhadores portuários não pertencentes aos quadros permanentes de operadores portuários:
a) Ao CCTP, nos casos previstos no n.º 2 do artigo 2.º;
b) Ao OGB ou às organizações ou estruturas referidas no n.º 3 do artigo 2.º, nos casos previstos nesta disposição;
c) À administração portuária, nos casos previstos no n.º 5 do artigo 2.º, enquanto não se verificar a existência de qualquer das entidades previstas na alínea anterior.
Artigo 9.º
(Regime de reforma dos trabalhadores portuários)
O regime de reforma dos trabalhadores portuários, a definir por portaria conjunta dos Ministros do Trabalho e Segurança Social e do Mar, deverá ter em atenção as condições especiais de prestação de trabalho no sector e visará, sempre que possível, o progressivo abaixamento da idade de reforma.
Artigo 10.º
(Licenciamento de trabalhadores portuários)
Nos portos nacionais em que os efectivos de pessoal sejam manifestamente excedentários em relação aos contingentes fixados nos termos do artigo 4.º poderá ser posto em prática um esquema de licenciamento dos trabalhadores em excesso, na falta ou insuficiência de disposições sobre a matéria na respectiva regulamentação colectiva de trabalho.
Artigo 11.º
(Trabalhadores portuários de quadros permanentes de empresa)
1 - Os operadores portuários deverão firmar com os trabalhadores portuários dos seus quadros permanentes contrato individual de trabalho, o qual, bem como as respectivas alterações, deve ser despositado:
a) No CCTP, nos casos previstos no n.º 2 do artigo 2.º;
b) No OGB, organização ou estrutura, nos casos previstos no n.º 3 do artigo 2.º;
c) Na administração portuária, nos casos previstos no n.º 5 do artigo 2.º, enquanto não se verificar a existência de qualquer das entidades previstas na alínea anterior.
2 - O recrutamento para os quadros permanentes dos operadores portuários será feito de entre os trabalhadores pertencentes ao contingente comum a que se refere o n.º 2 do artigo 3.º
Artigo 12.º
(Trabalhadores portuários inscritos)
1 - São considerados trabalhadores portuários inscritos os inscritos:
a) Nos CCTP;
b) Nos OGB, organizações ou estruturas previstos no n.º 3 do artigo 2.º;
c) Nas autoridades portuárias, nos casos previstos no n.º 5 do artigo 2.º, enquanto não se verificar a existência de qualquer das entidades previstas na alínea anterior.
2 - Enquanto não forem efectuadas novas admissões nos termos previstos no n.º 1 do artigo 3.º, são considerados trabalhadores portuários inscritos os inscritos nos CCTP, OGB e na garantia salarial no dia 1 de Julho de 1984, e que constem, nessa data, dos registos do ITP.
3 - Será considerada nula e de nenhum efeito qualquer inscrição de trabalhador portuário recrutado com violação das condições fixadas no n.º 1 do artigo 3.º
Artigo 13.º
(Carteira profissional)
A carteira profissional dos trabalhadores portuários será visada pelo ITP, em termos a definir por portaria conjunta dos Ministros do Trabalho e Segurança Social e do Mar, ouvidas as associações sindicais e de operadores portuários.
Artigo 14.º
As entidades sindicais e de operadores que tenham criado qualquer estrutura organizativa do trabalho portuário devem submeter os seus estatutos ou regras de actuação à aprovação do Ministro do Mar, através do ITP, no prazo de 120 dias contados a partir da data de entrada em vigor deste diploma.
Disposições finais e transitórias
Artigo 15.º
No prazo de 3 meses a contar da data da entrada em vigor do presente diploma, o ITP deverá propor ao Ministro do Mar a fixação dos contingentes previstos no artigo 4.º
Artigo 16.º
A portaria referida no artigo 9.º poderá admitir:
a) A compulsividade da reforma;
b) O carácter temporário do regime de reforma que estabelecer;
c) A antecipação da idade da reforma relativamente à do regime geral da segurança social;
d) A exigência de um número mínimo de anos de actividade no sector portuário;
e) Que a prova da prestação de trabalho no sector portuário para efeitos de acesso à pensão de reforma possa ser feita através de elementos fornecidos pelos CCTP ou, no caso de estes os não possuírem, pelos respectivos sindicatos.
Artigo 17.º
Nas regiões autónomas poderá aplicar-se o presente diploma, com as adaptações consideradas necessárias.
Artigo 18.º
É revogado o Decreto-Lei 145-A/78, de 17 de Junho.
Visto e aprovado em Conselho de Ministros de 5 de Junho de 1984. - Mário Soares - Carlos Alberto da Mota Pinto - Rui Manuel Parente Chancerelle de Machete - Ernâni Rodrigues Lopes - Amândio Anes de Azevedo - Carlos Montez Melancia.
Promulgado em 8 de Agosto de 1984.
Publique-se.
O Presidente da República, ANTÓNIO RAMALHO EANES.
Referendado em 17 de Agosto de 1984.
O Primeiro-Ministro, Mário Soares.