Outros Sites

Visite os nossos laboratórios, onde desenvolvemos pequenas aplicações que podem ser úteis:


Simulador de Parlamento


Desvalorização da Moeda

Acordo 49/99-21, de 26 de Janeiro

Partilhar:

Texto do documento

Acordo 49/99-21.Dez-1.ª S/PL. - Recurso ordinário n.º 19/99 (processo 2939/99) - Acórdão. - 1 - Em sessão de Subsecção da 1.ª Secção de 27 de Abril de 1999 foi aprovado o Acórdão 40/99-Abr.27-1.ª S/SS, que recusou o visto ao contrato de locação financeira celebrado entre o Estado (Direcção-Geral do Património) e a IMOLEASING, Sociedade de Locação Financeira Imobiliária, S. A., pelo valor de 1 241 763 720$00.

A recusa do visto alicerçou-se nos seguintes fundamentos:

"Resulta do processo que o contrato de locação financeira em causa não foi antecedido de concurso, de âmbito nacional ou internacional; antes, foi efectuada uma primeira consulta ao mercado, na sequência da qual foram solicitadas propostas a quatro empresas, tendo a apresentada pela IMOLEASING sido considerada a mais vantajosa.

[...]

[...] os contratos de locação financeira estão abrangidos pela disciplina do Decreto-Lei 55/95. Assim:

a) O contrato de locação financeira, definido no artigo 1.º do Decreto-Lei 149/95, de 24 de Junho, consubstancia-se numa prestação de um serviço financeiro bancário [...];

b) O artigo 96.º n.º 1, alínea a), do Decreto-Lei 55/95 (na redacção que lhe foi dada pelo Decreto-Lei 128/98, de 13 de Maio) estabelece que os procedimentos das normas previstas nesse capítulo são aplicáveis, entre outros contratos, às aquisições de serviços referidos no anexo VI, de valor estimado, com exclusão do IVA, igual ou superior a 200 000 ECU;

c) Entre outras aquisições de serviços, esse anexo refere os serviços financeiros bancários e de investimento, com excepção dos previstos na alínea d) do artigo 23.º - ou seja, os relativos à emissão, compra, venda ou transferência de títulos ou outros produtos financeiros, bem como serviços prestados pelo Banco de Portugal.

[...]

O contrato de locação financeira não é confundível com o contrato de compra e venda ou com o contrato de locação; [...]

[...]

Assim, não pode apelar-se ao regime aplicável ao contrato de compra e venda ou locação de bens imóveis - que, inquestionavelmente, não estão abrangidos pelos procedimentos de contratação do Decreto-Lei 55/95 (artigo 1.º) - para justificar a exclusão da locação financeira de bens imóveis às normas daquele diploma.

[...]

[...] o que foi, celebrado, foi um contrato nominado, uma locação financeira, que, como se referiu, é um serviço financeiro bancário. Ora, a prestação destes serviços financeiros não é exclusiva de uma entidade, antes, insere-se na actividade própria das instituições bancárias e das sociedades de locação financeira, em que se justifica, amplamente, que todos os potenciais interessados sejam tratados de forma igual pela Administração quando pretende adquirir serviços de locação financeira: estamos, também aqui, no domínio privilegiado do cumprimento dos princípios garantísticos da legalidade, igualdade e imparcialidade que devem nortear a contratação pública.

Diga-se, aliás, que a Administração, ao efectuar uma consulta prévia ao mercado, ao pedir propostas a quatro empresas reconheceu que o universo dos interessados não era fechado. No entanto, o que fez foi um arremedo, uma desviante e distorcida aplicação daqueles princípios que norteiam a contratação pública."

2 - Não se conformando com o decidido, S. Ex.ª o Primeiro-Ministro recorreu do mencionado acórdão pedindo a reapreciação do processo e a consequente concessão do visto.

Em defesa do seu pedido apresentou as alegações que constam de fls. 3 a 22 do processo, que aqui se dão por reproduzidas, onde formula as seguintes conclusões:

"A) O contrato celebrado entre o Estado e a IMOLEASING, formalizado por escritura pública outorgada em 6 de Janeiro de 1999, reveste a natureza jurídica de contrato de locação financeira, e não de prestação de um serviço financeiro bancário.

Rege-se pelas normas procedimentais previstas para a aquisição onerosa de bens imóveis e outros direitos reais de gozo a estes respeitantes por parte do Estado.

B) Não viola nenhum preceito constitucional, legal e procedimental, pelo que se mostra possível, pertinente e legal.

C) Razões de interesse público relevante, que importa ponderar, referenciadas na Resolução 200-F/98, de 31 de Dezembro, do Conselho de Ministros, e individualizadas na fundamentação agora aduzida, determinam que a decisão do Governo de optar pela figura jurídica do contrato de locação financeira, autorizando a celebração do respectivo contrato, se mostra como meio idóneo, objectivo e adequado à prossecução de uma gestão equilibrada dos recursos públicos.

D) Em consequência, entende o Governo não terem sido violados os princípios garantísticos de legalidade, igualdade e imparcialidade na contratação pública. O procedimento de oferta pública, tratando-se da aquisição de um bem imóvel para o Estado, mostra-se suficiente quanto à salvaguarda e protecção dos princípios de igualdade, imparcialidade e transparência que devem nortear a contratação pública."

3 - Admitido o recurso foram os autos com vista ao Exmo. Sr. Procurador-Geral-Adjunto que emitiu douto parecer no sentido da improcedência do recurso e da manutenção da recusa do visto.

Para sustentar o seu parecer, apresenta como argumentos mais relevantes os que se transcrevem:

"Se a questão fosse simplesmente a da locação ou a da compra da coisa, não precisaria o locatário de se socorrer das instituições de crédito que a nossa lei designa e admite poderem ser sociedades de locação financeira ou bancos.

O que determina o locatário a socorrer-se dessas instituições é o facto de carecer de capital para a aquisição imediata da coisa, de preferir uma modalidade de gozo da coisa que lhe permita uma renovação do material adquirido sem investimento de capital inicial ou de, pura e simplesmente, necessitar de o aplicar de outra forma e não querer ampliar a sua capacidade de endividamento através de outras operações de crédito.

Todo esse serviço - o fornecimento do capital necessário - constitui a actividade do locador, que, como antes se precisou, é uma actividade financeira de crédito, com margens de lucro diferenciadas e variáveis dentro de limites legais e, por isso, sujeita a concorrência no mercado nacional e internacional.

[...]

Isto é, se a norma (Directiva n.º 92/50 CEE, do Conselho, de 18 de Junho), pelas razões invocadas no preâmbulo, e que já citámos, isenta os contratos de aquisição e locação do concurso público, independentemente de eles serem ou não feitos com recurso a serviços financeiros, não dispensa porém os contratos de serviços financeiros conexos e indispensáveis à aquisição e locação de concurso público.

Acresce, por outro lado, que o artigo 8.º e a categoria 6.ª do anexo I-A da citada directiva prevê, explicitamente, os serviços financeiros como constituindo objecto dos procedimentos concursais e adjudicatórios nela previstos.

Isto tudo, tendo necessariamente, em atenção a própria intenção desta concreta directiva que pretende configurar e consagrar, como refere, um programa de acção 'da liberalização dos contratos públicos, inclusivamente no domínio dos serviços', tendo em atenção os princípios da livre concorrência e da igualdade dos contratantes, bem como o da imparcialidade da Administração na selecção da melhor proposta.

Ora, no âmbito da aplicação e prevalência do direito comunitário, se é certo que, nos termos do 3.º parágrafo do artigo 189.º do Tratado da União Europeia, as directivas carecem, para serem aplicáveis pelos tribunais nacionais e autoridades administrativas, de transposição normativa para o direito interno, a verdade é que hoje se acentua uma interpretação doutrinal e jurisprudencial que defende que elas, 'mesmo não sendo directamente aplicáveis, devem ser tomadas como normas de referência na interpretação das disposições nacionais adoptadas para a sua execução'.

Tratando-se o Decreto-Lei 55/95 de um diploma que visa, como se disse, aplicar as directivas comunitárias e, mais concretamente, a aludida n.º 92/50/CEE, do Conselho, de 18 de Junho de 1992 ao processo adjudicatório interno, este terá, por isso, de ser interpretado tendo em atenção o espírito do direito comunitário correlativo e que se pretendeu transpor para a ordem jurídica interna.

Nestes termos, teremos de concluir que a única interpretação possível do âmbito da aplicação do Decreto-Lei 55/95, de 29 de Março, que respeita aquela directiva e as que lhe sucederam (não a contrariando), é a que contempla a necessidade de concurso público para a contratação de um serviço financeiro, como aquele que é constituído pela operação de crédito em que se consubstancia o contrato de locação financeira, serviço que, aliás, como vimos já, só pode ser fornecido por sociedades especificamente autorizadas para essa actividade e por bancos."

4 - Corridos os demais vistos legais cumpre apreciar e decidir.

4.1 - Os factos.

Em face dos documentos que instruem o processo e no que à decisão interessa, dão-se como assentes e provados os seguintes factos:

Por contrato de 28 de Fevereiro de 1994, a Direcção-Geral das Contribuições e Impostos tomou de arrendamento da sociedade anónima FUNDIMO - Sociedade Gestora de Fundos de Investimento Imobiliário, S. A., as fracções autónomas designadas pelas letras B e C do prédio sito em Lisboa, na Rua do Comércio, 33 a 55, correspondentes, respectivamente, à loja, lado esquerdo, com entrada pelo n.º 39, e aos 1.º, 2.º, 3.º e 4.º andares e águas furtadas, para instalação dos seus serviços;

Na cláusula 2.ª do contrato de arrendamento estipula-se, no n.º 2, que o Estado poderá adquirir aquele imóvel entre o 3.º e o 5.º anos de arrendamento, encontrando-se o preço pela aplicação da seguinte fórmula:

VC=VOxIT/IO

em que VC=preço de aquisição; VO=valor pago pela FUNDIMO à União de Bancos Portugueses (anterior proprietário do imóvel); IT e IO=índices de preços no consumidor, excluindo habitação, respeitantes aos meses de venda e compra;

Instada pela Direcção-Geral do Património, face ao teor da cláusula referida, sobre se o edifício iria ou não ser adquirido, a Direcção-Geral dos Impostos propôs "a aquisição do imóvel através da um contrato de locação financeira, dado não existirem disponibilidades orçamentais no corrente ano, para fazer face ao encargo com a aquisição" (n.os 14 e 15 da informação n.º 211/98 da Divisão de Aquisições e do Arrendamento para o Estado da Direcção-Geral do Património, de 10 de Novembro de 1998) - destaque nosso;

A aquisição do edifício e o recurso ao contrato de locação financeira mereceram despacho favorável do Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais de 13 de Março de 1998 e a concordância do Ministro das Finanças que, em 17 de Março de 1998, lavrou o seguinte despacho: "Concordo - Prepare-se RCM em conformidade";

Sem referir qualquer imóvel em concreto, o subdirector-geral do Património propõe, em 16 de Junho de 1998, que se faça publicitar nos jornais uma oferta pública no sentido de que a "Direcção-Geral manifesta interesse em receber candidaturas das sociedades de locação financeira interessadas em contratar com o Estado", pois "a aquisição de imóveis para o Estado tende a evoluir para uma modalidade de pagamento suportada no regime de locação financeira com opção de compra", instrumento que possibilita "a modernização das instalações dos serviços numa conjuntura de contracção orçamental" e por os serviços deverem "tirar vantagens da queda da baixa das taxas de juro, em condições de mercado particulares para o Estado";

Tal proposta obtém, na mesma data, concordância do director-geral do Património;

Na sequência, foram publicados anúncios contendo a dita "oferta pública" no jornal Expresso, de 11 de Julho de 1998 e no Diário Económico, de 10 de Agosto do mesmo ano, onde se referia que nos contratos de locação financeira imobiliária a celebrar o financiamento poderia assumir um dos seguintes regimes: aquisição de imóveis; aquisição de imóveis e obras; aquisição de terrenos e construção, ou aquisição do direito de superfície do terreno e financiamento da construção;

Responderam a estes anúncios sete sociedades de locação financeira imobiliária, tendo sido graduadas por ordem decrescente a IMOLEASING, TOTTAIMO, Nacional Leasing e Comércio Leasing, por terem sido as que apresentaram "melhores condições de taxa de juro" (acta 2, de 4 de Setembro de 1998, da comissão de análise);

Após a graduação foram solicitadas às três primeiras e ainda à BESLEASING (por a Direcção-Geral dos Impostos, quando propôs a aquisição do imóvel em regime de locação financeira, ter logo enviado à Direcção-Geral do Património propostas destas quatro sociedades) condições concretas de financiamento para o imóvel em causa, tendo a selecção recaído na IMOLEASING por ser a "que apresenta as melhores condições de financiamento (taxas de juro mais baixas), resultando, por isso, rendas quer trimestrais quer semestrais mais baixas" (acta 3, de 19 de Outubro de 1998) - destaque nosso;

No Diário da República, 2.ª série, de 31 de Dezembro de 1998, foi publicada a resolução 200-F/98 (2.ª série), em que o Conselho de Ministros autoriza a Direcção-Geral do Património a adquirir o imóvel em causa pela importância de 846 000 000$00 (valor estimado) "com dispensa da realização da oferta pública prevista no n.º 3 da Resolução do Conselho de Ministros n.º 20/83, de 31 de Janeiro" e autoriza ainda a celebração do contrato de locação financeira com a IMOLEASING;

O contrato de locação financeira foi celebrado em 6 de Janeiro de 1999 pelo prazo de 15 anos, por um valor global de 945 344 342$00, sendo, 846 000 000$00 o valor da compra do imóvel efectuada pelo locador ao proprietário, 84 600 000$00 para imposto de sisa e 14 744 342$00 para outros impostos e despesas, à taxa Lisbor a três meses e com a renda base de 20 414 062$00;

No artigo 15.º do contrato estipula-se que, no termo deste, o locador promete vender ao locatário o imóvel em causa pelo preço de 16 920 000$00 (valor residual), devendo o locatário notificar o locador da sua intenção de exercer a sua opção de compra com pelo menos 90 dias de antecedência e a escritura pública de compra e venda efectuar-se até ao termo do prazo do contrato de locação financeira.

4.2 - Apreciando.

Recorde-se que ao contrato em apreço foi recusado o visto por se entender, no acórdão recorrido, que o contrato de locação financeira tem por finalidade a prestação de serviços financeiros e, como tal, estar sujeito à disciplina do Decreto-Lei 55/95, de 29 de Março, pelo que, atento o seu valor, deveria ter sido precedido de concurso público internacional, que não foi realizado. Foi, assim, preterida uma formalidade essencial o que, nos termos do Código do Procedimento Administrativo, acarreta nulidade.

Por sua vez, o recorrente conclui nas suas alegações que o contrato em causa "reveste a natureza jurídica de contrato de locação financeira e não de prestação de um serviço financeiro bancário", pelo que "rege-se pelas normas procedimentais previstas para a aquisição onerosa de bens imóveis e outros direitos reais de gozo a estes respeitantes por parte do Estado", isto é, pelos Decretos-Leis 27/79, de 22 de Fevereiro e 74/80, de 15 de Abril, e pela Resolução do Conselho de Ministros n.º 20/83, de 31 de Janeiro.

Vejamos a quem assiste razão.

Com a publicação do Decreto-Lei 171/79, de 6 de Junho, o contrato de locação financeira passou a estar tipificado no ordenamento jurídico português, encontrando-se, agora, regulamentado pelo Decreto-Lei 149/95, de 24 de Junho, que revogou aquele.

O artigo 1.º deste último diploma legal define locação financeira como "o contrato pelo qual uma das partes se obriga, mediante retribuição, a ceder à outra o gozo temporário de uma coisa, móvel ou imóvel, adquirida ou construída por indicação desta, e que o locatário poderá comprar, decorrido o período acordado, por um preço nele determinado ou determinável mediante simples aplicação dos critérios nele fixados".

É uma definição bastante complexa que, só por si, não permite uma conclusão clara sobre a natureza do contrato de locação financeira.

Daí que, para melhor se alcançar a génese deste instrumento contratual, seja aconselhável conhecer a sua história recente e as motivações que estiveram e estão na sua origem.

Com a actual formulação a locação financeira surge nos Estados Unidos da América, no início da década de 50, com a constituição em São Francisco, da primeira sociedade de leasing(ver nota 1). Chega à Europa no início da década de 60, igualmente com a fundação em Inglaterra, França e Itália das primeiras sociedades de leasing.

Em todos estes locais se apresenta essencialmente como uma forma de financiamento das empresas, diferente do simples recurso ao endividamento (crédito bancário, emissão de obrigações ou outros tipos de empréstimo), da utilização de lucros ou do aumento do capital social (ver nota 2).

Uma outra vantagem da locação financeira unanimemente reconhecida é a de proporcionar às empresas e serviços o acompanhamento da rápida evolução tecnológica através da substituição de equipamento que rapidamente se torna obsoleto. Neste caso, será mais direccionada para bens de equipamento ou destinados à produção, que utilizem as chamadas tecnologias de ponta. Não é, porém, o caso que nos ocupa.

Esta forma de financiamento apresenta grandes vantagens quer para o locador quer para o locatário, mas especialmente para este.

Desde logo porque lhe aumenta a capacidade de endividamento sem que figure, como tal, no balanço ou nas contas. Depois porque a sua obtenção é mais rápida dado serem, em regra, menores as exigências das sociedades financeiras autorizadas a realizar esse tipo de contratos. Ainda porque permite ao locatário uma gestão financeira mais flexível e planeada pois, em regra, a locação financeira configura-se como um crédito de médio ou longo prazos.

Para o locador as vantagens situam-se, essencialmente, ao nível da garantia uma vez que é sua a propriedade do bem locado.

Ora, estas motivações estão bem vincadas nos diplomas legais que regularam e regulam o contrato de locação financeira em Portugal.

No preâmbulo do Decreto-Lei 171/79, de 6 de Junho, que, como se disse, foi o primeiro diploma legal a regular o contrato de locação financeira, lê-se:

"O contrato de locação financeira tem conhecido um vivo sucesso nos diversos países europeus, pelas possibilidades de financiamento rápido que faculta, em função das garantias que oferece aos seus intervenientes. Surge, assim, como instrumento útil no relançamento da economia nacional."

Na introdução ao Decreto-Lei 149/95, de 24 de Junho, actualmente em vigor, justificam-se as alterações de regime nos seguintes termos:

"O presente diploma vem introduzir significativas alterações no regime jurídico do contrato de locação financeira, visando adaptá-lo às exigências de um mercado caracterizado pela crescente internacionalização da economia portuguesa e pela sua integração no mercado único europeu. As empresas portuguesas deverão dispor de um instrumento contratual adaptado a estas realidades, de modo a não verem diminuída a capacidade de concorrência perante as suas congéneres estrangeiras."

Ora, não restam dúvidas de que o que o legislador pretendeu com a institucionalização e regulamentação do contrato de locação financeira foi colocar à disposição da economia portuguesa e seus agentes, em especial das empresas, uma forma nova e expedita de obtenção de financiamento.

Mas, se dúvidas ainda subsistissem quanto à finalidade e objectivos do contrato de locação financeira, elas seriam totalmente desvanecidas com a análise da legislação que lhe está conexa e que os diplomas antes citados invocam. São os casos do Decreto-Lei 298/92, de 31 de Dezembro, que aprovou o regime geral das instituições de crédito e sociedades financeiras e o Decreto-Lei 72/95, de 15 de Abril, que aprovou o regime jurídico das sociedades de locação financeira.

O primeiro dos mencionados diplomas define as instituições de crédito como sendo as "empresas cuja actividade consiste em receber do público depósitos ou outros fundos reembolsáveis a fim de os aplicar por conta própria mediante a concessão de crédito" (artigo 2.º), contando-se entre estas (artigo 3.º) as sociedades de locação financeira, que (artigo 4.º, n.º 2) "só podem efectuar as operações permitidas pelas normas legais e regulamentares que regem a sua actividade", regulamentação constante, como já se disse, do Decreto-Lei 72/95.

Neste diploma reafirma-se que as sociedades de locação financeira são instituições de crédito e restringe-se o seu objecto ao exclusivo exercício da actividade de locação financeira (artigo 1.º). No artigo 4.º estipula-se que só os bancos e as sociedades de locação financeira "podem celebrar, de forma habitual, na qualidade de locador, contratos de locação financeira".

Do exposto conclui-se, então, que o contrato de locação financeira é uma modalidade de concessão de crédito, reservada aos bancos e às sociedades de locação financeira.

Aqui chegados, vejamos se da noção de contrato de locação financeira dada pelo artigo 1.º do Decreto-Lei 149/95, antes transcrito, resulta como fim do contrato a concessão de crédito.

As partes, no contrato de locação financeira, são o locador (banco ou sociedade de locação financeira) e o locatário (empresas, particulares ou o Estado).

Quando o locatário necessita de um determinado bem (no caso, um imóvel) e não dispõe de meios financeiros para o adquirir, depois de o escolher, dirige-se ao locador solicitando-lhe que este o adquira, ou construa e lhe ceda temporariamente o gozo, mediante uma retribuição (a renda). O locador, aceite o negócio, compra ao proprietário (vendedor) o bem em causa e, mediante contrato de locação financeira, cede ao locatário o gozo do imóvel, reservando para si a propriedade deste, propriedade que desde logo promete transferir para o locatário, caso este nisso manifeste interesse, no final do contrato e por um preço fixado (valor residual) mediante a celebração de um contrato de compra e venda.

Ora, apesar de o locatário poder vir a comprar o bem no final do contrato (quando a lei refere que "o locatário poderá comprar" o bem, quer significar que a opção de compra não é uma imposição ou sequer uma obrigação do locatário, mas apenas uma faculdade de que dispõe e que pode muito bem, por razões financeiras ou outras, não exercer sem que por isso seja penalizado), esta compra não decorre automaticamente do termo do contrato, exige, para além da manifestação dessa vontade por parte do locatário, a celebração de um contrato de compra e venda autónomo (cf. no caso em apreço, o artigo 15.º do contrato).

Assim sendo, não pode o contrato de locação financeira confundir-se ou integrar, como pretende o recorrente, um contrato de compra e venda que visa a aquisição do bem em causa.

O que se pretende alcançar com tal contrato são os meios financeiros, de que não se dispõe, para conseguir a utilização de um bem necessário ao desenvolvimento de uma determinada actividade, bem que poderá, a final, ser comprado.

O que se pretende é a obtenção de um crédito, ou melhor, de um financiamento, só que em espécie.

Daí que não restam dúvidas de que o contrato de locação financeira, tanto para o locador como para o locatário, o que ele efectivamente encerra é a prestação de um serviço financeiro.

Para reforçar esta ideia refira-se que a nova Lei das Finanças Locais, Lei 42/98, de 6 de Agosto, insere expressamente a celebração de contratos de locação financeira no regime de concessão de crédito aos municípios (artigo 23.º, n.º 1), o que desfaz qualquer dúvida quanto à sua natureza.

Mas que foi a procura de meios financeiros que se teve em vista com a celebração do contrato em apreço não restam dúvidas. Aliás são os diferentes intervenientes no procedimento que o confessam, como ficou provado no anterior n.º 3 deste acórdão.

Começa com a Direcção-Geral dos Impostos (entidade a quem o imóvel se destina) a dizer que não existem disponibilidades orçamentais para fazer face ao encargo com a aquisição, pelo que propõe o recurso ao contrato de locação financeira.

Surge, em seguida, o Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais a referir que essa é a "solução mais vantajosa dado não ser necessário o reforço das verbas orçamentais", entendimento perfilhado pelo Ministro das Finanças.

Depois, é o subdirector-geral do Património a considerar que o recurso à locação financeira com a opção de compra dos imóveis traz inquestionáveis vantagens financeiras, proporciona aos serviços públicos a modernização das suas instalações numa conjuntura de contracção orçamental, sugerindo até que os serviços aproveitem as vantagens da queda das taxas de juro.

Também o procedimento adoptado para a "selecção das sociedades de locação financeira" em que: nos anúncios publicados apenas se faz referência à obtenção de financiamento, e não à aquisição de qualquer bem em concreto; na análise das propostas, o que basicamente se considerou foram as melhores condições de taxa de juro apresentadas pelos concorrentes; a escolha, em concreto, da sociedade de locação financeira recaiu sobre a IMOLEASING por ter sido a que apresentou as melhores condições de financiamento (taxas de juro mais baixas).

Por fim, é o próprio recorrente que no n.º 14 das suas alegações vem dizer textualmente: "A opção por este contrato nominativo misto de locação financeira resulta da ordenação dos recursos orçamentais, sempre escassos, que obstam à sua aquisição a pronto."

Não se questionará que aquilo que o Estado terá em mente, e como último objectivo, será a aquisição do bem. Só que essa aquisição não se alcança com o contrato em apreço. Com este o que se pretende e sempre pretendeu é a obtenção de recursos financeiros que poderão vir a proporcionar, no futuro, a aquisição definitiva do imóvel em questão.

Por isso, não tem razão o recorrente quando afirma que o contrato de locação financeira em apreço "terá de reger-se" pelas normas "previstas no Decreto-Lei 27/79, no Decreto-Lei 74/80 e na Resolução do Conselho de Ministros n.º 20/83, de 31 de Janeiro, que definem a aquisição onerosa de bens imóveis e outros direitos reais de gozo a estes respeitantes por parte do Estado".

Apesar do que acaba de se afirmar, esta legislação não é despicienda no procedimento em causa. Recorde-se que o recurso à locação financeira implica que o futuro e potencial locatário indique ao locador o bem concreto que pretende gozar, para que este o adquira ou construa e o coloque à sua disposição. Isto é, antes o locador tem que proceder à escolha do bem a locar.

Ora é neste processo de escolha do bem que se pretende, mesmo que se tenha em vista a celebração de um contrato de locação financeira, que deve ser observada aquela dita legislação, em especial o disposto na parte final do n.º l da Resolução do Conselho de Ministros n.º 20/83. Ou seja, deve ser precedida de oferta pública.

É que esta oferta pública visa a escolha do bem a adquirir, e não a escolha de qualquer entidade que há-de financiar a operação, como o recorrente pretende no ponto 18 das suas alegações.

E para concluir que assim é, basta atentar que a resolução do Conselho de Ministros n.º 200-F/98 (2.ª série) dispensou, no caso, a realização dessa oferta, uma vez que a eventual aquisição do imóvel resultava da cláusula do contrato de arrendamento transcrita em 3.1, ou seja, a escolha do bem estava há muito feita.

Assim sendo, o procedimento conducente à celebração de um contrato de locação financeira obriga, para salvaguarda dos princípios da igualdade, transparência, imparcialidade e concorrência que devem presidir a toda a contratação pública, à realização de dois actos de escolha ou selecção.

Num primeiro momento, a escolha do bem imóvel, à qual se aplicarão as regras sobre a aquisição de bens imóveis pelo Estado, em especial as consagradas na já citada Resolução do Conselho de Ministros n.º 20/83, de 31 de Janeiro.

Após esta e já com o valor do bem encontrado, segue-se a escolha da sociedade de locação financeira que irá financiar a operação.

E a questão que então se coloca é a de saber qual o regime jurídico a observar e o procedimento a adoptar, questão que é, de resto, aquela que importa resolver nos presentes autos.

Neste momento, como já antes se referiu, o que está em causa é a obtenção de recursos financeiros que permitam a concretização do negócio, pelo que o regime aplicável só pode ser o que regula a prestação de serviços financeiros.

E este, como no acórdão recorrido se demonstrou, é o que consta do Decreto-Lei 55/95, de 29 de Março.

No âmbito financeiro os únicos contratos excepcionados da disciplina do Decreto-Lei 55/95 são, de acordo com o disposto na alínea d) do n.º 1 do artigo 23.º, os que visam a "aquisição de serviços financeiros relativos à emissão, compra, venda ou transferência de títulos ou outros produtos financeiros, bem como serviços prestados pelo Banco de Portugal".

Por sua vez, o n.º 1, alínea a), do artigo 96.º do mesmo diploma legal, na redacção dada pelo Decreto-Lei 128/98, de 13 de Maio, estipula que às aquisições de serviços incluídas no anexo VI de valor estimado, com exclusão do IVA, igual ou superior a 200 000 ECU se aplicarão cumulativamente os procedimentos gerais definidos no capítulo II do título III e os procedimentos especiais previstos no capítulo III do mesmo título.

Ora, entre as aquisições de serviços que constam do dito anexo VI figuram os serviços financeiros bancários, excepto os previstos na alínea d) do n.º 1 do artigo 23.º, acima mencionados.

Então, atento o valor do contrato, ou seja, do financiamento a obter, que excede largamente os 200 000 ECU, por força do artigo 98.º o procedimento exigível era o concurso público internacional, que não foi realizado, pelo que foram, assim, postos em causa os princípios antes referenciados.

Refira-se, de passagem, que este regime é o que resulta da Directiva n.º 92/50/CEE, do Conselho, de 18 de Junho de 1992, em especial da conjugação do artigo 1.º, alínea a), iii), parte final, e vii), com o artigo 8.º e anexo I-A, categoria 6 b), e que foi, de novo, consagrado no Decreto-Lei 197/99, de 8 de Junho (novo regime jurídico da realização das despesas públicas e da contratação pública relativa a locação e aquisição de bens imóveis e serviços), em especial nos artigos 77.º, n.º 1, alínea d), e 191.º, n.º 1, alínea a).

Vem o recorrente dizer (ponto 18 das alegações) que com a oferta pública levada a cabo pela Direcção-Geral do Património foram respeitados os princípios da igualdade, imparcialidade e transparência.

Tal afirmação não é de todo verdadeira. Desde logo porque, ao contrário do que afirma, tal oferta não se realizou "de acordo com os diplomas supracitados", a saber, a Resolução do Conselho de Ministros n.º 20/83 já antes citada, pois, como também já se deixou dito, a oferta pública aqui prevista foi dispensada pela resolução 200-F/98 (2.ª série), aliás com inteira justificação.

Depois porque, ao não ter realizado um concurso público de âmbito internacional, restringiu o universo potencial de candidatos.

Por fim, porque na escolha concreta da sociedade de locação financeira que haveria de financiar a operação não se respeitou a pré-qualificação feita, já que foi solicitada proposta à BESLEASING que não se havia candidatado na primeira fase.

Por último, diga-se que o interesse público subjacente ao contrato de locação financeira em apreço, invocado pelo recorrente (ponto 14 das alegações), teria sido melhor salvaguardado e prosseguido se tivesse sido adoptado o procedimento legalmente exigido e a que antes se fez referência.

Assim, face ao exposto, é de concluir que bem andou o acórdão recorrido ao recusar o visto ao contrato em apreço, não merecendo, por isso qualquer censura.

5 - Pelos fundamentos expostos acorda-se, em plenário da 1.ª Secção, em:

a) Negar provimento ao recurso e, consequentemente, manter, na íntegra, o acórdão recorrido;

b) Mandar publicar o presente acórdão no Diário da República, 2.ª série, ao abrigo da alínea f) do n.º 2 do artigo 9.º da Lei 98/97, de 26 de Agosto.

São devidos emolumentos.

Diligências necessárias.

(nota 1) Cf. Diogo Leite de Campos, A Locação Financeira, Lex, Lisboa, 1994, pp. 46 e segs.

(nota 2) Cf. Diogo Leite de Campos, ob. e loc. citados; Pedro Romano Martinez, Contratos em Especial, Universidade Católica Editora, 1996, pp. 309 e segs.; Sebastião Nóbrega Pizarro e Margarida Mendes Calixto, Contratos Financeiros, Almedina, Coimbra 1991, pp. 14 e segs.

Lisboa, 21 de Dezembro de 1999. - Pinto Almeida (relator) - Menéres Barbosa - Ribeiro Gonçalves.

Fui presente. - Nuno Lobo.

Anexos

  • Extracto do Diário da República original: https://dre.tretas.org/dre/1744621.dre.pdf .

Ligações deste documento

Este documento liga aos seguintes documentos (apenas ligações para documentos da Serie I do DR):

  • Tem documento Em vigor 1979-02-22 - Decreto-Lei 27/79 - Ministério das Finanças e do Plano - Secretaria de Estado das Finanças

    Estabelece normas relativas à aquisição, pelo Estado, do direito de propriedade ou de outros direitos reais de gozo sobre imóveis.

  • Tem documento Em vigor 1979-06-06 - Decreto-Lei 171/79 - Ministério das Finanças e do Plano - Secretaria de Estado do Tesouro

    Regulamenta a locação financeira.

  • Tem documento Em vigor 1980-04-15 - Decreto-Lei 74/80 - Ministério das Finanças e do Plano - Secretaria de Estado das Finanças

    Estabelece normas relativas à aquisição de imóveis a efectuar pelas empresas públicas e demais pessoas colectivas de direito público.

  • Tem documento Em vigor 1992-12-31 - Decreto-Lei 298/92 - Ministério das Finanças

    Aprova o regime geral das instituições de crédito e sociedades financeiras.

  • Tem documento Em vigor 1995-03-29 - Decreto-Lei 55/95 - Ministério das Finanças

    Estabelece o regime da realização de despesas públicas com locação, empreitadas de obras públicas, prestação de serviços e aquisição de bens, bem como o da contratação pública relativa a prestação de serviços, locação e aquisição de bens móveis. Este regime aplica-se ao estado, aos organismos dotados de autonomia administrativa e financeira, que não revistam natureza, forma e designação de empresa pública, designados por serviços e fundos autónomos, as regiões autónomas, as autarquias locais e as associaçõe (...)

  • Tem documento Em vigor 1995-04-15 - Decreto-Lei 72/95 - Ministério das Finanças

    REGULAMENTA AS SOCIEDADES DE LOCAÇÃO FINANCEIRA, QUE SE REGEM PELO DISPOSTO NESTE DIPLOMA E PELAS DISPOSIÇÕES APLICÁVEIS DO REGIME GERAL DAS INSTITUIÇÕES DE CRÉDITO E SOCIEDADES FINANCEIRAS, APROVADO PELO DECRETO LEI 298/92, DE 31 DE DEZEMBRO.

  • Tem documento Em vigor 1995-06-24 - Decreto-Lei 149/95 - Ministério das Finanças

    Aprova o novo regime jurídico do contrato de locação financeira.

  • Tem documento Em vigor 1997-08-26 - Lei 98/97 - Assembleia da República

    Aprova a lei de organização e processo do Tribunal de Contas, que fiscaliza a legalidade e regularidade das receitas e das despesas pública, aprecia a boa gestão financeira e efectiva responsabilidade por infracções financeiras exercendo jurisdição sobre o Estado e seus serviços, as Regiões Autónomas e seus serviços, as Autarquias Locais, suas associações ou federações e seus serviços, bem como as áreas metropolitanas, os institutos públicos e as instituições de segurança social. Estabelece normas sobre o f (...)

  • Tem documento Em vigor 1998-05-13 - Decreto-Lei 128/98 - Ministério das Finanças

    Altera a redacção de alguns preceitos do Decreto-Lei 55/95, de 29 de Março, que estabelece o regime jurídico da realização de despesas públicas com a locação, empreitadas de obras públicas, prestação de serviços e aquisição de bens e da contratação pública relativa à prestação de serviços, locação e aquisição de bens móveis.

  • Tem documento Em vigor 1998-08-06 - Lei 42/98 - Assembleia da República

    Lei das finanças locais. Estabelece o regime financeiro dos municípios e das freguesias, organismos com património e finanças próprio, cuja gestão compete aos respectivos orgãos.

  • Tem documento Em vigor 1999-06-08 - Decreto-Lei 197/99 - Ministério das Finanças

    Transpõe para a ordem jurídica interna as Directivas nºs 92/50/CEE (EUR-Lex), do Conselho, de 18 de Junho, 93/36/CEE (EUR-Lex), do Conselho, de 14 de Junho, e 97/52/CE (EUR-Lex), do Parlamento Europeu e do Conselho, de 13 de Outubro, e estabelece o regime de realização de despesas públicas com locação e aquisição de bens e serviços, bem como da contratação pública relativa à locação e aquisição de bens móveis e serviços.

Aviso

NOTA IMPORTANTE - a consulta deste documento não substitui a leitura do Diário da República correspondente. Não nos responsabilizamos por quaisquer incorrecções produzidas na transcrição do original para este formato.

O URL desta página é:

Outros Sites

Visite os nossos laboratórios, onde desenvolvemos pequenas aplicações que podem ser úteis:


Simulador de Parlamento


Desvalorização da Moeda