de 6 de Junho
A publicação de legislação relativa às sociedades de locação financeira veio tornar premente a regulamentação desse novo tipo contratual.O contrato de locação financeira tem conhecido um vivo sucesso nos diversos países europeus, pelas possibilidades de financiamento rápido que faculta, em função das garantias que oferece aos seus intervenientes. Surge, assim, como instrumento útil no relançamento da economia nacional.
No regime que ora se estabelece, houve o propósito de regulamentar a locação financeira, evitando a sua utilização para fins estranhos aos que devem presidir à sua celebração. Deste modo, a locação financeira deverá ter o seu âmbito circunscrito ao apoio às actividades produtivas e às profissões liberais, pelo que terá como objecto exclusivo bens de equipamento (no caso de locação financeira mobiliária) ou imóveis afectados ou a afectar à exploração industrial, comercial ou agrícola ou, ainda, a certos sectores de serviços de reconhecido interesse económico e social (no caso de locação financeira imobiliária).
Assim:
O Governo decreta, nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 201.º da Constituição, o seguinte:
CONTRATO DE LOCAÇÃO FINANCEIRA
CAPÍTULO I
Princípios gerais
ARTIGO 1.º
(Noção)
Locação financeira é o contrato pelo qual uma das partes se obriga, contra retribuição, a conceder à outra o gozo temporário de uma coisa, adquirida ou construída por indicação desta e que a mesma pode comprar, total ou parcialmente, num prazo convencionado, mediante o pagamento de um preço determinado ou determinável, nos termos do próprio contrato.
ARTIGO 2.º
(Locação financeira de coisas móveis)
A locação financeira de coisas móveis respeita sempre a bens de equipamento.
ARTIGO 3.º
(Locação financeira de coisas imóveis)
1 - A locação financeira de coisas imóveis tem por exclusivo objecto bens imóveis afectados ou a afectar ao investimento produtivo na indústria, na agricultura, no comércio ou em outros sectores de serviços de manifesto interesse económico ou social.
2 - Quando o locador construa, em regime de direito de superfície, sobre terreno do locatário, este direito presume-se perpétuo, sem prejuízo da faculdade de aquisição, pelo proprietário do solo, nos termos gerais.
ARTIGO 4.º
(Limites à autonomia das partes)
1 - O Banco de Portugal pode, por aviso, estabelecer normas sobre a determinação dos montantes das rendas e dos valores residuais atribuídos aos bens locados, bem como definir as condições e critérios da sua eventual revisão, a periodicidade convencionada para o pagamento das rendas e os prazos por que serão efectuados os contratos.2 - Sem prejuízo do disposto no número anterior, os modelos de contratos-tipo de locação financeira mobiliária ou imobiliária são submetidos a aprovação prévia do Banco de Portugal.
(Boa fé)
Na celebração do contrato, assim como na sua interpretação e aplicação, devem as partes respeitar os ditames da boa fé.
CAPÍTULO II
Celebração e vigência do contrato
ARTIGO 6.º
(Sociedades de locação financeira)
1 - Apenas as sociedades de locação financeira regularmente constituídas ao abrigo da legislação aplicável podem dar de locação financeira quaisquer coisas.2 - Em casos excepcionais, devidamente justificados, pode o Ministro das Finanças e do Plano, ouvido o Banco de Portugal, autorizar que o locador seja uma sociedade estrangeira.
ARTIGO 7.º
(Proposta)
Os interessados na celebração de contratos de locação financeira devem dirigir-se às sociedades referidas no artigo anterior, apresentando uma proposta com a indicação do vendedor, da coisa a adquirir, devidamente caracterizada, dos prazos de entrega e demais cláusulas do contrato.
ARTIGO 8.º
(Forma)
1 - As locações financeiras de coisas móveis e imóveis devem, respectivamente, ser celebradas por documento particular e por escritura pública.2 - Estando as coisas móveis locadas sujeitas a registo, deve seguir-se autenticação notarial; caso contrário, é suficiente o reconhecimento, por semelhança, da assinatura dos outorgantes.
ARTIGO 9.º
(Publicidade)
1 - A locação financeira de coisas imóveis ou móveis registáveis fica sujeita a inscrição na competente conservatória do registo.2 - Nas coisas móveis deve ser colocada placa ou aviso visível, indicativo do direito de propriedade da sociedade de locação financeira.
ARTIGO 10.º
(Renda e preço de aquisição)
1 - A renda a propor deve permitir, dentro do período de vigência do contrato, a amortização do bem locado e cobrir os encargos e a margem de lucro da sociedade de locação financeira.2 - Se, por força de incumprimento de prazos ou de quaisquer outras cláusulas contratuais por parte do fornecedor ou construtor dos bens locados ou ainda de funcionamento defeituoso ou de rendimento inferior ao previsto dos equipamentos locados, se verificar, nos termos da lei civil, uma redução do preço das coisas fornecidas ou construídas, deve a renda a pagar pelo locatário ser proporcionalmente reduzida.
3 - O preço de aquisição pelo locatário deve corresponder ao presumível valor residual do bem locado no fim do prazo do contrato.
ARTIGO 11.º
(Duração)
1 - As locações financeiras de coisas móveis e imóveis não podem ser celebradas por prazos inferiores a dois e dez anos, respectivamente.2 - O prazo de locação financeira de coisas móveis deve corresponder aproximadamente ao período presumível de utilização económica da coisa.
3 - Em qualquer caso, o contrato de locação financeira não pode ter duração superior a trinta anos, considerando-se reduzida a este limite quando se estipule prazo superior.
ARTIGO 12.º
(Prazo supletivo)
Não havendo qualquer estipulação quanto à duração do contrato, aplicam-se supletivamente os prazos constantes do artigo 11.º, n.º 1, do presente diploma.
ARTIGO 13.º
(Vigência)
1 - O contrato de locação financeira produz efeitos a partir da data da sua celebração.2 - As partes podem, no entanto, condicionar o início da sua vigência à efectiva aquisição ou construção, quando disso seja caso, das coisas locadas, à sua tradição a favor do locatário ou a quaisquer outros factos.
ARTIGO 14.º
(Transmissão do direito do locador)
O contrato de locação financeira subsiste, para todos os efeitos, nas transmissões do direito do locador, ocupando a sociedade de locação financeira adquirente a mesma posição da sua antecessora.
ARTIGO 15.º
(Transmissão do direito do locatário)
1 - O direito do locatário financeiro pode ser transmitido, entre vivos, nas condições previstas pelo artigo 1118.º do Código Civil, e por morte, a título de sucessão legal ou testamentária, quando o sucessor prossiga a actividade profissional do falecido.
2 - Em qualquer dos casos, pode o locador opor-se à transmissão desse direito, provando não oferecer o locatário garantias bastantes à execução do contrato.
ARTIGO 16.º
(Novo contrato)
Findo o prazo do contrato, quando o locatário não queira usar da faculdade de aquisição, podem as partes celebrar nova locação financeira.
CAPÍTULO III
Posição jurídica do locador
ARTIGO 17.º
(Princípio geral)
Em tudo o que não lhe seja coarctado pela existência do direito do locatário, pode o locador usar, em relação à coisa locada, de todas as faculdades inerentes ao seu direito, exigindo do locatário o cumprimento integral das respectivas obrigações.
ARTIGO 18.º
(Faculdades em relação à coisa)
Em relação à coisa locada, pode o locador, em especial:a) Defender a sua integridade, nos termos gerais de direito;
b) Examiná-la, sem prejuízo da actividade normal do locatário;
c) Fazer suas, sem compensação, as peças ou outros elementos acessórios, incorporados na coisa pelo locatário.
ARTIGO 19.º
(Deveres em relação ao locatário)
Em relação ao locatário, está o locador, em especial, adstrito a:a) Adquirir ou construir a coisa nos termos acordados;
b) Conceder o gozo da coisa ao locatário pelo prazo do contrato;
c) Vender a coisa ao locatário, caso este queira, findo o contrato.
ARTIGO 20.º
(Vícios da coisa locada)
O locador não responde pelos vícios da coisa locada ou pela sua inadequação face aos fins do contrato, salvo o disposto no artigo 1034.º do Código Civil.
CAPÍTULO IV
Posição jurídica do locatário
ARTIGO 21.º
(Princípio geral)
O locatário pode gozar a coisa locada no respeito pelos seus fins específicos e dentro dos limites impostos pela lei e pelo contrato.
ARTIGO 22.º
(Faculdades em relação à coisa)
Em relação à coisa locada, pode o locatário, em especial:a) Usá-la e fruí-la, respeitando os fins do contrato, na observância das normas aplicáveis e de acordo com as instruções ou recomendações do vendedor;
b) Defender a sua integridade e o seu gozo, nos termos do seu direito;
c) Usar, quando disso seja caso, das acções possessórias, mesmo contra o locador;
d) Transmitir ou onerar, com autorização expressa do locador, total ou parcialmente, o seu direito;
e) Adquirir a coisa locada, findo o contrato, pelo preço inicialmente estipulado.
ARTIGO 23.º
(Relações entre o vendedor e o locatário)
O locatário pode exercer contra o vendedor ou o empreiteiro, quando disso seja caso, todos os direitos relativos à coisa locada.
ARTIGO 24.º
(Deveres específicos do locatário)
O locatário está, em especial, adstrito a:a) Pagar a renda acordada;
b) Não mover as coisas locadas para sítio diferente do contratualmente previsto, salvo autorização do locador;
c) Suportar, desde o início da vigência do contrato, todas as despesas de transporte e respectivo seguro, montagem, instalação e reparação da coisa locada;
d) Avisar imediatamente o locador sempre que tenha conhecimento de vícios da coisa ou saiba que a ameaça algum perigo ou que terceiros se arrogam direitos sobre ela, quando o locador o ignore;
e) Efectuar o seguro da coisa locada por forma a abranger a sua perda ou deterioração e a responsabilidade civil emergente de danos por ela provocados;
f) Restituir a coisa locada em bom estado, salvas as deteriorações inerentes a uma utilização normal, findo o contrato, quando não opte pela sua aquisição, suportando todas as despesas necessárias para a devolução ao locador, incluindo as do seguro, se indispensável.
ARTIGO 25.º
(Risco)
Na vigência do contrato, o risco de perecimento ou deterioração da coisa corre por conta do locatário.
CAPÍTULO V
Resolução do contrato e garantias
ARTIGO 26.º
(Princípio geral)
O contrato de locação financeira pode ser resolvido por qualquer das partes, nos termos gerais, com fundamento no incumprimento das obrigações que assistam à outra parte, não sendo aplicáveis as normas especiais, constantes da lei civil, relativas à locação.
ARTIGO 27.º
(Fundamentos específicos)
O contrato de locação pode, ainda, ser resolvido pelo locador nos casos seguintes:
a) Dissolução ou liquidação da sociedade locatária;
b) Verificação de qualquer dos fundamentos de declaração de falência do locatário;
c) Cessação da actividade económica ou profissional por parte do locatário, salvo nos casos previstos no n.º 1 do artigo 15.º
ARTIGO 28.º
(Garantias)
Podem ser constituídas a favor das sociedades de locação financeira quaisquer garantias, pessoais ou reais, dos créditos de rendas e de outros encargos ou eventuais indemnizações devidas pelo locatário.
ARTIGO 29.º
(Antecipação de rendas)
A antecipação de rendas, a título de garantia, não pode ser superior a um semestre, devendo, nesse caso, ser acordada e efectivada no início da vigência do contrato.
CAPÍTULO VI
Disposições finais e transitórias
ARTIGO 30.º
(Operações anteriores ao contrato)
Quando, antes de celebrado um contrato de locação financeira, qualquer interessado tenha procedido à encomenda de equipamento, com vista a contrato futuro, entende-se que actua por sua conta e risco, não podendo a sociedade locadora ser, de algum modo, responsabilizada por prejuízos eventuais decorrentes da não conclusão do contrato, sem prejuízo do disposto no artigo 227.º do Código Civil.
ARTIGO 31.º
(Contas)
O locatário deve evidenciar com clareza, em contas de ordem à margem do balanço, o montante global dos encargos a satisfazer em exercícios futuros, relativos aos contratos de locação financeira, sobre coisas móveis ou imóveis, que haja celebrado.Visto e aprovado em Conselho de Ministros de 11 de Abril de 1979. - Carlos Alberto da Mota Pinto - Manuel Jacinto Nunes.
Promulgado em 28 de Maio de 1979.
Publique-se.O Presidente da República, ANTÓNIO RAMALHO EANES.