Acordam na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional,
1. Relatório
José Manuel Pereira Rodrigues reclamou para o Presidente do Tribunal da Relação de Évora, nos termos do artigo 405.º do Código de Processo Penal (CPP), contra o despacho do Juiz do Tribunal de Instrução Criminal de Évora, de 6 de Outubro de 2006, que não admitiu recurso por ele interposto de despacho do mesmo Juiz, de 8 de Setembro de 2006, que indeferiu impugnação da deliberação do Instituto de Solidariedade e Segurança Social de Lisboa, que lhe havia negado a concessão de apoio judiciário, por ele peticionada nas modalidades de dispensa de taxa de justiça e demais encargos com o processo e de nomeação e pagamento de honorários de patrono, tendo em vista a sua constituição como assistente em processo penal pendente no DIAP de Évora (proc. n.º 348/05.8TAEVR).
A reclamação foi deferida por despacho do Vice-Presidente do Tribunal da Relação de Évora, de 31 de Outubro de 2006, com a fundamentação seguinte:
"A questão que se coloca na presente reclamação consiste em saber se a tramitação da impugnação da decisão administrativa proferida sobre o pedido de apoio judiciário, formulado ao abrigo da Lei 34/2004, de 29 de Julho, admite recurso para o Tribunal da Relação.
O regime de acesso ao direito e aos tribunais consagrado na Lei 30-E/2000, de 20 de Dezembro, ao regular a tramitação da impugnação da decisão administrativa proferida sobre o pedido de apoio judiciário, dispunha no seu artigo 29.º, n.º 1, que «é competente para conhecer e decidir o recurso em última instância o tribunal da comarca em que está sediado o serviço de segurança social que apreciou o pedido de apoio judiciário, ou, caso o pedido tenha sido formulado na pendência da acção, o tribunal em que esta se encontre pendente».
Nos termos deste regime, não havia dúvida que a tramitação da impugnação judicial da decisão sobre o pedido de apoio judiciário era decidida, em última instância, pelo tribunal de comarca, não cabendo recurso da decisão deste tribunal para o Tribunal da Relação.
Entretanto, o regime consagrado na Lei 30-E/2000, de 20 de Dezembro, foi revogado pela Lei 34/2004, de 29 de Julho, que estabeleceu novo regime, transpondo para a ordem jurídica nacional a Directiva n.º 2003/8/CE, do Conselho, de 27 de Janeiro, relativa à melhoria do acesso à justiça nos litígios transfronteiriços através do estabelecimento de regras mínimas comuns relativas ao apoio judiciário no âmbito desses litígios.
Este diploma legal, no seu artigo 28.º, n.º 1, estatui que «é competente para conhecer e decidir a impugnação o tribunal da comarca em que está sediado o serviço de segurança social que apreciou o pedido de protecção jurídica ou, caso o pedido tenha sido formulado na pendência da acção, o tribunal em que esta se encontre pendente».
Por seu turno, o artigo 29.º, n.º 1, do mesmo diploma legal, sob a epígrafe «Alcance da decisão final», refere que «a decisão que defira o pedido de protecção jurídica especifica as modalidades e a concreta medida do apoio concedido».
Conjugando estas duas disposições legais temos, pelo menos, uma decisão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 24 de Maio de 2006, in www.dgsi.pt/jtrc, proferida em sede de reclamação, que concluiu:
«A tramitação desta impugnação, a processar nos termos dos artigos 27.º e 28.º da Lei 34/2004, contempla apenas a intervenção do tribunal da comarca, isto é, da decisão deste tribunal não cabe já novo recurso para o Tribunal da Relação.
A referência a 'decisão final', constante do artigo 29.º da Lei 34/2004, reforça a ideia de que o tribunal de comarca tem a última palavra em matéria de apoio judiciário, a menos que se suscite alguma inconstitucionalidade.»
Nós próprios, ao decidir a Reclamação n.º 1542/06-1, na linha desta decisão do Tribunal da Relação de Coimbra, concluímos que a tramitação da impugnação judicial da decisão sobre o apoio judiciário, descrita nos artigos 27.º e 28.º da Lei 34/2004, de 29 de Julho, admitia apenas recurso para o Tribunal de Comarca que decidia em última instância.
Entretanto, o Tribunal da Relação de Lisboa proferiu várias decisões, em sede de reclamação, nas quais, embora reconhecendo que a questão é duvidosa, abre a possibilidade de admissão de recurso para o Tribunal da Relação [cf. decisão das Reclamações n.º 2606/06-3, 2378/06-9, 3103/06-9 e 2137/06-9].
Esta posição escora-se nos seguintes argumentos:
- No artigo 28.º da Lei 34/2004, de 29 de Julho, não está expressamente prevista a irrecorribilidade da decisão proferida pelo tribunal de 1.ª instância sobre o pedido de apoio judiciário;
- Esta disposição legal apenas regula a atribuição da competência para conhecimento de recursos das decisões administrativas e regras de definição de competência entre tribunais duma mesma comarca, mas não se pretende estabelecer uma regra de irrecorribilidade;
- A Lei 30/2000, de 20 de Dezembro, no seu artigo 29.º, previa apenas uma instância de recurso, pelo que o respectivo desaparecimento expresso a tal limitação na Lei 34/2004 parece levar à conclusão da admissibilidade de recurso para o Tribunal da Relação.
Ponderando sobre estes argumentos, parece-nos que a questão não é linear, o que é, desde logo, motivo para que se admita a reclamação.
Na verdade, a eliminação do segmento que constava no artigo 29.º, n.º 1, da Lei 30-E/2000, de 20 de Dezembro, «em última instância», poderá significar que o legislador, na lei em vigor, terá optado por seguir a regra geral de recorribilidade em dois graus de recurso, aplicando-se as regras gerais constantes nos artigos 399.º e 400.º do Código de Processo Penal.
Pelo exposto, julga-se procedente a reclamação e revoga-se o despacho impugnado, ordenando-se a sua substituição por outro que admita o recurso."
Na sequência deste despacho, o recurso foi admitido no Tribunal de Instrução Criminal de Évora e remetido ao Tribunal da Relação de Évora, mas, aí, o representante do Ministério Público suscitou a questão prévia da inadmissibilidade do recurso, porquanto, "de acordo com a melhor interpretação do disposto nos artigos 26.º, 27.º e 28.º da Lei 34/2004, de 29 de Julho, só existe uma instância de recurso da decisão sobre o pedido de protecção jurídica".
Notificado deste parecer, nos termos e para os efeitos do artigo 417.º, n.º 2, do CPP, o recorrente apresentou resposta, na qual defende como mais correcta a interpretação dos artigos 26.º a 28.º da Lei 34/2004 no sentido da admissibilidade de recurso para a Relação, até porque, "na falta de norma expressa na lei em vigor aplica-se, sem sombra de maior dúvida, a regra geral dos artigos 399.º e 400.º da lei adjectiva penal", suscitando desde logo a questão da inconstitucionalidade, por violação dos artigos 20.º, n.os 1, 4 e 5, 32.º, n.os 1 e 7, 202.º, n.º 2, e 203.º da Constituição da República Portuguesa (CRP), de interpretação diversa daquelas normas, isto é, de interpretação que considerasse incabível recurso para a Relação das decisões dos tribunais de comarca que neguem provimento a impugnação judicial da decisão administrativa que indeferiu a concessão do benefício de apoio judiciário.
Por acórdão de 17 de Abril de 2007, o Tribunal da Relação de Évora rejeitou o recurso, por manifesta improcedência, nos termos do artigo 420.º, n.º 1, do CPP, com base na seguinte argumentação:
"No actual regime de apoio judiciário, decorrente da Lei 34/2004, de 29 de Julho, à semelhança, aliás, do que sucedia no âmbito da Lei 30-E/2000, de 20 de Dezembro, a decisão proferida sobre tal matéria pelo máximo dirigente dos Serviços da Segurança Social está sujeita a impugnação judicial - v. artigo 26.º, n.º 2, da Lei 34/2004, de 29 de Julho.
Invoca o recorrente que a referência a última instância feita no artigo 29.º, n.º 1, da Lei 30-E/2000 já não consta do correspondente preceito da Lei 34/2004, de 29 de Julho, ou seja, do artigo 28.º, n.º 1, desta Lei.
Por tal facto, o certo é que a tramitação actual da impugnação judicial da decisão proferida no procedimento administrativo que decidiu o apoio judiciário prevê tão-somente a intervenção do Tribunal de Comarca e, logo, de um só grau de jurisdição em matéria de recurso.
Se tivesse havido o propósito de ser fixado um duplo grau de jurisdição, com recurso para o Tribunal da Relação, isso não teria deixado de estar expressamente consagrado no texto da Lei 34/2004, de 29 de Julho.
Conforme salienta o Exmo. Presidente do Tribunal da Relação de Coimbra, na decisão da Reclamação n.º 61/2005, datada de 24 de Maio de 2006, «a referência a decisão final constante do artigo 29.º da Lei 34/2004, reforça a ideia de que o Tribunal de Comarca tem a última palavra em matéria de apoio judiciário, a menos que se suscite alguma inconstitucionalidade».
No mesmo sentido se pronunciou o Exmo. Presidente do Tribunal da Relação do Porto, na decisão da Reclamação n.º 0612090, datada de 2 de Abril de 2006, ao escrever taxativamente: «Não há, segundo a lei, recurso para o Tribunal da Relação, em matéria de apoio judiciário, conforme se infere de todo o regime actual, apenas se prevendo a 'impugnação' que é para o Tribunal de Comarca».
Atenta a natureza da matéria em causa, aliás, sempre seria incompreensível a fixação de um duplo grau de jurisdição, devendo manter-se, à luz do actual quadro legal (Lei 34/2004, de 29 de Julho), o entendimento existente, de uma forma inquestionável, ao abrigo da anterior Lei 30-E/2000, de 20 de Dezembro."
É contra este acórdão que pelo recorrente vem interposto o presente recurso, ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da lei de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional, aprovada pela Lei 28/82, de 15 de Novembro, e alterada, por último, pela Lei 13-A/98, de 26 de Fevereiro (LTC), pretendendo ver apreciada a inconstitucionalidade, por violação dos "princípios do acesso ao direito e aos tribunais e do direito ao recurso, imperativos dos n.os 1, 4 e 5 do artigo 20.º, n.os 1 e 7 do artigo 32.º, n.os 1 e 2 do artigo 202.º e artigo 203.º, in fine, todos da Constituição da República Portuguesa", da interpretação, feita no acórdão recorrido, "das normas contidas nos artigos 399.º do Código de Processo Penal e no n.º 1 do artigo 28.º da Lei 34/2004, de 29 de Julho, conjugada concomitantemente com o artigo 9.º do Código Civil (...) no sentido de que não é admissível recurso da decisão judicial tirada sobre impugnação da decisão administrativa que indefere o requerimento de protecção jurídica".
No Tribunal Constitucional, o recorrente apresentou alegações, no termo das quais formulou as seguintes conclusões:
"1.ª - A apreciação de petição do instituto de protecção jurídica não configura bagatela jurídica, antes se apresenta como questão essencial, por, a montante da questão principal trazida a juízo, poder cercear ou impedir o acesso ao direito e aos tribunais pelo cidadão economicamente carenciado.
2.ª - O recurso da decisão judicial tirada sobre a impugnação do acto administrativo que tenha indeferido a concessão desse instituto é, na realidade, o primeiro e único recurso jurisdicional.
3.ª - A sua admissibilidade não está vedada por lei, nem nas excepções previstas no artigo 400.º do Código de Processo Penal, nem no n.º 1 do artigo 28.º da Lei 34/2004, de 29 de Julho, não podendo existir qualquer razão para interpretar esta norma de modo diverso do que a sua letra expressa, por absoluta omissão.
4.ª - Sendo a regra geral, a do artigo 399.º da aludida lei adjectiva penal, a aplicável, pois que a irrecorribilidade tem de estar expressa taxativamente.
5.ª - Sem que sequer se possam esgrimir quaisquer outros motivos, designadamente de índole histórica ou de celeridade, que obstem a esta interpretação.
6.ª - Muito menos a expressão «Alcance da decisão final», plasmada no artigo 29.º da mesma Lei 34/2004, de 29 de Julho, pode ser entendida noutro sentido que não como sendo a definitiva, a que já não tem recurso judicial, a transitada em julgado.
7.ª - É, pois, recorrível, por nada estar expresso nessas normas legais em sentido contrário, devendo estar se o não fosse, segundo a regra do citado artigo 399.º do Código de Processo Penal.
8.ª - A interpretação legislativa das normas arguidas plasmada pelo Tribunal a quo viola o direito do cidadão carenciado a aceder de forma célere e equitativa ao direito e aos tribunais, sindicando as decisões judiciais que se lhe afigurem de erradas e ou ilegais, competindo aos tribunais, em primeira linha, tutelar tais direitos, assegurando o seu exercício, em submissão à lei e à Constituição, seja qual for a posição desse cidadão na acção a dirimir.
9.ª - Devendo, em conformidade, ser declarada a inconstitucionalidade das normas dos artigos 28.º, n.º 1, da Lei 34/2004, de 29 de Julho, e dos artigos 399.º e 400.º do Código de Processo Penal, na interpretação dada, contrária ao sentido emergente da norma do n.º 2 do artigo 9.º do Código Civil, de que a decisão judicial tirada da impugnação do acto administrativo é irrecorrível, por violar capitalmente os imperativos dos artigos 20.º, n.os 1, 4 e 5, 32.º, n.os 1 e 7, 202.º, n.os 1 e 2, e 203.º da Constituição da República Portuguesa."
O representante do Ministério Público neste Tribunal contra-alegou, concluindo:
"1.º - A norma constante do artigo 28.º, n.º 1, da Lei 34/2004, interpretada em termos de consagrar a irrecorribilidade da decisão, proferida pelo tribunal de 1.ª instância, que haja julgado improcedente a impugnação deduzida pelo interessado em obter o apoio judiciário, não viola qualquer preceito ou princípio constitucional.
2.º - Termos em que deverá improceder o presente recurso."
Tudo visto, cumpre apreciar e decidir.
2. Fundamentação
2.1. Na evolução recente do sistema de protecção aos cidadãos que, por insuficiência de meios económicos, não estão em condições de custear as despesas normais de um pleito judicial (incluindo os honorários dos profissionais forenses devidos por efeito da prestação dos seus serviços) a que pretendem aceder para fazer valer ou defender os seus direitos ou interesses legalmente tutelados, a alteração mais relevante consistiu na "administrativização" desse sistema, operada pela Lei 30-E/2000, de 20 de Dezembro.
Com efeito, no regime anterior a esse diploma, a decisão de concessão da "assistência judiciária" ou de "apoio judiciário", designadamente nas modalidades de dispensa, total ou parcial, de preparos e do prévio pagamento de custas, ou o seu diferimento, e de patrocínio oficioso, competia, em regra, "ao juiz da causa para a qual é solicitada, constituindo um incidente do respectivo processo e admitindo oposição da parte contrária" (n.º 1 da Base VII da Lei 7/70, de 9 de Junho, e artigo 21.º do Decreto-Lei 387-B/87, de 29 de Dezembro).
Estes dois diplomas inseriam disposições específicas quanto à recorribilidade das decisões judiciais sobre pedidos de assistência ou apoio judiciários. O n.º 4 da citada Base VII dispunha que "Da decisão que concede a assistência não há recurso; da que a nega cabe agravo, em um só grau, com efeito suspensivo", isto é: estabelecia-se a regra da irrecorribilidade das decisões positivas e da recorribilidade, num único grau, independentemente do valor da causa ou do incidente, das decisões negativas de assistência. Diversamente, o artigo 39.º do Decreto-Lei 387-B/87, na sua redacção originária, dispunha: "Das decisões proferidas sobre apoio judiciário cabe sempre agravo, independentemente do valor, com efeito suspensivo, quando o recurso for interposto pelo requerente, e com efeito meramente devolutivo nos demais casos", isto é: consagrou-se a regra da recorribilidade de todas as decisões judiciais sobre concessão de apoio judiciário, passando o sentido dessas decisões a relevar, já não para a admissibilidade ou inadmissibilidade do recurso, mas apenas para a determinação do respectivo efeito - suspensivo nos recursos das decisões que negassem a concessão, meramente devolutivo nos recursos das decisões que concedessem o apoio requerido.
Relativamente a pedidos deduzidos em processos pendentes em tribunais superiores, o Regulamento da Assistência Judiciária nos Tribunais Ordinários, aprovado pelo Decreto 562/70, de 18 de Novembro, dispunha, no seu artigo 25.º, que as atribuições cometidas ao juiz da causa seriam desempenhadas pelo relator no tribunal superior (n.º 1) e que "das decisões finais do relator cabe apenas reclamação para a conferência" (n.º 2). Já o Decreto-Lei 387-B/87 se limitava a prever, no artigo 41.º, que "as competências neste diploma cometidas ao juiz da causa são, nos tribunais superiores, desempenhadas pelo relator", nada dizendo sobre os modos de impugnação das respectivas decisões, tendo sido defendido na doutrina que "da decisão do relator sobre o apoio judiciário em tribunal superior (...) cabe reclamação para a conferência", que "a decisão da conferência sobre a reclamação da do relator, no tribunal da Relação, sobre o apoio judiciário é recorrível, sob agravo, para o Supremo Tribunal de Justiça", mas que "a decisão do relator no Supremo Tribunal de Justiça sobre o apoio judiciário apenas é reclamável para a conferência" (Salvador da Costa, Apoio Judiciário, ed. Rei dos Livros, Lisboa, 1990, pp. 99-100). Este último diploma, confrontado com a criação do ilícito de mera ordenação social, instituído pelo Decreto-Lei 433/82, de 27 de Outubro, veio estender "o regime de apoio judiciário (...), com as devidas adaptações, aos processos das contra-ordenações" (artigo 16.º, n.º 2), tendo o seu diploma regulamentar - o Decreto-Lei 391/88, de 26 de Outubro - explicitado, no seu artigo 2.º, que "nos processos de contra-ordenação a entidade competente para decidir o pedido de apoio judiciário é a que superintende no processo no momento em que aquele é apresentado" (n.º 1) e que "da decisão proferida por entidade administrativa que indeferir, total ou parcialmente, o apoio judiciário cabe recurso para o tribunal de comarca, nos termos previstos no artigo 39.º do Decreto-Lei 387-B/87" (n.º 2). Anotando esta última disposição, referia Salvador da Costa (obra citada, p. 139) que, sendo "o relevo do apoio judiciário no processo de contra-ordenação (...), pela natureza do respectivo objecto, insignificante", se justificava a limitação, em sede de recurso, constante do preceito em causa, que não permitia recurso da decisão da autoridade administrativa que concedesse o apoio judiciário ou nomeasse defensor ao arguido em processo de contra-ordenação, pelo que só da decisão que o denegasse total ou parcialmente ou que recusasse a nomeação de defensor oficioso é que cabia "recurso, em apenas um grau, para o tribunal competente, com subida diferida e efeito suspensivo da consequência jurídica da decisão (artigos 39.º do Decreto-Lei 387-B/87 e 55.º, n.º 3, do Decreto-Lei 433/82)".
Foi na vigência da redacção originária do artigo 39.º do Decreto-Lei 387-B/87 que o Tribunal Constitucional foi chamado a pronunciar-se, pela primeira vez, sobre questões de constitucionalidade reportadas ao regime de recursos jurisdicionais das decisões sobre concessão de apoio judiciário, embora o que então se discutiu fosse, não a forçosa existência de um grau de recurso (que resultava claramente da letra da lei), mas antes a existência de um duplo grau de recurso (questão que foi potenciada pela circunstância de o referido artigo 39.º ter omitido a clara restrição a "um só grau" do recurso contra a decisão que negasse a assistência, constante do n.º 4 da Base VII da Lei 7/70).
Assim, o Acórdão 489/95 pronunciou-se sobre a questão de constitucionalidade da interpretação do artigo 39.º do Decreto-Lei 387-B/87 segundo a qual, apesar de em processo civil a decisão da 1.ª instância que negasse a concessão de apoio judiciário beneficiar de um duplo grau de recurso, o mesmo não suceder relativamente a idêntica decisão proferida no âmbito de processo penal, onde estava apenas assegurado um grau de recurso. A tese de inconstitucionalidade sustentada pelo recorrente foi rejeitada pelo Tribunal Constitucional, com a seguinte fundamentação:
"Como se viu, o despacho impugnado interpretou o preceito em causa [o artigo 39.º do Decreto-Lei 387-B/87] de jeito a que a forma de recurso por ele consagrada - o agravo - haveria de se pautar de harmonia com as regras normais e com os princípios fundamentais regentes dos recursos gizados para a natureza do processo em que se tenha de decidir o incidente de apoio judiciário. Assim, segundo o despacho em questão, se a decisão nesse incidente foi proferida num processo de natureza criminal, haverá que interpretar a norma constante do artigo 39.º do Decreto-Lei 387-B/87 de molde a que não se admita a possibilidade de existência de dois graus de jurisdição como forma de impugnação dessa decisão, e isso, justamente, pela circunstância de, de acordo com o regime de recursos ordinários vigente para o processo criminal, as decisões judiciais proferidas em 1.ª instância, em regra, comportam unicamente um grau de recurso - ou para o Supremo Tribunal de Justiça [nos casos previstos no artigo 432.º do Código de Processo Penal aprovado pelo Decreto-Lei 78/87, de 17 de Fevereiro (...)], ou para a Relação [nos casos a que se refere o artigo 427.º (...)].
Na senda do raciocínio que subjaz a tal despacho, ser-se-á conduzido a entender que, postando-nos perante decisões proferidas em 1.ª instância e prolatadas em processos de natureza cível - onde, em regra, existe a possibilidade de haver três graus de jurisdição, assim o valor da causa tal comporte ou, excepcionalmente, caso se deparem as hipóteses, legalmente previstas, em que é sempre de admitir recurso independentemente do valor da causa (cf. artigo 678.º do Código de Processo Civil) - é admissível a respectiva impugnação através de agravo para a Relação e, do aqui decidido, agravo para o Supremo Tribunal de Justiça, e isto pela razão segundo a qual, por força da disposição em apreço, não relevam o valor da causa e da sucumbência como condicionantes do recurso.
O entendimento perfilhado no despacho sub judicio é, pelo ora recorrente, perspectivado como feridente dos artigos 13.º, n.º 1, 18.º e 20.º da Constituição, pois que a interpretação adoptada cerceia «um dos mais sagrados e indisponíveis direitos dos cidadãos, que é o de conhecer, fazer valer ou defender os seus direitos» e «[r]estringe os direitos, liberdades e garantias do cidadão».
2 - Tem este Tribunal dito e redito, apoiando-se na doutrina e na sua já vasta jurisprudência a propósito tirada, que o direito de acesso aos tribunais postulado pelo artigo 20.º, n.º 1, da lei Fundamental não garante, necessariamente, em todos os casos e por si só, o direito a um duplo ou a um triplo grau de jurisdição, sendo que a garantia de um duplo grau de jurisdição referentemente a réus condenados em processo criminal não é imposta por aquele normativo constitucional, antes decorrendo do que se preceitua no n.º 1 do artigo 32.º da Constituição.
E, igualmente, tem defendido que o Diploma Básico não consagra um direito geral de recurso das decisões judiciais (afora aquelas de natureza criminal e condenatória, recurso esse, porém, que deflui da necessidade de previsão de um segundo grau de jurisdição, necessidade essa, repete-se, imposta pelo n.º 1 do artigo 32.º), mormente para o Supremo Tribunal de Justiça. Acrescenta, todavia, com suporte na própria doutrina, que, uma vez que a Constituição prevê «a existência de tribunais de recurso na ordem dos tribunais judiciais» e que lei infraconstitucional, designadamente os diplomas adjectivos fundamentais e os que regem a organização judiciária, também prevêem esses órgãos de administração de justiça funcionando como tribunais vocacionados para decidir em sede de impugnação das decisões emanadas de tribunais de hierarquia inferior, então não será lícito ao legislador ordinário «suprimir em bloco os tribunais de recurso e os próprios recursos» ou «ir até ao ponto de limitar de tal modo o direito de recorrer, que, na prática, se tivesse de concluir que os recursos tinham sido suprimidos» (as expressões em itálico são extraídas da obra Recursos em Processo Civil, de Armindo Ribeiro Mendes, Lisboa, 1992, pp. 100, 101 e 102; cf., como exemplo da jurisprudência do Tribunal, e com mais recente publicação, quanto ao tema em análise, o Acórdão 447/93, no Diário da República, 2.ª série, de 23 de Abril de 1994).
A norma em questão, seguramente, não vem prescrever aquela supressão em bloco ou uma solução de onde decorra que, na prática, ficaram, com o sistema por ela estabelecido, suprimidos os recursos no que tange às decisões proferidas em incidentes de apoio judiciário. Daí que, havendo-se de reconhecer ao legislador uma liberdade de conformação quanto ao estabelecimento de requisitos condicionadores dos recursos ou para «alterar pontualmente as regras sobre a recorribilidade das decisões», ampliando ou restringindo, designadamente, os recursos civis, «e a existência de recursos», respeitados que sejam os limites acima focados, ter-se-á de concluir que a interpretação conferida à norma do artigo 39.º do Decreto-Lei 387-B/87 pelo despacho em crise não viola o disposto no artigo 20.º da Constituição.
A estas considerações há igualmente que aditar que, conforme não deixa de ser focado no despacho recorrido e na alegação do Exmo. Procurador-Geral Adjunto, seria verdadeiramente incoerente que se consagrasse no sistema processual penal, como forma de reapreciação das decisões judiciais, maxime as condenatórias, um só grau de jurisdição, enquanto que para uma questão incidental referente a apoio judiciário suscitada em processo criminal se abria a possibilidade de recurso em dois graus, quando é certo que os interesses em jogo no processo criminal, de todo em todo, não podem ser perspectivados como de menor relevância confrontadamente com os conexionados com as questões de apoio judiciário.
3 - Num outro enfoque, não divisa o Tribunal que tal norma, interpretada do modo como o foi, postergue o princípio da igualdade que deflui do artigo 13.º do Diploma Fundamental.
É bem sabido que aquele princípio não aponta no sentido de que igualdade corresponda a igualitarismo, antes correspondendo a uma igualdade proporcional, ou seja, exige que se tratem por igual situações substancialmente iguais, e que situações substancialmente dissemelhantes sofram diverso tratamento, embora proporcionadamente diferente.
Poder-se-ia argumentar que a interpretação dada à norma sub specie pelo despacho em recurso levaria a que houvesse, quanto às formas de impugnação de decisões judiciais proferidas nos incidentes de apoio judiciário, uma diferenciação de tratamento, conforme a sua prolação ocorresse em processos de natureza cível ou de natureza penal, por isso que seria permitida, nos primeiros e em regra, a existência de três graus de jurisdição, enquanto que nos segundos só seriam permitidos dois.
A um tal argumento responder-se-á que, ao fim e ao resto, a detectada diferenciação resulta, em direitas contas, não da norma em apreciação em si (e na interpretação a ela conferida), pois que essa diferenciação não é uma peculiaridade da mesma, mas sim das características gerais dos recursos consagrados para o processo civil e para o processo criminal (um comportando, em regra, três graus de jurisdição, e outro somente dois).
Ora, neste particular, há que ponderar, de um lado, que todas as «partes» intervenientes em processos de natureza criminal, requerentes da concessão de apoio judiciário, obviamente que, quanto à forma de impugnação das decisões tomadas em relação a tal incidente, são tratados de maneira igual e, por outro lado, que, tratando-se de diferentes realidades os processos daquela natureza e os de natureza cível - sendo que o processamento mais célere dos primeiros foi um dos desideratos do legislador ao estruturar o Código de Processo Penal de 1987 - o tratamento diferenciado quanto à não admissibilidade, em regra, de mais do que um grau de recurso é justificado e proporcionado se se tiver em conta o modo como o processo criminal se encontra estruturado a nível de censura das decisões tomadas na 1.ª instância e os motivos que conduziram a essa opção.
Não se divisa, em consequência, que a interpretação normativa que serviu de base à decisão constante do despacho recorrido enferme de qualquer contraditoriedade com a Constituição."
A não inconstitucionalidade da inexistência de um duplo grau de recurso da decisão judicial que indeferisse pedido de apoio judiciário foi reafirmada no Acórdão 1124/96, proferido em recurso interposto de acórdão do Supremo Tribunal de Justiça que não admitira recurso do acórdão do Tribunal da Relação, confirmativo do despacho de indeferimento do apoio judiciário, por inexistir um terceiro grau de jurisdição na matéria, entendimento este alicerçado em três argumentos, extraídos da comparação com o anterior regime, do símile da jurisdição voluntária e da inexigência constitucional: (i) "no domínio da Lei 7/70 (...) não havia recurso da decisão da 1.ª instância que concedia a então chamada assistência judiciária e da decisão que a negava cabia agravo, em um só grau, com efeito suspensivo (...), sendo certo que, nos tribunais superiores, competia ao relator decidir sobre o pedido, não havendo recurso mas tão-só reclamação para a conferência"; (ii) "revestia-se o incidente das características próprias de um processo de jurisdição voluntária, parecendo, assim, natural, dada a similitude, não serem as decisões nele proferidas passíveis de recurso em dois graus"; (iii) "finalmente, constituía pacífica e impressiva corrente jurisprudencial a que entendia o apoio judiciário não coadunável, na sua natureza específica, com a referência ao valor processual da acção em que é suscitado, determinante da alçada, e muito menos com a medida de uma mera sucumbência as mais das vezes difícil de quantificar, não existindo o propósito de tipificar um regime pelo qual se conseguiria discutir o apoio em dois graus de recurso, sem se conhecer do mérito da causa em nenhum".
No aludido Acórdão 1124/96, o Tribunal Constitucional não julgou inconstitucional a interpretação normativa acolhida no acórdão recorrido, ponderando:
"Não está agora em causa - é necessário salientar - o acerto de semelhante decisão numa perspectiva crítica que extravasaria obviamente a competência do Tribunal Constitucional, tão-só interessando apurar se essa interpretação se mostra constitucionalmente adequada - o que não sucederá se o duplo grau de recurso for garantido constitucionalmente em situações como a presente.
Nesta matéria, e como se observou no Acórdão 447/93, publicado no Diário da República, 2.ª série, de 23 de Abril de 1994, «o Tribunal Constitucional dispõe de uma jurisprudência firme, que remonta a 1985, e que fora antecedida já por uma orientação idêntica da Comissão Constitucional. Assim, no domínio do processo criminal, essa jurisprudência reconhece que, por força dos artigos 27.º, 28.º e 32.º, n.º 1, da Constituição, se acha constitucionalmente assegurado o duplo grau de recurso quanto às decisões condenatórias e às decisões respeitantes à situação do arguido face à privação ou restrição de liberdade ou a qualquer outros direitos fundamentais (v., por todos, os Acórdãos n.os 31/87, 178/88, 340/90 e 401/91, o primeiro publicado nos Acórdãos do Tribunal Constitucional, 9.º vol., pp. 463 e seguintes, e os outros no Diário da República, 2.ª série, n.º 277, de 30 de Novembro de 1988, n.º 65, de 19 de Março de 1991, e 1.ª série-A, n.º 6, de 8 de Janeiro de 1992, respectivamente). Mas tal garantia de duplo grau de recurso não abrange outras decisões proferidas em processo penal (o Tribunal tem sustentado em sucessivas decisões que não sofre de inconstitucionalidade o artigo 390.º, n.º 2, do Código de Processo Penal de 1929).
No domínio dos outros ramos de direito processual, o Tribunal Constitucional tem entendido que o duplo grau de recurso não se acha constitucionalmente garantido, reconhecendo-se ampla liberdade de conformação ao legislador para estabelecer requisitos de admissibilidade dos recursos, nomeadamente em função do valor da causa. Assim, no Acórdão 859/86 considerou-se que a Constituição não garantia em todos os casos o acesso ao Supremo Tribunal de Justiça (triplo grau de jurisdição), muito embora o princípio da igualdade vedasse qualquer discriminação no acesso ao Supremo Tribunal de Justiça em função da natureza sindical de uma associação, face ao regime aplicável às outras associações (in Acórdãos do Tribunal Constitucional, 8.º vol., pp. 605 e seguintes). E em numerosos arestos posteriores reconheceu-se que o n.º 1 do artigo 678.º do Código de Processo Civil não está afectado de inconstitucionalidade (v. os Acórdãos n.os 163/90 e 210/92, in Diário da República, 2.ª série, n.º 240, de 18 de Outubro de 1991, e n.º 211, de 12 de Setembro de 1992).»
De um modo geral, pode afirmar-se que, fora do domínio penal, o princípio da efectividade do direito ao recurso, a implicar duplo grau de recurso, não constitui garantia constitucional, tendo apenas, como se observou noutro Acórdão deste Tribunal - o n.º 310/94, publicado no Diário da República, 2.ª série, de 29 de Agosto de 1994 - «o alcance de uma proibição ao legislador de eliminar pura e simplesmente a faculdade de recorrer em todo e qualquer caso ou de a inviabilizar na prática».
Não se vê razão válida para alterar semelhante entendimento.
Por sua vez, de igual modo não se vislumbra em que medida uma norma como a ora questionada viola o princípio constitucional da igualdade. De resto, nas respectivas alegações, também a recorrente não o diz, limitando-se a considerar como lesante daquele princípio a interpretação da norma em referência que a limite a um único grau de recurso.
Ora, o princípio da igualdade não proíbe o legislador de estabelecer regimes diferenciados de recurso, o que impõe é que se dê tratamento igual ao que for necessariamente igual e se trate diferentemente o que diferente for. Só as diferenciações de tratamento carecidas de fundamento material bastante - logo, arbitrárias ou irrazoáveis - podem ser constitucionalmente censuráveis, por esta via: o princípio da igualdade identifica-se com uma proibição de medidas manifestamente desproporcionadas ou inadequadas à ordem constitucional de valores, por um lado, e, por outro, à situação fáctica que se pretende regulamentar ou ao problema que se deseja decidir, como se exprimiu este Tribunal, no Acórdão 523/95, publicado no Diário da República, 2.ª série, de 14 de Novembro de 1995, entre outros.
Não se surpreende, no caso concreto, violação a esse princípio."
Firmou-se, assim, jurisprudência no sentido da não inconstitucionalidade da interpretação que, apesar de a letra da primitiva redacção do artigo 39.º do Decreto-Lei 387-B/87 o não explicitar, entendia inexistir duplo grau de recurso das decisões denegatórias de apoio judiciário. Interpretação essa que veio a ser consagrada na nova redacção dada a esse artigo 39.º pela Lei 46/96, de 3 de Setembro, passando a dispor que "as decisões proferidas em qualquer tipo de processo ou jurisdição que concedam ou deneguem o apoio judiciário admitem recurso de agravo, em um só grau, independentemente do valor do incidente" (n.º 1), recurso este que, "quando interposto pelo requerente, tem efeito suspensivo da eficácia da decisão, subindo imediatamente e em separado, sendo o seu efeito meramente devolutivo nos demais casos" (n.º 2). Mas prevendo a lei, de forma explícita, a existência de recurso da decisão judicial sobre o pedido de assistência ou apoio judiciário (apenas da que negasse, na vigência da Lei 7/70; quer da que negasse, quer da que concedesse, na vigência do Decreto-Lei 387-B/87), compreende-se que o Tribunal Constitucional jamais tenha sido confrontado, então, com a questão da inconstitucionalidade da inexistência de um grau de recurso.
2.2. Como se referiu no início do ponto anterior, o descrito sistema foi profundamente alterado pela Lei 30-E/2000, que afastou a regra da competência do juiz da causa para decidir do pedido de apoio judiciário, para atribuir tal competência, com possibilidade de delegação, "ao dirigente máximo dos serviços de segurança social da área de residência do requerente" (artigo 21.º, n.º 1). Da decisão sobre o pedido de apoio judiciário não cabia reclamação, nem recurso hierárquico ou tutelar, mas tão-só impugnação judicial (artigo 27.º, n.º 3), para a qual tinham legitimidade, consoante o sentido da decisão, o requerente do apoio negado ou a parte contrária na acção judicial para que tivesse sido concedido o apoio judiciário (artigo 27.º, n.º 4), sendo "competente para conhecer e decidir o recurso em última instância o tribunal da comarca em que está sediado o serviço de segurança social que apreciou o pedido de apoio judiciário, ou, caso o pedido tenha sido formulado na pendência da acção, o tribunal em que esta se encontra pendente" (artigo 29.º, n.º 1). A expressa referência legal a que a decisão da impugnação judicial da decisão administrativa sobre pedido de apoio judiciário, quer pelo tribunal de comarca da sede do serviço de segurança social, quer pelo tribunal onde pendesse a acção para a qual o apoio era pedido, sempre o seria "em última instância", não permitia dúvidas sobre a inexistência de um duplo grau de recurso na matéria, não se tendo registado nenhum recurso para este Tribunal quanto à constitucionalidade dessa restrição.
As dúvidas interpretativas só começaram a surgir, a nível dor tribunais ordinários, por causa da não reprodução, no artigo 28.º, n.º 1, da Lei 34/2004, da expressão "última instância" constante do correspondente n.º 1 do artigo 29.º da Lei 30-E/2000. Não compete obviamente ao Tribunal Constitucional, no âmbito do presente recurso, pronunciar-se sobre qual a interpretação da lei ordinária que se deve considerar mais correcta [Refira-se que a Lei 47/2007, de 28 de Agosto, que procedeu à primeira alteração à Lei 34/2004 - alterações que se aplicam apenas aos pedidos de protecção jurídica apresentados após a sua entrada em vigor (artigo 6.º), marcada para 1 de Janeiro de 2008 (artigo 8.º) - , aditou um n.º 5 ao artigo 28.º estatuindo que "A decisão proferida nos termos do número anterior (decisão da impugnação judicial da decisão administrativa sobre o pedido de protecção jurídica) é irrecorrível"].
O que ao Tribunal Constitucional compete, neste âmbito, é apurar se a interpretação normativa acolhida na decisão ora recorrida, segundo a qual não cabe recurso para a Relação da decisão do tribunal de 1.ª instância que negou provimento à impugnação judicial da decisão administrativa que denegou a concessão de protecção jurídica - interpretação que constitui um dado da questão de constitucionalidade a apreciar - , viola, ou não, normas ou princípios constitucionais, designadamente os invocados pelo recorrente.
2.3. Tal como o recorrente consubstancia a questão de constitucionalidade que pretende ver apreciada - existência de um duplo grau de jurisdição em matéria de concessão de apoio judiciário - , ela prende-se fundamentalmente com o direito de acesso aos tribunais, consagrado no artigo 20.º, n.º 1, da CRP, surgindo como desajustada a invocação dos n.os 4 e 5 desse preceito (direito a decisão em prazo razoável mediante processo equitativo), dos n.os 1 e 7 do artigo 32.º (garantias de defesa em processo criminal, incluindo o recurso, e direito de o ofendido intervir no processo), dos n.os 1 e 2 do artigo 202.º (reserva da função judicial) ou do artigo 203.º (independência dos tribunais) da CRP.
Ora, relativamente ao direito de acesso aos tribunais, constitui reiterado entendimento deste Tribunal o de que do artigo 20.º, n.º 1, da CRP não decorre um direito geral a um duplo grau de jurisdição, como já se explicitou nos atrás parcialmente transcritos Acórdãos n.os 489/95 e 1124/96. Como se referiu no Acórdão 638/98 (na senda do já exposto, entre outros, nos Acórdãos n.os 210/92, 346/92, 403/94, 475/94, 95/95, 270/95, 336/95, 715/96, 328/97, 234/98 e 276/98, e explicitando orientação posteriormente reiterada em numerosos arestos, designadamente nos Acórdãos n.os 202/99, 373/99, 415/2001, 261/2002, 302/2005, 689/2005, 399/2007 e 500/2007):
"7. O artigo 20.º, n.º 1, da Constituição assegura a todos «o acesso ao direito e aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos, não podendo a justiça ser denegada por insuficiência de meios económicos».
Tal direito consiste no direito a ver solucionados os conflitos, segundo a lei aplicável, por um órgão que ofereça garantias de imparcialidade e independência, e face ao qual as partes se encontrem em condições de plena igualdade no que diz respeito à defesa dos respectivos pontos de vista (designadamente sem que a insuficiência de meios económicos possa prejudicar tal possibilidade). Ao fim e ao cabo, este direito é ele próprio uma garantia geral de todos os restantes direitos e interesses legalmente protegidos.
Mas terá de ser assegurado em mais de um grau de jurisdição, incluindo-se nele também a garantia de recurso? Ou bastará um grau de jurisdição?
A Constituição não contém preceito expresso que consagre o direito ao recurso para um outro tribunal, nem em processo administrativo, nem em processo civil; e, em processo penal, só após a última revisão constitucional (constante da lei Constitucional 1/97, de 20 de Setembro), passou a incluir, no artigo 32.º, a menção expressa ao recurso, incluído nas garantias de defesa, assim consagrando, aliás, a jurisprudência constitucional anterior a esta revisão, e segundo a qual a Constituição consagra o duplo grau de jurisdição em matéria penal, na medida (mas só na medida) em que o direito ao recurso integra esse núcleo essencial das garantias de defesa previstas naquele artigo 32.º
Para além disso, algumas vozes têm considerado como constitucionalmente incluído no princípio do Estado de direito democrático o direito ao recurso de decisões que afectem direitos, liberdades e garantias constitucionalmente garantidos, mesmo fora do âmbito penal (ver, a este respeito, as declarações de voto dos Conselheiros Vital Moreira e António Vitorino, respectivamente no Acórdão 65/88, Acórdãos do Tribunal Constitucional, vol. 11.º, p. 653, e no Acórdão 202/90, id., vol. 16.º, p. 505).
Em relação aos restantes casos, todavia, o legislador apenas não poderá suprimir ou inviabilizar globalmente a faculdade de recorrer.
Na verdade, este Tribunal tem entendido, e continua a entender, com A. Ribeiro Mendes (Direito Processual Civil, III - Recursos, AAFDL, Lisboa, 1982, p. 126), que, impondo a Constituição uma hierarquia dos tribunais judiciais (com o Supremo Tribunal de Justiça no topo, sem prejuízo da competência própria do Tribunal Constitucional - artigo 210.º), terá de admitir-se que «o legislador ordinário não poderá suprimir em bloco os tribunais de recurso e os próprios recursos» (cf., a este propósito, Acórdãos n.º 31/87, Acórdãos do Tribunal Constitucional, vol. 9.º, p. 463, e n.º 340/90, id., vol. 17.º, p. 349).
Como a lei Fundamental prevê expressamente os tribunais de recurso, pode concluir-se que o legislador está impedido de eliminar pura e simplesmente a faculdade de recorrer em todo e qualquer caso, ou de a inviabilizar na prática. Já não está, porém, impedido de regular, com larga margem de liberdade, a existência dos recursos e a recorribilidade das decisões (cf. os citados Acórdãos n.os 31/87 e 65/88, e ainda n.º 178/88 (Acórdãos do Tribunal Constitucional, vol.. 12.º, p. 569); sobre o direito à tutela jurisdicional, ainda Acórdãos n.º 359/86 (Acórdãos do Tribunal Constitucional, vol. 8.º, p. 605), n.º 24/88 (Acórdãos do Tribunal Constitucional, vol. 11.º, p. 525) e n.º 450/89 (Acórdãos do Tribunal Constitucional, vol. 13.º, p. 1307).
O legislador ordinário terá, pois, de assegurar o recurso das decisões penais condenatórias e ainda, segundo certo entendimento, de quaisquer decisões que tenham como efeito afectar direitos, liberdades e garantias constitucionalmente reconhecidos. Quanto aos restantes casos, goza de ampla margem de manobra na conformação concreta do direito ao recurso, desde que não suprima em globo a faculdade de recorrer."
2.4. A referência à existência de uma tese segundo a qual estaria "constitucionalmente incluído no princípio do Estado de direito democrático o direito ao recurso de decisões que afectem direitos, liberdades e garantias constitucionalmente garantidos, mesmo fora do âmbito penal", reportado às citadas declarações de voto dos Conselheiros Vital Moreira e António Vitorino, feita no Acórdão acabado de referir, veio a ser repetida em diversas decisões deste Tribunal, mas sem que passasse a ser perfilhada, pelo menos de forma explícita, pelo próprio Tribunal, não se conhecendo, aliás, nenhum juízo de inconstitucionalidade emitido pelo Tribunal Constitucional, fora dos casos em que tradicionalmente reconhecia haver direito a recurso de decisões judiciais, juízo esse estribado directa e exclusivamente na referida tese.
O próprio Acórdão 638/98 (que não julgou inconstitucional a norma do § único do artigo 15.º do Decreto 37 021, de 21 de Agosto de 1948, interpretado no sentido de não caber recurso para o Tribunal da Relação da decisão do tribunal de comarca sobre recurso interposto da comissão fiscal de avaliação, em matéria de fixação de rendas), parcialmente transcrito no ponto anterior, enfrentou essa questão, nos seguintes termos:
"10. Pretende o recorrente, todavia, que está em causa um direito fundamental - o direito de propriedade - , pelo que se imporia a observância daquele princípio do duplo grau de jurisdição também nesta matéria.
No fundo, o que o recorrente pretende é que, por um lado, devendo estar necessariamente sujeitas a recurso as decisões de 1.ª instância que afectem direitos, liberdades e garantias, e, por outro lado, sendo aplicável ao direito de propriedade o regime desses mesmos direitos, liberdades e garantias, se há-de reconhecer, in casu, o duplo grau de jurisdição.
Ora, mesmo aceitando-se a já referida tese segundo a qual o duplo grau de jurisdição é assegurado em matéria de direitos, liberdades e garantias, daí não resulta a consequência pretendida pelo recorrente.
É bem verdade que ao direito de propriedade se há-de reconhecer, numa certa dimensão, uma natureza análoga à dos direitos, liberdades e garantias, pelo que lhe há-de ser aplicável, nos termos do artigo 17.º da CRP, o regime para aqueles previsto, apesar de se não encontrar enunciado no título II da Parte I.
Só que essa dimensão, a merecer tratamento idêntico ao que está definido para os direitos, liberdades e garantias, é a que corresponde ao direito de ninguém ser privado da sua propriedade, designadamente garantindo-se que a expropriação só poderá ocorrer com base na lei e mediante o pagamento de uma justa indemnização (n.º 2 do artigo 62.º).
Ora, desde logo, a matéria em causa, a que se reporta a norma questionada, refere-se a um aspecto particular, o da alteração do valor das rendas, insusceptível de afectar esse núcleo essencial do direito de propriedade.
A este propósito, afirmou-se no citado Acórdão 270/95:
«Está em causa um processo de tipo particular, basicamente de natureza administrativa (processo de avaliação fiscal extraordinária), envolvendo matéria de natureza essencialmente técnica (avaliação de prédios urbanos para efeitos fiscais e de definição do valor da renda dos arrendamentos não habitacionais), que ocorre nas repartições de finanças (cf. artigos 5.º e 10.º do Decreto 37 021) e que culmina com uma decisão do chefe da repartição de finanças ou do presidente da comissão de avaliação ou com uma deliberação dessa comissão (cf. artigo 14.º do Decreto 37 021). Só em fase posterior (e eventual) vem a ter lugar uma intervenção judicial, no caso de qualquer dos interessados não se conformar com a decisão daquela entidade, e mediante a interposição de um 'recurso' para o tribunal da comarca (cf. artigos 14.º e 15.º do Decreto 37 021). Ou seja, o tribunal de 1.ª instância funciona já como uma instância de recurso. O que sugere que o legislador, devido ao carácter técnico dos critérios das avaliações vinculativos para a entidade administrativa a quem compete a decisão, ao instituir a possibilidade de recurso para um tribunal judicial, pretendeu assegurar uma garantia de defesa de direitos idêntica materialmente à garantia de um 'duplo grau de jurisdição' relativamente a matérias em que a primeira decisão é estritamente jurídica.
Deste modo, surge como inadequada e excessiva a exigência de um segundo recurso para uma outra instância judicial. Diga-se ainda que não se vislumbram situações legais de tratamento processual diferente relativamente a interesses idênticos aos que estão envolvidos nos processos de avaliação fiscal extraordinária.»
É esse raciocínio que, em geral, aqui se prossegue. Nem está verdadeiramente em causa o direito de propriedade, na dimensão em que é análogo aos direitos, liberdades e garantias, nem a lei Fundamental impõe, nessa matéria, a exigência de um duplo grau de jurisdição.
Não se verifica, assim, qualquer violação do direito de acesso aos tribunais, na vertente do duplo grau de jurisdição."
Mais recentemente, o Acórdão 302/2005 (que não julgou inconstitucional a norma do artigo 24.º do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais, aprovado pelo Decreto-Lei 129/84, de 27 de Abril, na redacção do Decreto-Lei 229/96, de 29 de Novembro, quando interpretado no sentido de não admitir recurso para o Pleno da Secção de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo da decisão proferida por uma das suas Subsecções, na parte em que, pela primeira vez, condena uma das partes como litigante de má fé), após reiterar a tese da inexistência de uma imposição constitucional de consagração de um direito geral ao recurso das decisões judiciais, com excepção, em processo penal, das decisões condenatórias e das que afectem a liberdade do arguido ou outros seus direitos fundamentais, prosseguiu a sua análise face à tese que considerava constitucionalmente imposta a consagração de recurso das decisões judiciais que afectassem direitos, liberdades e garantias, e, evitando aderir explicitamente a esta concepção, considerou que, no caso, improcedia essa argumentação do recorrente, aduzindo o seguinte:
"9.5. Alega, porém, o recorrente que «alguns autores perfilham entendimento diverso, segundo o qual se deve ter por constitucionalmente garantido, pelo menos, o direito à reapreciação judicial das decisões judiciais que afectem direitos fundamentais constitucionalmente consagrados». Cita, a propósito, a posição de Vital Moreira, aposta na declaração de voto de vencido ao Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 65/88, segundo o qual:
«[...] há-de considerar-se constitucionalmente garantido - ao menos por decurso do princípio do Estado de direito democrático - o direito à reapreciação judicial das decisões que afectem direitos fundamentais, o que abrange não apenas as decisões condenatórias em matéria penal - como se reconhece no acórdão - mas também todas as decisões judiciais que afectem direitos fundamentais constitucionais, pelo menos os que integram a categoria constitucional dos 'direitos, liberdades e garantias' [...].»
Partindo desta posição doutrinal - a de que a Constituição impõe o duplo grau de jurisdição em relação a «decisões judiciais que afectem direitos fundamentais constitucionais, pelo menos as que integram a categoria constitucional dos 'direitos, liberdades e garantias'» - conclui o recorrente pela inconstitucionalidade da norma que agora está em causa, uma vez que, segundo afirma (conclusão 5.ª da sua alegação), «uma pronúncia condenatória desta natureza afecta direitos fundamentais, consagrados na categoria constitucional dos direitos, liberdades e garantias, in casu, os direitos ao bom nome e reputação do mandatário». (...). Em suma: na perspectiva do recorrente, o recurso, em um grau, da decisão que condena uma das partes como litigante de má fé seria constitucionalmente imposto, ao menos quando determina a responsabilidade pessoal e directa do mandatário, na medida em que, nesse caso, essa decisão é susceptível de afectar direitos constitucionalmente consagrados, designadamente no artigo 26.º da Constituição, como sejam o direito ao bom nome e reputação do mandatário.
Mas, como é evidente, não tem razão. É que - independentemente de se saber se é correcto o pressuposto de que parte o recorrente - isto é, o de que a Constituição impõe o duplo grau de jurisdição em relação a «decisões judiciais que afectem direitos fundamentais constitucionais, pelo menos os que integram a categoria constitucional dos 'direitos, liberdades e garantias'» - a verdade é que não estamos perante uma decisão dessa natureza. Não só porque a decisão que vem questionada não sanciona o advogado mandatário, limitando-se apenas, em cumprimento do preceituado no artigo 459.º do CPC, a comunicar os factos à Ordem dos Advogados, para que esta, se assim o entender, possa, então sim, «aplicar as sanções respectivas e condenar o mandatário na quota-parte das custas, multas e indemnização que lhe parecer justa», mas também porque, com esse fundamento - afectação do bom nome e reputação do mandatário - , apenas poderia questionar-se a não recorribilidade da decisão por parte do próprio mandatário - ou seja, do próprio titular do direito fundamental alegadamente afectado com a decisão recorrida - e não, como é o caso, pela parte que ele representa no processo."
2.5. Como se referiu, a tese da imposição constitucional da recorribilidade das decisões judiciais que afectem direitos fundamentais constitucionais, pelo menos os que integram a categoria constitucional dos "direitos, liberdades e garantias", foi inicialmente desenvolvida na declaração de voto do Conselheiro Vital Moreira, aposta ao Acórdão 65/88, do seguinte teor:
"Votei a conclusão do acórdão, mas não acompanho em tudo a respectiva fundamentação. Com efeito, penso que há-de considerar-se constitucionalmente garantido - ao menos por decurso do princípio do Estado de direito democrático - o direito à reapreciação judicial das decisões judiciais que afectem direitos fundamentais, o que abrange não apenas as decisões condenatórias em matéria penal - como se reconhece no acórdão - mas também todas as decisões judiciais que afectem direitos fundamentais constitucionais, pelo menos os que integram a categoria constitucional dos «direitos, liberdades e garantias» (artigos 25.º e seguintes da CRP).
É neste entendimento que continuo a sustentar o que noutro lugar subscrevi (Constituição da República Portuguesa Anotada, de que sou co-autor, juntamente com J. J. Gomes Canotilho), no sentido de que «o direito de recurso para um tribunal superior tenha de ser contado entre as mais importantes garantias constitucionais», naturalmente quando se trata da «defesa de direitos fundamentais» (ob. cit., 2.ª ed., vol. 1.º, p. 181, nota III ao artigo 20.º).
De resto, não é por acaso que em alguns ordenamentos constitucionais estrangeiros existem específicos recursos de defesa de direitos fundamentais («recurso de amparo», «Verfassungsbeschwerde»), inclusive contra decisões judiciais, recurso normalmente destinado aos tribunais constitucionais, ou com funções de jurisdição constitucional. Entre nós, não existindo tal figura (cf. ob. cit., ibidem), penso que não pode deixar de considerar-se necessária ao menos a garantia de um grau de recurso (e portanto de um «duplo grau de jurisdição») como componente inerente ao regime constitucional das garantias dos direitos fundamentais constitucionais.
Recorde-se, de resto, que uma tal ideia de reapreciação jurisdicional das decisões (inclusive as judiciais) que afectem direitos fundamentais encontra eco mesmo no plano de direito internacional, no âmbito da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, através da queixa dos particulares à Comissão Europeia dos Direitos do Homem, com eventual submissão de tal queixa ao Tribunal Europeu dos Direitos do Homem."
A esta posição veio aderir o Conselheiro António Vitorino, na declaração de voto aposta ao Acórdão 202/90.
Reapreciando esta problemática, afigura-se que - para além dos casos em que este Tribunal tem tradicionalmente afirmado a imposição constitucional de um direito ao recurso jurisdicional (ou direito a um duplo grau de jurisdição), a saber: as decisões condenatórias em processo penal ou que impliquem a adopção de medidas restritivas da liberdade ou de outros direitos fundamentais do arguido (orientação reafirmada, por último, nos Acórdãos n.os 500/2007 e 588/2007, que justamente julgaram não inconstitucional a norma constante do artigo 28.º, n.º 1, da Lei 34/2004, de 29 de Julho, quando interpretada no sentido de que não é admissível recurso da decisão judicial tirada sobre impugnação de decisão administrativa que indefere requerimento de apoio judiciário) - é sustentável que, sendo constitucionalmente assegurado o acesso aos tribunais contra quaisquer actos lesivos dos direitos dos cidadãos (maxime dos direitos, liberdades e garantias), sejam esses actos provenientes de particulares ou de órgãos do Estado, forçoso é que se garanta o direito à impugnação judicial de actos dos tribunais (sejam eles decisões judiciais ou actuações materiais) que constituam a causa primeira e directa da afectação de tais direitos. Considera-se, pois, que quando uma actuação de um tribunal, por si mesma, afecta, de forma directa, um direito fundamental de um cidadão, mesmo fora da área penal, a este deve ser reconhecido o direito à apreciação judicial dessa situação. Mas quando a afectação do direito fundamental do cidadão teve origem numa actuação da Administração ou de particulares e esta actuação já foi objecto de controlo jurisdicional, não é sempre constitucionalmente imposta uma reapreciação judicial dessa decisão.
O direito ora em causa - o direito ao apoio judiciário como condição de exercício efectivo do direito de acesso aos tribunais - comunga da fundamentalidade deste último direito ("o direito de acesso ao direito e à tutela jurisdicional efectiva (...) é, ele mesmo, um direito fundamental, constituindo uma garantia imprescindível da protecção de direitos fundamentais, sendo, por isso, inerente à ideia de Estado de direito" - J. J. Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, 4.ª edição, vol. I, Coimbra, 2007, p. 408), salientando estes comentadores que "o facto de serem hoje os serviços de segurança social as entidades competentes para a apreciação de concessão de apoio judiciário não significa que estejamos aqui perante uma dimensão do direito à segurança social, mas sim perante uma dimensão prestacional de um direito, liberdade e garantia" (obra citada, p. 411). Esta relação de instrumentalidade justificou que o legislador tenha atribuído relevância à natureza do direito para cujo exercício o apoio judiciário é pedido para determinar o tribunal materialmente competente para conhecer da impugnação judicial da decisão administrativa que haja denegado esse apoio (cf. n.os 1 e 2 do artigo 28.º da Lei 34/2004). No presente caso, visando o pedido de apoio a constituição do requerente como assistente em inquérito criminal, a decisão da impugnação judicial coube, em primeira instância, ao juiz de instrução criminal e o recurso intentado interpor da decisão judicial dessa impugnação foi apreciado (para não ser admitido) pela Secção Criminal do Tribunal da Relação, tomando em linha de conta, a par do citado artigo 28.º da Lei 34/2004, o artigo 399.º do CPP.
De acordo com o entendimento atrás exposto, compreende-se que quando a concessão do apoio (ou assistência) judiciário competia, em primeira linha, aos tribunais, o legislador tenha sempre assegurado recurso da decisão judicial que negasse essa concessão (cf. supra, 2.1.), porque então a afectação do direito de acesso aos tribunais era directamente imputável à actuação do tribunal.
Diferentemente, após a Lei 30-E/2000, a afectação do direito de acesso aos tribunais deriva da prolação de um acto administrativo, contra o qual foi assegurado o acesso aos tribunais, através da possibilidade de impugnação judicial da decisão da Segurança Social. Não se trata de ressuscitar a concepção monista do contencioso administrativo, que via na fase judicial um mero prolongamento da fase graciosa e equiparava a decisão administrativa a uma decisão judicial. Do que se trata é de reconhecer que, neste contexto, mesmo que essa impugnação venha a ser julgada improcedente, a afectação do direito do cidadão de acesso aos tribunais não é directamente imputável à decisão judicial que julgue a impugnação, e o direito de reapreciação judicial das decisões (ou condutas) jurisdicionais só se deve considerar constitucionalmente imposto, de acordo com a tese avançada, se a afectação de direitos fundamentais tiver tido origem na actuação do tribunal.
E mesmo para quem entenda que determinados direitos fundamentais, pela sua relevância, justificariam a consagração de um duplo grau de jurisdição, é seguro que o direito para cujo exercício o apoio judiciário foi requerido, no presente caso (constituição de assistente em processo penal) não se integraria nessa exigente categoria.
3. Decisão
Em face do exposto, acordam em:
a) Não julgar inconstitucional a norma do artigo 28.º, n.º 1, da Lei 34/2004, de 29 de Julho, interpretado no sentido de que não é admissível recurso da decisão judicial que julgue improcedente a impugnação da decisão administrativa que indeferiu pedido de concessão de apoio judiciário; e, consequentemente,
b) Negar provimento ao recurso, confirmando a decisão recorrida na parte impugnada.
Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 25 (vinte e cinco) unidades de conta.
23 de Janeiro de 2008. - Mário José de Araújo Torres (relator) - Benjamim Silva Rodrigues - João Cura Mariano - Joaquim de Sousa Ribeiro - Rui Manuel Moura Ramos.