Decreto-Lei 161/2001
de 22 de Maio
A Lei 34/98, de 18 de Julho, veio estabelecer um regime excepcional de apoio aos cidadãos portugueses feitos prisioneiros de guerra nas ex-colónias, designadamente concedendo-lhes uma pensão pecuniária mensal, a título de reparação e de reconhecimento público, «desde que haja uma situação de carência económica que o justifique» (parte final do n.º 2 do artigo 1.º da citada lei).
Por força da remissão do artigo 2.º desta mesma lei, à atribuição de tal pensão aplicavam-se as regras do regime geral das pensões por serviços excepcionais e relevantes prestados ao País então em vigor - o Decreto-Lei 404/82, de 24 de Setembro -, que foi para o efeito alterado, sendo aditada ao artigo 3.º, n.º 1, uma nova alínea, prevendo «a situação de cidadão português feito prisioneiro ou capturado em combate no decurso da guerra nas ex-colónias».
Ora, de acordo com o artigo 9.º do Decreto-Lei 404/82, na redacção que lhe foi dada pelo Decreto-Lei 266/88, de 28 de Julho, a pensão por serviços excepcionais e relevantes tinha a natureza de pensão de alimentos, assim se percebendo a remissão operada pela Lei 34/98 para tal regime, uma vez que não só a letra como o espírito deste diploma apontam para a concessão de apoio apenas aos ex-prisioneiros de guerra que se encontrem numa situação de carência económica.
Na verdade, só relativamente a estes se justifica, de acordo com um princípio de solidariedade, que o Estado suporte o custo da atribuição de tais pensões.
A mesma Lei 34/98 estabelecia, no seu artigo 5.º, a obrigação para o Governo de regulamentar, no prazo de 90 dias, as condições de atribuição da pensão então criada.
Acontece, porém, que se levantaram dúvidas relativamente ao âmbito de aplicação da mencionada lei, cuja epígrafe refere apenas os ex-prisioneiros de guerra em África mas cujo articulado menciona, sem distinção, a guerra nas ex-colónias.
Entretanto, o Decreto-Lei 404/82 foi revogado pelo Decreto-Lei 466/99, de 6 de Novembro, que estabeleceu um novo regime geral para as pensões por serviços excepcionais e relevantes prestados ao País, nele incluindo a de ex-prisioneiro de guerra, em termos que suscitaram dúvidas.
Tal quadro levou mesmo a que fosse equacionada a utilidade da adopção de uma clarificação por via de lei dos contornos do regime excepcional instituído pela Lei 34/98 (cf. projecto de lei 250/VIII).
O novo regime específico que o Governo ora pretende consagrar, no desenvolvimento da intervenção que a Assembleia da República teve na matéria e em que foram fixados os princípios gerais, visa colmatar todas as dúvidas: trata-se de compensar aqueles que, ao serviço da Pátria, se viram privados da liberdade e que se encontram, hoje, confrontados com dificuldades económicas.
Uma das preocupações centrais do diploma consiste em fixar uma tramitação própria para os processos de atribuição de tal pensão assente em dois pressupostos básicos e objectivos: por um lado, exige-se a prova de que o interessado esteve efectivamente prisioneiro; por outro, a demonstração de que o requerente se encontra em situação de carência económica.
Entendeu-se, ainda, que seria de excluir a atribuição da pensão quando o ex-prisioneiro de guerra ou os demais beneficiários tenham sido condenados pela prática de certos crimes dolosos, sujeitos a sanções disciplinares graves ou assumido condutas cívicas ou morais gravemente reprováveis.
Diferentemente do que acontece no regime geral das pensões por serviços excepcionais e relevantes, considerou-se não ser de exigir a prova do exemplar comportamento moral e cívico, imposta pelo Decreto-Lei 466/99, substituindo-a por uma declaração sob compromisso de honra de que o beneficiário não se encontra em nenhuma das situações que determinam a exclusão do direito à pensão. Em todo o caso, tal direito será afastado sempre que existam provas inequívocas de comportamento moral ou cívico gravemente censurável. Em consequência, a instrução e decisão destes processos será mais simples e célere.
Assim:
No desenvolvimento do regime jurídico estabelecido pela Lei 34/98, de 18 de Julho, e nos termos da alínea c) do n.º 1 do artigo 198.º da Constituição, o Governo decreta, para valer como lei geral da República, o seguinte:
CAPÍTULO I
Âmbito
Artigo 1.º
Pensão de ex-prisioneiro de guerra
O presente diploma regulamenta as condições de atribuição da pensão de ex-prisioneiro de guerra, conferida pela Lei 34/98, de 18 de Julho, a título de reparação e de reconhecimento público.
Artigo 2.º
Factos originários do direito à pensão
A pensão pode ser atribuída a cidadãos portugueses que tenham sido feitos prisioneiros ou capturados em combate no decurso da guerra nas ex-colónias, quando se encontrem em situação de carência económica nos termos definidos no presente diploma.
CAPÍTULO II
Do direito à pensão
SECÇÃO I
Dos titulares do direito à pensão
Artigo 3.º
Beneficiários
1 - A pensão de ex-prisioneiro de guerra é concedida ao próprio ou, tendo este falecido, sucessivamente e por ordem de preferência, às pessoas que se encontrem em alguma das situações referidas nas alíneas seguintes, desde que estivessem a seu cargo à data do óbito:
a) Cônjuge sobrevivo, não separado judicialmente de pessoas e bens, desde que estivesse a viver em comunhão de mesa e habitação com o falecido à data do óbito e não seja casado nem se encontre a viver em situações análogas às dos cônjuges, e descendentes que reúnam os requisitos previstos no n.º 2 do presente artigo;
b) Aquele que estiver nas condições previstas no artigo 2020.º do Código Civil, após sentença judicial que lhe fixe o direito a alimentos e enquanto se mantiver tal direito, e descendentes que reúnam os requisitos previstos no n.º 2 do presente artigo;
c) Ex-cônjuge ou cônjuge separado judicialmente de pessoas e bens, desde que tivessem direito a receber do falecido, à data do óbito, pensão de alimentos fixada ou homologada judicialmente e não sejam casados nem se encontrem a viver em situações análogas às dos cônjuges;
d) Pessoa que tenha criado ou sustentado o ex-prisioneiro de guerra desde que tenha mais de 65 anos ou, sendo de idade inferior, sofra de incapacidade absoluta e permanente para o trabalho;
e) Ascendentes de qualquer grau, desde que reúnam os requisitos previstos na alínea anterior;
f) Irmãos, desde que reúnam os requisitos exigidos para os descendentes e sejam órfãos de pai e mãe à data do falecimento do ex-prisioneiro.
2 - Apenas têm direito à pensão os descendentes com menos de 18 anos, ou menos de 21 e matriculados e a frequentar curso de nível secundário ou equiparado, ou menos de 25 e matriculados e a frequentar curso superior ou equiparado, ou, independentemente da idade, que sofram de incapacidade absoluta e permanente para o trabalho.
3 - Existindo vários beneficiários, a pensão será dividida em partes iguais por todos, não podendo, todavia, o cônjuge ou aquele que estiver nas condições previstas no artigo 2020.º do Código Civil receber menos de metade da mesma.
4 - Verificando-se a perda do direito à pensão por parte de um dos beneficiários, a sua parte acresce à dos outros em partes iguais.
5 - Se a pensão tiver sido concedida em vida ao ex-prisioneiro de guerra, transmite-se, após a sua morte, às pessoas referidas no n.º 1, respeitando-se a ordem de preferência aí estabelecida.
SECÇÃO II
Cálculo e quantitativo da pensão
Artigo 4.º
Cálculo do valor da pensão
1 - O quantitativo da pensão é igual a 70% da remuneração mensal do autor dos actos que a originam quando o beneficiário for o próprio autor ou alguma das pessoas previstas nas alíneas a) a c) do n.º 1 do artigo 3.º
2 - A referida percentagem será reduzida a 50% relativamente aos restantes titulares.
3 - Para efeitos do disposto nos números anteriores, a remuneração a considerar é a auferida à data dos factos ou actos que originam o direito à pensão e determina-se de acordo com o regime estabelecido nos artigos 47.º e 48.º do Decreto-Lei 498/72, de 9 de Dezembro (Estatuto da Aposentação), não podendo, porém, o seu montante ser de valor inferior ao escalão 1 do vencimento base de um soldado da Guarda Nacional Republicana em vigor à data em que a pensão seja devida.
4 - Nos casos em que o autor não tenha qualquer vínculo funcional ao Estado, incluindo as autarquias locais, ter-se-á em conta, para os efeitos dos números anteriores, o dobro do salário mínimo nacional.
Artigo 5.º
Quantitativo da pensão
1 - O quantitativo da pensão a conceder aos beneficiários não sofrerá qualquer redução quando dos actos que lhe dão origem tenha resultado o falecimento ou a incapacidade absoluta e permanente do seu autor para o trabalho.
2 - Nos demais casos, sempre que os rendimentos ou proventos de qualquer natureza do agregado familiar do ou dos beneficiários da pensão sejam superiores ao limite estabelecido no n.º 3 do artigo anterior, a parte que exceder esse limite será deduzida ao quantitativo da pensão.
Artigo 6.º
Acumulações
A pensão de ex-prisioneiro de guerra não é cumulável com qualquer outra pensão atribuída pela prática dos mesmos actos ou em virtude das suas consequências.
SECÇÃO III
Exclusão, suspensão e cessação do direito à pensão
Artigo 7.º
Causas de exclusão do direito à pensão
1 - A pensão não pode ser atribuída quando o ex-prisioneiro:
a) Tenha sido condenado pela prática de crime doloso a que corresponda pena de prisão igual ou superior a um ano;
b) Tenha sido sujeito a sanções disciplinares graves;
c) Seja abrangido pelas disposições da Lei 8/75, de 25 de Julho, com as alterações introduzidas pela Lei 16/75, de 23 de Dezembro, e pela Lei 18/75, de 26 de Dezembro.
2 - Para os efeitos da alínea b) do número anterior, consideram-se sanções disciplinares graves:
a) Aposentação compulsiva e demissão;
b) Prisão disciplinar agravada, reserva compulsiva, reforma compulsiva e separação de serviço.
3 - A pensão não será igualmente atribuída aos demais beneficiários que sejam abrangidos por algumas das alíneas do n.º 1.
4 - A indignidade ou a deserdação das pessoas mencionadas no n.º 1 do artigo 3.º, relativamente ao ex-prisioneiro de guerra, determina a impossibilidade de beneficiar do direito a esta pensão.
5 - Nos casos previstos nos n.os 3 e 4 observar-se-á o disposto no n.º 4 do artigo 3.º
Artigo 8.º
Suspensão do direito à pensão
A aplicação de qualquer pena criminal ou disciplinar ao beneficiário da pensão determina a suspensão do abono da mesma enquanto durar o cumprimento da pena.
Artigo 9.º
Cessação do direito à pensão
O direito a receber a pensão cessa:
a) Por renúncia do beneficiário;
b) Pela perda de qualquer dos requisitos condicionantes da atribuição daquele direito;
c) Pelo casamento ou vivência em situação análoga relativamente ao cônjuge sobrevivo ou à pessoa prevista no artigo 2020.º do Código Civil;
d) Pela morte do beneficiário;
e) Pela verificação de qualquer das situações previstas no artigo 7.º
Artigo 10.º
Abono da pensão no mês da cessação do direito
A pensão correspondente ao mês em curso na data em que se verificou o facto determinante da sua perda será abonada na totalidade ao ex-prisioneiro ou, em caso de morte deste, àqueles que teriam direito à respectiva transmissão.
CAPÍTULO III
Do processo para a concessão da pensão
Artigo 11.º
Requerimento
1 - O processo conducente à atribuição da pensão inicia-se por requerimento do interessado ou de quem legalmente o represente, dirigido ao membro do Governo de que dependa ou dependia a pessoa a que respeitarem os factos justificativos da pensão e do qual conste:
a) Identificação completa (nome, data de nascimento, estado civil, filiação, naturalidade, nacionalidade e número e data do bilhete de identidade e arquivo que o emitiu);
b) Morada e telefone;
c) Menção do tempo e demais circunstâncias da detenção.
2 - O requerimento previsto no número anterior deve ser instruído com os seguintes documentos:
a) Documento comprovativo da situação de carência económica (declaração do imposto sobre o rendimento de pessoas singulares relativa ao ano anterior ou certidão emitida pelos serviços de finanças periféricos do domicílio fiscal do interessado comprovativa de que, nesse ano, não foram declarados rendimentos);
b) Certificado do registo criminal do ex-prisioneiro, e ainda, no caso de falecimento deste, dos demais beneficiários;
c) Folha de matrícula ou documento equivalente do ex-prisioneiro de guerra;
d) Declaração, sob compromisso de honra, de que o beneficiário não se encontra abrangido por nenhuma das situações previstas no artigo 7.º do presente diploma;
e) Prova de quaisquer outras circunstâncias alegadas, determinantes do direito à pensão.
Artigo 12.º
Requerimentos conjuntos
Deverá ser apresentado apenas um requerimento quando:
a) O cônjuge sobrevivo ou aquele que estiver nas condições previstas no artigo 2020.º do Código Civil pedir a pensão para si e para os descendentes menores de 18 anos que se encontrem a seu cargo;
b) O tutor requerer a pensão relativamente a vários pupilos.
Artigo 13.º
Instrução
1 - O processo é instruído pelo ministério de que o ex-prisioneiro de guerra dependia à data da captura.
2 - Quando a entidade prevista no número anterior for o Ministério da Defesa Nacional, a instrução corre pelo respectivo ramo das Forças Armadas.
3 - Caso o ex-prisioneiro de guerra não dependesse de qualquer ministério no momento da detenção, o processo é instruído pelo Ministério das Finanças.
Artigo 14.º
Decisão
1 - A pensão de ex-prisioneiro de guerra é concedida por despacho conjunto do Ministro das Finanças e do membro do Governo de que o interessado dependia ao tempo da captura.
2 - Caso existam fundadas dúvidas na atribuição da pensão, pode o membro do Governo competente para a instrução do processo solicitar parecer à Procuradoria-Geral da República.
CAPÍTULO IV
Da execução da decisão
Artigo 15.º
Pagamento
Concedida a pensão, a Caixa Geral de Aposentações procede ao seu abono, a partir do 1.º dia do mês seguinte à data da assinatura do despacho conjunto previsto no artigo anterior, sem precedência de quaisquer formalidades.
Artigo 16.º
Cartão de pensionista
Ao pensionista é concedido um cartão, emitido pela Caixa Geral de Aposentações, que o identifica como titular da pensão.
Artigo 17.º
Pensionistas residentes no estrangeiro
O pagamento das pensões devidas aos pensionistas residentes no estrangeiro é efectuado nos mesmos termos em que o forem as demais pensões pagas pela Caixa Geral de Aposentações.
Artigo 18.º
Prova do rendimento
1 - Os beneficiários das pensões devem entregar na Caixa Geral de Aposentações, até ao dia 31 de Maio de cada ano, a declaração do imposto sobre o rendimento de pessoas singulares relativa ao ano anterior ou certidão emitida pelos serviços de finanças periféricos do domicílio fiscal do interessado comprovativa de que, nesse ano, não foram declarados rendimentos.
2 - O não cumprimento do disposto no número anterior determina a imediata suspensão do pagamento da pensão, que apenas voltará a ser devida a partir do dia 1 do mês seguinte ao da entrega dos documentos nele referidos.
3 - O recebimento de pensões em violação do disposto no n.º 1 implica a obrigatoriedade de reposição das quantias indevidamente recebidas, as quais serão deduzidas no quantitativo das pensões a abonar posteriormente, se às mesmas houver lugar.
CAPÍTULO V
Disposições finais e transitórias
Artigo 19.º
Norma revogatória
É revogada a alínea c) do n.º 1 e o n.º 3 do artigo 4.º do Decreto-Lei 466/99, de 6 de Novembro.
Artigo 20.º
Aplicação no tempo
1 - O presente diploma aplica-se aos processos iniciados ao abrigo da Lei 34/98, de 18 de Julho, e do Decreto-Lei 466/99, de 6 de Novembro.
2 - Caso se verifique a necessidade de juntar aos processos pendentes alguns dos documentos previstos no presente diploma, deve o órgão instrutor notificar os interessados para que procedam a tal junção.
3 - Nos casos previstos neste artigo, a atribuição da pensão de ex-prisioneiro de guerra produz efeitos a partir do 1.º dia do mês seguinte ao da entrega do requerimento solicitando a concessão da pensão nos termos do Decreto-Lei 466/99.
Artigo 21.º
Entrada em vigor
O presente diploma entra em vigor no dia seguinte ao da sua publicação.
Visto e aprovado em Conselho de Ministros de 30 de Março de 2001. - Jaime José Matos da Gama - Júlio de Lemos de Castro Caldas - Henrique Nuno Pires Severiano Teixeira - Joaquim Augusto Nunes Pina Moura - António Luís Santos Costa - Alberto de Sousa Martins.
Promulgado em 8 de Maio de 2001.
Publique-se.
O Presidente da República, JORGE SAMPAIO.
Referendado em 10 de Maio de 2001.
O Primeiro-Ministro, António Manuel de Oliveira Guterres.