de 10 de Novembro
As vendas a prestações de bens não consumíveis têm registado entre nós um incremento extraordinário nos últimos anos.O fenómeno reflecte-se na taxa de crescimento da procura interna, na pressão sobre os preços, na absorção de importantes recursos de crédito que conviria orientar para o fomento da produção e no rápido acréscimo de certos tipos de importação, ou gastos no exterior, sem relação directa com o processo de desenvolvimento nacional.
Até ao presente, não existe legislação que permita obstar às repercussões indesejáveis dessa actividade nos domínios que ficaram referidos, ao contrário do que acontece, desde há muito, em numerosos países da Europa.
Sem pretender definir uma nova regulamentação completa para a venda a prestações, preenche-se agora a lacuna que ficou apontada, submetendo esse contrato a uma disciplina que permitirá fixar os prazos máximos por que se poderão alongar as prestações, a entrada inicial mínima e o juro máximo admitido para a parte do preço em dívida, após o desembolso inicial.
As disposições adoptadas visam também a defesa dos compradores, a quem se pretende garantir o esclarecimento acerca do real alcance das condições acordadas.
Na definição das coisas e serviços sujeitos à nova disciplina, bem como na concretização dos pontos fundamentais desta, deixa-se ao Governo a faculdade de adoptar as soluções flexíveis exigidas pelas práticas comerciais e pelas condições dos diferentes sectores do mercado.
Usando da faculdade conferida pela 1.ª parte do n.º 2.º do artigo 109.º da Constituição, o Governo decreta e eu promulgo, para valer como lei, o seguinte:
Artigo 1.º - 1. As vendas a prestações, realizadas por comerciantes, no exercício do seu comércio, de coisas móveis corpóreas, não consumíveis, produzidas em território nacional ou importadas do estrangeiro, que vierem a ser designadas pelo Governo nos termos do artigo 7.º deste diploma, ficam sujeitas às disposições seguintes.
2. Fica igualmente sujeito aos preceitos do presente diploma, com as necessárias adaptações, o fornecimento de serviços, com pagamento a prestações, que vierem a ser designados pelo Governo nos termos do referido artigo 7.º Art. 2.º - 1. O contrato de venda a prestações será reduzido a escrito, em dois exemplares, assinados pelos contraentes, e dele deverá constar:
a) A identificação dos contraentes e a indicação do seu domicílio ou sede social;
b) A especificação da coisa vendida;
c) O preço da venda a contado;
d) O preço total da venda a prestações, entendendo-se como tal a soma de todos os pagamentos que o comprador se compromete a efectuar, nos termos do contrato;
e) O montante e a data do desembolso inicial e o modo por que esse desembolso foi ou deverá ser efectuado;
f) O número, o montante e a data de vencimento das prestações sucessivas;
g) A taxa anual de juro aplicada ao montante do preço em dívida, após o desembolso inicial;
h) A cláusula de reserva de propriedade, se for caso disso;
i) A indicação dos títulos de crédito emitidos nos termos do artigo 3.º;
j) A data e o lugar do contrato.
2. Se o contrato de venda a prestações não tiver sido reduzido a escrito até à data da entrega da coisa ou se do título do contrato não constarem as indicações referidas no n.º 1 deste artigo sem que esses factos sejam imputáveis ao comprador, a obrigação deste quanto ao pagamento será reduzida ao preço da venda a contado, sem prejuízo do seu direito de realizar o pagamento desse preço nos prazos convencionados.
Art. 3.º Às prestações que se seguirem ao desembolso inicial pode corresponder a emissão de títulos de crédito, devendo neles ser aposta a declaração de que respeitam a uma operação de venda a prestações e a identificação desta, bem como a indicação da prestação a que correspondem.
Art. 4.º - 1. Um dos exemplares do título do contrato deve ser entregue ao comprador.
2. O outro exemplar deve ser arquivado pelo vendedor e servirá de base à anotação do contrato no livro de registo de vendas a prestações.
Art. 5.º - 1. O desembolso inicial deve ser realizado o mais tardar até à data da entrega da coisa.
2. Se o vendedor entregar a coisa sem ter recebido o desembolso inicial, perde o direito de exigir o montante deste e a obrigação de pagamento do comprador ficará reduzida ao restante do preço, conservando ele o direito de realizar o pagamento nos prazos convencionados.
Art. 6.º - 1. O comprador tem o direito de antecipar o pagamento de uma ou mais prestações do preço da compra, sendo-lhe devida a redução do respectivo montante, calculada à taxa de desconto do Banco de Portugal, se outra mais favorável não for convencionada entre as partes.
2. A antecipação entende-se sempre reportada à última ou às últimas prestações vincendas.
Art. 7.º - 1. O Governo, em portaria dos Ministros das Finanças e da Economia, determinará:
a) As categorias de coisas móveis corpóreas não consumíveis, que ficam sujeitas ao regime do presente diploma;
b) O desembolso inicial mínimo;
c) O prazo máximo que pode ser convencionado para o pagamento total do montante da operação;
d) A taxa máxima de juro aplicável ao montante do preço em dívida, após o desembolso inicial.
2. O Governo poderá ainda determinar, em portaria dos Ministros das Finanças e da Economia:
a) A modalidade ou modalidades em que deve ser realizado o pagamento do desembolso inicial;
b) O número máximo de prestações por que pode repartir-se o pagamento e o valor mínimo de cada prestação;
c) O valor mínimo e máximo das operações que ficam sujeitas ao regime deste diploma.
Art. 8.º Os comerciantes que realizem vendas prestações deverão ter um livro de registos dessas vendas, legalizado nos termos do artigo 32.º do Código Comercial, onde serão anotados cronològicamente todos os contratos de vendas a prestações por eles efectuadas.
Art. 9.º O Ministro da Economia poderá determinar, em portaria, que os comerciantes que realizem vendas a prestações se inscrevam num registo especial a organizar na Inspecção-Geral das Actividades Económicas.
Art. 10.º A publicidade do preço das coisas oferecidas para venda a prestações deve indicar o preço da venda a contado e o preço total da venda a prestações.
Art. 11.º - 1. Além das instituições de crédito, sòmente as instituições parabancárias referidas nos n.os 3.º e 4.º do artigo 1.º do Decreto-Lei 46302, de 27 de Abril de 1965, nos precisos termos das respectivas autorizações, poderão conceder crédito às entidades a que alude o artigo 1.º do presente diploma, com vista ao financiamento das operações de vendas a prestações pelas mesmas realizadas.
2. O crédito a que alude o número anterior não poderá ser concedido por prazos superiores aos que vierem a ser determinados de acordo com a alínea c) do artigo 7.º do presente diploma.
Art. 12.º - 1. A falta de livro de registo de vendas a prestações é punida com multa de 1000$00 a 50000$00.
2. A falta de inscrição no registo especial a que se refere o artigo 9.º, quando exigida, é punida com multa de 1000$00 a 20000$00.
3. A infracção ao disposto no artigo 10.º é punida com multa de 1000$00 a 10000$00.
4. As transgressões ao disposto no artigo 11.º são puníveis de acordo com os artigos 89.º a 98.º do Decreto-Lei 42641, de 12 de Novembro de 1959, e demais legislação complementar.
5. Por qualquer infracção ao regime estabelecido no presente diploma não especialmente prevista nos números anteriores e sem prejuízo do disposto no artigo 2.º, n.º 2, e no artigo 5.º, n.º 2, será aplicada multa até um terço do montante total do contrato de venda a prestações, não podendo a multa ser inferior a 500$00 nem superior a 50000$00.
Art. 13.º - 1. Cabe à Inspecção-Geral das Actividades Económicas velar pelo cumprimento do disposto neste diploma e na respectiva legislação complementar e proceder à instrução preparatória dos processos relativos às transgressões a que se reportam os n.os 1, 2, 3 e 5 do artigo 12.º 2. O exercício das atribuições a que se refere o número anterior fica sujeito ao disposto nos artigos 6.º e seguintes do Decreto-Lei 46336, de 17 de Maio de 1965, e demais legislação complementar.
Art. 14.º As disposições deste diploma são aplicáveis, com as devidas adaptações, a todos os contratos pelos quais se pretenda obter resultado equivalente ao da venda a prestações e designadamente ao contrato de aluguer de uma coisa com a cláusula de que ela se tornará propriedade do locatário depois de satisfeitos todos os alugueres pactuados.
Visto e aprovado em Conselho de Ministros. - Marcello Caetano - Mário Júlio Brito de Almeida Costa - João Augusto Dias Rosas.
Promulgado em 3 de Novembro de 1971.
Publique-se.O Presidente da República, AMÉRICO DEUS RODRIGUES THOMAZ.