Decreto Legislativo Regional 13/98/A
Património baleeiro regional
A actividade da caça à baleia marcou de forma indelével o carácter e o modo de estar de muitos açorianos, introduzindo novas técnicas e novos termos e abrindo os horizontes das ilhas para o continente norte-americano, factor determinante no nascimento da diáspora açoriana nos EUA e Canadá.
Com o seu termo, ditado por factores económicos e ambientais, ficou um valioso património de saberes, ao qual está associado um não menos valioso património constituído pelas embarcações baleeiras e a sua palamenta e pelos edifícios e maquinaria que em terra deram corpo às actividades ligadas à baleação. Esse património corre o risco de se perder se não forem tomadas as medidas necessárias à manutenção e à revitalização do seu uso, agora não para a caça à baleia, mas para fins culturais, desportivos, de educação ambiental, lazer e turismo.
Urge, pois, estabelecer um conjunto de medidas de apoio à manutenção e fruição do património baleeiro que garanta a sua preservação e a transmissão para as gerações futuras dos saberes e das tradições ligadas à baleação.
Assim, a Assembleia Legislativa Regional dos Açores, nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 227.º da Constituição da República Portuguesa e da alínea c) do n.º 1 do artigo 32.º do Estatuto Político-Administrativo da Região Autónoma dos Açores, decreta:
CAPÍTULO I
Princípios gerais
Artigo 1.º
Objecto
O presente diploma define e caracteriza o património baleeiro regional e estabelece medidas e apoios destinados à respectiva inventarização, recuperação, preservação e utilização.
Artigo 2.º
Património baleeiro
1 - Para efeitos do presente diploma, consideram-se como património baleeiro regional, independentemente da sua propriedade:
a) Os imóveis e as infra-estruturas construídos ou adquiridos para a baleação e actividades associadas;
b) Os móveis, as maquinarias, os veículos, os equipamentos e demais acessórios utilizados na indústria baleeira;
c) As embarcações baleeiras e respectiva palamenta existentes ao tempo da cessação da actividade em cada uma das ilhas ou que tenham sido registadas durante a faina baleeira;
d) Dentes, peças feitas em marfim e osso de cachalote de reconhecido valor artístico ou significado cultural e museológico;
e) Objectos de arte com representações de actividade baleeira;
f) O acervo documental, nomeadamente contabilidade depositada em departamentos oficiais, matrículas e registos de propriedade de embarcações baleeiras ou afectas à actividade baleeira, e outros registos oficiais e ainda filmes, fotografias, registos magnéticos e de imagens, incluindo tudo o que haja sido recolhido pelos serviços oficiais em obediência a leis vigentes na época da exploração, ou mesmo por particulares, ou venha a sê-lo.
2 - Fazem parte do património baleeiro regional as regatas realizadas com os botes baleeiros.
Artigo 3.º
Classificação
A classificação dos bens considerados como património baleeiro será efectuada pelos serviços da Secretaria Regional de Educação e Assuntos Sociais, mediante parecer da comissão prevista no artigo 12.º
Artigo 4.º
Cadastro
1 - A Direcção Regional da Cultura manterá um cadastro de todos os bens classificados como património baleeiro regional.
2 - O cadastro referido no número anterior será acessível ao público.
Artigo 5.º
Objectivo dos apoios
Os apoios a conceder no âmbito do presente diploma têm como objectivo:
a) Comparticipar na reparação e manutenção de imóveis, móveis, infra-estruturas e equipamentos ligados à indústria baleeira;
b) Apoiar a reparação e manutenção de embarcações baleeiras, respectiva palamenta e demais equipamentos;
c) Realizar estudos sobre a história e a antropologia da baleação açoriana e salvaguardar o respectivo património documental;
d) Fomentar actividades educacionais, desportivas, de turismo e lazer relacionadas com o património baleeiro;
e) Apoiar a aquisição de equipamentos de segurança à navegação exigidos por lei.
Artigo 6.º
Classificação como património cultural
Os bens classificados como património baleeiro e como tal incluídos no cadastro referido no artigo 4.º do presente diploma podem também ser classificados como património cultural da Região, nos termos do Decreto Regional 13/79/A, de 16 de Agosto, ficando também sujeitos à respectiva disciplina.
CAPÍTULO II
Embarcações
Artigo 7.º
Tipos de embarcações
1 - Para efeitos do presente diploma, consideram-se embarcações baleeiras as lanchas de reboque e os botes, com matrículas baleeiras, as quais deverão ser mantidas nos seus cascos, de acordo com a alínea b) do n.º 3.º
2 - Uma embarcação para ser considerada lancha de reboque baleeira deve satisfazer cumulativamente os seguintes requisitos:
a) Ter sido construída ou adaptada especificamente para a actividade baleeira;
b) Ter sido utilizada na baleação nos mares dos Açores durante pelo menos um ano;
c) Ter operado a partir de um dos portos açorianos ligados à baleação.
3 - Uma embarcação para ser considerada bote baleeiro deve obedecer cumulativamente aos seguintes requisitos:
a) Ter sido construída de acordo com as técnicas tradicionais;
b) Manter as características específicas das embarcações e respectiva palamenta usadas na caça à baleia.
4 - Sem prejuízo dos apoios a conceder à manutenção e recuperação do património baleeiro, o Governo Regional poderá conceder apoios à construção de novos botes baleeiros para utilização em actividades desportivas, turísticas ou de lazer, não devendo os mesmos ser classificados como património baleeiro.
Artigo 8.º
Construção de novos botes baleeiros
1 - As pessoas ou entidades interessadas na construção de novos botes baleeiros deverão apresentar a sua candidatura no período indicado na portaria a que se refere o artigo 11.º
2 - A concessão dos apoios mencionados no número anterior será decidida pelo Secretário Regional da Educação e Assuntos Sociais, após parecer da comissão referida no artigo 12.º
3 - A lista de atribuição dos apoios será publicada no Jornal Oficial da Região Autónoma dos Açores.
Artigo 9.º
Competições desportivas
1 - Serão objecto de contrato-programa, a estabelecer em moldes idênticos às outras modalidades desportivas, as competições realizadas com botes baleeiros.
2 - As entidades que promovam competições desportivas utilizando botes baleeiros deverão remeter à Secretaria Regional da Educação e Assuntos Sociais o regulamento específico das provas para efeitos de homologação.
Artigo 10.º
Cedência de embarcações
1 - As embarcações baleeiras que sejam propriedade da Região podem ser cedidas às autarquias e a outras entidades sem fins lucrativos, mediante protocolo a celebrar com a Secretaria Regional da Educação e Assuntos Sociais.
2 - Os cessionários obrigam-se a:
a) Manter as embarcações em bom estado de conservação;
b) Utilizar as embarcações em actividades de educação ambiental e de divulgação da arte e memória da baleação;
c) Utilizar as embarcações em acções formativas e desportivas.
3 - O não cumprimento do estipulado no número anterior determinará a devolução imediata das embarcações à Região, que poderá cedê-las a outras entidades que se mostrem interessadas.
CAPÍTULO III
Apoios
Artigo 11.º
Apoios financeiros
1 - O apoio financeiro destinado à preservação e recuperação do património baleeiro regional e à construção de novos botes baleeiros será inscrito anualmente no Plano da Região pela Secretaria Regional da Educação e Assuntos Sociais.
2 - O Secretário Regional da Educação e Assuntos Sociais fixará por portaria o período de candidatura durante o qual os proprietários ou possuidores de bens classificados, nos termos do artigo 3.º, podem solicitar os respectivos apoios, bem como as regras a seguir na sua concessão.
Artigo 12.º
Comissão consultiva
1 - Por despacho do Secretário Regional da Educação e Assuntos Sociais será nomeada, pelo período de três anos, uma comissão consultiva para avaliação das candidaturas e apoios para os efeitos mencionados no artigo 3.º, com a seguinte composição:
a) O director do Museu da Ilha do Pico, responsável pelo Museu dos Baleeiros e pelo Museu de Indústria Baleeira, que presidirá;
b) Um representante de cada uma das entidades que promovam actividades no âmbito deste diploma;
c) Três personalidades de reconhecido mérito identificadas com a história e actividade baleeiras;
d) Dois representantes da AMRAA.
2 - A comissão elaborará uma proposta de distribuição dos apoios, a conceder no prazo de 30 dias após o termo do período de apresentação de candidaturas a ser submetidas ao Secretário Regional da Educação e Assuntos Sociais.
CAPÍTULO IV
Espólio documental e bolsas
Artigo 13.º
Fundos documentais
1 - No prazo de 90 dias após a entrada em vigor do presente diploma, deverão ser entregues à guarda do Museu dos Baleeiros, das Lajes do Pico, originais ou cópias do espólio documental relacionado com a baleação detido por entidades dependentes directa ou indirectamente da Administração da Região Autónoma dos Açores.
2 - O Museu dos Baleeiros, das Lajes do Pico, deverá organizar uma base de dados respeitante ao património baleeiro açoriano.
Artigo 14.º
Bolsas de estudo
1 - Poderão ser criadas bolsas de estudo destinadas à investigação relacionada com a baleação açoriana, com a biologia e conservação dos cetáceos em águas açorianas, com o artesanato respeitante à actividade, bem como para a aprendizagem de reparação e construção de embarcações baleeiras.
2 - A avaliação das candidaturas a bolseiro será feita pela comissão referida no n.º 3 do artigo 12.º
CAPÍTULO V
Disposições finais e transitórias
Artigo 15.º
Protocolos
1 - As entidades detentoras de embarcações propriedade da Região Autónoma dos Açores ficam obrigadas, no prazo de 90 dias após a entrada em vigor do presente diploma, a celebrar com a Secretaria Regional da Educação e Assuntos Sociais os protocolos referidos no artigo 10.º
2 - As entidades que o não façam perdem o direito de utilizar as embarcações, devendo devolvê-las à Região, que promoverá a sua cedência a outras entidades que se mostrem interessadas, dando-se preferência àquelas que se situem na mesma freguesia.
Artigo 16.º
Transferência e alienação
A transferência e a alienação, dentro e para o exterior da Região, de bens classificados ou susceptíveis de classificação como património baleeiro regem-se pelas normas do Decreto Regional 13/79/A, de 16 de Agosto, e demais legislação aplicável.
Artigo 17.º
Expropriação
O Governo Regional poderá promover a expropriação por utilidade pública dos imóveis classificados como património baleeiro regional quando o seu proprietário não ofereça as garantias suficientes da sua normal conservação, nos termos do diploma referido no artigo anterior.
Artigo 18.º
Entrada em vigor
O presente diploma entra em vigor no dia seguinte ao da sua publicação.
Aprovado pela Assembleia Legislativa Regional dos Açores, na Horta, em 18 de Junho de 1998.
O Presidente da Assembleia Legislativa Regional, Dionísio Mendes de Sousa.
Assinado em 17 de Julho de 1998.
Publique-se.
O Ministro da República para a Região Autónoma dos Açores, Alberto Manuel de Sequeira Leal Sampaio da Nóvoa.