Decreto-Lei 34/87
de 20 de Janeiro
1. Os transportes marítimos atravessam actualmente uma grave crise a nível mundial, caracterizada, em traços muito gerais, por excesso de tonelagem, fretes baixos e concorrência desleal.
A perda de mercados, em resultado da descolonização, a falta de condições e iniciativas de investimento e as condições de exploração penalizantes em que se desenvolve a actividade no nosso país acentuaram os efeitos da crise mundial e conferiram-lhes características singulares, traduzidas num preocupante défice de tonelagem na generalidade dos tipos de navios (excepção feita aos petroleiros) e numa frota envelhecida, em progressiva obsolescência tecnológica e com crescente perda de competitividade.
Ao nível da Comunidade Económica Europeia, está em desenvolvimento a formulação de uma nova política de transportes marítimos que visa, fundamentalmente, a introdução próxima da livre prestação de serviços e a consequente abolição dos proteccionismos que falseiam as condições de concorrência, sem prejuízo da ressalva dos mecanismos já existentes, durante um período transitório.
A situação descrita impõe a adopção de medidas para apoiar o reapetrechamento e o desenvolvimento da marinha de comércio portuguesa. Mas, simultaneamente, não dispensa a existência de um regime de preferência pela utilização de navios de bandeira portuguesa e de navios estrangeiros afretados por armadores nacionais, sem o qual a frota portuguesa não poderia actualmente manter-se e preparar a sua recuperação, o que poria em causa a garantia do regular abastecimento do País em produtos essenciais à sua subsistência e agravaria ainda mais o défice da balança de pagamentos.
Por outro lado, tem-se vindo a assistir à progressiva liberalização do comércio externo português, prevendo-se que nos próximos anos se opere o desarmamento total das situações proteccionistas existentes, particularmente ao nível das importações de um certo número de bens indispensáveis ao regular abastecimento do País. É, por isso, urgente proceder à revisão do regime de preferência instituído pelo Decreto-Lei 75-U/77, de 28 de Fevereiro, rectificado, com emendas, pela Lei 49/77, de 20 de Julho, o qual se revela totalmente desajustado ao novo esquema concorrencial do comércio externo português.
O presente diploma institui um mecanismo que liga o âmbito da preferência a mercadorias, e não a determinadas entidades, eliminando distorções eventualmente existentes, e libera uma quota significativa das mercadorias essenciais para o abastecimento do País importadas por cada carregador. No sentido de incentivar a progressiva competitividade da marinha de comércio portuguesa, condiciona-se a preferência, relativamente a maioria das mercadorias abrangidas, à prática de fretes ajustados aos vigentes no mercado de fretes internacionais.
Com o objectivo de fomentar a celebração entre carregadores e armadores nacionais de contratos de transporte marítimo por períodos superiores a dois anos, prevê-se um alargamento da percentagem de cargas liberadas relativamente às mercadorias transportadas ao abrigo desses contratos.
2. Neste mesmo diploma estabelece-se a nova disciplina a que obedece o transporte marítimo de mercadorias entre portos nacionais, revogando-se o Decreto-Lei 218/72, de 27 de Junho, que se mostrava desactualizado.
Mantém-se o princípio de que o tráfego entre esses portos é reservado a navios de bandeira portuguesa, mas não se exige que o armador que o pretenda efectuar os sirva regularmente, excepto durante um período transitório e apenas em relação aos tráfegos entre o continente e as regiões autónomas e entre portos destas.
Prevê-se igualmente que, após esse período transitório, nos casos em que o abastecimento das regiões autónomas exija o estabelecimento de linhas regulares entre portos do continente e daquelas regiões, o Estado determine, no âmbito de concurso público que realize para adjudicação desse transporte, as condições que pretende sejam observadas nesse tráfego e as correspondentes indemnizações compensatórias destinadas a cobrir a insuficiência de receitas face à prática de fretes fixados administrativamente.
Assim:
Ouvidos os Governos Regionais dos Açores e da Madeira:
O Governo decreta, nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 201.º da Constituição, o seguinte:
CAPÍTULO I
Regime de preferência
Artigo 1.º - 1 - A importação, por via marítima, de mercadorias essenciais para o abastecimento do País deve ser efectuada, num mínimo de 75% da respectiva tonelagem, em navios de bandeira portuguesa, ainda que afretados em casco nu com opção de compra, ou, na sua falta, em navios afretados por armadores nacionais, desde que em condições de frete ajustadas às vigentes no mercado internacional de fretes.
2 - A percentagem referida no n.º 1 reporta-se sempre à tonelagem importada anualmente por cada carregador.
3 - Os ministros responsáveis pelas áreas da alimentação, do comércio, da indústria e da marinha de comércio devem determinar, por portaria, para efeitos do disposto no presente diploma, quais as mercadorias que se consideram essenciais para o abastecimento do País.
4 - Considera-se que as condições do frete são ajustadas às vigentes no mercado internacional de fretes desde que:
a) Se o navio proposto for de bandeira portuguesa, o frete oferecido não exceda o menor dos fretes oferecidos pelo mercado internacional, num valor de referência a fixar por portaria dos membros do Governo referidos no n.º 3, ouvidas as associações empresariais de armadores e carregadores;
b) Se o navio proposto não for de bandeira portuguesa, as condições de frete não excedam as do mercado internacional.
Art. 2.º - 1 - Considera-se liberado o transporte marítimo de 25% da tonelagem das mercadorias essenciais ao abastecimento do País importadas por cada carregador, quantidade calculada por referência à tonelagem anteriormente transportada nos termos do estipulado nos n.os 1 e 2 do artigo anterior.
2 - Quando entre carregadores e armadores nacionais sejam celebrados, com conhecimento da Direcção-Geral da Marinha de Comércio (DGMC), contratos de transporte marítimo de mercadorias por período superior a dois anos, a percentagem liberada nos termos do número anterior será aumentada em quantidade correspondente à quinta parte das mercadorias abrangidas por cada um dos contratos.
Art. 3.º Quando a mercadoria a transportar for essencial ao abastecimento do País e não estiver liberada nos termos do disposto no artigo 2.º, considera-se liberada em qualquer das seguintes situações:
a) Se até três dias úteis após a consulta aos armadores estes não apresentarem quaisquer propostas ou propuserem condições de frete não ajustadas às vigentes no mercado internacional de fretes;
b) Quando não se verifique oferta de navio adequado e disponível para o transporte da mercadoria em causa;
c) Quando o carregador pretenda transportar, acondicionadas e em pequena quantidade, como carga parcial, mercadorias normalmente transportadas a granel;
d) Quando o armador não cumpra, por qualquer forma, as condições do contrato que firmou com o carregador para o transporte da mercadoria em causa.
Art. 4.º - 1 - Os carregadores devem, relativamente às cargas liberadas nos termos dos artigos 2.º e 3.º, informar imediatamente a DGMC:
a) Das razões que determinaram a não utilização de navio de bandeira portuguesa ou afretado por armador nacional;
b) Das condições de frete contratadas.
2 - Aquela Direcção-Geral deve apreciar a documentação apresentada pelos carregadores nos termos do número anterior, e, caso considere não haver violação do regime de preferência previsto neste capítulo, emitirá, no prazo de dois dias úteis, um documento de liberação de carga, que fará parte integrante do processo de desalfandegamento das mercadorias em causa.
3 - Sempre que a DGMC: considere que as informações prestadas por um carregador não correspondem aos termos da documentação apresentada deve imediatamente comunicar:
a) Ao carregador que vai realizar um inquérito para apuramento dos factos:
b) À Direcção-Geral das Alfândegas que o desalfandegamento das mercadorias em causa fica condicionado à decisão do inquérito referido na alínea anterior, cuja realização não pode exceder 72 horas, contadas desde o momento da comunicação da DGMC ao carregador.
4 - Se se verificar que uma mercadoria não foi transportada em navio de bandeira portuguesa ou afretado por armador nacional, com violação das regras estabelecidas nos artigos 2.º e 3.º, pode ser recusado o desalfandegamento dessa mercadoria, a solicitação da DGMC, sem prejuízo da aplicação das sanções previstas no artigo 10.º
Art. 5.º Os ministros responsáveis pelas áreas da alimentação, da indústria, do comércio e da marinha de comércio podem, por despacho conjunto, determinar a liberação do transporte de produtos essenciais sempre que estiver em causa o aprovisionamento normal do País.
Art. 6.º Para efeitos do disposto neste capítulo, a todos os armadores nacionais deve ser conferida pelos carregadores igualdade de tratamento.
CAPÍTULO II
Reserva de tráfego entre portos nacionais
Art. 7.º - 1 - O tráfego marítimo de passageiros e mercadorias entre portos nacionais é reservado a navios de bandeira portuguesa.
2 - A regra definida no número anterior pode ser afastada, desde que se observe no mercado uma insuficiência de oferta.
3 - Compete ao ministro responsável pela marinha de comércio fixar em portaria os termos em que a derrogação prevista no número anterior se exerce.
Art. 8.º - 1 - Até 31 de Dezembro de 1989 o tráfego entre portos do continente e das regiões autónomas e entre portos destas continua a ser explorado apenas pelos armadores que efectuem serviços regulares entre aqueles portos.
2 - Após a data prevista no n.º 1, sempre que o abastecimento das regiões autónomas exija o estabelecimento de linhas regulares entre portos do continente e destas regiões e entre portos das mesmas, praticando preços de transporte inferiores aos exigíveis pela cobertura dos respectivos custos de exploração, o Estado deve realizar concurso público para adjudicação desse transporte, no âmbito do qual sejam determinadas as condições que pretende que se observem nesse tráfego e as correspondentes indemnizações compensatórias dos prejuízos previsíveis em consequência do cumprimento dos fretes fixados.
CAPÍTULO III
Disposições finais
Art. 9.º - 1 - O respeito pelo cumprimento do disposto no presente diploma é verificado pela DGMC, a quem devem ser prestadas todas as informações que a mesma solicite para o efeito.
2 - Os carregadores devem, em Janeiro e Julho de cada ano, indicar àquela Direcção-Geral o volume total das mercadorias que importaram por via marítima durante o semestre anterior, o valor dos respectivos fretes e, bem assim, a quantidade das que, de entre aquelas, foram transportadas em navios de bandeira portuguesa ou afretados por armadores nacionais.
3 - A DGMC: deve recolher as informações necessárias, tanto dos armadores como dos carregadores, de modo a determinar anualmente os custos resultantes da aplicação deste diploma.
Art. 10.º - 1 - Quem importar ou transportar por via marítima mercadorias essenciais ao abastecimento do País em violação do disposto nos artigos 1.º, 2.º e 3.º e, bem assim, quem infringir o disposto nos artigos 4.º, n.º 1, 7.º, n.º 1, e 8.º, n.º 1, pratica contra-ordenação sancionável com coima de 300000$00 a 3000000$00.
2 - A violação do dever de informação previsto no artigo 9.º constitui contra-ordenação sancionável com coima de 100000$00 a 300000$00.
3 - O processamento das contra-ordenações e a aplicação das coimas competem à DGMC, sem prejuízo do disposto nos artigos 38.º, n.os 1 e 2, e 39.º do Decreto-Lei 433/82, de 27 de Outubro.
4 - Pode determinar-se, como sanção acessória das coimas previstas no n.º 1:
a) Que o infractor, se for carregador, não possa, durante um período fixado entre três meses e dois anos, utilizar navios que não arvorem bandeira portuguesa;
b) Que o infractor, se for armador, não beneficie, durante um período entre três meses e dois anos, do regime de preferência previsto neste diploma, ou, se a infracção respeitar à matéria regulada na capítulo II, que o armador não possa, durante um período com iguais limite mínimo e máximo, efectuar tráfego entre portos nacionais.
5 - Em tudo o que não está regulado neste artigo é aplicável o disposto no Decreto-Lei 433/82.
Art. 11.º Mantêm-se em vigor as disposições existentes sobre o transporte marítimo de combustíveis líquidos no domínio do abastecimento do País.
Art. 12.º São revogados o Decreto-Lei 218/72, de 27 de Junho, e o Decreto-Lei 75-U/77, de 28 de Fevereiro, bem como toda a legislação complementar.
Art. 13.º O presente diploma entra em vigor no dia 1 de Janeiro de 1987, devendo até esta data ser publicadas as portarias previstas no n.º 3 e na alínea a) do n.º 4 do artigo 1.º
Visto e aprovado em Conselho de Ministros de 13 de Novembro de 1986. - Aníbal António Cavaco Silva - Miguel José Ribeiro Cadilhe - Álvaro Roque de Pinho Bissaia Barreto - Fernando Augusto dos Santos Martins - João Maria Leitão de Oliveira Martins.
Promulgado em 7 de Janeiro de 1987.
Publique-se.
O Presidente da República, MÁRIO SOARES.
Referendado em 12 de Janeiro de 1987.
O Primeiro-Ministro, Aníbal António Cavaco Silva.