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Acórdão 6/96, de 24 de Julho

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Sumário

FIXA, MEDIANTE ASSENTO, A SEGUINTE JURISPRUDÊNCIA: DE ACORDO COM O DISPOSTO NO ARTIGO 2, NUMEROS 1 E 2, DO DECRETO-LEI 413/91, DE 19 DE OUTUBRO, - DEFINE O REGIME DE REGULARIZAÇÃO DE ACTOS DE PROVIMENTO DE AGENTES E FUNCIONÁRIOS DOS SERVIÇOS DOS MUNICÍPIOS -, O PESSOAL DOS MUNICÍPIOS PODE SER REGULARIZADO EM LUGARES DE ACESSO , INDEPENDENTEMENTE DE POSSUIR AS HABILITAÇÕES LEGAIS NECESSARIAS, DESDE QUE SE MOSTREM PREENCHIDOS OS REQUISITOS E RESPEITADOS OS CONDICIONALISMOS AÍ PREVISTOS. O PESSOAL ASSIM REGULARIZADO SÓ PODE SER PROMOVIDO NA RESPECTIVA CARREIRA DESDE QUE SEJA POSSUIDOR DAS HABILITAÇÕES LITERÁRIAS E DEMAIS REQUISITOS EXIGIDOS, CONFORME O DISPOSTO NO ARTIGO 5, NUMERO 4, DO MESMO DIPLOMA LEGAL. (RECURSO EXTRAORDINÁRIO NUMERO 9/95 (AUTOS DE RECLAMAÇÃO NUMERO 112/95)).

Texto do documento

Acórdão 6/96
Recurso extraordinário n.º 9/95 (autos de reclamação n.º 112/95). - Acordam em plenário geral do Tribunal de Contas:

1 - A Câmara Municipal do Barreiro, através do seu presidente, veio, ao abrigo do disposto nos artigos 6.º e seguintes da Lei 8/82, de 26 de Maio, interpor recurso extraordinário do Acórdão de 20 de Junho de 1995, proferido nos autos de reclamação n.º 112/95, em plenário da 1.ª Secção, com os seguintes fundamentos:

a) Este Tribunal, por acórdão proferido nos processos n.os 13359/93 e 13560/93 - Acórdão 125/93 -, insusceptível de impugnação por meio de recurso ordinário, interpretando o disposto no Decreto-Lei 413/91, de 19 de Outubro, designadamente nos seus artigos 2.º e 5.º, n.º 4, entendeu que a regularização de dois funcionários em lugar de acesso era possível, não obstante os mesmos não possuírem as habilitações legais exigíveis;

b) No acórdão ora recorrido, o Tribunal, em plenário da 1.ª Secção, confirmou a decisão n.º 1449/95, de 1 de Março de 1995, proferida no processo 9340/95, que recusou o visto à regularização de Joaquim Gaspar de Oliveira, como desenhador de especialidade principal, nos termos do referido Decreto-Lei 413/91, em virtude de o mesmo não possuir as habilitações legais exigíveis, pelo que o seu provimento só poderia ser feito na categoria de ingresso da respectiva carreira, conforme interpretação conjugada dos artigos 2.º, n.º 2, e 5.º, n.º 4, do referido diploma legal;

c) O Tribunal, no acórdão ora recorrido, não fez correcta interpretação da lei;

d) A regularização de Joaquim Gaspar de Oliveira deve ser feita ao abrigo do disposto no artigo 2.º, n.º 1, do referido diploma legal, dado que esta disposição legal também é aplicável a admissões em lugares de acesso;

e) O disposto no n.º 2 da mesma disposição legal só é aplicável aos provimentos em que o interessado tivesse beneficiado de tratamento mais favorável;

f) Só neste contexto faz sentido a norma do artigo 5.º, n.º 4. Ou seja, não sendo preocupação dominante do legislador que no momento da regularização todos os indivíduos fossem detentores das habilitações literárias legalmente exigíveis para o ingresso na carreira, considerou, em abono do princípio da justiça e da igualdade, dever assegurar que aqueles que não reunissem esse requisito habilitacional só pudessem ser de futuro promovidos quando viessem a ser portadores dessa habilitação.

2 - Admitido liminarmente o recurso e cumprido o disposto no n.º 2 do artigo 9.º da Lei 8/82, apenas o digno representante do Ministério Público tomou posição expressa quanto à questão, concluindo o seu douto parecer com a proposta do seguinte acórdão de fixação de jurisprudência:

«Face a um provimento directo em lugar de acesso de pessoal dos serviços de municípios e freguesias com violação de disposições legais geradoras de nulidade (a falta de habilitações legais é precisamente um dos vícios geradores de nulidade ou de inexistência jurídica) ou face a uma promoção de pessoal dos mesmos serviços com violação também das disposições legais geradoras de nulidade ou de inexistência jurídica de que não resultou, para o `funcionário' a regularizar, tratamento mais favorável do que o que decorreria do normal acesso na carreira, o mesmo deve ser regularizado no `respectivo lugar', desde que tivesse sido admitido há mais de três anos à data da entrada em vigor do Decreto-Lei 413/91 e tivesse desempenhado funções em regime de tempo completo, com sujeição à disciplina, categoria e hierarquia e horário do respectivo serviço, e de forma pacífica, pública e ininterrupta.»

3 - Corridos os demais vistos legais, impõe-se, antes do mais, verificar a existência dos pressupostos de prolação de assento de fixação de jurisprudência [artigo 24.º, alínea g), da Lei 86/89, de 8 de Setembro].

3.1 - O Acórdão 125/93, proferido nos processos n.os 13559/93 e 13560/93, no que ao caso importa, assentou na seguinte factualidade:

a) O acto sujeito a fiscalização prévia foi a nomeação de dois interessados (João Manuel e Eugénio) como técnicos-adjuntos principais (construção civil) da Câmara Municipal do Barreiro, ao abrigo do Decreto-Lei 413/91, de 19 de Outubro;

b) Por deliberação da Câmara de 21 de Dezembro de 1992, e com base na informação dos serviços, foi declarada nula e de nenhum efeito a reclassificação dos interessados como técnicos-adjuntos de construção civil principais, operada por deliberação de 2 de Agosto de 1987, por violação do artigo 51.º, conjugado com o artigo 63.º, do Decreto-Lei 247/87, de 17 de Junho;

c) O primeiro ingressou no quadro, como electricista de 2.ª, em 17 de Maio de 1978, estando à data da reclassificação como encarregado, por promoção nula por omissão de concurso;

d) O segundo ingressou no quadro como operário de 2.ª, tendo sido promovido à 1.ª classe em 17 de Maio de 1978, encontrando-se à data da reclassificação como encarregado de obras;

e) Não possuem as habilitações exigidas para a carreira de técnico-adjunto (curso de formação técnico-profissional de três anos de duração, além de nove anos de escolaridade) nem as legalmente equiparadas.

3.2 - No referido Acórdão 125/93 foi concedido o visto às nomeações em apreço com os seguintes fundamentos:

a) Não tendo os interessados os requisitos habilitacionais para a categoria e carreira em que foram reclassificados [artigo 13.º do Decreto-Lei 247/87 e artigo 20.º, n.º 1, alínea c), do Decreto-Lei 248/85, de 15 de Julho], também por isso tal reclassificação, operando uma admissão em lugar de acesso da carreira técnico-profissional, é nula;

b) Dado, porém, o tempo de serviço que os interessados exibem, caso tivessem as habilitações exigidas, poderiam ter um normal acesso às categorias onde foram reclassificados e onde ora são providos (mais de seis anos, três na 2.ª classe e três na 1.ª classe);

c) Deste modo, é de aceitar a regularização na categoria de técnico-adjunto principal, ao abrigo do artigo 2.º, n.º 1, do Decreto-Lei 413/91, sendo inócua a declaração de efeitos retroactivos face ao disposto no artigo 5.º, n.º 3, deste diploma;

d) Isto porque, face ao n.º 4 deste artigo 5.º, é admissível a regularização sem habilitações legalmente exigíveis, ficando porém os interessados impedidos de serem promovidos enquanto não adquirirem tais habilitações;

e) Da conjugação daquele normativo com os artigos 2.º, n.º 2, e 3.º, n.º 2, do mesmo diploma resulta que a admissão nula em categoria de acesso permite a regularização na mesma categoria se o interessado foi admitido há mais de três anos à data da entrada em vigor daquele diploma e se tem o tempo de serviço necessário para, caso ingressasse pela base, atingir normalmente essa categoria de acesso, independentemente de possuir as habilitações legais necessárias para o ingresso na carreira.

3.3 - Por sua vez, o acórdão ora recorrido, de 20 de Junho de 1995 (autos de reclamação n.º 112/95), no que à matéria do presente recurso importa, assentou nos seguintes factos:

a) O acto sujeito a fiscalização prévia foi a deliberação da Câmara Municipal do Barreiro, que determinou a regularização da situação de Joaquim Gaspar de Oliveira como desenhador de especialidade principal do seu quadro, nos termos do Decreto-Lei 413/91, de 19 de Outubro;

b) O referido interessado foi nomeado desenhador-decorador de 1.ª classe do quadro de pessoal da Câmara Municipal do Barreiro;

c) Ingressou no respectivo quadro em 1 de Abril de 1984;
d) Essa nomeação não foi precedida de qualquer concurso;
e) O interessado possuía então - tal como ainda hoje possui - a «frequência do 3.º ano do curso de aperfeiçoamento de desenhador-gravador litógrafo da Escola Secundária de António Arroio»;

f) Em 1985, o interessado passou a exercer funções de desenhador principal e em 1987 de desenhador-decorador principal;

g) Sempre, desde 1 de Abril de 1984, o interessado, por forma contínua, pacífica, pública e com sujeição à respectiva disciplina dos serviços, exerceu funções na Câmara Municipal do Barreiro;

h) Em sessão diária de visto de 1 de Março de 1995 (decisão n.º 1449/95), o Tribunal considerou que o ingresso na carreira de desenhador de especialidade exige a posse de um curso de formação técnico-profissional com duração não inferior a três anos, para além de nove anos de escolaridade - v. anexo I ao Decreto-Lei 247/87, de 17 de Junho -, sendo certo que à data do ingresso era legalmente exigível curso de uma escola de artes decorativas - anexo I ao Decreto-Lei 406/82, de 27 de Setembro;

i) Em virtude de o interessado não possuir as habilitações referidas na alínea anterior, o Tribunal, na mesma sessão diária e decisão, fazendo a interpretação conjugada dos artigos 2.º, n.º 2, e 5.º, n.º 4, do referido Decreto-Lei 413/91, concluiu que o provimento só poderia ser feito na categoria de ingresso na respectiva carreira e por isso decidiu recusar o visto ao processo;

j) Da decisão indicada nas duas alíneas anteriores ao Sr. Presidente da Câmara apresentou, atempadamente, reclamação, sobre a qual veio a recair o acórdão ora recorrido.

3.4 - No mencionado acórdão (ora recorrido), o Tribunal, em plenário da 1.ª Secção, fazendo interpretação das mesmas disposições legais - artigos 2.º, n.os 1 e 2, e 5.º, n.º 4, do Decreto-Lei 413/91, de 19 de Outubro -, negou provimento à reclamação e manteve a decisão reclamada, com os seguintes fundamentos:

Os provimentos em lugar de acesso pressupõem sempre que as pessoas cuja situação se regulariza possuam sempre as habilitações legais exigíveis;

Face à falta, por parte do interessado, das habilitações legais exigíveis para o lugar, é legalmente impossível regularizar a sua situação na forma pretendida.

3.5 - Do exposto se conclui que se verificam os pressupostos que viabilizam a fixação de jurisprudência, uma vez que, tendo transitado o Acórdão 125/93 (processos n.os 13559/93 e 13560/93), há oposição entre ele e o acórdão ora recorrido (de 20 de Junho de 1995 - autos de reclamação n.º 112/95) quanto a uma questão fundamental de direito, ambos foram proferidos no âmbito da mesma legislação (artigos 2.º, n.os 1 e 2, e 5.º, n.º 4, do Decreto-Lei 413/91, de 19 de Outubro) e perante idêntica situação factual (cf. assento 1/87, in Diário da República, 1.ª série, de 26 de Março de 1987).

Questão fundamental de direito que se pode enunciar nos seguintes termos:
De acordo com o disposto nos artigos 2.º, n.os 1 e 2, e 5.º, n.º 4, do Decreto-Lei 413/91, de 19 de Outubro, o pessoal dos municípios só pode ser regularizado em lugares de acesso desde que possua as habilitações legais exigíveis para o lugar a prover; ou, ao contrário,

De acordo com o disposto no artigo 2.º, n.os 1 e 2, do Decreto-Lei 413/91, de 19 de Outubro, o pessoal dos municípios pode ser regularizado em lugares de acesso, independentemente de possuir as habilitações legais necessárias, desde que se mostrem preenchidos os requisitos e respeitados os condicionalismos aí previstos. O pessoal assim regularizado só pode ser promovido na respectiva carreira desde que seja possuidor das habilitações literárias e demais requisitos exigidos, conforme o disposto no artigo 5.º, n.º 4, do mesmo diploma legal.

Quid juris?
4 - Conforme resulta do já exposto, as normas fundamentais a ter em conta para a resolução da questão enunciada são os artigos 2.º, n.os 1 e 2, e 5.º, n.º 4, do referido Decreto-Lei 413/91, a que acrescentaremos o artigo 1.º do mesmo diploma, dado o seu carácter genérico e enquadrador da questão.

Dispõe o artigo 1.º:
«O presente diploma define o regime de regularização da situação do pessoal do quadro dos serviços de municípios que tenha sido admitido para lugares de ingresso ou de acesso ou promovido com violação de disposições legais geradora de nulidade ou inexistência jurídica.»

E o artigo 2.º, n.os 1 e 2, estatui que:
«1 - O pessoal que tenha sido admitido para lugares de ingresso ou de acesso há mais de três anos à data da entrada em vigor do presente diploma e desempenhe funções em regime de tempo completo, com sujeição à disciplina, hierarquia e horário do respectivo serviço e de forma pacífica, pública e ininterrupta, considera-se provido nos respectivos lugares, sem prejuízo do disposto no número seguinte.

2 - Quando do provimento em lugar de acesso resultar tratamento mais favorável do que o que decorria do normal acesso na carreira, o provimento efectua-se, sem prejuízo das habilitações legais exigíveis, para a categoria que integre as funções que o funcionário efectivamente desempenha, no escalão 1 de categoria inferior, a determinar consoante os anos de serviço prestado, agrupados de acordo com os módulos de tempo de serviço exigíveis para a promoção na carreira.»

Por seu turno, o artigo 5.º, n.º 4, estabelece:
«O pessoal provido nos termos do presente diploma só pode ser promovido na respectiva carreira desde que

seja possuidor das habilitações literárias e demais requisitos exigidos por lei.»

5 - Enunciada a questão fundamental de direito e transcritas as normas essenciais com base nas quais se há-de encontrar a solução, há, finalmente, que tomar posição.

E desde já adiantamos que a solução que consideramos correcta é a atrás enunciada no n.º 3.5 em segundo lugar, perfilhada pelo Acórdão 125/93 (processos n.os 13559/93 e 13560/93), ou seja, em síntese, a de que o pessoal dos municípios pode ser regularizado em lugares de acesso independentemente de possuir as habilitações legais exigíveis.

Quanto aos argumentos que procuram fundamentar a tese contrária, adoptada no acórdão ora recorrido, diremos apenas que têm eles a ver essencialmente com a letra da lei, sustentando os seus defensores que a expressão «sem prejuízo das habilitações legais exigíveis», contida no artigo 2.º, n.º 2, tem de ser interpretada no sentido de que os provimentos em lugares de acesso pressupõem sempre que as pessoas cuja situação se regulariza possuam as habilitações legais exigíveis. E consideram que o disposto no artigo 5.º, n.º 4, só vem reforçar este entendimento.

Quanto aos fundamentos que nos levaram a perfilhar o entendimento contrário, vão ser seguidamente explicitados e certamente não se estranhará que coincidam, em grande parte, com os que têm sustentado os acórdãos que, no âmbito da 1.ª Secção, a esta tese têm aderido (um dos quais relatado pelo signatário - autos de reclamação n.º 208/95) e, bem assim, com os que têm sido expendidos nos votos de vencido nos acórdãos em que a tese contrária fez vencimento.

5.1 - O Decreto-Lei 413/91 tem natureza excepcional.
Como se diz no seu preâmbulo, o mesmo surgiu por se terem detectado, no âmbito dos serviços dos municípios, inúmeras situações em que as admissões de pessoal para lugares do quadro ou as promoções de funcionários resultaram de actos nulos ou juridicamente inexistentes.

Por outro lado, reconheceu-se que para a solução de muitas situações a jurisprudência e a doutrina recorreram à figura do «agente putativo», mas considerou-se que isso não era suficiente para a resolução da problemática, a que importava pôr termo por via legislativa.

Vem a propósito recordar que, conforme doutrina e jurisprudência assentes ou altamente dominantes, «agente putativo» é aquele que adquire o direito de ser mantido no lugar decorrido tempo razoável de exercício de funções de forma pacífica, pública e ininterrupta (cf. Marcello Caetano, vol. I, 10.ª ed., p. 421, e vol. II, p. 646; Esteves de Oliveira, Direito Administrativo, vol. I, p. 436, e declaração de voto de vencido do Sr. Conselheiro Alfredo José de Sousa in autos de reclamação n.º 188/94).

5.2 - Esse tempo de exercício de funções foi fixado em três anos à data da entrada em vigor do diploma em apreço - artigo 2.º, n.º 1.

De notar que deste dispositivo resulta, de forma clara e inequívoca, que os interessados, verificado o condicionalismo nele descrito, serão regularizados na situação em que se encontram, seja de ingresso ou de acesso.

Efectivamente, o mesmo começa por dizer «o pessoal que tenha sido admitido para lugares de ingresso ou acesso [...]» e mais à frente estipula «considera-se provido nos respectivos lugares». E ao enunciar os respectivos pressupostos não faz qualquer alusão à posse de habilitações literárias ou outras.

5.3 - Porém, o que poderia acontecer, quando a regularização se dá em lugar de acesso, é que estes interessados viessem a ficar em situação mais favorável do que aquela que decorreria do normal acesso na carreira. Situação que seria injusta e injustificável.

Daí o estipulado no n.º 2 da referida disposição, o qual visa unicamente impedir que esses casos venham a ocorrer. O que logo se depreende da forma como o legislador iniciou o texto: «Quando do provimento em lugar de acesso resultar tratamento mais favorável do que o que decorreria do normal acesso na carreira, [...]»

5.4 - Do exposto resultando que a expressão contida no referido n.º 2, «sem prejuízo das habilitações legais exigíveis», outro sentido não pode ter senão o de «independentemente de possuir as habilitações legais necessárias».

Interpretá-la no sentido oposto, ou seja, no de que «os provimentos em lugar de acesso pressupõem sempre que as pessoas cuja situação se regulariza possuam as habilitações legais exigíveis», como fez o acórdão recorrido, seria contrário à letra e ao espírito (ratio) da lei.

5.5 - Contrário à letra porque, a considerar-se a posse das habilitações um dos pressupostos da regularização, o lugar adequado para tal seria o n.º 1 da disposição. É aí que se indicam todos os outros pressupostos. Por que razão este «pressuposto», ainda por cima da máxima importância, apareceria desgarrado dos outros, num texto cuja finalidade é manifestamente a atrás indicada no n.º 5.3 e não a da enumeração dos pressupostos (tal como dissemos, é feita no n.º 1), e, como se tudo isto ainda não fosse suficiente, teríamos de concluir que o legislador se exprimiu de forma deficiente e altamente ambígua?

Por outro lado (como se diz no voto de vencido atrás citado no n.º 5.1), a lei, excepcionalmente, admite admissões directas em lugares de acesso (cf. artigo 28.º do Decreto-Lei 184/89, de 2 de Junho, artigo 41.º do Decreto-Lei 353-A/89, de 16 de Outubro, e artigo 6.º, n.os 8 e 9, do Decreto-Lei 427/89, de 7 de Dezembro).

Porém, em tais casos, a lei é bem explícita quanto aos requisitos habilitacionais e profissionais específicos exigidos.

Pelo que, no nosso caso, se o legislador tivesse querido exigir, como pressuposto da regularização, as habilitações legais exigíveis, não é razoável (e temos de pressupor que o legislador o é) que o não tivesse dito, igualmente, de forma bem explícita.

«Pelo menos teria dito, o legislador razoável, que a falta de tais habilitações implicaria a regularização em lugar adequado às habilitações detidas pelo interessado ou até em lugar de ingresso.» [Voto de vencido citado.]

5.6 - Como dissemos, também consideramos que o entendimento perfilhado no acórdão ora recorrido contraria o espírito (ratio) da lei.

É que resulta do Decreto-Lei 413/91, globalmente considerado (inclusive o preâmbulo), que a finalidade do legislador foi a de regularizar um vasto número de situações, para as quais a jurisprudência e a doutrina, mesmo recorrendo à figura do «agente putativo», não tinham conseguido encontrar solução adequada. Neste sentido, conforme já referimos, o diploma em causa tem carácter excepcional, na medida em que veio estabelecer regras específicas e com aplicação limitada no tempo, para sanar situações anómalas. O legislador, confrontado com um vasto número de ilegalidades (e note-se que não pretendem sanar só meras irregularidades, mas também actos nulos ou mesmo juridicamente inexistentes) nas admissões e promoções do pessoal dos municípios, como que quis passar uma esponja sobre tudo isso, verificado no passado, e prevenir que tais casos continuassem a ocorrer no futuro. Neste aspecto poderá até dizer-se que este diploma tem alguma semelhança com as leis da amnistia.

Ora, sendo esta a finalidade ou razão de ser da lei, qualquer interpretação restritiva (e a interpretação feita no acórdão ora recorrido é, no mínimo, bastante restritiva) é de afastar.

Vinha a propósito referir que, em muitos casos, um dos vícios (ou mesmo o único, como aconteceu no caso sobre que recaiu o acórdão ora recorrido) geradores da nulidade foi precisamente a falta das habilitações legais ou profissionais. Pelo que, interpretar a lei no sentido do acórdão ora recorrido seria limitar de forma significativa o seu campo de aplicação, frustrando assim a finalidade que o legislador se propôs.

5.7 - Bem se compreendendo, nesta óptica, o prescrito no artigo 5.º, n.º 4, do diploma (atrás transcrito no n.º 4, in fine).

Ou seja, uma vez regularizada a situação do funcionário, o mesmo só pode continuar a progredir na carreira se for possuidor das necessárias habilitações. Aqui a lei é bem clara na exigência das habilitações e nenhuma censura merece por isso, pois já não se trata de regularizar, a título excepcional, situações anómalas, mas antes de estabelecer critérios para os que assim foram regularizados poderem progredir na carreira.

O que está em perfeita consonância com a sua letra e espírito, pois, como já referimos, a lei, se por um lado visou sanar situações pretéritas anómalas, por outro lado quis «evitar que ocorram situações idênticas às que agora se regularizam», conforme é dito de forma expressa no seu preâmbulo.

Cabendo também perguntar se o legislador, neste preceito, se exprimiu de forma tão clara e inequívoca quanto à exigência das habilitações, por que razão não o teria feito no artigo 2.º, se tivesse sido essa a sua vontade?

A resposta, como se deduz de tudo o que já dissemos, parece-nos que só pode ser a de que o legislador, para a regularização, não exigiu as habilitações; exigindo-as sim para, após efectuada a regularização, o funcionário poder ser promovido na respectiva carreira. O que se nos afigura inteiramente justo.

5.8 - Em jeito de conclusão podemos dizer que a solução que defendemos é aquela que melhor reconstitui, tendo com base a letra da lei, o pensamento legislativo, tendo em conta a unidade do sistema jurídico e as circunstâncias em que o decreto-lei em apreço foi elaborado - artigo 9.º, n.º 1, do Código Civil.

6 - De todo o exposto resultando que o recurso é procedente por, em nossa opinião, o acórdão recorrido não ter feito correcta interpretação e aplicação das referidas disposições legais. E estando ele em contradição, quanto à mesma questão de direito, com o anterior, impõe-se decidir e fixar jurisprudência.

Termos em que acordam os juízes do plenário geral do Tribunal de Contas em:
a) Julgar procedente o recurso, revogando o acórdão recorrido e, em consequência, conceder o visto à regularização de Joaquim Gaspar de Oliveira como desenhador de especialidade principal do quadro de pessoal da Câmara Municipal do Barreiro;

b) Fixar, mediante assento, a seguinte jurisprudência:
De acordo com o disposto no artigo 2.º, n.os 1 e 2, do Decreto-Lei 413/91, de 19 de Outubro, o pessoal dos municípios pode ser regularizado em lugares de acesso, independentemente de possuir as habilitações legais necessárias, desde que se mostrem preenchidos os requisitos e respeitados os condicionalismos aí previstos.

O pessoal assim regularizado só pode ser promovido na respectiva carreira desde que seja possuidor das habilitações literárias e demais requisitos exigidos, conforme o disposto no artigo 5.º, n.º 4, do mesmo diploma legal.

Emolumentos pelo visto.
Cumpra-se o disposto no artigo 11.º da Lei 8/82, de 26 de Maio.
Diligências necessárias.
Lisboa, 5 de Junho de 1996. - Alfredo José de Sousa, presidente - Adelino Ribeiro Gonçalves, relator - Adélio Pereira André - António José Avèrous Mira Crespo - Manuel Cruz Pestana de Gouveia - José de Oliveira Moita - Alfredo Jaime Menéres Correia Barbosa (vencido nos termos da declaração de voto anexa) - Carlos Manuel Botelheiro Moreno - João Manuel Fernandes Neto - Manuel Raminhos Alves de Melo - José Alves Cardoso - José Faustino de Sousa - Arlindo Ferreira Lopes de Almeida - João Pinto Ribeiro - Ernesto Luís Rosa Laurentino da Cunha - Manuel Marques Ferreira. - Fui presente, José Manuel da Silva Pereira Bártolo.


Declaração de voto
A questão suscitada no presente processo diz respeito à admissibilidade, ao abrigo do disposto no Decreto-Lei 413/91, de 19 de Outubro, de regularização em lugares de acesso de pessoal que não possua as habilitações legais exigíveis.

E fez vencimento a tese que admite tal possibilidade com fundamento no disposto no artigo 2.º, n.os 1 e 2, do citado decreto-lei.

Cremos, no entanto, não ser essa a conclusão a extrair quer dessas quer das restantes disposições do mesmo diploma.

Com efeito, o Decreto-Lei 413/91 pretendeu regularizar a situação do pessoal admitido nos quadros dos municípios, em lugares de ingresso ou de acesso, ou promovido, com violação de disposições legais geradoras de nulidade ou de inexistência jurídica (artigo 1.º).

No que toca ao pessoal admitido em lugares de ingresso basta, para tanto, que a admissão tivesse tido lugar há mais de três anos. Quanto ao pessoal admitido em lugares de acesso, determina o n.º 2 do artigo 2.º que o provimento se efectue em categoria a determinar de acordo com os anos de serviço prestado, sem prejuízo das habilitações legais exigíveis para a categoria que integra as funções que o funcionário efectivamente desempenha.

Esta última exigência não pode deixar de significar que o provimento em lugares de acesso só pode ter lugar com respeito pelas exigências legais relativas a habilitações dos interessados, e não com prejuízo delas.

No caso de os interessados não possuírem tais habilitações, então a regularização da sua situação só é possível em categoria de ingresso, nos termos do n.º 1 do mesmo artigo, único caso em que para essa regularização não é necessária a posse das habilitações legais exigíveis.

Só desta forma seria possível garantir um tratamento equitativo relativamente a todos os funcionários não detentores dessas habilitações, designadamente atento o disposto no n.º 4 do artigo 5.º do aludido decreto-lei.

Pelas razões expostas, não podendo concordar com a jurisprudência que veio a merecer a aceitação do plenário, votei vencido o acórdão. - Alfredo Jaime Menéres Correia Barbosa.

Anexos

  • Extracto do Diário da República original: https://dre.tretas.org/dre/75878.dre.pdf .

Ligações deste documento

Este documento liga aos seguintes documentos (apenas ligações para documentos da Serie I do DR):

  • Tem documento Em vigor 1982-05-26 - Lei 8/82 - Assembleia da República

    Reapreciação dos actos pelo Tribunal de Contas, no caso de recusa de visto.

  • Tem documento Em vigor 1982-09-27 - Decreto-Lei 406/82 - Ministério da Administração Interna - Secretaria de Estado da Administração Regional e Local

    Dá nova redacção a vários artigos do Decreto-Lei n.º 466/79, de 7 de Dezembro, que aplica à Administração Autárquica o regime dos Decretos-Leis n.os 191-C/79 e 191-F/79, respectivamente de 25 e 26 de Junho.

  • Tem documento Em vigor 1985-07-15 - Decreto-Lei 248/85 - Presidência do Conselho de Ministros

    Reestrutura as carreiras da função pública.

  • Tem documento Em vigor 1987-03-26 - Assento 1/87 - Tribunal de Contas

    Nos estabelecimentos em regime de instalação previsto no artigo 2º, nºs 1 e 2, do Decreto-Lei nº 129/72, de 27 de Abril, ou equiparados, enquanto não forem publicados os respectivos quadros definitivos ou provisórios, não são admissíveis promoções nem concursos de acesso para funcionários ou agentes neles providos por contrato, ainda que possuam os requisitos gerais e especiais para ascenderem à categoria superior da carreira correspondente ao respectivo conteúdo funcional. (REC.EXTRAORD. 1/86)

  • Tem documento Em vigor 1987-06-17 - Decreto-Lei 247/87 - Ministério do Plano e da Administração do Território

    Estabelece o regime de carreiras e categorias, bem como as formas de provimento, do pessoal das câmaras municipais, serviços municipalizados, federações e associações de municípios, assembleias distritais e juntas de freguesia.

  • Tem documento Em vigor 1989-06-02 - Decreto-Lei 184/89 - Presidência do Conselho de Ministros

    Estabelece principios gerais de salários e gestão de pessoal da Função Pública.

  • Tem documento Em vigor 1989-09-08 - Lei 86/89 - Assembleia da República

    Reforma o Tribunal de Contas. Fixa a respectiva jurisdição e vários poderes de controlo financeiro atribuídos, no âmbito de toda a ordem jurídica portuguesa, tanto em território nacional como no estrangeiro.

  • Tem documento Em vigor 1989-10-16 - Decreto-Lei 353-A/89 - Presidência do Conselho de Ministros

    Estabelece regras sobre o estatuto remuneratório dos funcionários e agentes da Administração Pública e a estrutura das remunerações base das carreiras e categorias nele contempladas.

  • Tem documento Em vigor 1989-12-07 - Decreto-Lei 427/89 - Presidência do Conselho de Ministros

    Define o regime de constituição, modificação e extinção da relação jurídica de emprego na administração pública.

  • Tem documento Em vigor 1991-10-19 - Decreto-Lei 413/91 - Ministério do Planeamento e da Administração do Território

    DEFINE O REGIME DE REGULARIZAÇÃO DE ACTOS DE PROVIMENTO DE AGENTE E FUNCIONÁRIOS DOS SERVIÇOS DOS MUNICÍPIO E ESTABELECE SANÇÕES PARA A PRÁTICA DE ACTOS DE PROVIMENTO NULOS OU INEXISTENTES.

Ligações para este documento

Este documento é referido no seguinte documento (apenas ligações a partir de documentos da Série I do DR):

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