Acórdão 581/95 - Processos n.º 407/88
e 134/89
Acordam no Tribunal Constitucional:I - 1 - Um grupo de deputados do Partido Comunista Português requereu ao Tribunal Constitucional, nos termos do artigo 281.º, n.º 1, alínea a), da Constituição da República (redacção de 1982) e do artigo 51.º, n.º 1, da Lei 28/82, de 15 de Novembro, a declaração de inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, de todas as normas da Lei 107/88, de 17 de Setembro, que autoriza o Governo a rever o regime jurídico da cessação do contrato individual de trabalho e do contrato de trabalho a termo e o regime processual da suspensão e redução da prestação do trabalho.
O pedido é assim delimitado e fundamentado:
«I
A lei de autorização legislativa - que é uma nova lei - é procedimentalmente inconstitucional tal como o era, reconhecidamente, a primeira lei de autorização, porque não participaram na sua elaboração as organizações representativas dos trabalhadores.Esta participação tem de ser feita no processo legislativo na Assembleia da República, perante o órgão com competência legislativa, que não pode delegar, nem considerar-se sub-rogável no exercício da função necessária da audição cognoscitiva e participativa das organizações representativas dos trabalhadores. Violaram-se, assim, os artigos 55.º, alínea d), e 57.º, n.º 2, alínea a), da Constituição.
II
1 - O artigo 2.º, alínea a), da Lei 107/88, ao prever formas de cessação de contrato com base em causas objectivas não imputáveis a culpa do trabalhador, abre caminho à admissão de despedimentos que não sejam com `justa causa', violando o artigo 53.º da Constituição da República Portuguesa, ou seja, o direito à segurança no emprego.2 - O artigo 2.º, alínea f), em articulação com o artigo 1.º, n.º 1, alínea f), é materialmente inconstitucional, porque, ao determinar a uniformização do processo de despedimento, impõe a supressão das garantias processuais cautelares e prévias com a consequente revogação da Lei 64/79, violando a liberdade sindical e o direito à segurança no emprego (Constituição da República Portuguesa, artigos 53.º, 54.º, n.º 4, e 56.º, n.º 6).
Com efeito, a exigência de uma protecção anterior à decisão do despedimento é um elemento constitutivo da posição jurídico-material dos trabalhadores, enquanto trabalhadores e representantes dos trabalhadores.
3 - O artigo 2.º, alínea c), ao autorizar a emanação de um regime de menor protecção contra despedimentos em empresas com menos de 21 trabalhadores, viola o princípio da igualdade (artigo 13.º) e põe em causa o princípio da segurança no emprego (artigo 53.º).
4 - O artigo 2.º, alínea m), ao viabilizar a criação de um regime de despedimento automático e sem justa causa dos trabalhadores que atinjam os 70 anos (ficando a continuação da relação jurídica de emprego - obrigatoriamente a termo certo! - dependente da vontade unilateral da entidade patronal), viola o disposto nos artigos 13.º e 53.º
III
Embora seja um facto que a Lei 107/88, no seu extenso clausulado, não autorizou a alteração do elenco das causas subjectivas de despedimento (carecendo, pois, de habilitação legal prévia, nesse ponto, os projectos de diploma anunciados em diversas ocasiões pelo Governo), ocorre que na parte em que dispõe concedendo autorizações, a lei em referência, ao não definir claramente o sentido e a extensão de certas das autorizações que contém, permite soluções inconstitucionais (já divulgadas publicamente) e, ao que ora importa, viola o disposto no artigo 168.º, n.º 2, da Constituição, ao dispor como dispõe nas alíneas seguintes do n.º 2:e) Criação da indefinida figura do abandono do trabalho;
h) Alteração de regras dos despedimentos colectivos e dos regimes de redução e suspensão de prestação de trabalho;
j) Aludindo embora à `delimitação clara' das situações que legitimam a contratação a termo, a autorização omite qualquer indicação do respectivo sentido, sabendo-se que, por exemplo, o Governo entende que a qualidade de jovem ou de desempregado de longa duração devem constituir situação justificativa de contratação a termo !;
n) `Clarificação' (indefinida) da posição contratual dos trabalhadores cuja entidade empregadora morra ou extinga ou cesse a actividade por falência ou insolvência;
p) Sistematização e `clarificação' (sem fixação de sentido) das fases do processo de despedimento por comportamento culposo do trabalhador;
q) Estabelecimento de um regime punitivo `adequado' relativamente a infracções patronais.» Integram, pois, o objecto deste pedido:
a) As normas da Lei 107/88, de 17 de Setembro - todas as normas -, por violação do artigo 55.º, alínea d), e do artigo 57.º, n.º 2, alínea a), da Constituição da República Portuguesa, na redacção de 1982 (direito de as comissões de trabalhadores e as associações sindicais participarem na elaboração da legislação do trabalho);
b) As seguintes normas da mesma Lei 107/88, de 17 de Setembro:
Do artigo 2.º, alínea a), por violação do artigo 53.º da Constituição
(garantia de segurança no emprego);
Do artigo 2.º. alínea f), em conjugação com o artigo 1.º, n.º 1, alínea f), por violação dos artigos 53.º, 54.º, n.º 4, e 56.º, n.º 6, da Constituição (garantia de segurança no emprego e garantia de protecção dos membros das comissões de trabalhadores e dos representantes eleitos dos trabalhadores);Do artigo 2.º, alíneas c) e m), por violação dos artigos 13.º, e 53.º da Constituição (princípio da igualdade e garantia de segurança no emprego);
c) As normas do artigo 2.º, alíneas e), h), j), n), p) e q), por violação do artigo 168.º, n.º 2, da Constituição (dever de as leis de autorização legislativa definirem o sentido e a extensão da autorização).
(As normas constitucionais invocadas têm a redacção que resulta da primeira revisão da Constituição.) Notificado nos termos e para os efeitos do artigo 54.º da Lei do Tribunal Constitucional, o Presidente da Assembleia da República ofereceu o merecimento dos autos.
2 - Mais tarde, um grupo de deputados, também do Partido Comunista Português, requereu ao Tribunal Constitucional a declaração de inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, de todas as normas do Decreto-Lei 64-A/89, de 27 de Fevereiro, e do diploma a ele anexo, sobre o regime jurídico da cessação do contrato individual de trabalho, incluindo as condições de celebração e caducidade do contrato de trabalho a termo, e elaborado no uso da autorização concedida pela Lei 107/88, de 17 de Setembro.
Este pedido, que abriu o processo 134/89, é assim delimitado e fundamentado:
O Decreto-Lei 64-A/89, de 27 de Fevereiro, provém de uma autorização legislativa - a Lei 107/88, de 17 de Setembro - que é procedimentalmente inconstitucional, porque não participaram na sua elaboração as organizações representativas dos trabalhadores.
Não tendo havido essa participação no processo legislativo na Assembleia da República, o decreto-lei delegado padece do vício de inconstitucionalidade por flagrante violação dos artigos 55.º, alínea d), e 57.º, n.º 2, alínea a), da Constituição.
II
Os artigos 26.º a 33.º do diploma anexo ao decreto-lei preambular violam o artigo 53.º da Constituição da República.Na verdade, quando se prevê a cessação do contrato de trabalho por extinção de postos de trabalho com base em causas objectivas não imputáveis a culpa do trabalhador, o diploma abre caminho à admissão de despedimentos que não sejam com justa causa, violando o artigo 53.º da Constituição da República, ou seja, o direito à segurança no emprego.
III
A revogação da Lei 68/79, operada pelo artigo 2.º do decreto-lei preambular, viola os artigos 53.º, 54.º, n.º 4, e 56.º, n.º 6, da Constituição da República.E isto porque tal revogação não é acompanhada de garantias substantivas, cautelares e prévias que constituam protecção adequada aos representantes dos trabalhadores. Com efeito, a exigência de uma protecção anterior à decisão do despedimento é um elemento constitutivo da posição jurídico-material dos trabalhadores, enquanto trabalhadores e representantes dos trabalhadores.
Assim também se viola a liberdade sindical e o direito à segurança no emprego.
IV
O artigo 15.º do diploma anexo, ao prever um regime de menor protecção nas empresas com um número de trabalhadores não superior a 20, viola o princípio da igualdade (artigo 13.º) e o direito à segurança no emprego (artigo 53.º).
V
O n.º 2 do artigo 5.º do diploma anexo cria um regime de despedimento automático e sem justa causa dos trabalhadores que atinjam os 70 anos, passando tais trabalhadores, por mera imposição legal, à situação de contratados a prazo. Viola assim o disposto nos artigos 13.º e 53.º da Constituição da República.O n.º 1 do artigo 5.º, também pelos mesmos motivos, viola o disposto nos artigos 13.º e 53.º da Constituição da República.
VI
A alínea h) do artigo 2.º da Lei 107/88, de 17 de Setembro, previa a alteração das regras processuais de índole administrativa aplicáveis nos casos de despedimento colectivo.Ora, o decreto-lei revogou os artigos 13.º e 23.º do Decreto-Lei 372-A/75 - v.
artigo 2.º - e em subs tituição estabeleceu, quanto ao Ministério do Emprego e da Segurança Social, novas formas de intervenção(?) - artigos 19.º e 20.º do Decreto-Lei 64-A/89.
Só que o Ministério tem agora um papel puramente passivo, ao contrário do que acontecia no regime do Decreto-Lei 372-A/75.
Assim, alteraram-se também regras substantivas e não meramente processuais, uma vez que o Ministério do Emprego podia mesmo proibir os despedimentos.
Logo, com a revogação dos artigos do Decreto-Lei 372-A/75, operada pelo artigo 2.º do Decreto-Lei 64-A/89, e com os artigos 19.º e 20.º deste diploma, desrespeitou-se a autorização legislativa.
Pelo que estes artigos violam o artigo 168.º, n.º 2, da Constituição.
VII
A alínea h) do n.º 1 do artigo 41.º é manifestamente inconstitucional por violar o artigo 53.º - `Segurança no emprego' - e o artigo 13.º - `Princípio da igualdade' - da Constituição da República.Com efeito, mesmo que não haja qualquer outra justificação para tal, admite-se a contratação a prazo para:
a) Trabalhadores à procura do primeiro emprego;
b) Desempregados de longa duração;
c) Trabalhadores noutras situações previstas em legislação especial de política de emprego.
Também são inconstitucionais, por violarem o mesmo artigo, as alíneas e) e f) do n.º 1 do artigo 41.º, uma vez que consentem o contrato de trabalho a prazo sem que se verifique o carácter temporário da necessidade de mão-de-obra.
Para além disso, a situação prevista na parte final da alínea h) - trabalhadores noutras situações previstas em legislação especial de política de emprego - ultrapassa o que consta da autorização legislativa - alínea j) do artigo 2.º da Lei 107/88, de 17 de Setembro -, pelo que também aqui é violado o artigo 168.º, n.º 2, da Constituição. Também viola o mesmo artigo a parte final da alínea f) do n.º 1 do artigo 41.º e parte do n.º 2 do artigo 44.º (quando se refere ao prazo de três anos) pois não respeitam a alínea f) do artigo 2.º da lei de autorização legislativa. Não há, quanto à alínea f), quanto à alínea f), parte final, delimitação clara das situações que legitimam o contrato a termo, e não há, quanto *a parte do n.º 2 do artigo 44.º, redução da duração máxima, que já é de três anos.
VIII
O artigo 2.º do diploma anexo ao decreto-lei preambular prevê a natureza imperativa do regime estabelecido, violando-se desta forma o artigo 57.º da Constituição da República - direito à contratação colectiva.Mas, para além disso, verifica-se da leitura da Lei 107/88, de 17 de Setembro, que o Governo não tinha autorização para tal, pelo que também se mostra violado o artigo 168.º, n.º 2, da Constituição.
IX
O Governo também não dispunha de autorização legislativa para elaborar o artigo 3.º do decreto-lei preambular - `Sucessão de regimes' -, pelo que este artigo também viola o artigo 168.º, n.º 2, da Constituição.
X
O artigo 40.º do diploma anexo ao decreto-lei preambular - `Abandono do trabalho' -, na medida em que fixa uma presunção contra o trabalhador, viola o artigo 53.º da Constituição da República.
XI
O disposto no n.º 4 do artigo 8.º do diploma anexo ao decreto-lei preambular viola o direito ao salário previsto no artigo 60º da Constituição da República.O direito ao salário, entendendo-se por salário todas as prestações regulares e constantes, é, como o configura a Constituição, irrenunciável.
XII
O artigo 59.º do diploma anexo ao decreto-lei preambular - em correlação com o artigo 2.º do mesmo diploma - não corresponde à alínea l) do artigo 2.º da Lei 107/88.Com efeito, o único entendimento conforme à Constituição da referida alínea é o seguinte: a possibilidade de afastamento do regime do diploma é a regra, e a excepção são os aspectos insusceptíveis de alteração por via dos instrumentos de regulamentação colectiva.
Ora, no artigo 59.º procede-se ao invés, pelo que se viola o artigo 168.º, n.º 2, da Constituição.
XIII
O n.º 5 do artigo 60.º do decreto anexo ao decreto-lei preambular, na medida em que prevê a aplicação das multas previstas no artigo, nas acções cíveis, viola o artigo 32.º da Constituição da República - `Garantias de processo criminal'.
XIV
O n.º 1 do artigo 25.º do diploma anexo ao decreto-lei preambular, na medida em que proíbe aos trabalhadores que aceitarem o despedimento - mesmo que o tivessem aceite por falta de esclarecimento ou mesmo através de coacção - o uso da suspensão judicial do despedimento, viola o artigo 20.º da Constituição - `Acesso ao direito e aos tribunais'.» Integram, então, o objecto deste segundo pedido:a) As normas do Decreto-Lei 64-A/89, de 27 de Fevereiro, e as do diploma a ele anexo - todas as normas -, pois que, argumenta-se, derivam de uma lei de autorização - a Lei 107/88, de 17 de Setembro - formalmente inconstitucional, elaborada sem a participação das comissões de trabalhadores e das associações sindicais, em violação dos artigos 55.º, alínea d), e 57.º, n.º 2, alínea a), da Constituição;
b) As seguintes normas do Decreto-Lei 64-A/89, de 27 de Fevereiro:
Do artigo 2.º, na parte em que revoga a Lei 68/79, de 9 de Outubro, por violação dos artigos 53.º, 54.º, n.º 4, e 56.º, n.º 6, da Constituição (garantia de segurança no emprego e garantia de protecção dos membros das comissões de trabalhadores e dos representantes eleitos dos trabalhadores);
Do artigo 2.º, na parte em que revoga o Decreto-Lei 372-A/75, de 16 de Julho, e em conjugação com os artigos 19.º e 20.º, do diploma anexo, por violação do artigo 168.º, n.º 2, da Constituição (dever de o Governo, no uso de autorização legislativa, respeitar os limites dessa autorização);
Do artigo 3.º (sucessão de regimes), por violação do artigo 168.º, n.º 2, da Constituição (dever de o Governo, no uso de autorização legislativa, respeitar os limites dessa auto-rização).
c) As seguintes normas do diploma anexo ao Decreto-Lei 64-A/89, de 27 de Fevereiro:
Do artigo 2.º (natureza imperativa do regime estabelecido), por violação dos artigos 57. ºe 168.º, n.º 2, da Constituição (direito à contratação colectiva e dever de o Governo respeitar os limites da autorização legislativa);
Do artigo 5.º, n.º 1 e 2 (reforma por velhice), por violação dos artigos 13.º e 53.º da Constituição (princípio da igualdade e garantia de segurança no emprego);
Do artigo 8.º, n.º 4 (forma escrita da revogação por acordo das partes), por violação do artigo 60.º da Constituição (direito ao salário).
Do artigo 15.º (despedimentos nas pequenas empresas), por violação dos artigos 13.º e 53.º da Constituição (princípio da igualdade e garantia de segurança no emprego);
Dos artigos 19.º e 20.º (intervenção do Ministério do Emprego e da Segurança Social), em conjugação com o artigo 2.º do decreto-lei preambular, na parte em que revoga o Decreto-Lei 372-A/75, de 16 de Julho, por violação do artigo 168.º, n.º 2, da Constituição (dever de o Governo respeitar os limites da autorização legislativa);
Do artigo 25.º, n.º 1 (suspensão judicial do despedimento), por violação do artigo 20.º da Constituição (acesso ao direito e aos tribunais);
Dos artigos 26.º a 33.º (cessação do contrato de trabalho, por extinção de postos de trabalho, não abrangida por despedimento colectivo), por violação do artigo 53.º da Constituição (garantia de segurança no emprego);
Do artigo 41.º, n.º 1, alíneas e), f) e h) (admissibilidade do contrato a termo), por violação dos artigos 13.º e 53.º da Constituição, sendo as alíneas h) e f) inconstitucionais também por violação do artigo 168.º, n.º 2, da Constituição;
Do artigo 44.º, n.º 2 (renovação do contrato a termo certo), por violação do artigo 168.º, n.º 2, da Constituição (dever de o Governo respeitar os limites da autorização legislativa);
Do artigo 59.º (negociação colectiva), em conjugação com o artigo 2.º, por violação do artigo 168.º, n.º 2 (dever de o Governo respeitar os limites da autorização legislativa);
Do artigo 60.º, n.º 5 (multas), por violação do artigo 32.º da Constituição (garantias de processo criminal).
(As normas constitucionais invocadas têm aqui também a redacção que resulta da primeira revisão da Constituição.) Notificado nos termos e para os efeitos do artigo 54.º da Lei do Tribunal Constitucional, o Primeiro-Ministro sustentou, em resposta, a tese da não inconstitucionalidade das normas - todas as normas - do Decreto-Lei 64-A/89, de 27 de Fevereiro. E juntou parecer nesse sentido do Prof. Doutor Marcelo Rebelo de Sousa.
Este processo, que tem o n.º 134/89, foi incorporado no anterior, o que tem o n.º 407/88. Assim o determinou o Ex. Presidente do Tribunal Constitucional, em despacho de 6 de Novembro de 1989, com o seguinte teor:
«Embora o objecto do presente pedido de declaração de inconstitucionalidade não seja formalmente coincidente com o do processo 407/88, a verdade é que respeitam ambos à mesma ou às mesmas questões fundamentais, não fazendo sentido que o Tribunal emita acórdão em cada um desses processos e que estes sejam tratados separadamente. Há-de entender-se, pois, que se está perante processos com `objecto idêntico', no sentido do artigo 64.º, n.º 1, da Lei do Tribunal Cons-titucional - entendido este preceito, como cumpre, não em termos puramente literais ou formais.
Assim, e de harmonia com o disposto no dito artigo 64.º, n.º 1, determino a incorporação dos presentes autos no dito processo 407/88.» II - O direito de participação das organizações de trabalhadores na legislação do trabalho. O problema da sua incidência no momento da elaboração da lei de autorização legislativa: a questão de constitucionalidade (formal) da Lei 107/88, de 17 de Setembro (lei de autorização legislativa) e do Decreto-Lei 64-A/89, de 27 de Fevereiro.
1 - A arguição de inconstitucionalidade formal é fundada na inexistência, ao nível da produção da lei de autorização legislativa, de participação das comissões de trabalhadores e das associações sindicais. Afirma-se no pedido que isso afronta as normas dos artigos 55.º, alínea d), e 57.º, n.º 2, alínea a), da Constituição (redacção de 1982), e que, por isso, serão inconstitucionais todas as normas da lei 107/88, de 17 de Setembro (lei de autorização legislativa) e, em consequência, todas as normas do Decreto-Lei 64-A/89, de 27 de Fevereiro, que foi elaborado no uso daquela autorização.
2 - Lembremos, agora, os momentos essenciais do procedimento que conduziu à Lei 107/88, de 17 de Setembro:
1.º Proposta de lei 35/V [aprovada no Parlamento em reunião plenária de 15 de Abril de 1988, e dando origem ao decreto 81/V da Assembleia da República (Diário da Assembleia da República, 1.ª série, n.º 74, pp. 2859 e segs.)];
2.º Envio ao Presidente da República deste decreto para promulgação;
3.º Requerimento ao Tribunal Constitucional da fiscalização preventiva
de constitucionalidade;
4.º Acórdão 107/88 (Diário da República, 1.ª série, de 21 de Junho de 1988), que se pronuncia pela inconstitucionalidade de várias normas do decreto 81/V, com referência, entre outras, às normas dos artigos 55.º, alínea d), e 57., n.º 2, alínea a), da Constituição (redacção de 1982). O controlo de constitucionalidade era neste acórdão incidente tão-só sobre as normas questionadas pelo Presidente da República (princípio do pedido) e, em razão disso, só a estas normas se estendeu o juízo de inconstitucionalidade formal;5.º Devolução do decreto 81/V à Assembleia da República e apreciação e votação na especialidade das propostas de alteração (Diário da Assembleia da República, 1.ª série, n.º 115, de 13 de Julho de 1988).
3 - As normas em apreço, da Lei 107/88, de 17 de Setembro, e do Decreto-Lei 64-A/89, de 27 de Fevereiro, apresentam-se com evidente carácter de «legislação do trabalho». Pelo próprio conteúdo material, elas subentram naquele conjunto de regras que regulam «as relações individuais e colectivas de trabalho, bem como os direitos dos trabalhadores enquanto tais e suas organizações», que, enfim, tratam «os direitos fundamentais dos trabalhadores reconhecidos na Constituição», para lembrar as formulações da jurisprudência constitucional (cf., entre outros, os Acórdãos n.º 31/84, 451/87, 15/88, 107/88 e 64/91, Diário da República, 1.ª série, de 17 de Abril de 1984, 14 de Dezembro de 1987, 3 de Fevereiro de 1988, 21 de Junho de 1988 e 11 de Abril de 1991).
4 - No preâmbulo da Lei 107/88, de 17 de Setembro, que agora se analisa, não existe uma qualquer referência a prévia audição das organizações representativas dos trabalhadores.
O Presidente da Assembleia da República, uma vez notificado para se pronunciar sobre o pedido de apreciação de constitucionalidade da mesma lei, apenas ofereceu o merecimento dos autos.
Assim, não fica ilidida a presunção de não exercício do direito de participação, que se retira da ausência, no preâmbulo da lei de autorização, de uma referência à audição pública das organizações representativas dos trabalhadores (sobre esta presunção, cf., entre outros, os Acórdãos do Tribunal Constitucional n.º 451/87, 15/88, 61/91, 24/92, 93/92, Diário da República, 1.ª série, de 14 de Dezembro de 1987, de 3 de Fevereiro de 1988, 1. série-A, de 1 de Abril de 1991, de 11 de Junho de 1992, e 1.ª série-A, de 28 de Maio de 1992).
É, pois, aqui, necessário perguntar pela participação das comissões de trabalhadores e das associações sindicais na produção legislativa. Essa participação configura-se como um direito institucional e orgânico, garantido nos artigos 54.º, n.º 5, alínea d), e 56.º, n.º 2, alínea a), da Constituição àquelas organizações e tem que ver com o asseguramento da representação de interesses, associando uma dimensão atinente a opções de organização de poder político democrático (dimensão participativa) a uma dimensão de defesa dos trabalhadores (dimensão de garantia de direitos fundamentais).
Porque na funcionalidade que detém vai envolvido um desiderato de conformação das opções legislativas - as que se dirigem à vida do trabalho e aos direitos dos trabalhadores - sobre este direito de participação se suscitou uma ampla controvérsia acerca da oportunidade do seu exercício no momento da elaboração das leis de autorização legislativa. Destas leis, dizem uns, que são apenas relevantes no plano do direito constitucional, que são leis formais sobre a produção jurídica, apenas se efectivando com a emissão do decreto-lei autorizado. E, assim, as normas que contém não serão mais do que normas de (re)distribuição de competência do Parlamento ao Governo.
Limitadas, pois, a uma lógica de delimitação de poderes, constituindo mais uma injunção ao Governo-legislador do que à vida, na mesma tese, as normas da lei de autorização não apresentariam aquela densidade própria de «normas acabadas» do decreto-lei autorizado, de modo a constituírem o momento adequado para o exercício de influência em que afinal se traduz aquela funcionalidade do direito de participação das organizações de trabalhadores.
É, no essencial, sobre este pressuposto que as declarações de voto de vencido nos Acórdãos n.º 107/88 e 64/91 (cits.) assentam uma ideia de desnecessidade do exercício desse direito de participação no momento da autorização legislativa para referirem a suficiência, em face da Constituição, de uma participação ao nível do decreto-lei autorizado.
Ao contrário, numa segunda tese, afirma-se a eficácia externa imediata das leis de autorização legislativa. A ideia, expressa no Acórdão 107/88 e, depois, no Acórdão 64/91 do Tribunal Constitucional (cits.), é a de que as suas normas condicionam a acção legislativa do Governo, que só pode ser desencadeada pela ocorrência daquela autorização e nos termos e limites dos ditados por ela estabelecidos. Daí que os enunciados essenciais do decreto-lei do Governo se achem já pré-definidos na lei de autorização. Esta tese - que obteve vencimento na jurisprudência constitucional - reconheceu nas leis de autorização legislativa um lugar adequado ao exercício do direito de participação das comissões de trabalhadores e associações sindicais.
Tratando, é claro, matéria essencial do trabalho, relativa aos direitos fundamentais dos trabalhadores, as leis de autorização apresentariam suficiente densidade para tornar útil aquela participação. Constituiriam, assim, «legislação do trabalho» no sentido do programa das normas dos artigos 54.º, n.º 5, alínea d), e 56.º, n.º 2, alínea a), da Constituição.
Este entendimento da existência de um desiderato constitucional de participação das organizações de trabalhadores nas leis de autorização legislativa, levando ao enfoque do modo dessa participação, teve desenvolvimentos distintos no Acórdão 107/88 e no Acórdão 64/91:
a) No procedimento que conduziu à Lei 107/88, de 17 de Setembro, o Presidente da República fez submeter a fiscalização preventiva de constitucionalidade o decreto da Assembleia da República n.º 81/V, que autorizava o Governo a rever «o regime jurídico da cessação do contrato individual de trabalho, do contrato de trabalho a termo e o regime processual da suspensão e redução da prestação do trabalho». O Tribunal Constitucional proferiu então o Acórdão 107/88 (cit.) e, entre o mais, pronunciou-se pela inconstitucionalidade formal das normas do decreto 81/V que ali constituíam o objecto do pedido. Afirmou, a propósito:
«Como se pode extrair do ofício do Presidente da Assembleia da República de fl. 29 e também do Diário da Assembleia da República, 1.ª série, n.º 73, de 15 de Abril de 1988, e 2.ª série, n.º 66, de 20 de Abril de 1988, não só à Assembleia da República ``não foram fornecidas as opiniões das organizações de trabalhadores colhidas pelo Governo durante a apreciação pública a que se alude na `exposição de motivos' da proposta de lei 35/V, ou seja, sobre o projecto de diploma publicado em separata no Boletim do Trabalho e Emprego, de 17 de Dezembro de 1987'', como também nela não se procedeu `autonomamente à audição das organizações representativas dos trabalhadores' sobre a matéria daquela proposta de lei.
Cabe então averiguar se desta ocorrência não resultou afectado, de modo constitucionalmente irremissível, o procedimento legislativo que produziu o decreto agora submetido à fiscalização deste Tribunal.» E depois de uma incursão na temática da natureza das leis de autorização legislativa e de fazer subentrar aquele decreto 81/V no que a Constituição designa de «legislação do trabalho», concluiu:
«Adquirido este apuramento conceitual, e tendo presente que a única participação das organizações dos trabalhadores de que nos autos se dá notícia - aquela a que se alude na exposição de motivos da proposta de lei - se situou numa fase preliminar, de `pré-procedimento legislativo', aquando da preparação pelo Governo do texto da sua proposta, e cujo resultado, como se viu, não foi levado ao conhecimento da Assembleia da República, cabe perguntar se o quadro assim traçado importará a violação das normas constitucionais que dispõem sobre a audição dos trabalhadores.
À luz desta realidade deveria, desde logo, colocar-se a questão de saber se o direito de participação dos trabalhadores exigia, no caso concreto, que a respectiva audição fosse desencadeada directamente pela própria Assembleia da República, ou se bastava que a este órgão de soberania fossem fornecidas as opiniões emitidas durante a consulta efectuada pelo Governo antes ainda da apresentação da proposta de lei. Todavia, não se torna necessário decidir aqui estas questões - que se deixam em aberto - visto que, como já se referiu, não só não teve lugar qualquer consulta levada a efeito pela própria Assembleia da República, como também a esta não foi dado conhecimento pelo Governo das opiniões e outros elementos eventualmente por ele recolhidos aquando da audição das organizações dos trabalhadores, na fase preparatória da proposta de lei.
Ora, isto basta para se dever concluir no sentido de que as normas questionadas pelo Presidente da República, enquanto normas de legislação do trabalho, violam o disposto nos artigos 55.º, alínea b), e 57.º, n.º 2, alínea a), da Constituição.» Não se decidiu, pois, sobre a suficiência ou não, em ordem ao exercício do direito constitucional de participação das organizações de trabalhadores na lei de autorização legislativa, de uma informação do Governo ao Parlamento sobre a intervenção e o debate daquelas organizações no momento da produção da proposta de lei correspondente. Ficou em aberto a resposta à pergunta de se essa informação constitui uma alternativa válida à consulta directa e autónoma pelo Parlamento das organizações de trabalhadores.
b) Haveria de ser mais tarde o Acórdão 64/91, no controlo de um outro diploma, a afirmar o segundo termo daquela alternativa, ou seja, a afirmar que deveria ser a Assembleia da República ela própria a proceder à audição das organizações de trabalhadores.
5 - Na emergência, agora, de uma resposta ao problema de constitucionalidade formal da Lei 107/88 (lei de autorização legislativa) e, também, em consequência, do Decreto-Lei 64-A/89, que foi emitido no uso daquela autorização, há-de ver-se que:
1) Desde logo, não há inconstitucionalidade para quem empreende uma interpretação segundo a qual as leis de autorização legislativa são meras leis formais sobre a produção jurídica, não se fazendo a esse nível sentir o desiderato constitucional do exercício do direito de participação das organizações de trabalhadores.
2) Também não há inconstitucionalidade para quem, assentando no pressuposto contrário de que sobre as leis de autorização legislativa deve incidir aquele direito de participação, afirma que este direito se realiza com suficiência pela comunicação ao Parlamento dos debates e críticas efectuadas aquando da elaboração da proposta de lei correspondente. É que, está bem de ver, esta interpretação implica perguntar se, no caso, depois da pronúncia de inconstitucionalidade do Tribunal Constitucional no Acórdão 107/88, houve ou não lugar a uma tal comunicação ao Parlamento. Ora, que assim foi, demonstra-o o debate parlamentar que ocorreu no momento da alteração do decreto 81/V. Esse debate não é um debate em torno da questão da existência de uma comunicação ao Parlamento da participação dos trabalhadores mas em torno da sua suficiência constitucional [cf. as intervenções dos deputados Joaquim Marques, Herculano Pombo e Miguel Galvão Teles (Diário da Assembleia da República, 1.ª série, n.º 115, de 13 de Julho de 1988, pp. 4645, 4646 e 4654; Diário da Assembleia da República, 1.ª série, n.º 119., de 21 de Julho de 1988, pp. 4759 e 4760)].
3) E ainda, numa outra interpretação, como aquela que obteve vencimento no Acórdão 64/91, segundo a qual a consulta das organizações de trabalhadores deve ser realizada directa e autonomamente pela Assembleia da República, há-de ver-se que não há por que ter como ilegítimo o procedimento de elaboração da Lei 107/88 em face dos artigos 55.º, alínea d), e 57.º, n.º 2, alínea a), da Constituição (redacção de 1982). É que, neste caso, a Assembleia da República cumpriu a exigência mínima que o Acórdão 107/88 do Tribunal Constitucional havia formulado em termo de alternativa. A legiferação tinha então como ponto de referência a jurisprudência desse mesmo acórdão, pelo que as regras de boa fé não permitem aqui um julgamento de inconstitucionalidade.
4) Finalmente, numa outra interpretação, e para quem as razões antes expendidas ainda não sejam decisivas, sublinha-se que, com esse fundamento, a inconstitucionalidade formal da Lei 107/88 não deve ter-se hoje já por relevante, pois que o Decreto-Lei 64-A/89, posteriormente emitido no uso dessa autorização, foi ele mesmo objecto da audição das organizações representativas de trabalhadores. Ora, como se afirmou no Acórdão 285/92 (Diário da República, 1.ª série-A, de 17 de Agosto de 1992), «assim sendo, e sem prejuízo do que o Tribunal tem afirmado quanto à audição pública referente a normas contidas em autorizações legislativas, tendo o diploma autorizado sido submetido a apreciação prévia pelas organizações sindicais, será de concluir que o desiderato substantivo do disposto nos artigos 54.º, n.º 5, alínea d), e 56.º, n.º 2, alínea a), da Constituição, no que à matéria em causa se refere, se encontra plenamente consumido pela audição promovida pelo Governo».
Não se concluindo, assim, pela inconstitucionalidade formal da Lei 107/88, de 17 de Setembro, nem, em consequência, pela inconstitucionalidade orgânica do Decreto-Lei 64-A/89, de 27 de Fevereiro, proceder--se-á por uma ordem que é, em traços gerais, a dos pedidos, ao confronto das normas impugnadas com outros lugares da Constituição.
III - A garantia constitucional da segurança no emprego: as normas do artigo 2.º, alínea a), da Lei 107/88 e dos artigos 26.º, 27.º, 28.º, 29.º, 30.º, 31.º, 32.º e 33.º do diploma anexo ao Decreto-Lei 64-A/89.
1 - A Constituição, no artigo 53.º, garante aos trabalhadores «a segurança no emprego, sendo proibidos os despedimentos sem justa causa ou por motivos políticos ou ideológicos». Esta garantia constitui uma manifestação essencial da fundamentalidade do direito ao trabalho e da ideia conformadora de dignidade que lhe vai ligada. Por via dela se afirma em modo paradigmático a influência jus-fundamental nas relações entre privados, que não é aí apenas uma influência de irradiação objectiva, mas uma influência de ordenação directa das relações contratuais do trabalho.
E é também o valor da autonomia que se realiza no programa da norma constitucional do artigo 53.º. A Constituição deixa claro o reconhecimento de que as relações do trabalho subordinado não se configuram como verdadeiras relações entre iguais, ao jeito das que se estabelecem no sistema civilístico dos contratos. A relevância constitucional do «direito ao lugar» do trabalhador envolve um desvio claro da autonomia con-tratual clássica e do «equilíbrio de liberdades» que a caracteriza. É que as normas sobre direitos fundamentais detêm, no plano das relações de trabalho, uma eficácia de protecção da autonomia dos menos autónomos.
Aqui é evidente o desiderato constitucional de ligação da liberdade fáctica e da liberdade jurídica. A Constituição faz depender a validade dos contratos não apenas do consentimento das partes no caso particular, mas também do facto de que esse consentimento «se haja dado dentro de um marco jurídico-normativo que assegure que a autonomia de um dos indivíduos não está subordinada à do outro» (C. S. Nino, Ética y Derechos Humanos, Buenos Aires, 1984, p. 178).
A segurança no emprego implica, pois, a construção legislativa de um conjunto de meios orientados à sua realização. Desde logo, estão entre esses meios a excepcionalidade dos regimes da suspensão e da caducidade do contrato de trabalho e da sua celebração a termo. Mas a proibição dos despedimentos sem justa causa apresenta-se como elemento central da segurança no emprego, como a «garantia da garantia».
Enquanto pauta de valoração, que carece de preenchimento, a «justa causa» implica uma abertura hermenêutica à estrutura geral da Constituição e à ordem de valores que entranha essa estrutura. Se bem que a «justa causa» se subtraia a uma definição conceptual, excluindo assim um método subsuntivo para lhe conferir operatividade, ela não pode ter-se como «fórmula vazia pseudonormativa» compatível «com todas ou quase todas as formas concretas de comportamento e regras de comportamento [...] Ao invés, contém uma ideia jurídica específica» [Karl Larenz, referindo-se às pautas de regulação que carecem de preenchimento valorativo e exemplificando precisamente com a «justa causa» (Metodologia da Ciência do Direito, trad.
portuguesa, 2.ª ed., a partir da 5.ª ed. alemã de 1983, Lisboa, 1989, pp.
263-264)].
A interpretação tem pois de fazer apelo aos valores da dignidade e da autonomia e aos paradigmas do Estado social de direito. O critério de medida da legislação haverá de ter em conta que para a ordem constitucional o trabalho constitui um importante meio de auto-realização do indivíduo, que o trabalhador é «um fim em si», não é um simples meio para os planos de vida do empregador, e também que - como afirma Forsthoff - para a ordem da Constituição Social, «a realidade da concreta existência individual deixou de se desenvolver num espaço vital dominado e passou a desenvolver-se num espaço vital efectivo» (Ernest Forst-hoff, «Problemas constitucionales del Estado Social», in Wolfgang Abendroth/Ernest Forsthoff/Karl Doehring, El Estado Social, trad. castelhana, Madrid, 1986, pp. 43 e segs.).
Essa ideia tem expressão exemplar no Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 107/88 (cit.): «[...] A garantia de segurança do emprego [...] postula, desde logo, a garantia da estabilidade da posição do trabalhador na relação de trabalho e de emprego e a sua não funcionalização aos interesses da entidade patronal. E esta verificação não pode deixar de interpenetrar o verdadeiro sentido da justa causa para despedimento e a avaliação constitucional que sobre ela se empreenda» (sublinhado agora).
2 - Da justa causa retira-se, no essencial, que o trabalhador não pode ser privado do trabalho por mero arbítrio do empregador. A garantia constitucional da segurança no emprego significa, num certo sentido, como afirmam Gomes Canotilho e Vital Moreira, uma «alteração qualitativa do estatuto do titular da empresa» que, assim, «não goza de liberdade de disposição sobre as relações de trabalho» (Constituição da República Portuguesa Anotada, 3.ª ed., Coimbra, 1993, p. 287).
Na teleologia da norma do artigo 53.º da Constituição está pois a ideia de que a estabilidade do emprego envolve uma «resistência» aos desígnios do empregador, que ela não pode ser posta em causa por mero exercício da vontade deste.
Este sentido nuclear assinalou-o a jurisprudência constitucional ao conceito de justa causa e à garantia, que funda, da segurança no emprego. Em vários momentos deixa claro que em nenhuma circunstância estão justificados os despedimentos arbitrários ou discricionários.
O Acórdão 107/88 (cit.) perguntava se a garantia constitucional da segurança no emprego admitia apenas a justa causa disciplinar como fundamento de despedimento (existência de culpa grave do trabalhador) ou se admitia também «despedimentos fundados em causas objectivas não imputáveis a culpa do empregador e que, em cada caso concreto, tornem praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho». E se bem que se não houvesse aí concretizado uma resposta definitiva para o problema, advertiu-se logo para que a eventual admissibilidade de despedimentos fundados em causas objectivas haveria de pressupor um particular sistema (legal) de garantias substantivas e de procedimento.
Este acórdão - que empreendera um longo excurso pela legislação laboral anterior aos trabalhos preparatórios da Constituição - afirmou ainda que não cabia na «intenção jurídico-normativa» da norma constitucional do artigo 53.º o ressurgimento da figura do motivo atendível que o Decreto-Lei 372-A/75 erigira em causa de despedimento e definira como «o facto, a situação ou circunstância objectiva, ligado à pessoa do trabalhador ou à empresa, que dentro dos condicionalismos da economia da empresa, torne contrária aos interesses desta e aos interesses globais da economia a manutenção da relação de trabalho».
Mesmo para quem não empreenda esta aproximação «originalista» da norma constitucional, é clara a ideia - aliás, expressamente assumida no mesmo acórdão - de que a essencialidade da justa causa está na não funcionalização do trabalho aos interesses do empregador ou à mera conveniência da empresa. Ideia que vem também estruturar a argumentação do Acórdão 64/91 (cit.): aqui, é retomado o problema que se deixara em aberto no primeiro acórdão, da determinação dos fundamentos de cessação do contrato de trabalho constitucionalmente admissíveis. Diz-se: «[...] ao lado da `justa causa' disciplinar, a Constituição não vedou em absoluto ao legislador ordinário a consagração de certas ausas de rescisão unilateral do contrato de trabalho pela entidade patronal com base em motivos objectivos, desde que as mesmas não derivem de culpa do empregador ou do trabalhador e que tornem praticamente impossível a subsistência do vínculo laboral.» O acórdão adverte para que, neste caso dos despedimentos por causa objectiva, se impõe a instituição de garantias substantivas e de procedimento. Entre essas garantias estão a de determinação das causas (com suficiente concretização dos conceitos da lei), da controlabilidade das situações de impossibilidade objectiva, e do asseguramento ao trabalhador de uma indemnização.
3 - Manifestamente, a Constituição não quis afastar as hipóteses de desvinculação do trabalhador naquelas situações em que a relação de trabalho não tem viabilidade de subsistência e que não são imputáveis à livre vontade do empregador. A cessação do contrato de trabalho tem aqui um fundamento que radica na mesma lógica de legitimação dos despedimentos colectivos.
Para usar a formulação do Acórdão 64/91 (cit.), «a verdadeira impossibilidade objectiva de subsistência da relação laboral é que justifica a legitimidade constitucional dos despedimentos colectivos [...] Ora, é uma impossibilidade análoga que há-de justificar também (aqui) os despedimentos individuais [...]».
Nos despedimentos por causa objectiva não existe o pressuposto da culpa, com a censura ético-jurídica que lhe vai ligada. A emergência da cessação do vínculo laboral não deriva de qualquer facto que o trabalhador houvesse que ter prevenido com a sua própria vontade. E também não é imputável ao empregador. «A inviabilidade [do contrato] respeita a todos, é uma impossibilidade objectiva» (Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, vol. II, 5.ª ed., Coimbra, 1992, pp. 66-67).
Ao decidir sobre a validade dos despedimentos concretamente declarados, o tribunal abstrai dos pontos de vista relativos à culpa para erigir em critério de decisão as causas e circunstâncias que a lei ligou àquela impossibilidade. A garantia constitucional da segurança no emprego exige aqui que o «direito do sistema» seja já, na maior medida possível, «direito do problema», direito operativo que não regulação aberta capaz de potenciar despedimentos arbitrários, judicialmente incontroláveis.
Esta ordem de considerações deve ser convocada para o julgamento de constitucionalidade das normas em apreço do artigo 2.º, alínea a), da Lei 107/88 e dos artigos 26.º, 27.º, 28.º, 29.º, 30.º, 31.º, 32.º e 33.º, do diploma anexo ao Decreto-Lei 64-A/89. Também essas normas tratam formas de cessação do contrato individual de trabalho fora do âmbito da justa causa disciplinar. Dispõem assim:
«Artigo 2.º
A legislação a estabelecer pelo Governo [...] assentará nos seguintes princípios fundamentais:a) Previsão de formas de cessação do contrato de trabalho com base em causas objectivas não imputáveis a culpa do empregador ou do trabalhador, fundadas em motivos económicos, tecnológicos, estruturais ou de mercado, relativos à empresa, estabelecimento ou serviço que, em cada caso concreto, tornem praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho, estabelecendo-se, para o efeito, uma adequada regulamentação substantiva e processual, rodeada de um particular quadro de garantias substantivas dos direitos dos trabalhadores.» A este artigo 2.º, alínea a), da Lei 107/88 corresponde, no diploma anexo ao Decreto-Lei 64-A/89, a secção II («Cessação do contrato de trabalho, por extinção de postos de trabalho, não abrangida por despedimento colectivo») do capítulo V («Cessação de contratos de trabalho, por causas objectivas de ordem estrutural, tecnológica ou conjuntural relativas à empresa»), integrada pelas normas dos artigos 26.º a 33.º Decreto-Lei 64-A/89:
«Artigo 26.º
Motivos de extinção de posto de trabalho
1 - A extinção de posto de trabalho justificada por motivos económicos ou de mercado, tecnológicos ou estruturais, relativos à empresa, determina a cessação do contrato de trabalho, desde que se verifiquem as condições previstas no artigo seguinte.
2 - Para efeitos do número anterior, consideram-se:
a) Motivos económicos ou de mercado - comprovada redução da actividade da empresa provocada pela diminuição da procura de bens ou serviços ou a impossibilidade superveniente, prática ou legal, de colocar esses bens ou serviços no mercado;
b) Motivos tecnológicos - alterações nas técnicas ou processos de fabrico ou automatização dos equipamentos de produção, de controlo ou de movimentação de cargas, bem como informatização de serviços ou automatização de meios de comunicação;
c) Motivos estruturais - encerramento definitivo da empresa, bem como encerramento de uma ou várias secções, ou estrutura equivalente, provocado por desequilíbrio económico-financeiro, por mudança de actividade ou por substituição de produtos dominantes.
Artigo 27.º
Condições de cessação do contrato de trabalho
1 - A cessação do contrato de trabalho prevista no artigo anterior só pode ter lugar desde que, cumulativamente, se verifiquem os seguintes requisitos:
a) Os motivos invocados não sejam imputáveis a culpa do empregador ou do trabalhador;
b) Seja praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho;
c) Não se verifique existência de contratos a termo para as tarefas correspondentes às do posto de trabalho extinto;
d) Não se aplique o regime previsto no artigo 16.º (despedimento colectivo);
e) Seja posta à disposição do trabalhador a compensação devida.
2 - Havendo na secção ou estrutura equivalente uma pluralidade de postos de trabalho de conteúdo funcional idêntico, a entidade empregadora, na concretização de postos de trabalho a extinguir, observará, por referência aos respectivos titulares, os critérios a seguir indicados, pela ordem estabelecida:
1.º Menor antiguidade no posto de trabalho;
2.º Menor antiguidade na categoria profissional;
3.º Categoria profissional de classe inferior;
4.º Menor antiguidade na empresa.
3 - A subsistência da relação de trabalho torna-se praticamente impossível desde que, extinto o posto de trabalho, a entidade empregadora não disponha de outro que seja compatível com a categoria do trabalhador ou, existindo o mesmo, aquele não aceite a alteração do objecto do contrato de trabalho.
4 - Os trabalhadores que nos três meses anteriores à data da comunicação referida no n.º 1 do artigo seguinte tenham sido transferidos para determinado posto de trabalho que vier a ser extinto têm direito a reocupar o posto de trabalho anterior, com garantia da mesma remuneração de base, salvo se este também tiver sido extinto.
Artigo 28.º
Comunicações
1 - Para os efeitos previstos nos artigos anteriores, a entidade empregadora deve comunicar, por escrito, à comissão de trabalhadores ou, na sua falta, à comissão intersindical ou comissão sindical respectiva a necessidade de extinguir o posto de trabalho e a consequente cessação do contrato do trabalhador que o ocupe.2 - A comunicação a que se refere o número anterior deve igualmente ser feita a cada um dos trabalhadores envolvidos e enviada ao sindicato representativo dos mesmos, quando sejam representantes sindicais.
3 - A comunicação a que se referem os números anteriores deve ser acompanhada de:
a) Indicação dos motivos invocados para a extinção do posto de trabalho, com identificação da secção ou unidade equivalente a que respeitam;
b) Indicação das categorias profissionais e dos trabalhadores abrangidos.
Artigo 29.º Processo
1 - Dentro do prazo e nos termos previstos no artigo 24.º da Lei 46/79, de 12 de Setembro, a estrutura representativa dos trabalhadores deve, em caso de oposição à cessação, emitir parecer fundamentado do qual constem as respectivas razões, nomeadamente quanto aos motivos invocados, quanto à não verificação dos requisitos previstos nas alíneas a) a d) do n.º 1 do artigo 27.º ou quanto à violação das prioridades a que se refere o n.º 2 do mesmo artigo, bem como as alternativas que permitam atenuar os seus efeitos.2 - Dentro do mesmo prazo podem os trabalhadores abrangidos pronunciar-se nos termos do número anterior.
3 - A estrutura representativa dos trabalhadores e cada um dos trabalhadores abrangidos podem, nos três dias úteis posteriores à comunicação referida nos n.º 1 e 2 do artigo 28.º, solicitar a intervenção da Inspecção-Geral do Trabalho para fiscalizar a verificação dos requisitos previstos nas alíneas c) e d) do n.º 1 e no n.º 2 do artigo 27.º 4 - A Inspecção-Geral do Trabalho, no prazo de sete dias contados da data de recepção do requerimento referido no número anterior, elaborará relatório sobre a matéria sujeita à sua fiscalização, o qual será enviado à entidade requerente e à entidade empregadora.
Artigo 30.º
Cessação do contrato de trabalho
1 - Decorridos cinco dias sobre o prazo previsto nos n.º 1 e 2 do artigo anterior, em caso de cessação do contrato de trabalho, a entidade empregadora proferirá, por escrito, decisão fundamentada de que conste:a) Motivo da extinção do posto de trabalho;
b) Confirmação dos requisitos previstos nas alíneas a) a d) do artigo 27.º, com justificação de inexistência de alternativas à cessação do contrato do ocupante do posto de trabalho extinto ou menção da recusa de aceitação das alternativas propostas;
c) Indicação do montante da compensação, bem como o lugar e forma do seu pagamento;
d) Prova do critério de prioridades, caso se tenha verificado oposição quanto a este;
e) Data da cessação do contrato.
2 - A decisão será comunicada, por cópia ou transcrição, à entidade referida no n.º 1 do artigo 28.º e, sendo o caso, à mencionada no n.º 2 do mesmo artigo e, bem assim, aos serviços regionais da Inspecção-Geral do Trabalho.
Artigo 31.º
Direitos dos trabalhadores
Aos trabalhadores cujo contrato de trabalho cesse nos termos da presente secção aplica-se, com as devidas adaptações, o disposto nos artigos 21.º e 22.º e nos n.º 1, 2 e 3 do artigo 23.ºArtigo 32.º
Nulidade da cessação do contrato
1 - A cessação do contrato de trabalho é nula se se verificar algum dos seguintes vícios:a) A inexistência do fundamento invocado;
b) Falta dos requisitos previstos no n.º 1 do artigo 27º c) Violação dos critérios enunciados no n.º 2 do artigo 27.º;
d) Falta das comunicações prevista no artigo 28.º;
e) Falta de pagamento da compensação devida nos termos do artigo anterior.
2 - A nulidade só pode ser declarada em tribunal, em acção intentada pelo trabalhador com essa finalidade.
3 - As consequências da nulidade são as previstas no artigo 13.º para o despedimento declarado ilícito.
Artigo 33.º
Providência cautelar de suspensão da cessação do contrato
1 - O trabalhador pode requerer a suspensão judicial da cessação do contrato no prazo de cinco dias úteis contados da recepção da comunicação a que se refere o n.º 2 do artigo 30.º 2 - A providência cautelar de suspensão da cessação do contrato é regulada nos termos previstos no Código de Processo do Trabalho para o despedimento com justa causa, com as devidas adaptações.» Estas normas são aqui analisadas na sua inter-relação de sistema, e isso sem pôr em causa a autonomia da norma do artigo 2.º, alínea a), da Lei 107/88.
É importante reter os traços essenciais do regime concreto que constroem: a caracterização das causas de despedimento, as suas condições substantivas e processuais e as garantias asseguradas ao trabalhador.
Desde logo, a norma do artigo 2.º, alínea a), da Lei 107/88 não afronta a garantia constitucional da segurança no emprego. Ali, as causas objectivas de cessação do contrato de trabalho são ordenadas a uma circunstância de impossibilidade prática, de inexigibilidade da permanência do contrato.
Segundo o programa da norma, essas causas devem revelar «a inexistência ou inadequação prática de medida alternativa à extinção do vínculo» (Monteiro Fernandes). Depois, não devem ser em qualquer caso imputáveis a culpa do empregador. Finalmente, está o Governo-legislador incumbido de instituir, quanto a essas formas de cessação, um sistema adequado de garantias substantivas e de procedimento.
A norma vem, por este modo, ao encontro dos pressupostos que o Acórdão 107/88, ao analisar o decreto 81/V, já ensejava para a admissibilidade -que então não discutiu - dos despedimentos por causa objectiva.
Ora, é justamente o desiderato estabelecido na norma do artigo 2.º, alínea a), da Lei 107/88, que se realiza nas normas dos artigos 26.º a 33.º do Decreto-Lei 64-A/89. Aqui, o Governo exerce uma competência normativa que tem os limites e se ordena aos fins ditados na lei de autorização.
Nas normas dos artigos 26.º a 33.º do Decreto-Lei 64-A/89, o legislador exige, no sentido da Constituição, uma motivação justa, processualmente adequada, judicialmente controlável e com pagamento de uma indemnização para os despedimentos por causa objectiva. Para isso, explicita as causas [motivos económicos ou de mercado, motivos tecnológicos, motivos estruturais (artigo 26.º, n.º 1 e 2)], impõe a verificação cumulativa de certas condições [artigo 27.º, n.º 1, alíneas a), b), c), d) e e)] e também critérios para a «concretização dos postos de trabalho a extinguir» (artigo 27.º, n.º 2).
Dentre as condições a que se subordina a cessação do contrato de trabalho relevam, em especial, a de não imputabilidade dos motivos invocados a culpa do empregador [artigo 26.º, n.º 1, alínea a)], a de impossibilidade prática da subsistência do vínculo [artigo 26.º, n.º 1, alínea a)] e a não existência de contratos a termo para as tarefas correspondentes às do posto de trabalho extinto [artigo 26.º, n.º 1, alínea a)], para além da garantia - que mais se afirma como garantia a posteriori - de uma indemnização. E relevam porque aí se revêem os traços essenciais da justificação que a garantia constitucional de segurança no emprego exige aos despedimentos por causa objectiva: a não disponibilidade do empregador sobre a relação de trabalho, a emergência da resolução do contrato como «imperativo prático» (Monteiro Fernandes), a inexistência de formas contratuais a termo para as tarefas correspondentes ao posto de trabalho a extinguir, aqui se consubstanciando um «controlo de prognoses» (Gomes Canotilho e Vital Moreira) sobre a permanência no futuro das causas de extinção do vínculo.
A condição de impossibilidade prática de subsistência do contrato (artigo 26.º, n.º 3) é mesmo especialmente concretizada por forma a poder-se constituir em critério de valoração para o controlo do despedimento. Esse critério - que é, de novo, explicitado na norma do artigo 30.º, n.º 1, alínea b) - é o da inexistência de uma alternativa razoável à cessação do vínculo.
Mas no sistema das normas em análise relevam ainda garantias adequadas de procedimento: a entidade empregadora deve comunicar às estruturas representativas dos trabalhadores a intenção de extinguir os postos de trabalho em causa (artigo 28.º). Essas estruturas e o trabalhador podem «em caso de oposição à cessação, emitir parecer fundamentado» e «solicitar a intervenção da Inspecção-Geral do Trabalho» (artigo 29.º).
A decisão de despedimento deve ser fundamentada, entre o mais, com a indicação dos motivos e «justificação de inexistência de alternativas à cessação do contrato do ocupante do posto de trabalho extinto» (artigo 30.º) e comunicada ao trabalhador e seus representantes e também à Inspecção-Geral do Trabalho.
O Decreto-Lei 64-A/89 define ainda as causas de nulidade do despedimento cujo controlo é cometido ao tribunal (artigo 32.º) e institui a providência cautelar da suspensão de cessação do contrato (artigo 33.º).
Finalmente, garante ao trabalhador os direitos a aviso prévio, crédito de horas e compensação pecuniária por despedimento (artigo 31.º, remetendo para os artigos 21.º, 22.º, n.º 1, 2 e 3, e 23.º).
A cessação do contrato de trabalho por causas objectivas, prevista nas normas dos artigos 26º. a 33. do diploma anexo ao Decreto-Lei 64-A/89, não afronta a garantia constitucional da segurança no emprego. Aí estão suficientemente determinadas as causas objectivas e a sua ligação à circunstância da impossibilidade prática de subsistência do vínculo laboral, aí se afasta expressamente a liberdade de «disposição» do empregador, aí se estabelecem garantias adequadas de procedimento. Essas normas radicam a cessação do contrato de trabalho na ideia de que a manutenção do trabalho deixou de ser possível ou proporcionada em certas situações. E têm a determinabilidade exigível para oferecer ao juiz critérios de controlo dos despedimentos concretamente declarados.
IV - As garantias dos representantes eleitos dos trabalhadores: as normas do artigo 2.º, alínea f), da Lei 107/88 e do artigo 2.º do Decreto-Lei 64-A/89 (na parte em que revoga a Lei 68/79, de 9 de Outubro).
Dispõem assim:
«Artigo 2.º
A legislação a estabelecer pelo Governo [...] assentará nos seguintes princípios fundamentais:f) Uniformização do processo de despedimento dos representantes dos trabalhadores, ainda que rodeado de um particular quadro de garantias substantivas, com recondução da competência para a decisão do despedimento à entidade empregadora como detentora do poder disciplinar na empresa;».
Esta norma deve ser lida em articulação com a do artigo 1.º, n.º 1, alínea f), da mesma lei, que autoriza o Governo a revogar a Lei 68/79, de 9 de Outubro.
«Artigo 2.º
Norma revogatória
São revogados o [...] e a Lei 68/79, de 9 de Outubro.» 1 - Estas normas são, no pedido, confrontadas com a garantia constitucional da segurança no emprego (Constituição da República Portuguesa, artigo 53.º), na relação de sentido que tem com a garantia constitucional de protecção dos representantes dos trabalhadores (Constituição da República Portuguesa, artigos 54.º, n.º 4, e 56.º, n.º 6, na redacção de 1982). Argumenta-se, ali, que a revogação da Lei 68/79 (que instituiu um regime de protecção específica no emprego dos representantes dos trabalhadores, aí relevando a imposição da via judicial para a concretização dos despedimentos) «não é acompanhada de garantias substantivas, cautelares e prévias» que realizem uma protecção adequada daqueles trabalhadores.2 - A garantia de uma protecção específica dos representantes dos trabalhadores - que a Constituição não define, mas remete para a competência do legislador - funda-se na necessidade de obviar ao risco «acrescido» de despedimento que sobre os mesmos recai pelo exercício da sua actividade sindical ou de defesa dos trabalhadores no sector da empresa: a segurança no emprego está, com efeito, mais vulnerabilizada ali onde o trabalhador protagoniza ele mesmo a organização, a força e a reivindicação que na bipolaridade da relação de trabalho se opõe à entidade patronal.
A protecção da lei intervém a corrigir o desequilíbrio real que se verifica entre a situação dos membros das comissões de trabalhadores e delegados sindicais e a dos demais trabalhadores. A funcionalidade que desenvolve orienta-se imediatamente à garantia subjectiva da segurança no emprego dos seus destinatários (Constituição da República Portuguesa, artigo 53.º). Mas é também meio de protecção objectiva da própria auto-organização dos trabalhadores e da liberdade sindical (Constituição da República Portuguesa, artigo 54.º e artigos 56.º e 55º nas redacções de 1982 e 1989, respectivamente). Esta liberdade - que para o ser exige condições de transparência e de não constrangimento - seria sempre limitada se os trabalhadores associassem o exercício das funções sindicais ao risco de insegurança no emprego (cf. os Acórdãos n.º 122/86, Diário da República, 2.ª série, de 6 de Agosto de 1986, e 576/94, inédito).
A concretização de uma «protecção adequada» dos representantes dos trabalhadores comete-a a Constituição ao legislador. Dos enunciados da norma do artigo 56.º, n.º 6 (agora, artigo 55.º, n.º 6) - «a lei assegura protecção adequada aos representantes dos trabalhadores [...]» -, e da norma do artigo 54.º, n.º 4 - «os membros das comissões gozam da protecção legal reconhecida aos delegados sindicais» -, resulta, com evidência, uma reserva de conformação legislativa (Ausgestaltungsvorbehalt).
A protecção dos representantes dos trabalhadores apresenta-se ali como garantia da liberdade sindical e da segurança no emprego.
Essa garantia só existe na modulação que o legislador lhe confere. Como lembra Vieira de Andrade, é quando se trata de efectivar direitos em que predomina o aspecto institucional que se afirma com particular notoriedade a competência constitutiva do legislador (cf. Os Direitos Fundamentais na Constituição Portuguesa de 1976, Coimbra, 1983, p. 227).
Ora, aí onde o legislador detém uma competência constitutiva detém um inequívoco espaço de revisibilidade. O legislador não pode anular a determinação constitucional de existência de uma protecção adequada dos representantes dos trabalhadores (e das suas funções) mas é livre para modular essa protecção, modificá-la, construí-la em «novidade permanente».
À partida, pois, não é possível afirmar a ilegitimidade da medida revogatória ditada na Lei 107/88 (lei de autorização) e depois concretizada no artigo 2.º do Decreto-Lei 64-A/89. O que importa é perguntar se a revogação da Lei 68/79, de 9 de Outubro - que instituiu um certo sistema de garantias processuais no despedimento dos representantes eleitos e, entre elas, a da reserva da via judicial -, é agora substituída por um sistema de garantias também adequadas, por forma a que a alteração legislativa não venha «defraudar» a Constituição.
Mas, sendo assim, a muito pouco haverá de reconduzir-se a tarefa de controlo da Lei 107/88, a lei de autorização legislativa, neste plano do artigo 2.º, alínea f) (e do artigo 1.º que com ele se articula). Do conteúdo material dessa norma resulta não apenas um ditado de «uniformização do processo de despedimento dos representantes dos trabalhadores», mas também um ditado de que esse processo seja «rodeado de um particular quadro de garantias substantivas». Norma aberta, de atribuição de competência ao Governo-legislador, do artigo 2.º da Lei 107/88 não pode à partida afirmar-se que afronta o desiderato constitucional de uma protecção específica dos representantes eleitos dos trabalhadores. O controlo de constitucionalidade ganha, quanto a esta temática, um especial sentido e eficácia no momento do decreto-lei autorizado, o Decreto-Lei 64-A/89.
A ideia de que aqui existe uma abertura estrutural das determinantes da lei de autorização, com consequências metódicas, constitui mesmo a base sobre que o Acórdão 107/88 analisou a norma do artigo 2.º, alínea f), do decreto 81/V da Assembleia da República. Essa norma - que se articulava também com uma norma de competência revogatória da Lei 68/79, de 9 de Outubro - tinha precisamente o mesmo conteúdo destoutra, do artigo 2.º, alínea f), da Lei 107/88.
Afirmou, então, o Tribunal:
«A Lei 68/79, de 9 de Outubro, cuja revogação é autorizada pela norma do artigo 1.º, n.º 1, define na actualidade um regime processual de protecção em casos de despedimento de trabalhadores membros das respectivas organizações representativas, consagrando uma `reserva de decisão judicial' como garantia da segurança no emprego e da liberdade sindical desses trabalhadores. O despedimento só pode ter lugar por meio de acção judicial se contra ele se tiver pronunciado o trabalhador interessado e a comissão de trabalhadores ou associação sindical, consoante os casos [...] Mas será que a Constituição exige e impõe necessariamente esta reserva de acção e decisão judicial? A norma do artigo 2.º, alínea f), autoriza a uniformização do processo de despedimento dos representantes dos trabalhadores, com recondução da competência para o despedimento à entidade empregadora, se bem que aquele venha a ser rodeado de um particular quadro de `garantias substantivas' [...] Se é certo que a Lei 68/79 contém um determinado sistema de garantias processuais cuja supressão é autorizada, não pode agora dizer-se, em termos absolutos, que tais garantias não possam vir a ser substituídas por outras igualmente adequadas e eficazes, mesmo na ausência da reserva judicial.
A Constituição não exige uma certa e determinada forma especial de protecção, apenas impõe um conteúdo protectivo adequado cuja concretização, ao menos no plano abstracto, pode ser assumida de diversas maneiras [...] Nas garantias substantivas que a lei delegada há-de discriminar, pode conter-se o conjunto de garantias mínimo exigível em termos de preenchimento da protecção adequada constitucionalmente imposta. Tudo depende de saber se as `garantias substantivas' que venham a ser estabelecidas em substituição do regime actualmente contemplado na Lei 68/79 constituirão ainda protecção adequada em termos de ser dada satisfação às exigências constitucionais [...]» Esta argumentação transpõe-se com oportunidade para o julgamento da norma do artigo 2.º, alínea f), da Lei 107/88. O controlo de constitucionalidade remete-se, agora, para os vários momentos que no Decreto-Lei 64-A/89 concorrem para um sistema concreto de garantias dos representantes eleitos dos trabalhadores, a indagar se aí se concretiza uma «protecção adequada» dos mesmos trabalhadores.
3 - A locução «protecção adequada», como a locução «justa causa», carece de um preenchimento valorativo. Também aqui é necessário um recurso às directivas materiais que fundam a imposição constitucional em causa. Isso devolve-nos à pergunta pela ratio dos artigos 54.º, n.º 4, e 55.º, n.º 6 (agora, artigo 56.º, n.º 6) da Constituição.
A ideia rectora é aí a de garantir uma liberdade sindical efectiva pela prevenção dos riscos que o seu exercício pode induzir. O legislador interpretou-a também assim no preâmbulo do Decreto-Lei 64-A/89, ao dizer: «Quanto aos representantes sindicais e membros das comissões de trabalhadores, prevê-se um regime especial de protecção e garantia, tornando inviável o recurso ao processo de despedimento que, sob outro rótulo, pretenda atingir a função de representação dos trabalhadores.» É essa mesma ideia que haverá de orientar o controlo de constitucionalidade das normas que, no Decreto-Lei 64-A/89, intentam a concretização da «protecção adequada» constitucionalmente imposta.
No sistema do Decreto-Lei 64-A/89, «as acções de impugnação do despedimento de representantes sindicais ou de membros de comissão de trabalhadores têm natureza urgente» (artigo 12.º, n.º 6); a suspensão preventiva que possa ocorrer com a notificação da nota de culpa não lhes veda o acesso aos locais e actividades que compreendam o exercício normal daquelas funções (artigo 11.º, n.º 2); e se os mesmos trabalhadores requererem, acima de tudo e como regra, a suspensão judicial do despedimento, essa providência só não deve ser decretada «se o tribunal concluir pela existência de probabilidade séria de verificação de justa causa de despedimento» (artigo 14.º, n.º 3) {regra especial que se desvia do artigo 43.º, n.º 1, do Código de Processo do Trabalho, que determina que «a suspensão do despedimento só é decretada [...] se o tribunal, ponderadas todas as circunstâncias relevantes, concluir pela probabilidade séria de inexistência de justa causa». O non liquet probatório funciona, no Decreto-Lei 64-A/89, a favor dos representantes eleitos dos trabalhadores}.
Estão ainda as garantias de preferência na conservação do emprego, em caso de despedimento colectivo (artigo 23.º, n.º 4); de não aplicação do processo disciplinar próprio das pequenas empresas (artigo 15.º, n.º 4); e de um procedimento que conta com o dever de a entidade patronal comunicar a nota de culpa e a decisão de despedimento à associação sindical (artigo 10.º, n.º 3 e 10). Depois, os limites das sanções que o Decreto-Lei 64-A/89 determina para a entidade empregadora no artigo 60.º, n.º 1, são agravados para o dobro, quando os trabalhadores em causa detenham a qualidade de representantes sindicais ou membros das comissões de trabalhadores (artigo 60.º, n.º 2).
A imposição constitucional de uma «protecção adequada» no sentido que se lhe assinalou, de garantia contra os despedimentos ordenada à protecção da liberdade sindical e da auto-organização dos trabalhadores, tem pois nas opções do Decreto-Lei 64-A/89 um suficiente grau de concretização. Ali se inscrevem garantias substantivas e de processo capazes de obviar a um maior risco de despedimento. Ali se reconhece, afinal, a intenção reguladora já anunciada no preâmbulo.
V - Despedimento nas pequenas empresas: as normas do artigo 2.º, alínea c), da Lei 107/88 e do artigo 15.º do diploma anexo ao Decreto-Lei 64-A/89.
Dispõem assim:
«Artigo 2.º
A legislação a estabelecer pelo Governo [...] assentará nos seguintes princípios fundamentais:...............................................................................................................
c) Simplificação do processo de despedimento nas empresas com menos de 21 trabalhadores, garantindo sempre ao trabalhador o direito de defesa e a exigência de fundamentação escrita que delimite a apreciação judicial da licitude do despedimento;».
«Artigo 15.º
Pequenas empresas
1 - Nas empresas com um número de trabalhadores não superior a vinte, no processo de despedimento são dispensadas as formalidades previstas nos n.º 2 a 5 e 7 a 10 do artigo 10.º 2 - É garantida a audição do trabalhador, que a poderá substituir, no prazo de cinco dias úteis contados da notificação da nota de culpa, por alegação escrita dos elementos que considere relevantes para o esclarecimento dos factos e da sua participação nos mesmos, podendo requerer a audição de testemunhas.3 - A decisão do despedimento deve ser fundamentada com discriminação dos factos imputados ao trabalhador, sendo-lhe comunicada por escrito.
4 - No caso de o trabalhador arguido ser membro de comissão de trabalhadores ou representante sindical, o processo disciplinar segue os termos do artigo 10.º» O artigo 15.º é parte da regulação do «despedimento promovido pela entidade empregadora» (despedimento disciplinar) que integra o capítulo IV.
Ambos os preceitos - o artigo 2.º, alínea c), da Lei 107/88, e o artigo 15.º do Decreto-Lei 64-A/89 - são, respectivamente no primeiro e no segundo pedidos, confrontados com a garantia constitucional de segurança no emprego (Constituição da República Portuguesa, artigo 53.º) e o princípio da igualdade (Constituição da República Portuguesa, artigo 13.º). O fundamento é o de que a simplificação que nelas se determina, do processo de despedimento nas empresas com um número de trabalhadores não superior a 20, implica uma «menor protecção» no emprego dos trabalhadores dessas empresas, relativamente aos demais trabalhadores.
O julgamento de constitucionalidade vale a um tempo para o preceito da lei de autorização e para o preceito do Decreto-Lei 64-A/89. É verdade que, aqui, existe um maior grau de concretização normativa, abrindo espaço e valorações suplementares. Mas a lei de autorização tem já os traços essenciais da ideia regulativa que depois se revê no conteúdo material do artigo 15.º do Decreto-Lei 64-A/89.
Essa ideia é a de simplificação do processo disciplinar nas pequenas empresas com a preservação das garantias irremissíveis de defesa e de fundamentação escrita da decisão da entidade empregadora. O Decreto-Lei 64-A/89 concretiza-a, reafirmando essas garantias (artigo 15.º, n.º 2 e 3) e dispensando certas formalidades do processo (artigo 15.º, n.º 1), a saber: (1) a intervenção da comissão de trabalhadores da empresa [não é notificada da intenção de despedimento nem recebe a nota de culpa (artigo 10.º, n.º 2), não emite parecer (artigo 10.º, n.º 7), não influencia, por isso, a ponderação da decisão de despedimento (artigo 10.º, n.º 9), e não é, depois, notificada dessa decisão (artigo 10.º, n.º 10)]; (2) as diligências probatórias no exercício do direito de defesa (sendo que, aqui, opera uma substituição da norma do artigo 10.º, n.º 4, pela norma do artigo 15.º, n.º 2); (3) o prazo de 30 dias para a tomada de decisão pela entidade empregadora [que agora não existe (artigo 15.º, n.º 1, artigo 10.º, n.º 8)].
A simplificação do processo de despedimento nas pequenas empresas reconduz-se praticamente à dispensa das formalidades relativas à intervenção da comissão de trabalhadores. Essa dispensa, aliás, não existe no processo de despedimento dos representantes eleitos dos trabalhadores, que «segue os termos do artigo 10.º» (daí que o intérprete haja de fazer uma «redução» da norma do artigo 15.º, n.º 1: de acordo com a teleologia imanente à lei, esta norma não pode querer dispensar a formalidade prevista no artigo 10.º, n.º 3).
Há, então, que analisar se o processo de despedimento nas pequenas empresas daquele modo configurado - com supressão de certas formalidades referidas no artigo 10.º e preservação das demais garantias do regime-regra - é ou não conforme à garantia constitucional da segurança no emprego (Constituição da República Portuguesa, artigo 53.º) e ao princípio da igualdade (Constituição da República Portuguesa, artigo 13.º).
A análise não é relacional (no sentido da comparação do processo nas grandes e pequenas empresas) quando se trata de orientar o controlo de constitucionalidade à garantia de segurança no emprego. Aqui, pergunta-se se a simplificação ditada no artigo 2.º, alínea c), da lei de autorização legislativa e depois concretizada no artigo 15.º do Decreto-Lei 64-A/89 é de tal modo intensa que venha «defraudar» a afirmação directa daquela garantia neste plano das empresas com um número de trabalhadores não superior a 20.
Esta metódica é imposta uma vez mais pela liberdade de conformação legislativa. À partida, o legislador não está vinculado a manter os mesmos níveis de procedimento para os trabalhadores das grandes e pequenas empresas, mas em ambos os casos tem de realizar o programa da norma constitucional sobre a segurança no emprego.
Um outro momento da análise é o da limitação «externa» ou proibição do arbítrio. Aqui temos o problema da igualdade e do apelo a um método relacional. É necessário perguntar se a diferenciação legal estabelecida para os processos de despedimento dos trabalhadores das grandes e das pequenas empresas é uma diferenciação não arbitrária.
Que as normas do artigo 2.º, alínea c), da Lei 107/88 e do artigo 15.º do Decreto-Lei 64-A/89 ainda realizam a garantia constitucional da segurança no emprego está bem de ver desde os momentos preliminares da fundamentação: as formalidades que para os processos de despedimento nas pequenas empresas se retiram do regime-regra não eliminam as garantias essenciais que neste regime tornam efectiva a estabilidade contratual [essas formalidades centram-se no quadro de intervenção das comissões de trabalhadores. Embora como ponto de apoio não decisivo, lembremos que, nas pequenas empresas, as comissões de trabalhadores ou as associações sindicais têm a própria composição limitada por lei (cf. artigo 14.º da Lei n.º 46/79, de 12 de Dezembro; artigo 33.º do Decreto-Lei 215-B/75, de 30 de Abril)].
Seguramente, pois, o processo simplificado do artigo 15.º do Decreto-Lei 64-A/89 não está em colisão com a garantia constitucional da segurança no emprego. Mas, porque constitui em si um desvio ao regime-regra dos despedimentos dos demais trabalhadores (os das outras empresas), suprimindo momentos de defesa que aqui permanecem, é necessário perguntar pela sua justificação em ordem ao princípio da igualdade.
Essa justificação reside nas diferenças estruturais e de funcionamento das pequenas empresas, na imediação das relações que nelas se estabelecem e na projecção dessa realidade sobre a espécie de despedimento em causa (despedimento disciplinar).
As diferenças estruturais e de funcionamento das pequenas empresas com relação às demais empresas era já considerada no Acórdão 64/91 do Tribunal Constitucional (cit.), se bem que no enquadramento distinto de uma discussão sobre o período experimental do contrato de trabalho.
Curiosamente, advertia-se já ali para que o tema então em debate não era «caso único de relevância daquelas diferenças [...]. Outro caso, porventura mais nítido, é o da dispensa de certas formalidades no processo disciplinar em empresas com um número de trabalhadores não superior a 20, prevista no artigo 15.º, n.º 1, da Lei dos Despedimentos de 1989» (é precisamente a norma que aqui se analisa). E se bem que então se não haja ensejado um qualquer «julgamento» sobre a constitucionalidade deste preceito, ele já se entrevê, ao menos no voto particular do relator do mesmo acórdão, o Ex.
Conselheiro Ribeiro Mendes, que considerava injustificada a instituição de um diferente período experimental nas pequenas empresas, mas afirmava que «tão-pouco se pode argumentar com o aligeiramento previsto na lei das formalidades do processo disciplinar para as pequenas empresas, visto que tal aligeiramento corresponde a uma menor sofisticação que existe, em regra, nas pequenas empresas de recursos mais reduzidos [...] sendo, assim, materialmente fundado [...]».
A estrutura das pequenas empresas não é, como a das grandes empresas, uma estrutura impessoal, burocrática e racionalizada. É uma estrutura pessoal, em que se afirma ainda a «autoridade carismática» da entidade empregadora (cf. Max Weber, Economy and Society - An outline of interpretive sociology, in Guenther Roth e Claus Wittich, eds., vol. II, reimp., Berkeley, 1978, pp. 957, 987-989), com uma gestão de recursos humanos e financeiros menos desenvolvida e sofisticada.
Esta realidade projecta-se na «espécie» de despedimento cujo processo está a ser regulado no artigo 15.º do Decreto-Lei 64-A/89. Trata-se, já vimos, de despedimento promovido pela entidade empregadora (capítulo IV), com justa causa disciplinar. Numa estrutura empresarial em que as relações se caracterizam pela imediação e a pessoalização, o despedimento é mais dramatizado do que nas estruturas das grandes empresas. Ali não existe o «aparato» de uma organização pré-dada, que conta com meios jurídicos, formação desenvolvida de grupos de representantes de trabalhadores, regras internas e cadeias de autoridade, capazes de diluir o conflito. Se uma relação de trabalho está a «chegar ao fim» numa pequena empresa, ela tem com certeza uma intensidade mais dramática para o conjunto da empresa do que a que existe nas proporções mais vastas de uma grande empresa.
As normas em apreço têm pois uma justificação razoável e objectiva que legitima um processo desigual. Não violam a garantia da segurança no emprego nem o princípio da igualdade, constitucionalmente consagrados.
VI - Trabalhadores em idade de reforma: as normas do artigo 2.º, alínea m), da Lei 107/88, e do artigo 5.º do diploma anexo ao Decreto-Lei 64-A/89.
Dispõem assim:
«Artigo 2.º
A legislação a estabelecer pelo Governo [...] assentará nos seguintes princípios fundamentais:m) Criação de um regime que garanta aos trabalhadores reformados por velhice ou de idade superior a 70 anos que, por acordo, continuem ao serviço uma estabilidade condicionada de emprego com aplicação dos princípios enformadores de contratação a termo certo, salvo os relativos à forma, aos limites temporais da renovação do contrato e ao prazo de aviso de não renovação;».
«Artigo 5.º
Reforma por velhice
1 - Sem prejuízo do disposto na alínea c) do artigo anterior [caducidade do contrato com a reforma por velhice], a permanência do trabalhador ao serviço decorridos 30 dias sobre o conhecimento, por ambas as partes, da sua reforma por velhice fica sujeita, com as necessárias adaptações, ao regime definido no capítulo VII [contrato a termo], ressalvadas as seguintes especificidades:a) É dispensada a redução do contrato a escrito;
b) O contrato vigora pelo prazo de seis meses, sendo renovável por períodos iguais e sucessivos, sem sujeição aos limites máximos esta-belecidos no n.º 2 do artigo 44.º;
c) A caducidade do contrato fica sujeita a aviso prévio de 60 dias, se for da iniciativa da entidade empregadora, ou de 15 dias, se a iniciativa pertencer ao trabalhador.
2 - Logo que o trabalhador atinja os 70 anos de idade sem que o seu contrato caduque nos termos da alínea c) do artigo 4.º, este fica sujeito ao regime constante do capítulo VII, com as especificidades constantes das alí-eas do número anterior.» 1 - Os dois preceitos são confrontados, respectivamente, no primeiro e no segundo pedido, com a garantia constitucional da segurança no emprego (Constituição da República Portuguesa, artigo 53.º) e o princípio da igualdade (Constituição da República Portuguesa, artigo 13.º). O argumento é o de que ali se cria para os trabalhadores de um nível etário acima da idade da reforma «um regime de despedimento automático e sem justa causa». Também aqui a identidade de conteúdo material de ambos os preceitos possibilita um controlo simultâneo da sua constitucionalidade.
As normas do artigo 5.º, n.º 1 e 2, do Decreto-Lei 64-A/89 operam ambas uma transmutação do contrato de trabalho originário - por tempo indeterminado - num contrato de trabalho a termo. A primeira norma liga essa consequência à hipótese em que o trabalhador atinge a idade da reforma por velhice, requer e obtém efectivamente essa reforma. A segunda norma liga-a à hipótese em que o trabalhador atinge a idade da reforma, não requer nem, por isso, obtém essa reforma, e atinge os 70 anos.
É esse o modo por que o Governo-legislador concretiza a ideia expressa no artigo 2.º, alínea m), da Lei 107/88 de uma «estabilidade condicionada de emprego» a garantir aos trabalhadores reformados por velhice ou de idade superior a 70 anos, «com aplicação dos princípios enformadores da contratação a termo certo».
Esta limitação da estabilidade do emprego haverá de ser justificada perante a Constituição. De um lado, em ordem à garantia fundamental do artigo 53.º e à sua articulação com as directivas metodológicas do artigo 18.º De outro lado, em ordem à pergunta por um fundamento para o distinto regime a que a lei subordina os contratos dos trabalhadores que atingem a idade da reforma e o dos demais trabalhadores.
É verdade que existe uma diferença específica entre as normas do artigo 5.º, n.º 1, e do n.º 2. A primeira norma devolve à vontade do trabalhador a criação dos pressupostos de facto que o fazem incorrer no novo contrato a termo. Se ele não requer a reforma, não a obtém, não provoca a activação da caducidade prevista no artigo 4.º, alínea c) {«o contrato de trabalho caduca [...] com a reforma do trabalhador por velhice»}. A caducidade, com efeito, não é automática, e que o não é comprova-o a própria existência das normas em análise.
A norma do artigo 5.º, n.º 1, tem pois um programa dirigido aos casos em que o trabalhador atingiu os 65 anos, quis obter a reforma e acordou com a entidade empregadora a continuação da relação de trabalho.
Já não é assim com a norma do artigo 5.º, n.º 2: aqui, independentemente da vontade do trabalhador, o contrato originário dá lugar a um contrato a termo.
Não há de permeio o facto «reforma» embora tenha decorrido (e sido mesmo ultrapassado) o tempo que constitui o direito de o trabalhador optar por essa via.
Seja como for, a análise da questão de constitucionalidade deve centrar-se na pergunta por uma justificação central, a ter em conta os pressupostos reais da reforma por velhice, como dado relevante para a verificação das novas formas contratuais previstas no artigo 5.º, n.º 1 e 2.
Aqui, não deve convocar-se uma concepção «utilitarista» dos direitos fundamentais no sentido de encontrar, sem mais, justificação para uma estabilidade condicionada do emprego «particular» dos mais velhos em ordem à satisfação de um «bem geral» a que se ordenem as políticas de pleno emprego. Como direitos individuais, os direitos fundamentais têm limites de redutibilidade, não podem ser dissolvidos nos desideratos das políticas globais do Estado. Ou, como afirma Dvorkin, «da definição de um direito segue-se que nem todos os objectivos sociais podem anulá-lo» (Taking Rights Seriously, reimp., Londres, 1994, p. 92).
É sobretudo na perspectiva de uma justificação inerente à função do trabalho e ao equilíbrio do contrato que haverá de indagar-se da razoabilidade da opção do legislador. Ou seja: a lógica não é aqui a de uma «justiça de distribuição» que tenha em vista uma «osmose» entre a empresa e o mercado de trabalho, mas uma lógica que, em nome da dignidade e da solidariedade, atende às alternativas que se apresentam ao trabalhador e, num certo sentido, à relação comutativa das prestações no contrato.
2 - A reforma por velhice - como as demais vertentes da segurança social - funda-se nos princípios de dignidade humana e da solidariedade. A ideia é a de «reintegração do status da pessoa» enquanto valor individual e componente da comunidade, de organização dos meios materiais e jurídicos para «remoção das causas» que lhe limitam a capacidade física ou a suficiência económica (cf. Giuseppe Chiarelli, «La sicurezza sociale», in Scritti di diritto pubblico, Milão, 1977, pp. 635-636).
É assim que a Constituição, no artigo 63.º, garante a todos o direito à segurança social (n.º 1) e a criação de um sistema de protecção dos cidadãos «na doença, velhice, invalidez, viuvez e orfandade, bem como no desemprego e em todas as outras situações de falta ou diminuição de meios de subsistência ou de capacidade para o trabalho» (n.º 4). E a lei, no que à reforma por velhice respeita, determina que «integra a eventualidade velhice a situação em que o beneficiário tenha atingido a idade mínima legalmente presumida como adequada para a cessação do exercício da actividade profissional», idade que é, em regra, de 65 anos (cf. os artigos 3.º e 22.º do Decreto-Lei 329/93, de 25 de Setembro).
Ora, a pergunta por uma justificação razoável da opção que o legislador concretizou nas normas em análise exige também um recurso à «memória do sistema». E o sistema é esse que garante ao trabalhador, em chegando à idade da reforma, a alternativa de repouso com garantia de um «sucedâneo» da retribuição antes percebida pela prestação de trabalho.
Não se trata de assentar a argumentação numa ideia de «incapacidade presumida». Trata-se de, em consonância com as ponderações que subjazem ao próprio instituto da reforma, afirmar que a idade avançada leva em si a eventualidade do cansaço e da diminuição de capacidade e que isso dá ao trabalhador o direito de ir descansar, com garantia de subsistência.
Esta recuperação do status da pessoa por via da segurança social em nome da dignidade, que se constitui no sistema como direito, combina-se, aqui, no controlo de constitucionalidade, com a análise de «perspectiva comutativa» do contrato de trabalho (e isso sem prejuízo da especial feição do equilíbrio das liberdades neste tipo de contrato).
É que, se ao trabalhador foi criada uma alternativa digna ao contrato de trabalho, não seria razoável que a partir da criação do pressuposto de facto que justifica aquela alternativa - a idade da reforma - a entidade empregadora fosse obrigada a manter ao seu serviço, por tempo indeterminado, trabalhadores com mais de 65 anos.
Por mais que o contrato de trabalho se constitua em terreno adequado de «formas de paternalismo legítimo» (C. S. Nino), existe aqui uma lógica de proporcionalidade que aponta para a relevância, em certos termos, dos valores da «equivalência» de prestações do contrato.
As normas em análise vêm exigir um acordo (que é também, num certo sentido, a reverificação das velhas condições do contrato) entre a entidade empregadora e o trabalhador para a manutenção da relação de trabalho. E a transmutação do contrato originário em contrato a termo não é mais do que a lógica de retorno aos mecanismos do acordo e àqueles seus fundamentos.
Temos assim uma regulação que se substitui ao silêncio da anterior ordem legal do trabalho. Também esta ordem estabelecia a caducidade do contrato como consequência da idade de reforma, mas nada dizia sobre os efeitos de um eventual acordo de vontade para a «sua prorrogação» (cf., em sentido diferente, o regime jurídico do funcionalismo público, onde se determina a aposentação obrigatória do funcionário que atinge os 70 anos).
Mas, assim, haverá de concluir-se que a «estabilidade condicionada de emprego» para que apontou a Lei 107/88 - e que o Decreto-Lei 64-A/89 concretizou - tem aquela justificação necessária para que se limite a pretensão de optimização que, como em todas as garantias fundamentais, vai envolvida na norma constitucional do artigo 53.º O trabalho como meio de realização, a retribuição como condição de dignidade, e a equivalência das prestações do contrato estão numa relação de equilíbrio aqui onde o trabalhador atinge a idade da reforma, pode obtê-la e se abre um espaço de «renegociação do trabalho».
Assim, as normas em apreço ordenam-se também às directivas metódicas do artigo 18.º da Constituição e, porque justificadas, não afrontam o princípio da igualdade.
VII - « Abandono do trabalho»: as normas do artigo 40.º do diploma anexo ao Decreto-Lei 64-A/89.
«Artigo 40.º
Abandono do trabalho
1 - Considera-se abandono do trabalho a ausência do trabalhador ao serviço acompanhada de factos que com toda a probabilidade revelem a intenção de o não retomar.2 - Presume-se abandono do trabalho a ausência do trabalhador ao serviço durante, pelo menos, quinze dias úteis seguidos, sem que a entidade empregadora tenha recebido comunicação do motivo da ausência.
3 - A presunção estabelecida no número anterior pode ser ilidida pelo trabalhador mediante prova da ocorrência de motivo de força maior impeditivo da comunicação da ausência.
4 - O abandono do trabalho vale como rescisão do contrato e constitui o trabalhador na obrigação de indemnizar a entidade empregadora de acordo com o estabelecido no artigo anterior.
5 - A cessação do contrato só é invocável pela entidade empregadora após comunicação registada, com aviso de recepção, para a última morada conhecida do trabalhador.» 1 - O pedido incidente sobre o Decreto-Lei 64-A/89 impugna todo o preceito transcrito, se bem que com a afirmação de que o mesmo preceito viola a garantia constitucional da segurança no emprego «na medida em que fixa uma presunção contra o trabalhador». Esta presunção é estabelecida nas normas dos n.º 2 e 3, o que, à partida, conduziria a uma redução do pedido a estas duas normas. Mas a «presunção de abandono» tem uma especial interacção com as demais normas do artigo 40.º, justificando o controlo global do preceito.
1.2 - O «abandono do trabalho» configura uma situação clara de incumprimento imputável ao trabalhador: incumprimento do dever de realizar a prestação de trabalho, dos deveres de assiduidade, urbanidade e mútua colaboração com a empresa (Decreto-Lei 49 408, de 24 de Novembro de 1969, artigos 18.º e 20.º, n.º 1). O trabalhador ausenta-se, não deixa representante, não dá notícias, cria ele mesmo uma «relação negativa» com o local de trabalho.
Considerando esta realidade, o artigo 40.º atribui-lhe o efeito de rescisão do contrato com obrigação de indemnizar (n.º 4). O silêncio do trabalhador ausente, durante mais de 15 dias úteis consecutivos vale como declaração extintiva de uma relação que de facto já não existe e que o «comportamento concludente» do trabalhador indica não voltar a existir.
O legislador estabeleceu com isso uma presunção juris tantum de abandono do trabalho (n.º 2) que «pode ser ilidida pelo trabalhador mediante prova da ocorrência de motivo de força maior impeditivo da comunicação da ausência» (n.º 3). Neste caso, o problema devolve-se para o quadro de valorações do regime das faltas e sua justificação (Decreto-Lei 874/76, de 28 de Dezembro, capítulo V).
À pergunta por uma legitimidade constitucional das normas do artigo 40.º não pode adscrever-se um método que tenha em conta o recurso simples ao direito das obrigações. Não pode aqui argumentar-se, sem mais, como faz certa doutrina, que o contrato de trabalho se constitui em modo consensual e que isso permitirá a dispensa de forma escrita para a sua cessação (dispensa de aviso prévio). É que a garantia constitucional da segurança no emprego implica precisamente um maior peso do sistema de protecção do trabalhador no momento da desvinculação do contrato.
E contudo, na perspectiva da Constituição, há-de dizer-se também que a solução criada pelas normas do artigo 40.º, aqui em análise, não afronta aquela garantia.
O artigo 40.º estabelece uma presunção ilidível de abandono, liga-lhe o efeito de cessação do contrato, e estabelece um procedimento adequado para a invocação dessa cessação (n.º 5). A ausência do trabalhador sem notícias é valorada como facto mais grave do que o mero cometimento de faltas, pois que ali não há lugar a um procedimento disciplinar. Aos «15 dias úteis seguidos» de um «virar de costas» do trabalhador o legislador ligou uma presunção que, a não ser afastada, vale como rescisão. Daí, porventura, a razão de o pedido se concentrar no problema da presunção: a presunção, porque afastando o procedimento disciplinar, seria inconstitucional.
O «valor rescisório» do abandono é inegável e radica-se, afinal, no mesmo fundamento do «valor rescisório» das faltas injustificadas. Trata-se de incumprimento imputável ao trabalhador nos momentos essenciais do contrato, aí que é a própria prestação de trabalho a deixar de ser realizada.
Mas o abandono do trabalho constitui uma realidade peculiar. Ele cria uma perspectiva de não retorno que pode fazer emergir a necessidade de a empresa saber definitivamente com o que conta e providenciar sobre a sua própria reorganização. Os destinos do contrato atingiram aí um grau de incerteza que o legislador teve por bem transformar de imediato numa clara situação jurídica (sobre esta «transformação», mas no instituto civilístico da ausência, cf. Karl Larenz, Derecho Civil - Parte General, trad. castelhana, Madrid, 1978, p. 116). O abandono pelo trabalhador sem notícias - e, depois, sem apresentar motivo sério - ultapassa já o quadro de normalidade das vicissitudes do contrato. Já não existe, em princípio, boa fé, já não existe nenhuma espécie de relação com a empresa: a situação é em si, como diz Bernardo Xavier, uma «situação extintiva» do contrato (Bernardo Xavier, «Notas sobre o abandono do lugar nas relações de trabalho privadas», Revista de Direito e de Estudos Sociais, 1979, p. 150).
A natureza da situação leva a concluir que as determinações do artigo 40.º não são materialmente inadequadas. O legislador empreendeu aí uma valoração diferente da que incide sobre a realidade das faltas, dispensando o processo disciplinar para a cessação do contrato. Veio, porventura, reconhecer as dificuldades que se experimentavam na organização desses processos, perante a impossibilidade de contacto directo com os arguidos (dando conta dessas dificuldades, cf. Monteiro Fernandes, Direito do Trabalho, t. I, 8. ed., Coimbra, 1993, p. 520). Mas haverá ponderado também outros níveis de justificação que se reconhecem na regulação do artigo 40.º: o abandono, aquele «complexo factual constituído pela ausência do trabalhador e por factos concludentes no sentido da existência da intenção de o não retomar» (Monteiro Fernandes), mostra que o trabalhador já se demitiu da sua «cidadania empresarial», que se distanciou inexoravelmente do programa do contrato e que diluiu ele próprio o nexo de pertença a uma determinada organização produtiva e à sua dimensão social e humana.
As normas do artigo 40.º do Decreto-Lei 64-A/89 estão, assim, justificadas perante a garantia constitucional de segurança no emprego.
2 - Ainda no âmbito desta temática do «abandono do trabalho», no primeiro pedido - o que incide sobre a Lei 107/88 - afirma-se a inconstitucionalidade da norma do artigo 2.º, alínea e), da mesma lei, que autoriza a «criação da figura de abandono do trabalho como causa autónoma da cessação do contrato de trabalho, equiparada nas suas consequências à revogação por iniciativa do trabalhador, sem justa causa e sem aviso prévio».
O fundamento apontado é o de uma ausência nessa norma de determinação do sentido e da extensão da autorização. Mas o pedido não explicita esse fundamento, pretendendo apenas que a Lei 107/88 «no seu extenso clausulado, não autorizou a alteração do elenco das causas subjectivas de despedimento» e que, pelo teor de normas como a do artigo 2.º, alínea e), «permite soluções inconstitucionais».
Que da norma do artigo 2.º, alínea e), não derivou uma concretização legislativa inconstitucional, já se concluiu ao avaliar o artigo 40.º do diploma anexo ao Decreto-Lei 64-A/89. É claro que isso não é suficiente para o controlo da norma agora em apreço, do artigo 2.º, alínea e), da lei de autorização legislativa. Mas demonstra, desde logo, que esta mesma norma não apresenta uma estrutura inelutavelmente potenciadora de escolhas arbitrárias pelo Governo-legislador.
Decisivo porém é que, da análise dessa mesma estrutura, resulta uma parametricidade suficiente para cumprir o desiderato da norma do artigo 68.º, n.º 2, da Constituição (cf., infra, capítulo XIII). O sentido e alcance da autorização descobrem-se claramente na própria letra do preceito. E, para essa descoberta, não é necessário, a diferença do que se pretende no pedido, que a lei delegante haja de formular uma autorização genérica de alargamento dos casos de despedimento por causa subjectiva e, depois, uma autorização específica para cada caso. Relevante é que a lei deixe claramente afirmada a autorização a conceder ao Governo, com independência da técnica com que o faz.
Do que se conclui pela não inconstitucionalidade da norma do artigo 2º alínea e), da Lei 107/88, de 17 de Setembro.
VIII - Contrato a termo: as normas do artigo 41.º, n.º 1, alíneas e), f), e h), do diploma anexo ao Decreto-Lei 64-A/89.
Estas normas, que integram o capítulo VII («Contratos a termo»), dispõem assim:
«Artigo 41.º
Admissibilidade do contrato a termo
1 - Sem prejuízo do disposto no artigo 5.º [trabalhadores em idade de reforma], a celebração de contrato a termo só é admitida nos casos seguintes:a) ..................................................................................................
b) ..................................................................................................
c) ..................................................................................................
d) ..................................................................................................
e) Lançamento de uma nova actividade de duração incerta, bem como o início de laboração de uma empresa ou estabelecimento;
f) Execução, direcção e fiscalização de trabalhos de construção civil, obras públicas, montagens e reparações industriais, incluindo os respectivos projectos e outras actividades complementares de controlo e acompanhamento, bem como outros trabalhos de análoga natureza e temporalidade, tanto em regime de empreitada como de administração directa;
g) .....................................................................................................
h) Contratação de trabalhadores à procura de primeiro emprego ou de desempregados de longa duração ou noutras situações previstas em legislação especial de política de emprego.
2 - ......................................................................................................» 1 - No pedido incidente sobre o Decreto-Lei 64-A/89, estas normas são arguidas de inconstitucionais com fundamento em violação da garantia de segurança no emprego (Constituição da República Portuguesa, artigo 53.º) e do princípio da igualdade (Constituição da República Portuguesa, artigo 13.º).
O argumento é o de que nas alíneas e) e f) são admitidos contratos a prazo «sem que se verifique o carácter temporário da necessidade de mão-de-obra» e de que, na alínea h), não há qualquer justificação para a mesma modalidade de contrato. As normas das alíneas f) e h) são ainda arguidas de organicamente inconstitucionais, com fundamento em violação dos limites de competência demarcados na lei de autorização legislativa (Constituição da República Portuguesa, artigo 168.º, n.º 2).
Já a lei de autorização legislativa (Lei 107/88) apontava, no artigo 2.º, alínea j), para que o Governo viesse a concretizar uma «revisão do contrato de trabalho a termo», tendo em conta os objectivos de «retoma da aceitação da contratação a termo incerto ao lado da contratação a termo certo ou a prazo;
delimitação clara das situações que legitimam a contratação a termo;
exigência de forma escrita para o contrato, com indicação expressa da circunstância justificativa da estipulação do termo; redução da duração máxima do contrato a termo quando seja objecto de renovações;
reconhecimento ao trabalhador do direito a uma compensação pecuniária pela caducidade do contrato que seja proporcional à sua duração; proibição de rotação dos trabalhadores admitidos a termo na ocupação do mesmo posto de trabalho».
E, nesta linha, o Decreto-Lei 64-A/89 procedeu à reforma do regime jurídico do contrato de trabalho a termo (era o regime do Decreto-Lei 781/76, de 28 de Outubro). No preâmbulo, diz-se: «Relativamente ao contrato de trabalho a termo, a revisão a que se procede [...] parte de uma concepção substancialmente distinta daquela em que se funda o Decreto-Lei 781/76, de 28 de Outubro [...] A amplitude da contratação a termo passa a restringir-se a situações rigorosamente tipificadas, das quais umas resultam de adaptação das empresas às flutuações do mercado ou visam criar condições para absorção de maior volume de emprego, favorecendo os grupos sociais mais vulneráveis, e outras atendem a realidades concretas pacificamente aceites como justificativas de trabalho de duração determinada [...]» 2 - O Decreto-Lei 64-A/89 revogou então o Decreto-Lei 781/76, de 28 de Outubro, e instituiu o novo regime do contrato de trabalho a termo. O velho sistema - cuja matriz essencial consistia na admissibilidade em geral dos contratos a prazo, desde que esse prazo fosse superior a seis meses, e na admissibilidade da mesma modalidade de contratos, com duração inferior a seis meses, quando o trabalho em causa fosse de «natureza transitória» - deu lugar ao sistema de normas do capítulo VII do Decreto-Lei 64-A/89, que abre, justamente, com o artigo 41.º, aqui em análise.
Este preceito tipifica os casos em que é admitida a celebração do contrato de trabalho a termo [n.º 1, alíneas a), b), c), d), e), f), g) e h)]. Fora desses casos, a estipulação a termo é nula (n.º 2).
Este método de enumeração de casos havê-lo-á ligado o legislador à ideia de excepcionalidade da contratação a termo, ideia que, em boa verdade, constitui um desiderato da garantia constitucional da segurança no emprego. Se o contrato a termo fosse admitido como regra, então a entidade empregadora optaria sistematicamente por essa forma, contornando a estabilidade programada no artigo 53.º da Constituição. Como afirmam Gomes Canotilho e Vital Moreira, a garantia da segurança no emprego «perderia qualquer significado prático se, por exemplo, a relação de trabalho estivesse sujeita a prazos mais ou menos curtos, pois nesta situação o empregador não precisaria de despedir, bastando-lhe não renovar a relação jurídica no termo do prazo. O trabalho a prazo é por natureza precário, o que é contrário à segurança» (Constituição da República Portuguesa Anotada, cit. p. 289).
A garantia constitucional da segurança no emprego significa, pois, que a relação de trabalho temporalmente indeterminada é a regra e o contrato a termo a excepção. Esta forma contratual há-de ter uma razão de ser objectiva.
Também aqui a Constituição nos afasta dos paradigmas da liberdade contratual clássica.
3 - Mas a excepcionalidade do contrato a termo não se concretiza apenas numa técnica legislativa de enumeração de casos, de tipificação das situações que o admitem. Exige que essas situações tragam em si mesmas uma justificação e exige um sistema de normas teleologicamente orientado a limitar o recurso ao contrato a termo. Ali, o controlo de constitucionalidade leva à pergunta por um fundamento material dos casos enunciados no artigo 41.º, aqui, a uma análise do seu contexto sifnificativo.
E no contexto significativo, que é dado pelos demais preceitos do capítulo VII, relevam os seguintes momentos essenciais: o contrato a termo é escrito (artigo 42.º, n.º 1) e deve indicar o seu «motivo justificativo» ou, sendo celebrado a termo incerto, indicar «a actividade, tarefa ou obra cuja execução justifique a respectiva celebração [...]» [artigo 42.º, n.º 1, alínea e)]; se o contrato a termo certo é sujeito a renovação, «então não poderá efectuar-se para além de duas vezes e a sua duração terá por limite três anos consecutivos» (artigo 44.º, n.º 2); «até ao termo do contrato [a termo certo como a termo incerto], o trabalhador tem, em igualdade de condições, preferência na passagem ao quadro permanente, sempre que a entidade empregadora proceda a recrutamento externo para o exercício, com carácter permanente, de funções idênticas àquelas para que foi contratado» (artigo 54.º, n.º 1).
E há ainda outros momentos normativos que concorrem para demover a entidade empregadora do recurso sistemático ao contrato a termo. Funcionam como garantias a posteriori ou garantias «periféricas» a favor da estabilidade do emprego. São elas: o direito do trabalhador a uma compensação por caducidade do contrato a termo certo (artigo 46.º, n.º 3) e a termo incerto (artigo 50.º, n.º 4) e a proibição de contratar a termo, para o mesmo posto de trabalho, um novo trabalhador, nos três meses que decorrem sobre a cessação do trabalho a termo com outro trabalhador, quando a cessação a este não é imputável (artigo 46.º, n.º 4). Finalmente, o Decreto-Lei 64-A/89 existe em articulação com o Decreto-Lei 64-C/89, também de 27 de Fevereiro. Aqui se determina a concessão à entidade empregadora de apoio financeiro e dispensa de contribuições para a segurança social (artigo 9.º), benefícios que se circunscrevem tão-só às situações de contrato sem termo e às situações em que o contrato a termo se transformou em contrato por tempo indeterminado (artigo 8.º). O legislador chamara a atenção para esta articulação dos dois diplomas, ao propor-se, justamente no preâmbulo do Decreto-Lei 64-A/89, «salvaguardar a simultaneidade das respectivas vigências».
Este complexo de regulação limita assim as possibilidades de recurso ao contrato a termo. E limita-as em especial no momento em que exige que a forma escrita inclua a justificação dos motivos - assim criando o material necessário a um controlo jurisdicional efectivo dos pressupostos - e no momento em que determina a nulidade da estimulação a termo fora da verificação desses pressupostos - assim criando uma consequência jurídica que não é a nulidade do contrato, mas a conversão desse contrato em contrato por tempo indeterminado.
Às normas do artigo 41.º não pode pois reconhecer-se um «défice de constitucionalidade» que porventura lhe adviesse de uma falta de apoio no sistema. É agora necessário perguntar se os casos enunciados nas suas normas - aqui relevando tão-só as das alíneas e), f) e h) - trazem em si uma justificação para o contrato a termo.
4 - A norma do artigo 41.º, n.º 1, alínea e), determina que o contrato de trabalho a termo é admitido nos casos de «lançamento de uma nova actividade de duração incerta bem como o início de laboração de uma empresa ou estabelecimento». Esta norma está em relação próxima com a norma do artigo 48.º, que então afasta a admissibilidade do termo incerto, e com a norma do artigo 44.º, n.º 3, que determina que, nos mesmos casos, «a duração do contrato, haja ou não renovação, não pode exceder dois anos».
Na norma da alínea e), o legislador atendeu a que as situações de «lançamento de uma nova actividade de duração incerta» e «início de laboração de uma empresa ou estabelecimento» justificavam a admissibilidade do contrato a termo. Essas situações são, como diz Bernardo Xavier, relativas a «segmentos da actividade do empregador não consolidados» (Curso de Direito do Trabalho, Lisboa, 1992, p. 468). Ora, não pode afirmar-se a ilegitimidade de uma norma como aquela. O legislador teve ali em conta a «natureza das coisas» e adequou a essa natureza o sentido da lei: a entidade empregadora que se propõe uma actividade por tempo incerto ou que abre a empresa, pela primeira vez, aos riscos do mercado, não tem base segura de calculabilidade quanto aos recursos humanos. Por isso que lhe não é exigível - e não é assim exigível ao legislador que determine - a adopção da modalidade-regra do contrato de trabalho por tempo indeterminado.
Esta ordenação do sentido da lei à natureza das situações da vida é aliás denotada pelo recurso ao «método tipológico» de descrição de grupos de casos, empreendido pelo legislador no artigo 41.º Como diz Larenz, «a `natureza das coisas' remete para a forma de pensamento do tipo, pois que o tipo é algo de relativamente concreto, um universale in re. Ao invés do conceito geral abstracto, não é definível mas tão-só explicitável, não fechado, mas aberto, interliga, torna conscientes conexões de sentido» (ob. cit., p. 158).
Por outro lado, diz o mesmo autor, «a natureza das coisas é de grande importância em conexão com a exigência de justiça de tratar igualmente aquilo que é igual, desigualmente aquilo que é desigual [...] ela exige ao legislador que diferencie adequadamente» (ob. cit., p. 507).
Ora, é isso que se passa na norma do artigo 41.º, alínea e), aqui em apreço: a diferenciação que estabelece está justificada na peculiar configuração da realidade que regula. O desvio ao regime-regra dos contratos por tempo indeterminado não afronta, pois, nem a garantia da segurança no emprego nem o princípio constitucional da igualdade.
Essa mesma argumentação é válida no plano de análise da norma do artigo 41.º, n.º 1, alínea f ), pois que, do mesmo modo, tem aí centralidade o fundamento da natureza das situações. Na doutrina, Bernardo Xavier classifica este grupo de casos como «de carácter objectivo» para significar um âmbito de realidade portador de um sentido peculiar que leva em si os traços fundamentais da ordenação normativa: «a precariedade dos próprios postos de trabalho, excepcional ou temporariamente abertos, ou não firmes, por falta de consolidação de um conjunto de actividades do empregador» (ob. cit., p.
468); Monteiro Fernandes fala de «sectores de actividade económica, que por sua natureza, postulam grande flexibilidade no recurso à força de trabalho», e dá exemplos: construção civil, espectáculos, actividades sazonais (ob. cit., p.
277); Menezes Cordeiro afirma mesmo expressamente «a ligação do contrato à natureza das coisas» para tratar dogmaticamente o problema da duração dos contratos a termo (Manual de Direito do Trabalho, Coimbra, 1991, p. 640).
A norma do artigo 41.º, n.º 1, alínea f), ao indicar como casos de admissibilidade do contrato de trabalho a termo os de «execução, direcção e fiscalização de trabalhos de construção civil, obras públicas, montagens e reparações industriais, incluindo os respectivos projectos e outras actividades complementares de controlo e armazenamento, bem como outros trabalhos de análoga natureza e temporalidade [...]», não está, do mesmo modo que a anterior, a afrontar nem a garantia constitucional da segurança no emprego (Constituição da República Portuguesa, artigo 53.º) nem o princípio constitucional da igualdade (Constituição da República Portuguesa, artigo 13.º).
A ideia rectora é aí a da limitação no tempo das actividades em causa. A aparente indeterminabilidade que numa primeira análise poderia derivar-se do inciso «bem como outros trabalhos de análoga natureza e temporalidade» resulta justamente, como antes se deixou afirmado, de que, «ao contrário do conceito geral abstracto, o tipo não é fechado, mas aberto» (Larenz, loc. cit.).
Isso porém não implica que esses casos fiquem fora de controlo pelo juiz.
Como lembra ainda Larenz, o «pensamento tipológico» apoia-se sempre num «ponto de vista valorativo rector», ponto de vista que, aqui, é dado pela característica exigida de precariedade dos trabalhos em causa. No sistema da lei, este ponto de vista ganha apoio na norma do artigo 49.º (duração do contrato até à conclusão da actividade) e, já antes, na norma do artigo 42.º, n.º 1, alínea e) [que para os trabalhos da alínea f) não isenta do dever de identificação no contrato escrito do motivo que o justifica].
Isso vale também para afastar uma pretensa legitimação dos contratos a termo, a que se refere a alínea f), num critério assente no «objecto social das empresas». Foi pela natureza das situações e não pelo objecto social das empresas que o legislador ali tomou a decisão de admitir o contrato a termo.
O artigo 41.º, n.º 1, alínea h), determina a admissibilidade de celebração de contratos a termo com «trabalhadores desempregados de longa duração ou noutras situações previstas em legislação especial de política de emprego». É assim que o Governo-legislador concretiza o programa anunciado no preâmbulo, de «absorção de maior volume de emprego, favorecendo os grupos socialmente mais vulneráveis».
Quando no pedido se afirma que aquela norma contraria a Constituição porque «admite a contratação a termo mesmo que não haja outra justificação para tal [...] sem que se verifique o carácter temporário da mão-de-obra», querer-se-á significar que, aqui, ao invés dos casos anteriores enunciados no artigo 41.º, não está em causa a natureza do trabalho a prestar, mas, na expressão de Bernardo Xavier, uma «causa subjectiva» do contrato a termo.
É verdade que a norma do artigo 41.º, n.º 1, alínea h), tem uma lógica própria, no sentido de que ela se radica numa ratio que tem em conta a qualidade dos trabalhadores-destinatários. O que se pretende, está bem de ver, é estimular a celebração de contratos de trabalho pela convicção de inexistência de riscos para a entidade empregadora. Essa convicção de inexistência de riscos é induzida pela não adstrição a um vínculo de tempo indeterminado.
Dir-se-á, desde logo, que a emergência de um motivo constitucionalmente válido de justificação do contrato a termo não se faz sentir apenas a partir de um quadro em que releva a «natureza das coisas». Também aqui é necessário um apelo à ordem de valores da Constituição, sem perder de vista, é claro, a irredutibilidade dos direitos fundamentais.
Em momento anterior, rejeitou-se uma argumentação capaz de funcionalizar os direitos fundamentais - e, neste caso, a garantia constitucional da segurança no emprego - às políticas globais do Estado. Com efeito, não é possível, sem mais, legitimar a conformação restritiva das posições jurídicas fundamentais em nome de uma concepção «utilitarista» de «prevalência» do «bem-estar geral». Daí que se haja afastado - no capítulo VI sobre a norma do artigo 5.º (trabalhadores reformados) - um fundamento que pretensamente justificasse o termo do contrato para os mais velhos em nome de um contrato para os mais novos. Não valiam, pois, nesse plano, decisivamente, as razões de política de emprego.
Já não é assim no caso em apreço da norma do artigo 41.º, n.º 1, alínea h).
Aqui, não é possível afirmar, sem mais, que as posições subjectivas fundamentais dos trabalhadores destinatários da norma estão a ser «funcionalizadas», porque aqui não nos confrontamos com os limites da inviolabilidade. Ou seja, os direitos de uns não estão a dar lugar aos direitos de outros em nome de uma política geral. O que se passa antes é que o legislador modela o contrato de trabalho sobre uma ponderação que sopesa a alternativa de limitá-lo no tempo (criando na entidade empregadora a convicção de inexistência de riscos) ou de o não proporcionar aos próprios interessados (mantendo aquela convicção do risco e as consequências da liberdade de não contratar).
Mas se a garantia de segurança no emprego está em relação com a efectividade do direito ao trabalho (Constituição da República Portuguesa, artigo 58.º) e se a Constituição comete ao Estado a incumbência da realização de políticas de pleno emprego, em nome também da efectividade desse direito [Constituição da República Portuguesa, artigo 58.º, n.º 3, alínea a)], então não se pode dizer que é ilegítima aquela ponderação nem que são ultrapassados os limites de conformação que aí são postos ao legislador. Conformação que é restritiva, sem dúvida, se antendermos aos mandados de optimização das normas sobre direitos fundamentais. Mas que empreende uma ponderação justificada. Na verdade, o que está em análise é a justificação de uma norma que, assentando numa pressuposta «menos-valia» da experiência profissional daqueles candidatos ao emprego, consagra uma opção de alargamento dos casos de contratação a termo. E não cabe ao Tribunal Constitucional sindicar o âmbito mais vasto das prognoses legislativas que com esta política porventura se entrecruzem. Por isso que não são violados nem a garantia constitucional da segurança no emprego (Constituição da República Portuguesa, artigo 53.º) nem o princípio da igualdade (Constituição da República Portuguesa, artigo 13.º).
5 - Sobre as normas relativas ao contrato a termo em ambos os pedidos são suscitadas outras questões de constitucionalidade. No primeiro pedido - o que incide sobre a Lei 107/88 - afirma-se que o artigo 2.º, alínea j) (que autoriza a revisão do regime do contrato a termo, e que se deixou transcrito neste capítulo da fundamentação), «aludindo embora à `delimitação clara' das situações que legitimam a contratação a termo, omite qualquer indicação do respectivo sentido». Mas em nada se desenvolve este fundamento! Ora, a norma surge, pelo próprio teor, suficientemente concretizada e densificada, não carecendo daquela para metricidade conformadora que lhe é exigida pelo artigo 168.º n.º 2, da Constituição (cf., infra, capítulo XIII).
No segundo pedido - o que incide sobre o Decreto-Lei 64-A/89 - as normas do artigo 41.º, n.º 1, alíneas h) e f), do diploma anexo são arguidas de organicamente inconstitucionais com o fundamento de que não respeitam a autorização legislativa conferida pelo artigo 2.º, alínea j), da Lei 107/88. Aqui regista-se um «cruzamento» dilemático dos dois pedidos: a norma da lei de autorização é impugnada por ausência de parâmetros de conformação (1.º pedido) e, depois, as normas do artigo 41.º, alíneas h) e f), do decreto-lei de uso da autorização são impugnadas por não irem ao encontro daqueles parâmetros (2. pedido)! Mas reconhecida que está aqui a determinabilidade do sentido e extensão da autorização legislativa conferida ao Governo por via do artigo 2.º, alínea j), da Lei 107/88, há-de dizer-se que, também numa prespectiva constitucionalorgânica, as normas do artigo 41.º, alíneas f) e h), do diploma anexo ao Decreto-Lei 64-A/89 não violam os limites de competência por aquela primeira norma demarcados.Desde logo, em vários momentos do controlo que se vem de fazer, da constitucionalidade material daquelas normas, se assinalou uma relação de correspondência entre lei de autorização e decreto-lei autorizado. No 2.º pedido existe uma alusão não explicitada a que a norma do artigo 41.º, alínea f), «parte final», «não oferece uma delimitação clara das situações que legitimam o contrato de trabalho a termo» e a que a norma do artigo 41.º, alínea h), ao referir «os trabalhadores noutras situações previstas em legislação especial ultrapassa o que consta da autorização legislativa». Quanto à primeira norma, não é líquido o que se pretende significar com a indicação «parte final». O pedido querer-se-á referir à locução «bem como outros trabalhos de análoga natureza e temporalidade». Mas aqui remetemo-nos de novo para os momentos de controlo da constitucionalidade material: já aí se ponderou a aparente indeterminabilidade daquela locução e o modo como, afinal, com ela o legislador dá a «ideia rectora» necessária para o controlo dos casos de admissibilidade de contrato de trabalho a termo.
Não é pois inconstitucional esta norma do artigo 41.º, n.º 1, alínea f), como o não é a norma do artigo 41.º, n.º 1, alínea h), que também é referida às estruturas do artigo 168.º, n.º 2, da Constituição. O pedido parece «reconhecer» uma abertura não consentida ali onde se referem os trabalhadores «noutras situações previstas em legislação especial de política de emprego». Não é assim se intentarmos uma interpretação razoável da lei.
Ali, a norma tem uma função meramente declarativa de reconhecimento da eventualidade de uma legislação especial sobre política de emprego. Não determina ela mesma as escolhas que essa legislação há-de fazer de casos de admissibilidade de celebração de contrato de trabalho a termo. Ou seja, aqui, a norma não tem consequências.
IX - A norma do artigo 8.º, n.º 4, do diploma anexo ao Decreto-Lei 64-A/89:
acordo de cessação e créditos vencidos.
Esta norma, que integra o capítulo III («Revogação por acordo das partes»), dispõe assim:
«1 - ...............................................................................................
2 - .................................................................................................
3 - .................................................................................................
4 - Se no acordo de cessação, ou conjuntamente com este, as partes estabelecerem uma compensação pecuniária de natureza global para o trabalhador, entende-se, na falta de estipulação em contrário, que naquela foram pelas partes incluídos e liquidados os créditos já vencidos à data da cessação do contrato ou exigíveis em virtude dessa cessação.» No pedido, afirma-se a inconstitucionalidade desta norma com o argumento de que nela se põe em causa o direito ao salário [Constituição da República Portuguesa, artigo 60.º, agora artigo 59.º, n.º 1, alínea a)] e que esse direito é irrenunciável.
Não se vê em que é que a norma em apreço, do artigo 8.º, n.º 4, possa envolver uma qualquer renúncia ao salário.
Desde logo, pode reconhecer-se no teor literal da norma uma qualidade de norma supletiva, a fixar o sentido do silêncio das partes. Nesta leitura, assentar-se-ia em que, na falta de acordo das partes, a compensação pecuniária ali referida inclui os «créditos já vencidos à data da cessação do contrato ou exigíveis em virtude dessa cessação».
Numa outra leitura, tratar-se-á, antes, do estabelecimento de uma presunção:
sendo o arbitramento de direitos e deveres realizado através de um acordo das partes (lembremos que o capítulo III nos devolve, pela sua própria temática, para uma lógica de liberdade contratual), deveria então a indagação da vontade ser o elemento fundamental a que o intérprete se deve ater. Essa presunção estaria a operar uma estabilização de procedimentos para a revogação do contrato por acordo, mas não arredando a possibilidade de prova daquilo que foi realmente intencionado. Por razões de certeza jurídica e de estabilidade de procedimentos, inverter-se-ia tão-somente o ónus da prova no caso de outros créditos não haverem sido incluídos na liquidação da compensação pecuniária.
Tratar-se-ia, pois, de uma presunção juris tantum.
Seja como for, não cabe a este Tribunal fixar uma qualificação - de norma supletiva ou de presunção juris tantum - para o enunciado que aqui se analisa.
Na verdade, não se vê por que modo qualquer dos termos da alternativa possa ter implicações com o problema da renunciabilidade dos salários.
Mesmo para quem entenda que a irrenunciabilidade dos salários tem valor constitucional, a verdade é que o âmbito de previsão da norma do artigo 8.º, n.º 4, se esgota no facto dos salários já vencidos, que, por vencidos, se convolaram em créditos pecuniários, à semelhança, de resto, com o que se passa em outros institutos (cf., por exemplo, o artigo 2008.º do Código Civil sobre a «indisponibilidade do direito a alimentos»).
Não é, pois, inconstitucional a norma do artigo 8.º, n.º 4, do diploma anexo ao Decreto-Lei 64-A/89.
X - A norma do artigo 25.º, n.º 1, do diploma anexo ao Decreto-Lei 64-A/89.
Aceitação de despedimento e suspensão judicial.
Esta norma, que se inclui na secção I do capítulo V («Despedimento colectivo»), dispõe assim:
«Artigo 25.º
Recurso ao tribunal
1 - Os trabalhadores que não aceitarem o despedimento podem requerer a suspensão judicial do mesmo, com fundamento em qualquer das situações previstas nas alíneas a) a d) do n.º 1 do artigo anterior [são as situações de despedimento ilícito], no prazo de cinco dias úteis contados da data da cessação do contrato de trabalho constante da comunicação a que se refere o n.º 1 do artigo 20º» No pedido, afirma-se que esta norma, na medida em que veda aos trabalhadores que aceitaram o despedimento - mesmo que por «falta de esclarecimento» ou «através de coacção» - o recurso à providência cautelar de suspensão judicial, é contrária ao artigo 20.º da Constituição da República (acesso ao direito e aos tribunais).Mas a norma do artigo 25.º, n.º 1, ao limitar o recurso à providência cautelar de suspensão do despedimento aos trabalhadores que não aceitaram o despedimento - excluindo, assim, os que o aceitaram -, está a concretizar um princípio geral de boa fé das relações contratuais.
A impugnação do despedimento pelos trabalhadores que antes o aceitaram constituiria um venire contra factum proprium. Com efeito, nos termos do artigo 23.º, n.º 3, «o recebimento pelo trabalhador da compensação vale como aceitação do despedimento». Se a aceitação é devida a erro, dolo ou coacção, não será válida, nos termos dos artigos 252.º e seguintes do Código Civil.
E a invalidade da aceitação confere ao trabalhador o poder de requerer a suspensão do despedimento (artigo 25.º, n.º 1).
Não é, pois, inconstitucional a norma do artigo 25.º, n.º 1, que se vem de analisar.
XI - A norma do artigo 2.º do diploma anexo ao Decreto-Lei 64-A/89:
normas imperativas e contratação colectiva.
Esta norma, que se inclui no capítulo I («Princípios gerais»), dispõe:
«Artigo 2.º
Natureza imperativa
1 - Salvo disposição em contrário, não pode o presente regime ser afastado ou modificado por instrumento de regulamentação colectiva de trabalho ou por contrato individual de trabalho.2 - São revogadas as disposições dos actuais instrumentos de regulamentação colectiva de trabalho que contrariem o disposto no presente diploma.» 1 - «Disposição em contrário» é, desde logo, a do artigo 59.º, n.º 1, também do diploma anexo ao Decreto-Lei 64-A/89, que abre às competências privadas de contratação colectiva a regulação dos «valores e critérios de definição de indemnizações consagrados neste regime, os prazos do processo disciplinar, do período experimental e de aviso prévio, bem como os critérios de preferência na manutenção de emprego nos casos de despedimento colectivo».
No pedido, a norma do artigo 2.º é confrontada com o artigo 57.º, n.º 3, da Constituição (agora, artigo 56.º, n.º 3), sobre o direito das associações sindicais à contratação colectiva. Diz-se, ali, que a atribuição de carácter imperativo ao regime instituído pelo Decreto-Lei 64-A/89 põe em causa esse direito.
Mas não é assim. A norma do artigo 2.º não atinge o espaço irredutível necessário à afirmação de uma competência de negociação colectiva das associações sindicais constitucionalmente afirmada. Lembremos, a propósito desta temática da «convivência» de normas legais imperativas com a competência colectiva de conformação autónoma das relações de trabalho, a fundamentação do Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 94/92, ( Diário da República, 2.ª série, de 18 de Agosto de 1992):
«A Constituição atribui às associações sindicais a competência para o exercício do direito de contratação colectiva, mas devolve ao legislador a tarefa de delimitação do mesmo direito, aqui lhe reconhecendo uma ampla liberdade constitutiva. A interpretação do alcance desta devolução para a lei (Constituição da República Portuguesa, artigo 56.º, n.º 3, in fine, e n.º 4) não pode contudo deixar de entrever na norma abributiva de uma competência às organizações sindicais de exercerem o direito de contratação colectiva (Constituição da República Portuguesa, artigo 56.º, n.º 3) a própria afirmação constitucional deste direito e a garantia da sua realização.
[...] Não está em causa a admissibilidade, em direito do trabalho, de normas legais imperativas, máxime de normas imperativas de condições fixas, ou seja `aquelas que exprimem uma ingerência absoluta e inelutável da lei na conformação da relação jurídica de trabalho, por forma tal que nem os sujeitos do contrato podem substituir-lhes a sua vontade, nem os instrumentos regulamentares hierarquicamente inferiores aos que as contêm podem fazer prevalecer preceitos opostos ou conflituantes com elas' (Monteiro Fernandes, Direito do Trabalho, 6.ª ed., Coimbra, 1987, p. 233).
Na verdade, `há no direito do trabalho normas imperativas cujo comando é totalmente imodificável em qualquer sentido' (Barros de Moura, A Convenção Colectiva entre as Fontes de Direito do Trabalho, p. 152). `São normas inderrogáveis quer no sentido do mais, quer no sentido do menos' (José Acácio Lourenço, `O princípio do tratamento mais favorável', in Estudos sobre Temas de Direito do Trabalho, p. 29), normas com uma `assumida intenção de aplicação absoluta' (Menezes Cordeiro, `O princípio do tratamento mais favorável no direito do trabalho actual', Direito e Justiça, vol. III, 1987-1988, pp.
110-139).
[...] O que, aliás, não significa que a imperatividade das normas laborais não seja instituída quantas vezes (senão mesmo a maior parte das vezes) no interesse do próprio trabalhador. Como afirma Carlos Santiago Nino, `há medidas aparentemente paternalistas que, no entanto, estão dirigidas a tornar efectiva a vontade dos indivíduos. É este o caso da regulação legal dos contratos de trabalho' [...] (Etica y Derechos Humanos, Buenos Aires, 1984, p. 178) [...] No mesmo sentido, afirmam Messias de Carvalho e Vítor Nunes de Almeida: `o direito do trabalho é, como se sabe e por nós vem sendo afirmado, um domínio do direito em que a autonomia privada aparece como extremamente comprimida e por vezes mesmo eliminada. Em tais hipóteses a paridade de tratamento foi já recuperada pelo próprio legislador que, perante um grave desequilíbrio das partes limita a autonomia contratual pondo os sujeitos em situação de igualdade real' (Direito do Trabalho e Nulidade do Despedimento, Almedina, Coimbra, 1984, p. 85).
É por isso que a abertura à contratação a que se refere o artigo 56.º da Constituição se apresenta, pela própria letra do preceito, como uma abertura legislativamente conformada.
Além disso, no âmbito do direito do trabalho, a protecção do trabalhador não é o único interesse digno de ser tutelado. A inderrogabilidade de certos regimes legais surge também associada a razões de ordem pública que ultrapassam os interesses particulares do trabalhador.
Como refere Bernardo Xavier: `O direito do trabalho está agora mais aberto aos interesses gerais, à economia, e particularmente ao emprego. Ele não presta atenção apenas à justiça e equilíbrio das possíveis relações entre os sujeitos individuais do contrato de trabalho, nem se preocupa tão-somente com o sistema conflitual dos protagonistas dos interesses de classe'. (`A crise e alguns institutos de direito do trabalho', Revista de Direito e de Estudos Sociais, ano XXVIII, n.º 4, 1986, p. 561). E Barros Moura: "Os princípios fundamentais que formam a ordem pública podem adquirir expressão positiva:
na Constituição e nas normas legais imperativas. A inderrogabilidade destas últimas só pode derivar do facto de constituírem uma concretização ou explicitação da ordem pública. Contra essa `barreira intransponível' erguida pelo Estado não podem prevalecer os interesses individuais ou os interesses particularizados de certas classes através da auto-regulamentação privada, individual ou colectiva" (ob. cit., pp. 170 e 171).
A imbricação entre a inderrogabilidade da norma legal e o princípio da ordem pública é também sustentada por Aldo Arangure: `como princípio geral, pode afirmar-se que a inderrogabilidade vem atribuída ao legislador sempre que norma prossiga um fim de tutela de um interesse geral ou de ordem pública' (Aldo Aranguren, `La tutela dei diritti dei lavoratori', in Enciclopedia giuridica del lavoro, vol. 7, 1981, p. 21) [...]».
Lembremos a formulação contida no artigo 56.º, n.º 3, da Constituição:
«Compete às associações sindicais exercer o direito de contratação colectiva, o qual é garantido nos termos da lei.» Não se trata aí de uma ingerência autorizada do legislador, configurando uma limitação do direito de contratação colectiva. O que se estabelece é uma reserva de conformação (Ausgestaltungsvorbehalt): o legislador não intervém para impor limites ao direito, mas o direito só tem existência completa na modulação que o legislador lhe confere.
Este âmbito de conformação do legislador é particularmente relevante, como explana Alexy ( Theorie der Grundrechte, Suhrkamp Taschenbuch Wissenschaft, p. 300) em matéria de competências privadas. E é este o caso.
A dogmática jurídico-constitucional distingue a noção de conformação em sentido verdadeiro e próprio da noção de restrição, precisamente em relação às normas de competência. Na doutrina portuguesa, Vieira de Andrade dá conta de que «essa necessidade prática (de introduzir e acomodar os direitos na vida jurídica) é particularmente notória quando se trata de efectivar direitos em que predomina o aspecto institucional [...]» (Os Direitos Fundamentais na Constituição Portuguesa de 1976, Almedina, Coimbra, 1983, p. 227).
É, pois, evidente que, neste domínio, a lei adquire uma função constitutiva do próprio Tatbestand do direito. Então, criada que está pelo próprio figurino constitucional a abertura para uma ampla liberdade constitutiva do legislador, cabe perguntar se a norma do artigo 2.º, ao retirar à regulamentação colectiva certas matérias do regime jurídico do Decreto-Lei 64-A/89 - aquelas que aí são determinadas pela exclusão das matérias do artigo 59.º -, vem reduzir de tal modo aquele espaço de auto-regulação constitucionalmente garantido que põe em causa a possibilidade de realização do direito de contratação colectiva.
Também aqui o método de controlo faz apelo ao critério da proporcionalidade.
Interesses públicos relevantes como os da segurança jurídica e da igualdade - postulando uniformização de procedimentos - podem ditar que as normas sejam imperativas e não dispositivas. Além disso, o «espaço virtual» da contratação colectiva não se esgota no âmbito de realidade sobre que incide o Decreto-Lei 64-A/89: o regime jurídico deste decreto-lei [que, aliás, se abre em momentos relevantes à autonomia colectiva (artigo 59.º)] tem incidência apenas num sector da vida das relações de trabalho e o papel central da regulamentação colectiva está por via de regra na «contratualização» de prestações, que não é posta em causa.
Não é pois constitucionalmente ilegítima a determinação que se contém na norma do artigo 2.º do diploma anexo ao Decreto-Lei 64-A/89, visto que por ela o legislador concretiza uma ampla competência de conformação sem negar a existência de um «objecto possível» da contratação colectiva.
2 - O pedido confronta a mesma norma também com o artigo 168.º, n.º 2, da Constituição. Considera que da Lei 107/88 não resultava uma qualquer directiva para a instituição de um regime imperativo.
Ora, a escolha das determinantes do decreto-lei a produzir pelo Governo não tem de ser, quanto a esta temática da força jurídica, desde logo prefigurada na lei de autorização. Essa escolha surge neste plano tão-só materialmente vinculada às normas constitucionais sobre a contratação colectiva. Do que, atenta a anterior ordem de considerações, se deriva uma conclusão de não inconstitucionalidade daquela norma.
XII - A norma do artigo 2.º, alínea q), da Lei 107/88 e a norma do artigo 60.º, n.º 5, do diploma anexo ao Decreto-Lei 64-A/89: Sanções e garantias de processo.
1 - Na Lei 107/88, o Parlamento autorizava o Governo, por via do artigo 2.º, alínea q), a estabelecer «um regime punitivo adequado relativamente a infracções ao regime praticadas pela entidade empregadora que tenha em conta a importância social da regra violada, a qualidade do trabalhador relativamente ao qual se verifica a infracção e a dimensão da empresa».
No 1.º pedido afirma-se que esta norma está em colisão com a norma constitucional do artigo 168.º, n.º 2, por não definir claramente o sentido e a extensão da autorização.
Nenhum fundamento é avançado, mas confrontando o teor da norma do artigo 2.º, alínea q), tem de reconhecer-se a sua insuficiência de sentido. Esta norma é inconstitucional justamente porque, atenta a matéria sobre que confere ao Governo competência legislativa - é matéria de direito sancionatório público, a situar-se, pois, no quadro da reserva relativa do Parlamento -, não tem a carga de sentido constitucionalmente exigível (cf. artigo 168.º, n.º 2, da Constituição).
Aqui, convocam-se as considerações do capítulo seguinte (capítulo XIII) sobre a temática das leis de autorização legislativa e lembram-se também, por oportunas, as afirmações que a propósito da exigência de sentido das leis de autorização legislativa se deixaram no Acórdão 311/93, Diário da República, 2.ª série, de 22 de Julho de 1993: «[...] as leis devem indicar [...] os princípios base, as directrizes ou orientações que hão-de presidir à elaboração do decreto-lei a editar (é o sentido da autorização). [...] Essencial é, pois, que na autorização legislativa possam colher-se os princípios rectores que hão-de servir ao Governo de critério ou de linhas de orientação na produção da respectiva disciplina jurídica.» Esta necessidade de explicitação de sentido evidencia-se sobremaneira aqui nesta matéria, onde o alcance da reserva parlamentar de competência tem, na verdade, um nível particularmente exigente (sobre os diferentes níveis desse alcance, cf. Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, 3.ª ed. revista, p. 670).
2 - O artigo 60.º, na parte que aqui releva, dispõe:
«Artigo 60.º
Sanções
1 - A entidade empregadora que violar o disposto no presente diploma fica sujeita, por cada infracção, às seguintes multas:a) ..................................................................................................
b) ..................................................................................................
c) ..................................................................................................
d) ..................................................................................................
2 - .................................................................................................
3 - .................................................................................................
4 - .................................................................................................
5 - Sem prejuízo do disposto nos artigos 181.º e seguintes do Código de Processo do Trabalho, as multas previstas neste artigo serão aplicadas na sentença proferida nas acções cíveis em que se prove a violação das disposições a que respeitam, tendo a propositura da acção o efeito interruptivo previsto no n.º 2 do artigo 184.º do mesmo Código.» O julgamento a que se procedeu de inconstitucionalidade da norma do artigo 2.º, alínea q), da lei de autorização legislativa, não terá de nos remeter necessariamente para uma conclusão imediata de inconstitucionalidade consequente da norma aqui em apreço, do artigo 60.º, n.º 5, do Decreto-Lei 64-A/89. É que, eventualmente, esta norma poderia tão-só constituir o resultado do exercício de uma competência própria do Governo que, sendo própria, não teria, é evidente, como ser afectada por uma maior ou menor densidade da lei de autorização.
Mas, indagando do conteúdo material da norma, desde logo se pode afirmar que aí se não trata do estabelecimento de contra-ordenações, pois que estas são definidas segundo um critério formal: são contra-ordenações aquelas a que corresponde uma coima.
Para a solução do problema de constitucionalidade, no entanto, não importa decidir se aqui se está em presença de contravenções - como o sugerem os enunciados do preceito ao cominar as sanções de multa - ou em presença de um qualquer ilícito atípico. E não se importa decidir porque, de um lado, numa interpretação segundo a qual o legislador só pode criar crimes, contra-ordenações ou ilícitos disciplinares em matéria de direito sancionatório público, a norma do artigo 65.º, n.º 4, do Decreto-Lei 64-A/89 sempre afrontaria o programa constitucional, pois que aquelas formas são formas não consentidas pelo artigo 168.º, alíneas c) e d), da Constituição. E, de outro lado, mesmo numa interpretação capaz de reconhecer que ao legislador não é vedada a criação de ilícitos atípicos, ou até de contravenções, sempre haverá de concluir-se pela inconstitucionalidade da norma do artigo 60.º, n.º 5, visto que, determinando a aplicação das sanções de multa em acção cível e sem prévia audição do infractor, por ela não são asseguradas as garantias de audiência e defesa que a Constituição consagra no artigo 32.º e que na sua ideia essencial valem para todo o direito sancionatório público.
XIII - As normas do artigo 2.º, alíneas e), h), j), n), e p) da Lei 107/88, de 17 de Setembro: a autorização legislativa e o artigo 168.º, n.º 2, da Constituição.
A autorização legislativa provoca uma «vicissitude de competência» (Jorge Miranda) pela qual a Assembleia da República deixa que o Governo intervenha na regulação de matérias que a Constituição delimita na esfera da sua competência (Constituição da República Portuguesa, artigo 168.º). O estabelecimento de um vínculo de subordinação dos decretos-leis de uso de autorização legislativa aos princípios e critérios estabelecidos pelo Parlamento (Constituição da República Portuguesa, artigo 115.º) destina-se precisamente a garantir a ordem de competência constitucionalmente estabelecida. A determinação contida na norma do artigo 168.º, n.º 2, da Constituição, de que «as leis de autorização legislativa devem definir o objecto, o sentido, a extensão e a duração da autorização» concretiza a exigência de uma parametricidade conformadora da lei de autorização.
No pedido incidente sobre a Lei 107/88 (1.º pedido) afirma-se que essa parametricidade não existe nas normas do artigo 2.º, alíneas e), h), j), e p), com violação do artigo 168.º, n.º 2, da Constituição da República.
Sobre as normas das alíneas e) e j), concluiu-se já, em outros momentos do controlo de constitucionalidade, que elas não afrontavam o artigo 168.º, n.º 2, da Constituição (cf. os capítulos VII, VIII e XII). As outras normas, das alíneas h), n) e p), dispõem assim:
«Art. 2. A legislação a estabelecer pelo Governo [...] assentará nos seguintes princípios fundamentais:
.....................................................................................................
h) Alteração das regras processuais de índole administrativa aplicáveis aos casos de despedimento colectivo e no regime de redução e suspensão da prestação de trabalho, com consagração expressa, num e noutro caso, da participação intensiva e com efeitos substantivos dos representantes dos trabalhadores;
.....................................................................................................
n) Clarificação da posição contratual dos trabalhadores cuja entidade empregadora morre, se extingue ou cessa a actividade por falência ou insolvência;
.....................................................................................................
p) Sistematização e clarificação das fases do processo de despedimento por comportamento culposo do trabalhador.» A lei de autorização legislativa, como todas as leis, está sujeita a um processo de interpretação e mesmo de interpretação conforme à Constituição, pois que «o princípio de que, entre várias interpretações possíveis, prefere a que é conforme com a Constituição não pode vigorar só quando exista a suspeita de que uma lei ou uma disposição legal é inconstitucional, mas vigora em geral.
Isto decorre do postulado da unidade interna da ordem jurídica em conjugação com o nível hierárquico do direito constitucional» (Karl Larenz, ob. cit., p. 411;
cf. ainda o Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 349/93, Diário da República, 2.ª série, de 3 de Agosto de 1993).
As directivas que por via da autorização a Assembleia da República dirige ao Governo-legislador podem apontar para momentos de maior vinculação como para momentos de maior liberdade de concretização legislativa. Relevante é a possibilidade de descoberta do sentido e extensão dessa autorização.
Se as normas em apreço permitem, com recurso aos elementos interpretativos, a descoberto do programa de legislação estabelecido pelo Parlamento, então não há inconstitucionalidade em razão do artigo 168.º, n.º 2, da Constituição. E é esse o caso. De tais normas pode dizer-se que contêm os traços essenciais de delimitação da competência do Governo-legislador. A isso não obstam formulações «abertas» como «alteração das regras processuais de índole administrativa» [alínea h)], «clarificação da posição contratual dos trabalhadores» [alínea n)] ou «sistematização e clarificação das fases do processo de despedimento» [alínea p)].
Não são, assim, inconstitucionais, as normas do artigo 2.º, alíneas h), n) e p), da Lei 107/88, a lei de autorização legislativa.
XIV - As normas dos artigos 2.º e 3.º do Decreto-Lei 64-A/89 e dos artigos 2.º, 19.º e 20.º, 41.º, alíneas h) e f), 44.º, n.º 2, e 59.º do diploma anexo ao mesmo decreto-lei: o uso da autorização legislativa e seus limites.
1 - Sobre estas normas afirma-se no 2.º pedido - o que incide sobre o Decreto-Lei 64-A/89 - que elas foram produzidas em desrespeito pelos princípios e directivas estabelecidos pelo Parlamento na lei de autorização legislativa (Lei 107/88).
Já antes se analisaram as normas do artigo 2.º do diploma anexo e do artigo 41.º, n.º 1, alíneas h) f), do mesmo diploma, havendo-se concluído pela não inconstitucionalidade das mesmas normas (cf. capítulo XI e VIII).
2 - Consideremos, então, as normas dos artigos 2.º e 3.º do Decreto-Lei 64-A/89 e dos artigos 19.º e 20.º, 44.º, n.º 2, e 59.º do diploma anexo ao mesmo decreto-lei:
«Artigo 2.º
Norma revogatória
São revogados o Decreto-Lei 372-A/75, de 16 de Julho [...]»«Artigos 19.º e 20.º
[Integram o capítulo V, secção I, do diploma anexo, sobre o despedimento colectivo.]»«Artigo 19.º
Intervenção do Ministério do Emprego e da Segurança Social
1 - Os serviços do Ministério do Emprego e da Segurança Social com competência na área das relações colectivas de trabalho participarão no processo de negociação previsto no artigo anterior, com vista a assegurar a regularidade da sua instrução substantiva e processual e a promover a conciliação dos interesses das partes.
2 - A pedido de qualquer das partes ou por iniciativa dos serviços referidos no número anterior, os serviços regionais do emprego e da formação profissional e o centro regional de segurança social definirão as medidas de emprego, formação profissional e de segurança social aplicáveis de acordo com o enquadramento previsto na lei para as soluções que vierem a ser adoptadas.»
«Artigo 20.º
Decisão da entidade empregadora
1 - Celebrado o acordo ou, na falta deste, decorridos 30 dias sobre a data da comunicação referida nos n.º 1 ou 5 do artigo 17.º, a entidade empregadora comunicará, por escrito, a cada trabalhador a despedir a decisão de despedimento, com menção expressa do motivo e da data de cessação do respectivo contrato.
2 - Na data em que forem expedidas as comunicações referidas no número anterior, a entidade empregadora deve remeter aos serviços do Ministério do Emprego e da Segurança Social com competência na área das relações colectivas de trabalho a acta a que se refere o n.º 4 do artigo 18.º, bem como um mapa mencionando, em relação a cada trabalhador, o nome, a morada, datas de nascimento e de admissão na empresa, situação perante a segurança social, profissão, categoria e retribuição e ainda a medida individualmente aplicada e a data prevista para a sua execução.
3 - Na mesma data será enviada cópia do referido mapa à estrutura representativa dos trabalhadores.
4 - Na falta da acta a que se refere o n.º 4 do artigo 18.º, a entidade empregadora, para os efeitos do referido no n.º 2 deste artigo, enviará documento em que justifique aquela falta, descrevendo as razões que obstaram ao acordo, bem como as posições finais das partes.» No pedido afirma-se que o Governo, ao revogar o Decreto-Lei 372-A/75 (artigo 2.º), e ao produzir «em substituição» as normas transcritas dos artigos 19.º e 20.º, não está a respeitar os princípios ditados pela lei de autorização legislativa, que, no artigo 2.º, alínea h), determinava que «a legislação a estabelecer [...] assentará» na «alteração das regras processuais de índole administrativa aplicáveis nos casos de despedimento colectivo [...] com consagração expressa [...] da participação intensiva e com efeitos substantivos dos representantes dos trabalhadores».
O argumento é o de que existem agora «novas formas de intervenção» do Ministério do Emprego e da Segurança Social que levam implicadas alterações de natureza substantiva, que não apenas de natureza processual, visto que aquele Ministério podia, antes, e já não pode agora, proibir, em certos termos, o despedimento colectivo, remetendo-se para «um papel passivo». E aponta-se expressamente para o lugar das normas dos artigos 13.º a 23.º do Decreto-Lei 372-A/75, de 16 de Julho. (Não serão essas normas, mas a do artigo 2.º do Decreto-Lei 84/76, de 28 de Janeiro, que operou uma substituição do capítulo V do Decreto-Lei 372-A/75: lapso evidente, muito embora também aquele Decreto-Lei 84/76 haja sido revogado pelo novo sistema.) A lógica interna ao sistema de normas em que se incluem os artigos 19.º e 20.º aqui em apreço e a própria funcionalidade da intervenção administrativa no processo de despedimento colectivo não permitem concluir por uma natureza «não procedimental», caracterizadamente substantiva, dessa intervenção.
Depois, a coerência exigida ao legislador e ao intérprete implica que a análise do vínculo de subordinação do decreto-lei autorizado aos ditados do Parlamento não possa confinar-se ao texto de cada norma, mas deva debruçar-se sobre o contexto de regulação em que cada norma se integra.
Há-de ver-se, assim, que, no «facto complexo» em que se traduz o despedimento colectivo, as formas de intervenção do Ministério do Emprego têm uma clara feição procedimental que é corroborada pelo contexto de regulação em que se integram.
Finalmente, e não menos decisivo para o controlo de constitucionalidade, é o sentido que se deriva da interacção do artigo 1.º, n.º 1, da lei de autorização legislativa com o programa do artigo 2.º, alínea h), da mesma lei: o sentido imanente a esta norma não tem por que fazer um corte sistemático com a autorização de revogar o Decreto-Lei 372-A/75, de 16 de Julho, e o Decreto-Lei 84/76, de 28 de Janeiro, expressamente concedida no artigo 1.º da Lei 107/88.
2.1:
«Artigo 3.º
Sucessão de regimes
1 - O regime ora estabelecido para o processo de despedimento aplica-se aos processos em curso à data da sua entrada em vigor, sendo válidos os actos praticados de harmonia com o regime legal revogado.2 - O presente regime jurídico não se aplica aos pro-cessos de despedimento colectivo iniciados antes da sua entrada em vigor.
3 - Os contratos de trabalho a prazo celebrados de acordo com o disposto no Decreto-Lei 781/76, de 28 de Outubro, ficam sujeitos ao seguinte regime:
a) Podem ser convertidos em contratos a termo por acordo escrito adicional ao contrato existente aqueles cuja justificação seja contemplada nas alíneas a), c), f) e g) do n.º 1 do artigo 41.º;
b) Os contratos que respeitem a situações não previstas naquelas alíneas ou que, nelas se enquadrando, não sejam convertidos em contratos a termo incerto podem ainda ser objecto de uma única renovação se já tiverem excedido, ou a partir do momento em que excedam, o prazo de dois anos e desde que, em qualquer dos casos, com a renovação, não ultrapassem três anos de duração efectiva.» No pedido, afirma-se que o Governo não tinha autorização legislativa para a produção do preceito transcrito, sobre a «sucessão de regimes».
Ora, não é constitucionalmente exigível à lei de autorização legislativa - e, por isso, é nesse plano «livre» o decreto-lei autorizado - que venha ela mesma a ditar as regras de aplicação no tempo da legislação a produzir pelo Governo. O poder de escolha das determinantes da «aplicação da lei no tempo» vai implícito na própria competência de legislar transferida pelo Parlamento ao Governo.
Esse poder tem os evidentes limites de uma defraudação do sentido da autorização. O Governo não poderia, por exemplo, estabelecer regras de retroactividade que entrassem em colisão com os princípios e as directivas fixados pelo Parlamento. Mas não é aqui o caso. Não pode, pois, afirmar-se a inconstitucionalidade do artigo 3.º do Decreto-Lei 64-A/89, na perspectiva dos artigos 168.º, n.º 2, e 115.º, n.º 2, da Constituição.
2.2 - O artigo 44.º integra-se no capítulo VII, sobre os contratos a termo:
«Artigo 44.º
Estipulação do prazo e renovação do contrato
1 - .................................................................................................
2 - Caso se trate de contrato a prazo sujeito a renovação, esta não poderá efectuar-se para além de duas vezes e a duração do contrato terá por limite, em tal situação, três anos consecutivos.
3 - .................................................................................................
4 - .................................................................................................» No pedido, afirma-se que esta norma não respeita o sentido da autorização legislativa que é dada pelo artigo 2.º, alínea j) [indica-se, por lapso manifesto, a alínea f) da Lei 107/88]. O fundamento é o de que o limite de três anos estabelecido no artigo 44.º, n.º 2, do diploma anexo ao Decreto-Lei 64-A/89 para o contrato de trabalho a termo certo não implica uma «redução da duração máxima que já é de três anos».
A lei de autorização legislativa, ao atribuir ao Governo competência para a «revisão do regime do contrato de trabalho a termo» [artigo 2.º, alínea j)], apontava, com efeito, para uma meta de «redução da duração máxima do contrato a termo quando seja objecto de renovações». Existe aqui uma lógica de constrição da durabilidade do contrato a termo que se radica em fundamentos já analisados em outros momentos do controlo de constitucionalidade. Ora, pelo próprio enunciado da lei de autorização, há-de ver-se que essa lógica é uma lógica global que «apanha» o contrato e o processo da sua renovação. Não é uma lógica unilinear, apenas dirigida à marcação do tempo do contrato com independência daquele processo.
Não valem aqui argumentos que vejam no contrato a termo uma realidade «de fora» do sistema dos despedimentos, capaz de escapar ao âmbito da norma do artigo 53.º da Constituição, e logo afastando a competência necessária da Assembleia da República [Constituição da República Portuguesa, artigo 168.º, n.º 1, alínea b)]. Já vimos antes que estamos ainda aqui no domínio da protecção de direitos, liberdades e garantias. Não é possível, pois, afirmar que o Governo é, nesta matéria, «livre de autorização».
O artigo 44.º do Decreto-Lei 64-A/89 - que, na perspectiva de um confronto com a norma constitucional do artigo 168.º, n.º 2, deve ler-se na globalidade e não apenas no momento do n.º 2, o que se não fez no pedido - vem limitar a duas as renovações possíveis do contrato de trabalho a termo [ao contrário da anterior legislação (Decreto-Lei 781/76, de 28 de Outubro)] e a dois anos a duração do contrato nos casos referidos no artigo 41.º, n.º 1, alínea e), do Decreto-Lei 64-A/89 (actividade de duração incerta, início de laboração de uma empresa ou estabelecimento).
Ao limitar a duas as renovações admissíveis do contrato a termo, o legislador abriu-se agora à possibilidade de estreitar a duração daqueles contratos. Se o contrato tem uma duração escassa (por exemplo, seis meses), o limite de duas renovações fará que se não atinja aquele limite global obrigatório de três anos.
Ao que acresce que o Governo, ao realizar os ditados da autorização legislativa expressos, nos termos do artigo 2.º, alínea j), para o contrato a termo, não tem de operar aquela redução em todos os casos. Se assim fora, a lei havê-lo-ia clarificado. Temos pois que a nova ordem instituída pelo Decreto-Lei 64-A/89, no artigo 44.º, n.º 2 (e na sua relação de sistema) não colide com o sentido que se descobre na Lei 107/88.
2.3 - As normas do artigo 59.º do diploma anexo ao Decreto-Lei 64-A/89.
Dispõe assim:
«Artigo 59.º
Negociação colectiva
1 - Os valores e critérios de definição de indemnizações consagrados neste regime, os prazos do processo disciplinar, do período experimental e de aviso prévio, bem como os critérios de preferência na manutenção de emprego nos casos de despedimento colectivo, podem ser regulados por instrumento de regulamentação colectiva de natureza convencional.2 - Sempre que este regime admita a prevalência de disposições convencionais, esta apenas terá lugar relativamente a convenções colectivas de trabalho celebradas após a sua entrada em vigor.» No pedido, afirma-se que também aqui o Governo não acatou o sentido e os limites da autorização legislativa. Nos seguintes termos: «O artigo 59.º do diploma anexo ao decreto-lei preambular, em correlação com o artigo 2.º do mesmo diploma, não corresponde à alínea l) do artigo 2.º da Lei 107/88.
Com efeito, o único entendimento conforme à Constituição da referida alínea é o seguinte: a possibilidade de afastamento do regime do diploma é a regra, e a excepção são os aspectos insusceptíveis de alteração por via dos instrumentos de regulamentação colectiva.» A autorização conferida ao Governo pela Lei 107/88, artigo 2.º, alínea l), exprime-se em termos de uma «possibilidade de flexibilização do regime através da previsão de matérias susceptíveis de negociação colectiva, funcionando em relação a elas o regime legal em termos de supletividade, mas acautelando o respeito pelos aspectos de interesse e ordem pública».
O programa regulativo desta norma é o da abertura a um espaço de regulação pela contratação colectiva e a um espaço de regulação por lei, com o sublinhar da função integrativa-supletiva desta e com a advertência para que interesses de ordem pública devem ser acautelados.
E é essa ideia que afinal se vem concretizar no Decreto-Lei 64-A/89, em particular nas normas do artigo 59.º O Governo-legislador deixou abertos à contratação colectiva domínios de regulação que a não esvaziam de sentido e conteúdo, ao mesmo tempo que não anulou a funcionalidade do regime ali onde existam razões para a imperatividade. Aqui, convoca-se também a ordem de considerações que subentrou no controlo de constitucionalidade da norma do artigo 2.º do diploma anexo ao Decreto-Lei 64-A/89 (natureza imperativa do regime), que, é claro, está em relação com as normas do artigo 59.º, agora em apreço.
E conclui-se, assim, pela não inconstitucionalidade destas normas.
XV - A decisão.
Nestes termos, decide-se:
a) Declarar a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, das seguintes normas:
1) Da norma do artigo 2.º, alínea q), da Lei 107/88, de 17 de Setembro, por violação do artigo 168.º, n.º 2, da Constituição;
2) Da norma do artigo 60.º, n.º 5, do diploma anexo ao Decreto-Lei 64-A/89, de 27 de Fevereiro, por violação do artigo 32.º, n.º 1, da Constituição;
b) Não declarar a inconstitucionalidade das restantes normas da Lei 107/88, de 17 de Setembro, nem das restantes normas do Decreto-Lei 64-A/89, de 27 de Fevereiro.
Lisboa, 31 de Outubro de 1995. - Maria da Assunção Esteves - Alberto Tavares da Costa - Vítor Nunes de Almeida - Fernando Alves Correia - Bravo Serra - Messias Bento - Guilherme da Fonseca (vencido, em parte, conforme declaração de voto junta) - Armindo Ribeiro Mendes (vencido, em parte, conforme declaração de voto junta) - José de Sousa e Brito (vencido, em parte, conforme declaração de voto junta) - Maria Fernanda Palma (vencida, em parte, conforme declaração de voto junta) - José Manuel Cardoso da Costa.
Declaração de voto
Acompanhando, na sua maioria, as soluções a que chegou o presente acórdão, nomeadamente no que toca à alínea a) da parte decisória, votei, no entanto, vencido parcialmente quanto à alínea b) da mesma parte decisória, relativamente a algumas normas da Lei 107/88, de 17 de Setembro, e do Decreto-Lei 64-A/89, de 27 de Fevereiro (e regime legal a ele anexo, o Regime Jurídico da Cessação do Contrato de Trabalho a Termo), nos termos e fundamentos a seguir sintetizados:1 - Votei vencido quanto ao ponto III do acórdão: «A garantia constitucional da segurança no emprego: as normas do artigo 2.º, alínea a), da Lei 107/88 e dos artigos 26.º, 27.º, 28.º, 29.º, 30.º, 31.º, 32.º e 33.ºdo diploma anexo ao Decreto-Lei 64-A/89», respeitando ao «regime concreto que constroem» («a caracterização das causas de despedimento, as suas condições substantivas e processuais e as garantias asseguradas ao trabalhador»), fundamentalmente porque adiro às razões expendidas no Acórdão deste Tribunal Constitucional n.º 107/88, assim como às razões expostas no voto de vencido do Ex. Conselheiro Mário de Brito junto ao Acórdão deste Tribunal Constitucional n.º 64/91, arestos que, aliás, vêm citados e transcritos no presente acórdão.
Na verdade, tal como se entendeu nesses locais, se é certo que existe «uma determinada margem de liberdade de configuração legislativa concreta de justa causa», o que o legislador «não pode, porém, é transfigurar o conceito, de modo a fazer com que ele cubra dimensões essenciais e qualitativamente distintas daquelas que caracterizam a sua intenção jurídico-normativa», devendo «afirmar-se que o seu alargamento a factos, situações ou circunstâncias objectivas de todo alheias a qualquer comportamento culposo do trabalhador não deixará de envolver a sua transmutação substancial» (e, no citado voto de vencido, entendeu-se «que a Constituição, ao proibir os despedimentos sem justa causa (artigo 53.º), quer significar que só são permitidos os despedimentos com justa causa e que a justa causa tem de ser um `comportamento culposo, censurável, do próprio trabalhador' {J. J. Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, 2.ª ed. revista e ampliada, 1.º vol., 1984, nota VI ao citado artigo), que o mesmo é dizer que `a justa causa constitucional do despedimento [...] só pode ser, em termos de justiça a justa causa disciplinar, ou seja, a infracção disciplinar de tal modo grave que torne inevitável, no caso concreto, o despedimento'}».
Entendimento que perfilho e não vejo que tenha sido contrariado no acórdão, quando «abstrai dos pontos de vista relativos à culpa», e, in casu, conduziria a um juízo de inconstitucionalidade material das normas em causa, pois a simples invocação de motivos económicos ou de mercado, tecnológicos ou estruturais, relativos à empresa, como forma de fazer cessar o contrato de trabalho, acaba por se traduzir numa adulteração do conceito de justa causa, violando, em consequência, o disposto no artigo 53.º da Constituição.
Transpondo para aqui o discurso do Acórdão 107/88, ainda perfeitamente actual, pode aí ler-se:
«O conceito de justa causa para despedimento individual é alargado a factos, situações ou circunstâncias objectivas que inviabilizam a relação de trabalho e estejam ligados à aptidão do trabalhador ou sejam fundados em motivos económicos, tecnológicos, estruturais ou de mercado, relativos à empresa, estabelecimento ou serviço.
Pese embora o diferente plano em que se colocam estas duas situações - os motivos ligados à aptidão do trabalhador, ao contrário dos motivos ligados à empresa, estabelecimento ou serviço, contêm uma determinada referência pessoal -, deve dizer-se que em ambas a causa de despedimento não é justa, por se fundar em razões objectivas relacionadas com a diminuição da aptidão profissional adequada do trabalhador ou com motivos económicos, tecnológicos, estruturais ou de mercado.» 2 - Votei vencido quanto ao ponto IV do acórdão: «As garantias dos representantes eleitos dos trabalhadores: as normas do artigo 2.º, alínea f), da Lei 107/88 e do artigo 2.º do Decreto-Lei 64-A/89 (na parte em que revoga a Lei 68/79, de 9 de Outubro)», essencialmente pelas razões que, em tal matéria das garantias dos representantes eleitos dos trabalhadores, acompanham os votos de vencidos juntos ao citado Acórdão deste Tribunal Constitucional n.º 107/88.
Na verdade, como aí se pode ler (voto de vencido do Ex. Conselheiro Vital Moreira):
«Ora, a protecção da segurança no emprego dos representantes dos trabalhadores - que é também protecção do direito de formar comissões de trabalhadores e da liberdade sindical - exige que, cautelarmente, se garanta que o representante dos trabalhadores não possa ser afastado sem ser por justa causa devidamente apurada e controlada por forma adequada. Se a entidade patronal puder consumar o despedimento de um representante dos trabalhadores com base em qualquer aparência de justa causa (que permitisse a suspensão do despedimento), de tal modo que o trabalhador se visse efectivamente afastado do lugar enquanto não obtivesse judicialmente a anulação do despedimento (o que pode levar um, dois, três ou mesmo cinco anos!), então é seguro que os representantes dos trabalhadores não teriam protecção adequada para o exercício das suas funções de forma livre e isenta de receio de represálias da entidade patronal.
Sucede que a norma em apreço, ao prever a uniformização do processo de despedimento dos representantes dos trabalhadores, combinada com a prevista revogação da Lei 68/79, de 10 de Outubro (que exige uma decisão judicial de controlo da licitude do despedimento dos representantes dos trabalhadores, sem a qual este não tem lugar), elimina as garantias actualmente existentes sem as substituir por outras que dêem satisfação à exigência constitucional de protecção específica dos representantes dos trabalhadores. Com efeito, a norma não define o que devam ser as `garantias substantivas' específicas de que hão-de gozar os representantes dos trabalhadores, e, de qualquer modo, as que estão enunciadas no projecto de diploma governamental de modo nenhum podem considerar-se satisfatórias» (leia-se agora as garantias que constam do Decreto-Lei 64-A/89).
Transpondo também para aqui o discurso desses votos de vencido, ainda perfeitamente actual, e perfilho-o na íntegra, seria conduzido a um juízo de inconstitucionalidade material das normas em causa, por violação do disposto no artigo 53.º da Constituição, na relação de sentido que tem com a garantia constitucional de protecção dos representantes dos trabalhadores (artigos 54.º, n.º 4, e 56.º, n.º 6, na redacção de 1982).
Não se diga, aliás, como faz o acórdão, que o legislador «é livre para modular essa protecção (a protecção adequada dos representantes dos trabalhadores), modificá-la, construí-la em `novidade permanente'», pois é sabido que as normas constitucionais que impõem uma obrigação ao legislador impedem que, uma vez essa obrigação cumprida, ela seja, de novo, «descumprida» (princípio da proibição do retrocesso social). E é esse fenómeno do «descumprimento» que perpassa nas normas em causa, pese, embora, o relevo que o acórdão pretende dar aos «vários momentos que no Decreto-Lei 64-A/89 concorrem para um sistema concreto de garantias dos representantes eleitos dos trabalhadores» (basta pensar que, em termos processuais, a iniciativa desloca-se da entidade empregadora para o representante do trabalhador, para ver aí uma adulteração do sistema).
3 - Votei vencido quanto ao ponto VIII do acórdão: «Contrato a termo: as normas do artigo 41.º, n.º 1, alíneas e), f) e h), do diploma anexo ao Decreto-Lei 64-A/89», no que toca à citada alínea h), fundamentalmente pelas razões enunciadas na declaração de voto do Ex. Conselheiro Ribeiro Mendes, a que adiro, a partir da ideia de que «para ser constitucionalmente lícita a norma que prevê uma situação em que é possível a contratação a termo há-de tal situação corresponder a um motivo justificado», carecendo a solução legal de motivo constitucionalmente justificado.
Para além dessa perspectiva de inconstitucionalidade material, perfilho ainda, no seguimento do pedido, o entendimento de uma inconstitucionalidade orgânica dessa alínea h) e também da alínea f) da mesma norma quando ambas se reportam a «outros trabalhos de análoga natureza e temporalidade» [alínea f)] ou a outras «situações previstas em legislação especial de política de emprego» [alínea h), na medida em que se não respeita a autorização legislativa conferida pelo artigo 2.º, alínea j), da Lei 107/88, violando-se os limites de competência demarcados por esta norma].
Contrariamente à conclusão a que chegou o acórdão, e utilizando a sua linguagem, entendo, pois, ser inconstitucional a norma do artigo 41.º, n.º 1, alínea f), assim como a norma do artigo 41.º, n.º 1, alínea h), por referência «às estruturas do artigo 168.º, n.º 2, da Constituição», porquanto se trata de uma abertura não consentida que nelas se prevê. Afirmar, como se faz no acórdão, de forma simplista que «a norma não tem consequências» é desconhecer, por um lado, as facilidades postas à disposição da entidade empregadora para celebrar contratos de trabalho a termo, e, por outro lado, as dificuldades do controlo dos casos de admissibilidade desses contratos.
4 - Votei vencido quanto ao ponto XIII do acórdão: «As normas do artigo 2.º, alíneas e), h), j), n) e p), da Lei 107/88, de 17 de Setembro: a autorização legislativa e o artigo 168.º, n.º 2, da Constituição», no que toca às citadas alíneas h), n) e p), essencialmente pelas razões enunciadas na declaração de voto do Ex. Conselheiro Ribeiro Mendes, a que adiro, valendo para todas aquelas alíneas e apontando para a violação do n.º 2 do artigo 168.º da Constituição, «por delas não constar o sentido da própria autorização legislativa».
O próprio acórdão reconhece que aí, nessas alíneas, se detectam «formulações `abertas'», mas entende-se que isso não é nenhum obstáculo, quando é mesmo, exactamente por faltar aquele sentido da autorização legislativa.
5 - Votei vencido quando ao ponto XIV do acórdão: «As normas dos artigos 2.º e 3.º do Decreto-Lei 64-A/89 e dos artigos 2.º, 19.º e 20.º e 41.º, alíneas h) e f), 44.º, n.º 2, e 59.º do diploma anexo ao mesmo Decreto-Lei: o uso da autorização legislativa e seus limites», no que respeita às normas do artigo 2.º do Decreto-Lei 64-A/89 e dos artigos 2.º, 19.º, 20.º e 41.º, alíneas h) e f), do diploma anexo ao mesmo decreto-lei.
Dando aqui como transcrito o que deixei dito no n.º 3, a propósito daquelas alíneas h) e f) do artigo 41.º, importa apenas debruçar-me sobre as demais normas acima identificadas, todas elas reportando-se à matéria do despedimento colectivo.
Para além de uma inconstitucionalidade consequencial, derivada da posição que assumi relativamente à norma do artigo 2.º, alínea h), da Lei 107/88 (n.º 4), projectando-se a falta de sentido da autorização legislativa nas normas em causa do diploma autorizado, acompanho as razões invocadas na declaração de voto do Ex. Conselheiro Ribeiro Mendes, ao entender que as normas dos citados artigos 19.º e 20.º «sofrem de inconstitucionalidade orgânica, em virtude de conterem soluções não constantes da lei de autorização legislativa».
Registe-se que com o novo regime instituído para os despedimentos colectivos passaram estes a ficar facilitados, quando se extingue a fiscalização dos mesmos pelo ministério da tutela e a obrigatória intervenção dele na autorização ou proibição dos mesmos (com abertura da via de recurso contencioso - cf. o Acórdão do pleno da Secção do Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo de 11 de Fevereiro de 1993, processo 23 359). Só para dar um exemplo recente, basta pensar no caminho desobstruído para o encerramento da Fábrica Renault, em Setúbal. - Guilherme da Fonseca.
Declaração de voto
1 - Acompanhando embora a grande maioria das soluções a que chegou o presente acórdão, relativamente às questões de constitucionalidade suscitadas pelos deputados requerentes nos dois processos apensos - respeitantes um à lei de autorização legislativa, Lei 107/88, de 17 de Setembro, e outro ao diploma autorizado, Decreto-Lei 64-A/89, de 27 de Fevereiro, e regime legal a ele anexo (regime jurídico da cessação do contrato de trabalho a termo) -, afastei-me da tese vencedora quanto à solução encontrada para quatro diferentes questões de constitucionalidade.Indicarei seguidamente essas questões - em que fiquei vencido -, bem com a fundamentação da minha discordância.
2 - A) Norma da alínea h) do n.º 1 do artigo 41.º do regime jurídico anexo ao Decreto-Lei 64-A/89.
O artigo 41.º deste regime jurídico enuncia taxativamente os casos em que é legalmente admissível a celebração de contratos a termo (para além do disposto no artigo 5.º do mesmo regime jurídico, norma aqui ressalvada).
Os requerentes impugnaram a constitucionalidade das alíneas e), f) e h) desse n.º 1 do artigo 41.º, considerando violado o artigo 53.º da Constituição e o artigo 13.º do mesmo diploma constitucional.
Sem deixar de reconhecer que as alíneas e) e f) do n.º 1 abrangem situações relativamente diversificadas, sendo constitucionalmente duvidosa a equiparação feita entre todas elas, não me pareceu, em todo o caso, que os mesmas violassem a lei fundamental.
Já quanto à alínea h) do n.º 1 do citado artigo 41.º, adoptei entendimento diverso do perfilhado no acórdão, considerando que a norma era materialmente inconstitucional.
De facto, admite-se agora a celebração de contratos a prazo relativamente a «trabalhadores à procura do primeiro emprego ou de desemprego de longa duração ou noutras situações previstas em legislação especial de política de emprego».
Deixando de lado a parte final da alínea, que é puramente remissiva para outra legislação laboral que se não indica, afigura-se-me que não há razões materiais que justifiquem a solução legal de precarização do vínculo laboral relativamente a duas categorias de trabalhadores que não têm qualquer especificidade intrínseca: os trabalhadores que entram no mercado de trabalho pela primeira vez («à procura do primeiro emprego») e os desempregados de longa duração.
O direito constitucional à segurança no emprego, previsto no artigo 53.º da Constituição, abrange, no seu âmbito de protecção, «todas as situações que se traduzam em precariedade da relação de trabalho» (Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, 2.ª ed., Coimbra, 1993. p. 289).
Ora, para ser constitucionalmente lícita a norma que prevê uma situação em que é possível a contratação a termo, há-de tal situação corresponder a um motivo justificado, «nomeadamente quando houver razões que o exijam, designadamente para ocorrer a necessidades de trabalho ou a aumentos anormais e conjunturalmente determinados das necessidades da empresa» (mesmos comentadores, ob. cit., p. 289).
No caso dos trabalhadores à procura do primeiro emprego, a existência de um período experimental, na lei, tutela suficientemente os interesses da entidade patronal, para o caso de se verificar desinteresse, inadaptação ou falta de qualidade profissional desses trabalhadores. O mesmo se diga, de resto, quanto à contratação de desempregados de longa duração.
A solução legal carece de motivo constitucionalmente justificado, nestes dois casos, não se vislumbrando qual a razão por que há-de ter carácter temporário a prestação de trabalho por quem procura o seu primeiro emprego ou esteve longo tempo desempregado. Cria-se uma capitis deminutio sobre estes trabalhadores, face ao conjunto dos trabalhadores que já estão no mercado de emprego e nunca estiveram em situação de desemprego de longa duração.
Não se vê como pode ter razão a tese maioritária que fala, numa postura nominalista inaceitável, de uma ratio que tem «em conta a qualidade dos trabalhadores - destinatários»! Só se for uma «razão de Estado» [...] de política económica, contrária às opções constitucionais em matéria de segurança no emprego.
3 - B) Norma do n.º 1 do artigo 25.º do regime jurídico anexo ao Decreto-Lei 64-A/89.
Diferentemente do que ocorria na lei anterior (artigo 11.º, n.º 5, do Decreto-Lei 372-A/75, de 16 de Julho, redacção introduzida pela Lei 48/77, de 11 de Julho), o n.º 1 do artigo 25.º vem limitar a possibilidade de se requerer a suspensão do despedimento aos trabalhadores que não tiverem aceite esse despedimento.
Os requerentes sustentam que essa exigência restritiva («não ter aceite o despedimento») configura uma limitação processual contrária ao artigo 20.º da Constituição.
No acórdão, a tese maioritária, com alguma candura, defende a solução legislativa, afirmando que o legislador se limitou a concretizar um princípio geral de boa fé.
Discordo frontalmente de tal entendimento.
Sendo, na relação laboral, a entidade patronal, por regra, a parte mais forte - do ponto de vista económico e também do ponto de vista psicológico -, o direito do trabalho tutela, em diferentes matérias, a parte mais fraca, o trabalhador, aceitando o princípio tradicional do favor laboratoris e conferindo protecção jurídica ao trabalhador, por vezes mesmo sem uma tomada de posição deste.
Pode mesmo dizer-se que a ideia de protecção da parte mais fraca na relação contratual veio a influenciar o direito civil, sendo proveniente do direito do trabalho (cf. A. Menezes Cordeiro, Manual de Direito do Trabalho, Coimbra, 1991, p. 101; A. Monteiro Fernandes, Direito do Trabalho, I, Coimbra, 8.ª ed., 1993, pp. 85 e segs.).
Ora, parece inaceitável que se impeça o recurso à suspensão de um despedimento ilícito só porque o trabalhador, por falta de esclarecimento ou numa situação de perturbação, de coacção ou de temor reverencial, não haja discutido a justeza da sanção ou venha mesmo a aceitá-la, para evitar uma situação desagradável de constrangimento pessoal.
Não há que falar em venire contra factum proprium, nem tão-pouco é realista - no prazo curto de cinco dias úteis - exigir que o trabalhador proponha uma acção de anulação do acto de aceitação do despedimento, a par do requerimento da suspensão cautelar (de facto, não parece que, num meio cautelar, se possa discutir um vício de vontade de um acto unilateral).
Considero, por isso, que a solução impugnada contraria os artigos 18.º, n.º 2, e 20.º, n.º 1, da Constituição.
4 - C) Normas dos artigos 19.º e 20.º do regime jurídico anexo ao Decreto-Lei 64-A/89.
Entendi que as normas destes artigos sofrem de inconstitucionalidade orgânica, em virtude de conterem soluções não constantes da lei de autorização legislativa.
Diferentemente da conclusão a que chegou o acórdão, considero que, por força da alínea b) do artigo 2.º da Lei 107/88, o Governo só estava habilitado a alterar as «regras processuais de índole administrativa aplicáveis nos casos de despedimento colectivo». Ora, parece-me indiscutível o bem fundado da tese dos requerentes, no sentido de que o legislador do «regime jurídico», ao eliminar a possibilidade de o Ministério do Emprego determinar a proibição de cessação dos contratos de trabalho, por falta ou insuficiência de fundamentos (artigo 17.º, n.º 1, da Lei dos Despedimentos de 1975), em casos de despedimento colectivo, foi para além do que constava da lei anterior, sem a necessária credencial parlamentar, visto tratar de alteração material ou substantiva.
Mostra-se, assim, violada, em minha opinião, a norma da alínea b) do n.º 1 do artigo 168.º da Constituição.
5 - Normas das alíneas n) e p) do artigo 2.º da Lei 107/88.
Diferentemente da tese que fez vencimento, considero que as normas em causa violam o n.º 2 do artigo 168.º da Constituição, por delas não constar o sentido da própria autorização legislativa.
Em minha opinião, «clarificar» a posição contratual dos trabalhadores cuja entidade empregadora haja morrido, se tenha extinguido ou cesse a actividade por falência ou insolvência carece de qualquer sentido útil, deixando ao legislador governamental a opção básica entre a manutenção, a suspensão ou a cessação do vínculo contratual [cf. a alínea n) do artigo 2.º da Lei 107/88].
Igualmente carece de sentido a norma que habilita o Governo a «sistematizar e clarificar» as fases do processo de despedimento por comportamento culposo do trabalhador, visto que não é fornecida qualquer directiva material sobre as tarefas de sistematização e clarificação (veja-se, sobre este ponto, a minha declaração de voto de vencido n.º 311/93, publicada no Diário da República, 2.ª série, n.º 170, de 22 de Junho de 1993).
6 - Estas são, pois, as razões da minha discordância quanto à tese maioritária, nos pontos indicados. - Armindo Ribeiro Mendes.
Declaração de voto
1 - Votei pela inconstitucionalidade do artigo 41.º, n.º 1, alínea h), do diploma anexo ao Decreto-Lei 64-A/89, na parte em que admite contrato a termo de trabalhadores «noutras situações previstas em legislação especial de política de emprego», por violação da garantia da segurança no emprego (artigo 53.º da Constituição). Trata-se de uma norma remissiva para outra legislação sem qualquer delimitação do âmbito da restrição, que assim autoriza, do direito à segurança no emprego. A mesma alínea é nesta parte igualmente inconstitucional por violação dos limites de competência definidos na lei da autorização legislativa (artigo 168.º, n.º 2 da Constituição). Com efeito, a previsão em legislação especial, não individualizada, de política de emprego não pode considerar-se uma «delimitação clara das situações que legitimam a contratação a termo», exigida pela alínea j) do artigo 2.º da Lei 107/88.Votei igualmente pela inconstitucionalidade da alínea n) do artigo 2.º da Lei 107/88, por violação do n.º 2 do artigo 168.º, ao autorizar a «clarificação da posição contratual dos trabalhadores cuja entidade empregadora morre, se extingue ou cessa a actividade por falência ou insolvência», sem difinir minimamente o sentido da autorização, nomeadamente quanto às alternativas essenciais da manutenção, da suspensão ou da cessação do vínculo contratual. - José de Sousa e Brito.
Declaração de voto
1 - Votei, em parte, contra o presente acórdão, concordando, no essencial, com as razões aduzidas pelo conselheiro Ribeiro Mendes, quanto às alíneas em que, igualmente, votou vencido.2 - Todavia, considero ainda que a norma do artigo 5.º do Decreto-Lei 64-A/89 enferma de inconstitucionalidade por violar o princípio da igualdade, consagrado no artigo 13.º da Constituição.
Na realidade, a tese vencedora pressupõe que vigora no nosso ordenamento jurídico um princípio geral de não acumulação do direito à pensão de reforma com um contrato de trabalho sem prazo. Um tal princípio, porém, só existiria, legitimamente, se não atingisse apenas os reformados com mais de 65 ou 70 anos de idade, mas todos os cidadãos, impedindo acumulação de qualquer pensão de reforma com um contrato de trabalho sem prazo.
Daqui decorre que é inaceitável ponderar tal princípio apelando à «memória do sistema», concentrando-a, particularmente, nos reformados por velhice. A «memória do sistema» tem de registar todas as valorações, na sua plena coerência.
Por outro lado, a tutela do interesse da entidade patronal através do sistema da conversão do contrato de trabalho sem prazo em contrato a prazo não é necessária, adequada ou proporcionada, num sistema que já contempla a cessação do contrato de trabalho por impossibilidade objectiva superveniente (artigo 4.º do Decreto-Lei 64-A/89).
Em suma, o direito à reforma dos maiores de 65 ou de 70 anos só poderia justificar um enfraquecimento dos direitos laborais onde existisse aquele princípio geral de não acumulação. De outro modo, fazer funcionar, estrategicamente, um direito como contrapartida de um favorecimento da entidade patronal é permitir a instrumentalização de trabalhadores idosos, mas com capacida de trabalho, à satisfação dos interesses das empresas.
Será equivocado estabelecer uma analogia entre este regime e o que consagra um limite de idade para o exercício de cargos ou funções públicas. A fixação de tal limite só se pode entender à luz de uma presunção inilidível de incapacidade, em razão da idade, para o exercício de determinados cargos ou funções. Trata-se, assim, de uma discriminação que apela a um fundamento racional (embora seja, evidentemente, discutível). Diferentemente, uma discriminação remuneratória, funcional ou de segurança no trabalho dos mais velhos (mas habilitados legalmente à prestação de trabalho subordinado) carece de fundamento racional e viola o artigo 13.º da Constituição.
3 - Finalmente, entendo que a norma do artigo 60.º, n.º 5, não é materialmente inconstitucional, embora seja organicamente inconstitucional, como se concluiu no acórdão. A norma não prevê uma pena mas sim uma sanção pública «atípica» e pressupõe uma prova efectiva da culpa do infractor (contida na prova da violação das disposições em causa). Consequentemente, contempla o exercício do direito de defesa e do contraditório quanto a essa prova.
Não se trata, por conseguinte, de uma situação de responsabilidade objectiva e, estando em causa um ilícito não penal, que visa assegurar o correcto funcionamento das empresas, assegura-se o exercício do direito de defesa e do contraditório, tal como se exige no ilícito de mera ordenação social - também ele não penal, mas integrado no âmbito do direito sancionatório público (cf. o artigo 32.º, n.º 8, da Constituição).
Sustentar que a sanção prevista no artigo 60.º, n.º 5, possui natureza estritamente penal corresponderá a um puro nominalismo, que sacrifica considerações sobre a natureza da conduta proibida, as finalidades da sanção e a competência para a sua aplicação à utilização, pelo legislador, da expressão «multa». Não há fundamento para dar importância decisiva a este elemento literal, em detrimento de todos os restantes elementos da interpretação. - Maria Fernanda Palma.