Decide, com respeito às contas apresentadas pelo Partido Social Democrata (PPD/PSD), relativas à campanha para a eleição realizada a 16 de outubro de 2016 para a Assembleia Legislativa da Região Autónoma dos Açores, julgar parcialmente procedente o recurso interposto da decisão da Entidade das Contas e Financiamentos Políticos que sancionou contraordenacionalmente o recorrente.
Acórdão 567/2024
Processo 958/23
Aos vinte e três dias do mês de julho de dois mil e vinte e quatro, achando-se presentes o Juiz Conselheiro Presidente José João Abrantes e os Juízes Conselheiros Afonso Patrão, António José da Ascensão Ramos, João Carlos Loureiro, Rui Guerra da Fonseca, Maria Benedita Urbano, José Teles Pereira, Carlos Medeiros Carvalho, Gonçalo de Almeida Ribeiro, Dora Lucas Neto, Mariana Canotilho e Joana Fernandes Costa, foram trazidos à conferência, em sessão plenária do Tribunal Constitucional, os presentes autos.
Após debate e votação, foi, pelo Ex.mo Conselheiro Vice-Presidente, por delegação do Ex.mo Conselheiro Presidente, nos termos do artigo 39.º, n.º 2, da Lei do Tribunal Constitucional, ditado o seguinte:
I. Relatório
1 - Nos presentes autos de recurso jurisdicional em matéria de contas de campanhas eleitorais, vindos da Entidade das Contas e dos Financiamentos Políticos (doravante designada apenas por "ECFP"), em que é recorrente o Partido Social Democrata (PPD/PSD), foi interposto o presente recurso da decisão daquela Entidade, de 27 de junho de 2023, que sancionou o mesmo partido no plano contraordenacional.
2 - Por decisão datada de 15 de novembro de 2018, tomada no âmbito do processo PA 9 ALRAA/ 16/2018, a ECFP julgou prestadas, com irregularidades, as contas apresentadas pelo PPD/PSD, relativas à campanha para a eleição para a Assembleia Legislativa da Região Autónoma dos Açores, realizada a 16 de outubro de 2016, da qual Pedro Filipe Rodrigues Furtado foi mandatário financeiro (artigo 27.º, n.º 4, da
Lei 19/2003, de 20 de junho [Lei de Financiamento dos Partidos Políticos e das Campanhas Eleitorais, referida adiante pela sigla "LFP"] e artigo 43.º, n.º 1, da
Lei Orgânica 2/2005, de 10 de janeiro [Lei da Organização e Funcionamento da ECFP, referida adiante pela sigla "LEC"]).
Mais determinou, nos termos do artigo 44.º, n.º 1, da LEC, a extração de certidão para apuramento de eventual responsabilidade contraordenacional do PPD/PSD e do referido mandatário financeiro.
3 - Em 21 de julho de 2021, a ECFP instaurou procedimento contraordenacional, a que corresponde o
processo 4/2021 e ao qual foi apensado o procedimento PA 9/ALRAA/16/2018.
Os arguidos foram notificados do processo de contraordenação, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 44.º, n.os 1 e 2, da LEC e no artigo 50.º do
Decreto-Lei 433/82, de 27 de outubro (Regime Geral das Contraordenações, referido adiante pela sigla "RGCO"), tendo o PPD/PSD apresentado defesa.
4 - No âmbito do referido procedimento contraordenacional n.º 4/2021, a ECFP proferiu decisão, datada de 27 de junho de 2023, nos termos da qual foi deliberado arquivar os autos quanto ao mandatário financeiro Pedro Filipe Rodrigues Furtado, por efeitos da prescrição, e, quanto ao PPD/PSD:
“a) arquivar os pressentes autos na parte respeitante à prática da contraordenação prevista e punida pelo artigo 47.º, n.º 1 e 2, da
Lei Orgânica 2/2005, de 10 de janeiro;
b) aplicar a sanção de coima no valor de 50 vezes o salário mínimo nacional de 2008 no valor de 426,00 EUR o que perfaz a quantia de 21.300,00 EUR., pela prática da contraordenação prevista e punida pelo artigo 30.º, n.º 1, da
Lei 19/2003, de 20 de junho; e
c) aplicar a sanção de coima no valor de 16 vezes o salário mínimo nacional de 2008 (no valor de 426,00 EUR), o que perfaz a quantia de 6.816,00 EUR., pela prática da contraordenação prevista e punida pelo artigo 31.º, n.º 1 e 2, da
Lei 19/2003, de 20 de junho;
d) efectuando o cúmulo jurídico das coimas aplicadas, aplicar-lhe a coima única na quantia de 25.000,00 EUR (vinte e cinco mil euros)”.
5 - Notificado de tal decisão sancionatória, o PPD/PSD dela interpôs recurso para o Tribunal Constitucional. Da motivação desenvolvida extraiu as seguintes conclusões:
"IV.I - Face aos fundamentos expressos supra no ponto I do presente Recurso, inexiste a contraordenação relativa ao artigo 30.º, n.º 1, da
Lei 19/2003, de 20 de junho, por causa da utilização na campanha eleitoral ora em causa, com alegado dolo eventual, de um descoberto bancário de € 240 000,00, receita esta não prevista no artigo 16.º da mesma Lei; admitindo-se, quando muito, que a situação se reconduza ao segmento do n.º 1 (ex vi n.º 2) do artigo 31.º da
Lei 19/2003, de 20 de junho, relativo à não comprovação devida da receita da campanha e ao facto de despesas de campanha terem acabado por ser pagas diretamente de conta bancária titulada pelo PPD/PSD.
IV.2 - Face aos fundamentos expressos supra nos pontos II.3, II.4 e II.5, inexiste a contraordenação relativa ao n.º 1 (ex vi n.º 2) do artigo 31.º da
Lei 19/2003, de 20 de junho, quanto: (i) à contabilização de € 1065,00 relativos a bandeiras do Partido, alegadamente em violação do artigo 16.º, n.º 6, da
Lei 19/2003, de 20 de junho; (ii) à não comprovação da razoabilidade de certas despesas, “cujo preço se encontra abaixo do valor de mercado”, por referência à lista indicativa de valores constantes da
Listagem 38/2013 publicada pela ECFP, alegadamente em violação do artigo 12.º, n.º 1 e 2, ex vi artigo 15.º, n.º 1, in fine, da
Lei 19/2003, de 20 de junho; (iii) à ausência de entrega de documento comprovativo da assunção pelo próprio PPD/PSD das dívidas da campanha, alegadamente em violação do artigo 12.º, ex vi artigo 15.º n.º 1, in fine, da
Lei 19/2003, de 20 de junho.
IV.3 - Considerando as duas conclusões anteriores, não pode, consequentemente, deixar de se apelar ao Tribunal Constitucional para que reconsidere prudentemente a medida concreta do sancionamento aplicado pela ECFP, sugerindo o PPD/PSD que ele não ultrapasse a coima de € 4.260,00 (quatro mil duzentos e sessenta euros), correspondente à coima mínima inerente à infração do n.º 1 (ex vi n.º 2) do artigo 31.º da
Lei 19/2003, de 20 de junho.
IV.4 - Sendo que, em qualquer caso, dado todo o concreto circunstancialismo envolvido, nunca a coima única deveria ter sido fixada em montante superior a € 8.520,00 (oito mil quinhentos e vinte euros), correspondente ao valor mínimo da coima aplicada à primeira das referidas infrações - caso ela pudesse subsistir, o que naturalmente se não admite -, já que teria sido essa a quantia mais elevada das coimas concretamente aplicadas.
À luz dos fundamentos anteriormente enunciados, e daqueles que, faltando, serão certamente objeto do sábio suprimento de Vossas Excelências, Venerandos Juízes do Tribunal Constitucional, deve ser concedido integral provimento ao presente recurso, alterando-se em conformidade a decisão sancionatória recorrida proferida pela ECFP, POR ASSIM SER DE INTEIRA JUSTIÇA."
6 - A ECFP deliberou, em 31 de agosto de 2023 (fls. 152 e 153), sustentar a decisão impugnada de 27 de junho de 2023, nos termos do n.º 4 do artigo 46.º da LEC, após o que remeteu os autos ao Tribunal Constitucional.
7 - Recebidos os autos no Tribunal Constitucional, foi proferido despacho, datado de 10 de janeiro de 2024, pelo qual se admitiu liminarmente o recurso interposto.
8 - O Ministério Público pronunciou-se, nos termos do artigo 103.º-A, n.º 1, da LTC, no sentido de ser negado provimento ao recurso.
9 - Notificado, o Partido PPD/PSD respondeu, reiterando os argumentos que já havia aduzido no processo.
Cumpre apreciar e decidir.
II. Fundamentação
A. Considerações gerais
10 - A
Lei Orgânica 1/2018, de 19 de abril, veio alterar, entre outras, a LFP e a LEC, introduzindo profundas modificações no regime de apreciação e fiscalização das contas dos partidos políticos e no regime de aplicação das respetivas coimas.
Considerando que, à data de entrada em vigor desta lei - 20 de abril de 2018 (artigo 10.º) -, os presentes autos aguardavam julgamento respeitante à legalidade e regularidade das contas, tal regime é-lhes aplicável, nos termos da norma transitória do artigo 7.º da referida Lei Orgânica.
A respeito do novo regime legal, quer quanto à competência de fiscalização, quer quanto ao regime processual, foram tecidas algumas considerações no
Acórdão 421/2020 (acessível, assim como os demais acórdãos adiante citados, a partir da hiperligação http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/), para o qual se remete, salientando-se aqui que a alteração mais significativa diz respeito à competência para apreciar a regularidade e legalidade das contas dos partidos políticos e das campanhas eleitorais, bem como aplicar as respetivas coimas que, até abril de 2018, pertencia ao Tribunal Constitucional e passou agora a ser atribuída à ECFP (artigos 9.º, n.º 1, alínea d), da LEC, e 24.º, n.º 1, da LFP).
Assim, nos termos do novo regime legal, cabe ao Plenário do Tribunal Constitucional apreciar, em recurso de plena jurisdição, as decisões daquela Entidade em matéria de regularidade e legalidade das contas dos partidos políticos e das campanhas eleitorais, incluindo as decisões de aplicação de coimas (artigo 9.º, alínea e), da LTC).
No referido
Acórdão 421/2020 esclareceu-se ainda, relativamente à competência do Tribunal em matéria de regularidade e legalidade das contas, que a apreciação deverá obedecer a critérios de legalidade, centrados na ordem de valores que o regime de financiamento dos partidos pretende tutelar, não se resumindo a uma aplicação mecânica de critérios de natureza estritamente financeira e contabilística (v., entre outros, os Acórdãos n.os 979/1996 e 563/2006).
B. Questão prévia - requerimento de prova
11 - Relativamente ao requerimento de prova, designadamente testemunhal, que acompanha o recurso, para além de o recorrente não fundamentar em concreto a sua utilidade, considera-se que os documentos juntos aos autos são suficientes para se decidir sobre a matéria de facto em causa. Com efeito, a imputação efetuada na decisão recorrida respeitante à obtenção de financiamento indevido pode e deve ser sindicada em função dos documentos constantes do processo, que pela sua natureza e teor mostram-se concludentes, não sendo suscetível de ser afastada mediante a produção de prova testemunhal produzida na fase de recurso (neste sentido, a propósito de situações similares, v. os Acórdãos n.os 757/2020, 233/2021 e 27/2022).
C. Questões a decidir
12 - Em face do teor da motivação, as questões a decidir a respeito do recurso da decisão sancionatória da ECFP, datada de 27 de junho de 2023, são as seguintes:
a) Subsunção dos factos dados como provados aos tipos de ilícito imputados;
b) Imputação subjetiva dos factos a título doloso ou negligente;
c) Medida concreta das coimas.
D. Mérito da decisão sancionatória
13 - Matéria de facto
13.1 - Factos provados
Com relevo para a decisão, provou-se que:
1 - O Partido Social Democrata (PPD/PSD) é um partido político português, constituído em 17 de janeiro de 1975, cuja atividade se encontra registada junto do Tribunal Constitucional.
2 - O Partido Social Democrata apresentou listas de candidatos à eleição para a Assembleia Legislativa da Região Autónoma dos Açores, realizada a 16 de outubro de 2016.
3 - O Partido Social Democrata constituiu Pedro Filipe Rodrigues Furtado como mandatário financeiro das contas de campanha da referida Candidatura.
4 - O Partido Social Democrata apresentou, em 01 de março de 2017, as respetivas contas relativas à campanha eleitoral mencionada no ponto 2.
5 - Nas contas apresentadas pelo Partido Social Democrata verificou-se que a candidatura obteve e utilizou um descoberto bancário no valor de €240.000,00, com o qual suportou as despesas da campanha, ascendendo os juros relativos à sua utilização a €564,52.
6 - Nas contas apresentadas foram registadas receitas provenientes de contribuição do Partido, no valor de €153.890,11, sem que tenha sido entregue o correspondente documento certificativo emitido pelos órgãos competentes do Partido.
7 - Nas contas apresentadas pelo Partido, foi incluído nas despesas da campanha o valor de €1.065,00, atinente a bandeiras do PSD - Sede Nacional, que aquele havia cedido gratuitamente à campanha, quando o mesmo valor foi registado do lado da receita, na rubrica referente a contribuições do Partido.
8 - Nas contas apresentadas pelo Partido foram registadas as seguintes despesas de campanha, tituladas por faturas em cujo descritivo constam os seguintes elementos:
8.1.
Doc Interno | Fornecedor | Fatura | Data | Descrição | Quantidade | Valor unit. | Valor s/IVA |
---|
90008 | Multitema | 17/361 | 15/09/2016 | Jornais de Campanha | 150.000 | 0,1065 | €15.979,00 |
90012 | Multitema | 17/378 | 27/09/2016 | Jornal no Fto A3 c/8 pág a 4/4 cores, em IOR, 70 gr dobrados para A4 | 50.000 | 0,1169 | €5.845,00 |
Total | | €21.824,00 |
8.2.
Fornecedor/Faturas | Local | Data | Descrição | Quantidade | Meses | Total custo unitário (3 a 6 meses) |
---|
junho | agosto | setembro | 1 a 16 de outubro |
---|
Accional Fatura 57041 Fatura 57414 Fatura 57752 Fatura 57753 | S. Miguel | 6/09/2016 23/09/2016 10/10/2016 10/10/2016 | Espaço Publicitário 4x3 - aluguer | 1 | €125,00 | €100.00 | €125,00 | €50,00 | €400,00 |
9 - Nas contas apresentadas pelo Partido foram registadas as despesas de campanha, tituladas por faturas em cujo descritivo constam os seguintes elementos:
9.1.
Fornecedor | N- Fatura | Data | Descritivo | Quant. | Valor unit. | Valor s/IVA |
---|
Accional | 2016A/57041 | 06/09/2016 | Montagem restantes Ilhas | 11 | 110,00 | €1.210,00 |
Accional | 2016A/57414 | 23/09/2016 | Montagem restantes Ilhas | 11 | 110,00 | €1.210,00 |
JetColor | 16/233 | 24/10/2016 | Bandeiras Impressas - Açores | 4.000 | 0,78 | €3.120,00 |
Total | €5.540,00 |
9.2. “Recibos verdes”:
Doc. Interno | Fornecedor | N.º Fatura | Data | Descritivo | Valor Eur. |
---|
800008 | Válter Couto Rodrigues | 83 | 29/08/2016 | Serviços Prestados Festa Laranja | €511,00 |
90170 | Válter Couto Rodrigues | 86 | 23/09/2016 | Serviços Prestados | €1.440,00 |
90171 | António Carlos Pereira de Melo | 34 | 24/09/2016 | Serviços Prestados | €1.700,00 |
100058 | Sociedade Filarmónica Marcial Troféu | 360 | 12/10/2016 | Serviços Prestados | €900,00 |
100053 | Adelino Mendonça Pinheiro | 9 | 12/10/2016 | Prestação Serviço | €685,00 |
100221 | Damiana de Jesus Ferreira de Sousa | 6 | 13/10/2016 | Serviços Prestados | €1.937,50 |
100222 | António Carlos Pereira de Melo | 35 | 14/10/2016 | Serviços Prestados | €1.945,00 |
100224 | Válter Couto Rodrigues | 88 | 14/10/2016 | Serviços Prestados | €2.970,00 |
100157 | Leonor da Conceição Medeiros Simão | 62 | 21/10/2016 | Serviços Prestados Campanha 14/10/2016 | €147,00 |
Total | € 12.235,50 |
10 - Nas contas apresentadas pelo Partido verificou-se a ausência de entrega de declaração de assunção de dívidas da campanha ou documento equivalente por parte do Partido, referentes a dívidas a fornecedores no valor de €40.445,89.
11 - Ao agir conforme descrito em 5. dos factos provados, o arguido representou como possível que tal constituía a obtenção de financiamento da campanha eleitoral por forma legalmente inadmissível, conformando-se com essa possibilidade e apresentando as contas nessas condições.
12 - Ao agir conforme descrito em 6., 7. e 9. dos factos provados, o arguido representou como possível que não comprovava e/ou discriminava devidamente as receitas e/ou despesas de campanha, conformando-se com essa possibilidade e apresentando as contas nessas condições.
13 - O Partido Social Democrata sabia que a sua conduta era proibida e contraordenacionalmente sancionável, tendo agido livre, voluntária e conscientemente.
14 - O PPD/PSD, nas contas referidas em 4., registou receitas no valor total de €441.391,03 e despesas no valor global de €495.752,98.
15 - O Partido Social Democrata recebeu subvenção pública para a campanha eleitoral relativa à eleição mencionada no ponto 2. no valor de €226.288,92.
16 - Nas contas de 2022, o Partido PSD registou um resultado negativo no valor de €302.130,00, um total de fundo de capital no valor de €29.761.548,00, um total do ativo no valor de €34.711.995,00 e um total do passivo de €4.950.448,00.
17 - No ano de 2022, o Partido recebeu subvenção pública anual por parte da Assembleia da República, no valor de €4.666.208,00.
13.2 - Factos não provados
Com relevância para a decisão, não se provou que:
1 - Ao agir conforme descrito em 8. e 10. dos factos provados, o arguido representou como possível que não comprovava e/ou discriminava devidamente as receitas e/ou despesas de campanha, conformando-se com essa possibilidade e apresentando as contas nessas condições.
13.3 - Motivação da decisão sobre a matéria de facto
A decisão sobre a matéria de facto resulta da análise conjugada da prova documental junta aos autos, das regras da experiência e de inferências lógicas.
Para a prova da factualidade elencada no ponto 1. dos factos provados foi considerado o teor da publicação existente no sítio público da internet do Tribunal Constitucional - http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/partidos.html, da qual a mesma se extrai.
A prova dos factos constantes do ponto 2. dos factos provados resulta do teor do
Mapa Oficial 6/2016 da Comissão Nacional de Eleições, publicado no Diário da República n.º 204/2016, Série I de 2016-10-24, pp. 3797 a 3800.
A prova dos factos constantes do ponto 3. dos factos provados resulta do teor de fls. 3 a 5 do PA 9/ALRAA/16/2018.
A prova dos factos constantes do ponto 4. dos factos provados resulta do teor de fls. 49 a 51 do PA 9/ALRAA/16/2018.
Para prova da matéria factual constante do ponto 5. dos factos provados, teve-se por base as contas apresentadas, concretamente a conjugação dos extratos dos movimentos bancários efetuados na conta bancária da Campanha (
conta 2/5410345-000-001), no período compreendido entre 26/08/2016 e 24/01/2017, e que se encontram, em formato digital, no CD junto a fls. 51 do PA9/ALRAA/16/2018.
Da análise daqueles documentos verifica-se que, apesar da conta bancária da Campanha não estar aprovisionada, continuaram a ser efetuados movimentos a débito, atingindo um saldo negativo em 18/10/2016 e permanecendo com descoberto em conta, pelo menos, até 24/01/2017 (última data a que respeitam os extratos carreados para os autos).
Foi ainda valorado o contrato de crédito (“abertura de crédito em descoberto autorizado em DO”) junto pelo arguido no recurso apresentado, como documento n.º 2, a fls. 96 a 110.
A prova dos factos contantes do ponto 6. dos factos provados baseou-se no teor do “Mapa M2 - Conta receitas de campanha - contribuições de Partido Político”, o qual consta, em formato digital, no CD junto na contracapa do PA9/ALRAA/16/2018. Tal documento foi conjugado com o teor da ata da Comissão Política Regional datada de 26/07/2016 (que se encontra a fls. 117 do PA9/ALRAA/16/2018) e da qual consta a seguinte declaração: “A Comissão Política Regional deliberou ainda atribuir o montante até ao limite máximo de 150.000,00€ (Cento e cinquenta mil euros) como contribuição para a campanha eleitoral para a Assembleia Legislativa RAA-2013”. Daqui decorre que, do valor total de €164.390,11 respeitante a Contribuições do Partido que resultam do referido Mapa M2, apenas se encontra certificado o valor de €10.500,00, como, aliás, o arguido expressamente aceita no seu recurso. De notar que, no âmbito do
processo 1332/19.0T9PDL (v. fls. 460 e 461 do PA), o PPD/PSD juntou declaração com vista à certificação das Contribuições do Partido, o que apenas sucedeu em 18/06/2020. Por conseguinte, necessário é concluir que, em sede de apresentação das contas da campanha, não foram juntos documentos certificativos emitidos pelos órgãos competentes do Partido quanto ao valor remanescente de €153.890,11.
Para prova da matéria factual constante do ponto 7. dos factos provados, teve-se em consideração as contas apresentadas, nomeadamente o teor dos “Mapa M2 - Conta receitas de campanha - contribuições de Partido Político” e “Mapa M7 - Conta despesas de campanha - propaganda, comunicação impressa e digital”, retificativos dos inicialmente remetidos, os quais constam, em formato digital, no CD junto na contracapa do PA9/ALRAA/16/2018. Da análise daqueles mapas, verifica-se que foi contabilizado, simultaneamente, em sede de receita e de despesa, o valor de €1.065,00, a título de bandeiras que foram cedidas pelo Partido.
Para prova da matéria factual constante dos pontos 8. e 9. dos factos provados teve-se por base as contas apresentadas, nomeadamente o teor dos documentos contabilísticos e bem assim dos documentos de suporte apresentados, os quais não foram impugnados pelo arguido. Em especial, atendeu-se à Lista de Ações e Meios, confrontada com os Mapas M7, M9 e M11 apresentados nas contas de campanha, faturas n.os 90008 e 90012 emitidas pela Multitema e faturas n.os 57041, 57414, 57752 e 57753 emitidas pela Accional, documentos que constam dos autos, em formato digital, nos dois CD juntos a fls. 51 e na contracapa do PA9/ALRAA/16/2018.
Sem prejuízo, foram eliminados dos factos provados as referências constantes da decisão recorrida que davam conta da "incompletude" ou da impossibilidade de concluir sobre a razoabilidade de determinados preços face aos valores de mercado na ausência de elementos complementares de comparação de preços, dando como provado o que consta objetivamente das faturas mencionadas, cuja fidedignidade não foi posta em causa nos autos.
A prova dos factos constantes do ponto 10. dos factos provados resulta do teor do “Anexo X - Balanço de Campanha Eleitoral”, o qual consta, em formato digital, do CD junto na contracapa do PA9/ALRAA/16/2018. Daquele anexo resulta que o passivo existente, à data do fecho da Conta de Campanha (28/02/2017), era de €44.445,89, proveniente de dívidas a fornecedores. No que concerne à ausência de declaração de assunção de dívidas da campanha ou documento equivalente pelo Partido, verifica-se que tal documento não foi apresentado, tal como reconhecido pelo próprio no seu recurso.
A prova da factualidade descrita nos pontos 11., 12. e 13. dos factos provados extrai-se da matéria objetiva dada como provada. Tratando-se de estados mentais do agente, a prova destes factos faz-se por via indireta, repousando nas regras da experiência comum e processos inferenciais, designadamente de natureza abdutiva.
No que respeita ao ponto 11. dos factos provados, relativo à conduta descrita em 5. dos factos provados, resulta dos extratos de movimentos bancários que a conta bancária da Campanha beneficiou de um descoberto bancário no valor de €240.000,00, suportando juros com a sua utilização no valor de €564,52.
Sustenta o recorrente que a abertura de crédito foi outorgada pelo mutuário PPD/PSD, prevendo-se a existência de duas contas bancárias: (i) a conta bancária 2-5410345-000-001, destinada à abertura do crédito contratado pelo próprio PPD/PSD; e (ii) a conta bancária com o IBAN PT50001000005410345000172, destinada, enquanto conta da própria campanha da eleição para a Assembleia Legislativa da Região Autónoma dos Açores de 2016, a ser alimentada por transferências da conta do Partido, para assim poder efetuar pagamentos específicos dessa campanha, bem como a receber a subvenção estatal. Mais invoca que, por um lapso do Banco só detetado já na preparação do recurso, aquelas que deviam contratualmente ser duas distintas contas bancárias acabaram por corresponder a uma só conta bancária, com um único número, o que fez com que o responsável pela campanha movimentasse tal conta sem se aperceber da indistinção da mesma face à conta do mutuário PPD/PSD e sem que tivesse havido a perceção da inexistência de formalização de qualquer transferência a título de contribuições/adiantamentos para a campanha por parte do PPD/PSD.
Ora, analisado o contrato de crédito (“abertura de crédito em descoberto autorizado em DO”), junto pelo arguido a fls. 96 a 110, dali se extrai que, a 3 de outubro de 2016, o PPD/PSD celebrou um contrato de crédito com o BPI, na modalidade de abertura de crédito, mediante descoberto em conta de depósito à ordem, até ao montante de €240.000,00, destinado exclusivamente à cobertura das despesas incorridas pelo Mutuário com a Campanha eleitoral às eleições para a Assembleia Regional dos Açores de 2016, desta forma antecipando as quantias a receber no âmbito da subvenção estatal.
Daquela prova documental resulta, de facto, que aquele mesmo descoberto bancário foi contratado pelo arguido no pressuposto da existência de duas contas autónomas: a conta bancária do Partido, na qual seria autorizado o referido descoberto bancário, e a conta bancária da Campanha, para a qual seriam transferidas as quantias a título de contribuição/adiantamento do Partido. Crê-se, assim, verosímil que tal só não tenha acontecido por razões alheias à sua vontade, visto que a entidade bancária apenas associou uma única conta bancária à dita operação (conta essa que foi posteriormente utilizada pela Campanha).
Todavia, analisados os extratos dos movimentos bancários efetuados na conta bancária da Campanha (
conta 2/5410345-000-001), no período compreendido entre 26/08/2016 e 24/01/2017, e que se encontram, em formato digital, no CD junto a fls. 51 do PA9/ALRAA/16/2018, verifica-se que, a partir de 18/10/2016 e até 24/01/2017, foram efetuadas 258 operações a débito, sem que aquela conta à ordem tivesse fundos disponíveis, operando em saldo negativo, que chegou a ascender a €224.126,42.
Mais se constata que os únicos movimentos a crédito ocorreram em 25/11/2016 (transferência no valor de €113.144,46, a título de subvenção estatal), em 22/12/2016 (transferência no valor de €87.886,91, proveniente do Partido) e em 27/12/2016 (transferência no valor de €113.144,46, a título de subvenção estatal), sendo estes, ainda assim, insuficientes para a integral regularização do saldo negativo que a conta então apresentava.
Daqui decorre que a Campanha obteve e utilizou aquele mesmo descoberto bancário, por um período superior a três meses, sendo a única transferência efetuada pelo Partido, em 22/12/2016, de valor manifestamente inferior ao descoberto em conta que à data se verificava (€214.742,45). Tal atuação prolongou-se pelo referido hiato temporal, sem que tivesse ocorrido a sua regularização, seja através da sinalização junto da entidade bancária para que fosse reposta a situação nos termos inicialmente previstos no respetivo contrato de abertura de crédito em descoberto autorizado, seja mediante o aprovisionamento da conta através da realização de transferência(s) bancária(s) ou depósito(s) de verbas da titularidade do Partido.
Sustentam os recorrentes que "[q]uando muito o que ocorreu apenas poderá reconduzir-se ao segmento do n.º 1 (ex vi n.º 2) do artigo 31.º da
Lei 19/2003, de 20 de junho, relativo à não comprovação devida desta receita da campanha e ao facto de despesas de campanha terem acabado por ser pagas diretamente de conta bancária titulada pelo PPD/PSD. [...] O que realmente ocorreu foi um mero lapso formal e procedimental, causado essencialmente pelo próprio Banco financiador, sem que ninguém da Estrutura Nacional do PPD/PSD (maxime o seu Secretário-Geral ao tempo) ou da estrutura da campanha eleitoral em análise tivesse minimamente tido a consciência de estar a cometer (e a cometer de forma livre e voluntária) uma qualquer infração, razão pela qual não pode vislumbrar-se qualquer forma de dolo, ainda que eventual" (v. pontos I.2 e I.3 das alegações).
Porém, não é crível que os responsáveis autorizados a movimentar a conta bancária da Campanha tivessem ordenado as supra referidas operações a débito sem percecionarem que: (i) os referidos movimentos a débito geravam um progressivo descoberto em conta; (ii) não ocorreu, nesse período, qualquer movimento a crédito resultante da transferência ou depósito de quantias da titularidade do Partido, em montante suficiente para a regularização do saldo; e (iii) os órgãos competentes do Partido não emitiram quaisquer documentos certificativos dessas alegadas receitas de Campanha, a título de contribuição ou adiantamento por conta da subvenção estatal.
Assim, ainda que se admita que, como invoca o recorrente, tal não fosse a primitiva intenção aquando da celebração do contrato, certo é que a campanha teve necessário conhecimento de que dispunha daquelas quantias a título de descoberto em conta, realizando operações passivas que o saldo disponível não lhe permitiria, assim representando como possível que tal atuação constituía uma obtenção e utilização de crédito bancário (e, por isso, um financiamento da campanha eleitoral por forma legalmente inadmissível), conformando a sua vontade com essa possibilidade.
No tocante ao ponto 12. dos factos provados, a factualidade apurada por prova direta permite inferir, de forma segura, que o recorrente tinha conhecimento das obrigações contabilísticas que sobre si impendiam, da punibilidade da sua violação e de que a factualidade vertida nos pontos 6., 7. e 9. infringia tais deveres, tendo-se conformado com tal possibilidade. Estando em causa a ausência de documentação que permita uma adequada certificação e contabilização das receitas (ponto 6.) e das despesas da campanha eleitoral (pontos. 7. e 9.), não é crível que o arguido não tenha representado a possibilidade de a documentação apresentada ser irregular e/ou incompleta, e se ter conformado com esse facto, nem que desconhecesse a exigência legal de discriminação e comprovação das despesas, visto que esta constitui a mais relevante obrigação em matéria de prestação de contas, sendo que não estamos aqui perante matéria que reclame particulares conhecimentos contabilísticos ou de índole técnica equivalente.
Quanto à consciência da ilicitude, constante do ponto 13. dos factos provados, refere a decisão recorrida que o arguido sabia que as condutas praticadas eram proibidas e sancionáveis como contraordenação, tendo agido livre, voluntária e conscientemente. Vêm indicadas, na motivação da decisão da matéria de facto, as razões para tal juízo, devendo recordar-se que, também aqui, a prova destes factos se faz por via indireta, repousando nas regras da experiência comum e processos inferenciais, designadamente de natureza abdutiva. Recorde-se ainda que, conforme decorre do artigo 9.º do RGCO, a falta de consciência da ilicitude do facto - que é, como se sabe, um problema de valoração do facto - não exclui o dolo, apenas podendo afastar a culpa quando o erro não for censurável ao agente. Ora, a exigibilidade do cumprimento dos deveres é um critério essencial para determinar a censurabilidade da falta de consciência da ilicitude dos arguidos. É precisamente pelas funções que desempenha o arguido que se lhes impunha uma exigibilidade reforçada enquanto destinatário especial das normas de dever impostas em matéria de contas, sendo certo que, como o Tribunal Constitucional tem desde sempre afirmado (v. Acórdãos n.os 77/2011 e 86/2012), estando em causa a observância de regras específicas relativas ao financiamento e apresentação de contas das campanhas eleitorais, os responsáveis não podem, em consciência, deixar de conhecer as normas a que estão vinculados. Conclui-se, pois, que a prova da consciência da ilicitude resulta da matéria objetiva dada como provada, de acordo com as regras da experiência comum e de inferências lógicas.
A prova da factualidade constante do ponto 14. dos factos provados resulta do teor do “Anexo VI - Conta Receitas de Campanha” e “Anexo VII - Conta Despesas de Campanha”, o qual consta, em formato digital, do CD junto na contracapa do PA9/ALRAA/16/2018.
Para prova da factualidade descrita no ponto 15. dos factos provados, considerou-se o teor do “Anexo VI - Conta Receitas de Campanha” e do “Mapa M1 - Conta Receitas de Campanha - Subvenção Estatal”, os quais constam, em formato digital, do CD junto na contracapa do PA9/ALRAA/16/2018.
A prova da factualidade descrita nos pontos 16. e 17. dos factos provados resulta do teor da publicação existente no sítio público da Internet da ECFP em:
https://www.tribunalconstitucional.pt/tc/file/3.PSD2002.pdf?src=1&mid=7457&bid=6100.
No que se refere ao facto dado como não provado - relativo ao elemento subjetivo do tipo, mas aqui circunscrito a parte dos factos típicos descritos nos pontos 8. e 10. -, ponderou-se a globalidade dos elementos probatórios acima elencados.
No que concerne ao facto não provado referido no ponto 1., respeitante às condutas descritas em 8. dos factos provados, está em causa a aquisição, por parte do PPD/PSD, de bens e serviços a preços inferiores e superiores aos constantes da
Listagem 38/2013, publicada no Diário da República n.º 125/2013, Série II, de 2 de julho, e aplicável à campanha eleitoral em apreço, divergências que, como tem vindo a ser afirmado pelo Tribunal, não revelam um problema de representação contabilística, mas de obtenção indireta de receitas.
No caso em concreto, da análise das faturas emitidas pelo fornecedor Multitema retira-se que o arguido adquiriu jornais de campanha e jornais em formato A3 por preços unitários superiores aos que constam da Listagem. A divergência relativa aos jornais de campanha é de €0,0365 por unidade e de €5.475,00 no total; já quanto aos jornais em formato A3, estamos perante uma divergência de €0,0469 por unidade e de €2.345,00 no total. Todavia, considerando que o Partido adquiriu aqueles bens a preços que se situam acima do limiar estabelecido na referida Listagem, é de todo em todo de excluir a hipótese de ter havido a intenção de, por via da contratação, se obter um financiamento indevido por parte daquele fornecedor.
Já no que concerne às faturas emitidas pelo fornecedor Accional, constata-se que o PPD/PSD registou, nas suas contas de campanha, uma despesa relativa a bens adquiridos por preço inferior aos intervalos constantes da
Listagem 38/2013, a saber: despesa relativa à aquisição de “espaço publicitário 4 x 3 - aluguer”, no valor total de €400,00 para o período de junho a outubro, titulada pelas faturas n.os 57401, 57414, 57752 e 57753.
Considerando que a Listagem prevê, no caso de “aluguer de estruturas metálicas para cartazes ou telas”, no formato 4 x 3, um intervalo mínimo indicativo de €650,00 a €750,00, para um período de três a seis meses, estamos perante uma divergência no valor de €250,00.
Porém, esta diferença também não permite concluir, sem mais, pela intenção de, por esta via, se obter uma receita suscetível de se traduzir num donativo indireto ou por forma não consentida de financiamento da Campanha. Isto porque, quando analisado o fornecedor em causa, verifica-se que, em 30/11/2016, foi efetuado um pagamento global à Accional no valor de €66.385,70, respeitante a diversas faturas emitidas no âmbito desta campanha eleitoral (v. faturas e comprovativo de pagamento que se encontram, em formato digital, no CD junto a fls. 51 do PA9/ALRAA/16/2018), correspondendo o apontado desvio a 0,37 % do valor total que foi efetivamente pago pela Campanha a este fornecedor. É, assim, inverosímil que esta divergência marginal, desacompanhada de outros indícios que possam contribuir, para além da dúvida razoável, para o juízo valorativo do tribunal, traduza a intenção de obter, daquele fornecedor, um donativo indireto para a Campanha no valor de €250,00.
Por fim, no que respeita ao facto não provado referido no ponto 1., respeitante às condutas descritas em 10. dos factos provados, a razão de ser do juízo é a circunstância de a conduta em causa não consubstanciar nenhuma infração. É certo que, na razão de ordem de uma decisão judicial, a apreciação jurídica, nomeadamente quanto ao preenchimento do tipo objetivo, é posterior ao julgamento da matéria de facto, pelo que se trata aqui da antecipação de uma conclusão ainda por obter. Sucede que a atribuição a um agente de um conteúdo mental representativo de um estado de coisas que consiste na divergência entre a sua conduta e um parâmetro - o elemento intelectual do dolo numa infração de dever − pressupõe logicamente, senão um juízo de ilicitude objetiva, pelo menos a verosimilhança desta. Isto é particularmente evidente quando a prova do elemento subjetivo do tipo se baseia em primeira linha, como é o caso das infrações que incidem sobre a violação de deveres funcionais, em presunções judiciais estabelecidas a partir de regras da experiência acerca da conduta e as atitudes dos portadores do estatuto relevante. Há, pois, uma certa e inevitável desarmonia entre a ordem expositiva e a ordem judicativa do processo decisório, atento o figurino linear da primeira e circular da última, desarmonia essa que é reveladora da conhecida aporia metodológica da dicotomia convencional entre questão-de-facto e questão-de-direito.
14 - Matéria de direito
14.1 - Considerações gerais
Nos termos do artigo 28.º, n.º 1, da LFP, "os infratores das regras respeitantes ao financiamento dos Partidos e das campanhas eleitorais previstas nos capítulos II e III ficam sujeitos às sanções previstas nos números e artigos seguintes", sendo que os n.os 2 a 4 do artigo 28.º impõem penas e os artigos 29.º a 32.º impõem coimas, restringindo-se a competência do Tribunal Constitucional à aplicação destas, nos termos previstos no artigo 33.º, n.º 1, do mesmo diploma.
Como se salientou no recente
Acórdão 509/2023, decorre do cotejo entre as normas dos artigos 30.º a 32.º da LFP - os especialmente relevantes em matéria de contas de campanha eleitoral - e o regime jurídico traçado no seu capítulo III, que existe uma dicotomia fundamental no universo das infrações passíveis de sanção contraordenacional no âmbito das campanhas eleitorais. Temos, por um lado, infrações materiais, estas relativas ao financiamento das campanhas eleitorais propriamente dito, que se traduzem na obtenção de receitas para a campanha eleitoral por formas não consentidas pela lei, designadamente receitas não enquadráveis no artigo 16.º do mesmo diploma, ou na realização de despesas sem justificação legal, mormente por não dizerem respeito à campanha eleitoral ou que excedam os limites previstos no artigo 20.º Temos, por outro lado, infrações formais, que dizem respeito à inobservância do dever de prestação de contas e, no âmbito destas, do dever de tratar contabilisticamente as despesas e as receitas da campanha de acordo com as diretrizes do artigo 12.º da LFP, aplicável ex vi do artigo 15.º do mesmo diploma, de tal forma que essa representação contabilística viabilize a sindicância material das receitas percebidas e das despesas realizadas.
Atendendo ao conteúdo dos tipos contraordenacionais dos artigos 30.º a 32.º da LFP, são passíveis de sancionamento com coima em matéria de financiamento e organização das contas das campanhas eleitorais as seguintes condutas (v. o
Acórdão 98/2016, § 6.2.):
a) O recebimento, por parte dos partidos políticos, de receitas para a campanha eleitoral através de formas não consentidas pela LFP - artigo 30.º, n.º 1, ab initio;
b) A violação, por parte dos partidos políticos, dos limites máximos de despesas de campanha eleitoral fixados no artigo 20.º da LFP - artigo 30.º, n.º 1, in fine;
c) A inobservância, por parte de pessoas singulares, pessoas coletivas e respetivos administradores, das regras de financiamento de campanha eleitoral previstas no artigo 16.º da LFP - artigo 30.º, n.os 2 a 4;
d) A ausência ou insuficiência de discriminação ou comprovação das receitas e das despesas da campanha eleitoral, por parte dos partidos políticos, mandatários financeiros, candidatos às eleições presidenciais, primeiros candidatos de cada lista e primeiros proponentes de grupos de cidadãos eleitores - artigo 31.º da LFP;
e) A inobservância do dever de entrega das contas discriminadas da campanha eleitoral ao Tribunal Constitucional, nos termos previstos no artigo 27.º da
Lei 19/2003, por parte dos partidos políticos, mandatários financeiros, candidatos às eleições presidenciais, primeiros candidatos de cada lista e primeiros proponentes de grupos de cidadãos eleitores - artigo 32.º, n.os 1 e 2, da LFP.
Como se afirmou no
Acórdão 405/2009, a contraposição entre infrações materiais − as descritas nas alíneas a) a c) − e infrações formais − as descritas nas alíneas d) e e) − "tem por base um critério segundo o qual, enquanto as primeiras dizem respeito à inobservância do regime das despesas e das receitas em sentido estrito - ou seja, do conjunto das regras a que se subordina a respectiva realização e de cujo cumprimento depende a regularidade de cada acto (cf. arts.16.º, n.º 3, 19.º, n.º 3, e 20.º da
Lei 19/2003) -, as segundas reportam-se à desconsideração do regime de tratamento das despesas e receitas realizadas - isto é, do conjunto das regras que dispõem sobre a incidência contabilística dos actos já realizados (cf. art. 12.º, ex vi do art. 15.º, n.º 1, 16.º, n.º 2, e 19.º, n.º 2, da
Lei 19/2003)".
Importa extrair os corolários desta dicotomia.
Em primeiro lugar - e como se salientou no citado
Acórdão 405/2009 -, releva para a determinação do momento em que deverá considerar-se praticado o facto típico e, nessa medida, para todos os efeitos jurídicos que dependam desse elemento, como sejam a determinação da lei temporalmente aplicável e a contagem do prazo de prescrição.
Em segundo lugar, dela se extrai que ambas as categorias de infrações são, pela sua distinta natureza, mutuamente irredutíveis e cumuláveis. Irredutíveis no sentido em que, embora as infrações formais tenham uma natureza instrumental face às materiais, dado que as exigências contabilísticas impostas às campanhas eleitorais visam possibilitar um adequado escrutínio do cumprimento das regras substantivas sobre o regime das despesas e das receitas em sentido estrito, não se implicam, nem se excluem, mutuamente. O que vale por dizer que o cometimento de uma infração material não implica logicamente o cometimento de uma infração formal (nada obsta a que, por exemplo, a perceção de uma receita não permitida por lei esteja devidamente comprovada e discriminada nas contas da campanha), nem o seu contrário (por exemplo, a falta ou insuficiência da discriminação ou de comprovação contabilística de uma determinada receita nas contas da campanha não implica, por si só, que essa receita seja materialmente ilícita - ainda que dificulte tal avaliação). Cumuláveis no sentido em que, relativamente ao mesmo facto, ambas as infrações podem coexistir e ser imputadas ao mesmo sujeito a título de concurso efetivo (por exemplo, nada obsta a que a perceção de uma receita proibida por lei seja objeto de uma representação contabilística deficiente, visando precisamente ocultar a sua ilicitude material).
14.2 - Imputações ao recorrente
14.2.1 - Da contraordenação prevista e punida pelo artigo 30.º, n.º 1, da LFP
O artigo 30.º, sob a epígrafe "[p]erceção de receitas ou realização de despesas ilícitas", prevê no seu n.º 1 que "[o]s partidos políticos que obtenham receitas para a campanha eleitoral por formas não consentidas pela presente lei ou não observem os limites previstos no artigo 20.º são punidos com coima mínima no valor de 20 vezes o valor do IAS e máxima no valor de 400 vezes o valor do IAS e à perda a favor do Estado dos valores ilegalmente recebidos".
Como resulta do teor da citada norma, o elemento objetivo do tipo contraordenacional em apreciação traduz-se no recebimento, por parte dos partidos políticos, de receitas para a campanha eleitoral através de formas não consentidas pela LFP.
O artigo 16.º da LFP regula, especificamente, a matéria das receitas de campanha, dispondo, na parte relevante, o seguinte:
"1 - As atividades da campanha eleitoral só podem ser financiadas por:
a) Subvenção estatal;
b) Contribuição de partidos políticos que apresentem ou apoiem candidaturas às eleições para a Assembleia da República, para o Parlamento Europeu, para as Assembleias Legislativas Regionais e para as autarquias locais, bem como para Presidente da República;
c) Donativos de pessoas singulares apoiantes das candidaturas à eleição para Presidente da República e apoiantes dos grupos de cidadãos eleitores dos órgãos das autarquias locais;
d) Produto de atividades de angariação de fundos para a campanha eleitoral.
2 - [...].
3 - [...].
4 - As receitas previstas nas alíneas c) e d) do n.º 1 podem ser obtidas mediante o recurso a angariação de fundos, ainda que no âmbito de campanha dirigida para o efeito, estando sujeitas ao limite de 60 IAS por doador, e são obrigatoriamente tituladas por cheque ou por outro meio bancário que permita a identificação do montante e da sua origem.
5 - [...]
6 - [...]"
Relativamente ao elemento subjetivo, o tipo do artigo 30.º da LFP é estruturalmente doloso, admitindo a verificação do dolo em qualquer uma das três modalidades, ou seja, dolo direto, necessário ou eventual.
Revertendo ao caso em apreço, verificou-se, mediante análise das contas apresentadas pelo PPD/PSD, que a candidatura obteve e utilizou um descoberto bancário autorizado, no valor de €240.000,00, com o qual suportou as despesas da campanha, ascendendo os juros relativos à sua utilização a €564,52.
Ora, da análise do citado artigo 16.º da LFP decorre, a contrario, que o financiamento das atividades de campanha eleitoral não consente, como forma de obtenção de receita, a utilização de qualquer forma de crédito bancário (v. Acórdãos n.os 19/2008 e 567/2008).
Isso mesmo vem densificado nas Recomendações emitidas pela ECFP sobre a matéria, ao abrigo do disposto no artigo 11.º da LEC - designadamente, as que respeitam às eleições para a Assembleia Legislativa da Região Autónoma dos Açores, realizada a 16 de outubro de 2016 -, onde é referido que se consideram receitas não permitidas, além do mais, os empréstimos de natureza pecuniária ou em espécie, por parte de pessoas coletivas nacionais ou estrangeiras.
O descoberto bancário consiste numa forma especial de concessão de crédito através da qual a entidade bancária autoriza operações de pagamento ou levantamento de fundos que excedam o saldo disponível na conta à ordem do cliente.
Por conseguinte, a atuação da Campanha descrita em 5. dos factos provados reflete a existência de um financiamento através de crédito bancário, correspondente ao valor do saldo negativo autorizado e que foi utilizado nas operações efetuadas para suportar despesas da Campanha.
A obtenção e utilização de um descoberto bancário na conta da Campanha preenche, assim, o elemento objetivo da infração em causa, traduzindo-se na obtenção de receita por forma não prevista no citado artigo 16.º da LFP.
Quanto ao elemento subjetivo, o seu preenchimento baseia-se nos factos provados nos pontos 11. e 13. dos factos provados e dos quais decorre que o arguido agiu com dolo eventual.
14.2.2 - Da contraordenação prevista e punida pelo artigo 31.º, n.º 1, da LFP
O artigo 31.º, sob a epígrafe "[n]ão discriminação de receitas e de despesas", prevê no seu n.º 1 que "[o]s mandatários financeiros, os candidatos às eleições presidenciais, os primeiros candidatos de cada lista e os primeiros proponentes de grupos de cidadãos eleitores que não discriminem ou não comprovem devidamente as receitas e despesas da campanha eleitoral são punidos com coima mínima no valor do IAS e máxima no valor de 80 vezes o valor do IAS".
Nesse sentido, o artigo 15.º da LFP determina que as receitas e as despesas da campanha eleitoral constam de contas próprias, as quais devem obedecer ao regime do artigo 12.º do mesmo diploma, onde se estabelece um conjunto de regras e de deveres contabilísticos.
Contudo, nem toda e qualquer violação desses deveres releva para o tipo contraordenacional previsto no artigo 31.º, n.º 1, da LFP. O Tribunal tem reiteradamente sublinhado que "não há uma correspondência perfeita entre os deveres que o Capítulo III da
Lei 19/2003 impõe às candidaturas e as coimas previstas nos artigos 30.º a 32.º, existindo, inclusivamente, deveres cujo incumprimento não é sancionado com coima" (
Acórdão 98/2016). Só releva a inobservância de deveres que se traduza em não discriminação ou não comprovação devida das despesas e das receitas da campanha eleitoral. A primeira constitui a omissão, incompletude ou imprecisão na descrição do facto sujeito a contabilização. A segunda constitui a ausência ou insuficiência da titulação ou suporte dos factos sujeitos a contabilização e que sustentam a sua inclusão numa dada conta (v. o
Acórdão 509/2023).
No caso vertente, a decisão recorrida reconduziu seis núcleos factuais ao tipo de infração previsto no artigo 31.º, n.º 1, da LFP:
i) Contribuições do Partido para a campanha não certificadas pelos órgãos competentes;
ii) Sobrevalorização das despesas e das receitas com a contabilização de bens afetos ao património do Partido;
iii) Aquisição de bens, a título de despesas de campanha, a preços inferiores aos indicados na Listagem de referência;
iv) Aquisição de bens, a título de despesas de campanha, a preços superiores aos indicados na Listagem de referência;
v) Registo de despesas tituladas por documentos de suporte incompletos;
vi) Ausência da entrega de declaração de assunção de dívidas da campanha.
14.2.2.1 - Está em causa, na imputação i., o registo de receitas provenientes da contribuição do Partido, no valor de €153.890,11, sem documento certificativo emitido pelos órgãos competentes do Partido. A factualidade relevante é, pois, a descrita no ponto 6. dos factos provados.
O regime contabilístico a que estão sujeitos os partidos políticos e as entidades concorrentes a eleições obedece a um conjunto de requisitos específicos, justificados pela especial natureza destas organizações e pela adstrição das contas da campanha eleitoral ao controlo público da conformidade legal, seja no que concerne às despesas de campanha, seja às respetivas receitas, nomeadamente quanto às fontes de financiamento.
Nesse sentido, o artigo 16.º, n.º 2, da LFP determina que os adiantamentos às contas de campanha efetuados pelos partidos (designadamente para liquidação de despesas, contabilisticamente considerados como dotação provisória à campanha e a reembolsar após o recebimento da subvenção estatal), bem como as contribuições previstas na alínea b) n.º 1 do mesmo artigo, devem ser certificados por documentos emitidos pelos órgãos competentes do respetivo partido.
Trata-se de uma obrigatoriedade de registo contabilístico de todos os movimentos de adiantamentos e de levantamentos/reposições desses adiantamentos que visa permitir que as contas se tornem "autoexplicativas" - v.
Acórdão 139/2012.
Analisados os autos, verifica-se que, nas contas apresentadas pelo Partido, foram registadas receitas provenientes de contribuição do Partido, no valor de €153.890,11, sem que tenha sido entregue o correspondente documento certificativo emitido pelos órgãos competentes do Partido.
No recurso apresentado, o recorrente "conforma-se com a análise da ECFP relativamente à ausência de entrega, em tempo útil, do documento certificativo das contribuições/adiantamentos do PPD/PSD para a campanha [...]" (v. ponto II.2 das alegações).
Efetivamente, face aos factos dados como provados, verifica-se que a conduta descrita em 6. integra os elementos objetivos da infração prevista no artigo 31.º, n.os 1 e 2, da LFP, na modalidade específica de ausência de comprovação das receitas da campanha eleitoral.
Quanto ao elemento subjetivo, o seu preenchimento baseia-se nos factos provados nos pontos 11. e 12. dos factos provados e dos quais decorre que o arguido agiu com dolo eventual.
14.2.2.2 - Está em causa, na imputação ii., a sobrevalorização das despesas e das receitas com a contabilização da quantia de €1.065,00 respeitante a bandeiras do PSD - Sede Nacional. A factualidade relevante é a descrita no ponto 7. dos factos provados.
Sustenta-se na decisão recorrida que, nas contas apresentadas, foi incluído, na rubrica referente a contribuições do Partido, o valor de €1.065,00, atinente a bandeiras do PSD - Sede Nacional, que aquele havia cedido gratuitamente à campanha, valor esse que foi igualmente registado como despesa, causando, assim, a sobrevalorização das receitas e das despesas que, deste modo, não se encontram devidamente discriminadas.
Considerou a ECFP que, nos termos do disposto no artigo 16.º, n.º 6, da
Lei 19/2005, de 20 de junho, tal valor não deveria constar daquelas rubricas, porquanto "a utilização dos bens afetos ao património do partido político [...] não são consideradas nem como receitas, nem como despesas de campanha."
O recorrente sustentou que as ditas bandeiras não podem ser consideradas "bens afetos ao património" do Partido, visto que não integram o seu ativo fixo e se destinam a ser consumidas pela campanha.
Analisados os factos provados, constata-se que ali se consignou que, nas contas apresentadas pelo Partido, foi incluído, nas despesas da campanha, o valor de €1.065,00, atinente a bandeiras do PSD - Sede Nacional, que aquele havia cedido gratuitamente à campanha, quando o mesmo valor foi simultaneamente registado do lado da receita, na rubrica referente a contribuições do Partido.
Para aferir de que forma haveria que ser contabilizada esta verba ou se não constitui sequer uma receita/despesa que deva ser considerada nas contas da Campanha, importa analisar a natureza dos bens em causa, mormente se estamos perante um "bem afeto ao património do partido" ou um "meio de campanha eleitoral e propaganda política".
No que respeita ao conceito de "bem afeto ao património" do Partido, inexiste uma densificação legal. Porém, a
Lei Orgânica 2/2005, de 19 de janeiro, na sua redação originária, dispunha no n.º 1 do seu artigo 10.º que "[a] Entidade pode definir, através de regulamento, as regras necessárias à normalização de procedimentos no que se refere à apresentação de despesas pelos partidos políticos e campanhas eleitorais abrangidas pela presente lei e pelo disposto na
Lei 19/2003, de 20 de junho".
Ao abrigo desta norma, foi deliberado pela ECFP aprovar o
Regulamento 16/2013 (publicado no Diário da República, 2.ª série - n.º 7 - 10 de janeiro de 2013, pp. 1373-1398), aplicável entre 1 de janeiro de 2013 e 19 de abril de 2018, referente à normalização de procedimentos relativos a contas de partidos políticos e de campanhas eleitorais e vigente à data da realização da campanha e da apresentação das contas em apreço.
No que ora particularmente releva, o ponto 4.2 da Secção III do referido regulamento, respeitante à "apresentação das contas de campanhas eleitorais", dispunha o seguinte:
"Sem prejuízo das Recomendações específicas a emitir pela ECFP para cada ato eleitoral, são obrigatórias as seguintes disposições:
[...]
4 - Na demonstração de Resultados devem evidenciar-se:
4.1 - Despesas
[...]
4.2 - Receitas
[...]
Contribuições de partidos políticos - Esta rubrica deve apresentar o total das contribuições dos partidos políticos, em dinheiro e em espécie, efetuadas à campanha. O valor das contribuições deve corresponder aos montantes certificados pelos órgãos competentes dos partidos, cujos documentos devem ser juntos, e aos montantes registados pelos partidos como gastos dessa natureza nas suas contas anuais; a utilização dos bens afetos ao património do partido político, como bens imóveis e móveis sujeitos a registo, bem como a colaboração de militantes, simpatizantes e de apoiantes, não são consideradas como receitas nem despesas de campanha; poderão no entanto ser objeto de referência específica de que não foram contabilizadas, para efeito de controlo da ECFP no terreno".
Temos, assim, que o legislador fez corresponder o conceito de bens afetos ao património do partido político a bens imóveis e móveis sujeitos a registo, ainda que a título exemplificativo. Tal permite concluir que, de facto, tais bens serão aqueles que integram o ativo fixo tangível ou imobilizado do Partido, isto é, o conjunto de bens que revestem um caráter de permanência e são utilizados no exercício corrente da atividade partidária, com um hiato de vida útil que não se esgota em período de campanha eleitoral.
Estando em causa a contabilização de bandeiras no valor de €1.065,00, importa concluir que estas não integram o dito conceito de bem afeto ao património do partido, pois se trata de recursos destinados a servir como meio de propaganda cujo período de vida útil não excede o da campanha. Em suma, não será aqui aplicável o disposto no artigo 16.º, n.º 6, da LFP.
Antes se terá de concluir, como sustenta o recorrente, que esta verba deve ser contabilizada como um meio de campanha eleitoral e propaganda política, a refletir nas contas da Campanha.
A este respeito, o artigo 9.º, n.º 2, da LEC, prevê que "[...] compete à Entidade realizar as consultas de mercado que permitam a elaboração de lista indicativa do valor dos principais meios de campanha e de propaganda política com vista ao controlo dos preços de aquisição ou de venda de bens e serviços prestados [...]", do que se retira que os bens e serviços enumerados na respetiva Listagem configuram meios de campanha eleitoral.
Analisada a
Listagem 38/2013, publicada no Diário da República n.º 125/2013, Série II, de 2 de julho, e aplicável à campanha eleitoral em apreço, verifica-se que ali se encontram expressamente previstos os diferentes tipos de bandeira que podem ser utilizados enquanto meio de campanha.
Nessa medida, as bandeiras em causa, cedidas pelo Partido, constituem, de facto, um meio de campanha eleitoral. E, como tal, afirma-se no
Acórdão 19/2008 que, "[s]endo frequente a afectação de meios de campanha às candidaturas por parte de partidos políticos, entende o Tribunal que o apoio logístico que estes recursos materializam, deve ser valorado e refletido nas contas, devendo ser contabilizado como contribuição do partido". No mesmo sentido, v. os Acórdãos n.os 167/2009, 316/2010 e 135/2011.
Daqui resulta que a verba respeitante às bandeiras deveria ter sido contabilizada como uma contribuição do partido - como efetivamente foi -, mas não também como uma despesa da campanha, do que decorre que o recorrente sobrevalorizou as despesas que, deste modo, não se encontram devidamente discriminadas, nos termos dos artigos 12.º, n.os 1 e 3, alínea c), aplicável ex vi do disposto no artigo 15.º, n.º 1, ambos da LFP.
Nessa medida, ocorre violação dos citados preceitos legais, o que, por seu turno, preenche o elemento objetivo do tipo de ilícito constante do artigo 31.º, n.º 1, da LFP, na modalidade específica de incorreta discriminação de despesa da campanha eleitoral.
Quanto ao elemento subjetivo, o respetivo preenchimento baseia-se nos factos provados nos pontos 11. e 12. dos factos provados e dos quais decorre que o arguido agiu com dolo eventual.
14.2.2.3 - Vejamos agora a imputação iii. Através da decisão recorrida, a ECFP sancionou o arguido pela prática da contraordenação prevista no artigo 31.º, n.os 1 e 2, com fundamento na violação do dever imposto pelo artigo 12.º, ex vi do artigo 15.º, todos da LFP. Segundo esta decisão, "[c]onstatou-se, ainda, que o Partido registou, nas contas de campanha, as despesas melhor descritas no ponto 12. dos factos provados cujo preço se encontra abaixo do valor de mercado, não tendo sido apresentados elementos complementares de comparação de preços que permitissem concluir sobre a sua razoabilidade face aos valores de mercado. A impossibilidade de aferir a razoabilidade das despesas consubstancia uma violação do disposto no artigo 12.º, n.os 1 e 2, ex vi artigo 15.º, n.º 1, da
Lei 19/2003, comprometendo a transparência que deve reger todo o financiamento das campanhas eleitorais e abrindo espaço à sub ou sobrevalorização da despesa", termos em que estaria em causa a infração que consiste na ausência de devida comprovação de despesas.
O índice dos preços de mercado que operam como parâmetro de regularidade das despesas efetuadas é constituído pela listagem mencionada nos artigos 24.º, n.º 5, da LFP, e 9.º, n.º 2, da LEC. No caso vertente, trata-se da
Listagem 38/2013 (publicada no Diário da República n.º 125/2013, Série II, de 2 de julho).
A factualidade relevante é a enunciada no ponto 8.2 dos factos provados, da qual resulta que o PPD/PSD registou, nas suas contas de campanha, uma despesa relativa a bens adquiridos por preço inferior aos constantes da
Listagem 38/2013, a saber: despesa relativa à aquisição de "espaço publicitário 4 x 3 - aluguer", no valor total de €400,00 para o período de junho a outubro, titulada pelas faturas n.os 57401, 57414, 57752 e 57753, emitidas pelo fornecedor “Accional - Acções, Promoções e Representações, L.da”, em 6/09/2016, 23/09/2016 e 10/10/2016.
Confrontando os preços de aquisição indicados nas faturas com os intervalos de valores constantes da
Listagem 38/2013, verifica-se que o arguido realizou despesas a preços inferiores aos constantes da Listagem, já que, no caso de "aluguer de estruturas metálicas para cartazes ou telas", no formato 4 x 3, o intervalo mínimo indicativo é de €650,00 a €750,00, para um período de três a seis meses.
Na sua alegação, o recorrente invoca "as manifestas diferenças entre a
Listagem 38/2013 e as duas posteriores, a
Listagem 5/2017 e a
Listagem 2/2020: (i) no primeiro caso, a margem vai de € 650,00€ a € 750,00, entre três e seis meses; (ii) no segundo caso, a margem já vai de € 488,00 a € 750,00, entre três e seis meses; (iii) no terceiro caso, a margem passa a ser de € 35,00 a € 500,00 por mês e para mais de três meses". Mais sustenta, com base na alteração de orientação jurisprudencial introduzida pelo
Acórdão 509/2023, que a ECFP se limitou a sancionar nos termos do artigo 12.º, n.os 1 e 2, aplicável ex vi do artigo 15.º, n.º 1, da LFP, sem alegar e demonstrar que a despesa em causa se traduz num financiamento indevido.
Com efeito, convocam-se, quanto à presente infração, as razões aduzidas no recente
Acórdão 509/2023:
"Nos Acórdãos n.os 756/2020 e 758/2020, a propósito do tipo contraordenacional previsto no artigo 31.º, n.º 1, da LFP, ensaiou-se uma tipologia das situações relevantes, com o seguinte teor:
"Num primeiro grupo (a), incluiremos as despesas tituladas por faturas que não permitem identificar a natureza, qualidade ou quantidade daquilo que se pagou. São estas, verdadeiramente, as faturas incompletas.
Num segundo grupo (b), estão as despesas que representam gastos relativos a bens e serviços incluídos na
Listagem 38/2013, cujos valores se situam dentro dos limites máximo e mínimo aqui estabelecidos.
Num terceiro grupo (c), incluímos as despesas que representam gastos relativos a bens e serviços incluídos na Listagem, cujos valores se situam fora dos limites estabelecidos nesta.
No último grupo (d), estão as despesas relativas a bens e serviços não incluídos na Listagem referida.
Tentaremos agora classificar as [...] faturas [...] num dos quatro grupos. A ideia subjacente é a de encontrar um critério justo e equitativo de repartição do ónus da prova da fatura irregular.
Assim:
- as faturas do grupo (a) são consideradas irregulares enquanto instrumento de titulação de despesas de campanha;
- as faturas do grupo (b) são consideradas regulares;
- as faturas do grupo (c) são consideradas irregulares, salvo se o partido ou coligação concorrente tiver demonstrado cabalmente a razão de ser do desvio, ou este não seja significativo;
- relativamente às faturas do grupo (d) que discriminem clara e precisamente o que é que foi pago, cabia à ECFP demonstrar que os respetivos montantes carecem de credibilidade, por excessivamente elevados ou demasiado reduzidos, quando confrontados com os valores de mercado; não tendo sido feita tal demonstração, as faturas serão consideradas regulares.
Sublinhe-se, relativamente a estas últimas faturas, que a ECFP poderá tentar obviar a esta consequência simplesmente atualizando e mantendo atualizada a Listagem - que já tinha dois anos à data das eleições -, e que não inclui prestações de serviços hoje comuns nas campanhas eleitorais. Não tendo procedido à atualização - que porventura conviria fazer anualmente - por que razão há de o ónus da demonstração da razoabilidade da despesa recair sobre as candidaturas?"
Esta tetrapartição, que visa distribuir os casos concretos por quatro grupos definidos em função das combinações possíveis das diversas variantes relevantes - a natureza do bem ou serviço adquirido, o preço de aquisição praticado, o preço de mercado tal como definido na Listagem, a completude da titulação contabilística dessa operação, etc. -, deve ser cruzada com a já referida dicotomia, há muito consolidada na jurisprudência do Tribunal Constitucional, das infrações materiais e infrações formais, para que possamos ter um quadro classificatório mais perfeito, que habilite o correto enquadramento jurídico das situações submetidas a juízo.
Em boa verdade - e deixando de parte o grupo b), que não suscita problemas de conformidade legal -, verifica-se uma diferença estrutural entre os casos do grupo a) e os dos grupos c) e d). No primeiro, o que está em causa é uma verdadeira irregularidade da fatura, uma irregularidade formal, na medida em que o documento que titula a operação efetuada, pela sua incompletude ou imperfeição, não permite "identificar a natureza, qualidade ou quantidade daquilo que se pagou" − designadamente, não permite apurar se o que foi adquirido podia ou não ser licitamente adquirido pelo preço praticado. É essa, aliás, como se vincou anteriormente, a função instrumental das exigências contabilísticas impostas às campanhas eleitorais: existe como forma de representar com fidedignidade a atividade realizada pelas campanhas eleitorais, com o intuito de viabilizar o escrutínio da conformidade legal das receitas e despesas das campanhas eleitorais.
Já nos casos do grupo c), em rigor, não existe irregularidade da fatura, uma vez que esta titula adequadamente o bem ou serviço que foi adquirido e o preço por que foi adquirido, permitindo "identificar a natureza, qualidade ou quantidade daquilo que se pagou". A aquisição de um bem ou serviço por um preço que divirja do preço de mercado não é primariamente um problema de representação contabilística de uma operação, mas um problema da admissibilidade material da própria operação. Nesse sentido, a apresentação de razões que visem ilidir a presunção estabelecida pelos intervalos de valores constantes da lista de referência - essa natureza ilidível ou meramente "indicativa", como resulta dos artigos 20.º, n.º 2, alínea a) e 21.º, n.º 1, alínea a), da LEC, tem sido reiteradamente afirmada pelo Tribunal (cf.
Acórdão 625/2022, § 11.1.) - ou mostrar que, embora divergente dos valores de mercado gerais, as concretas circunstâncias de uma dada aquisição justificavam o preço praticado, não visa regularizar a fatura, antes visa demonstrar a licitude do próprio ato aquisitivo ou dispositivo − designadamente mostrando, nos casos de aquisição por preço inferior ao de mercado, que não representa uma forma oculta de financiamento por parte da entidade vendedora, e nos casos de aquisição por preço superior ao de mercado, que ela não representa uma forma oculta de financiamento por parte da entidade adquirente. Note-se, aliás, que, tal como se salientou acima, a LFP consagra, no seu artigo 8.º, uma norma proibitiva de cariz material relativa a determinadas formas de financiamento, onde avultam, tanto a proibição expressa de "[a]dquirir bens ou serviços a preços inferiores aos praticados no mercado", como a de "[r]eceber pagamentos de bens ou serviços por si prestados por preços manifestamente superiores ao respetivo valor de mercado" - alíneas b) e c) do n.º 2.
Finalmente, no grupo d) a situação é estruturalmente equivalente aos casos do grupo c): não está em causa um problema de irregularidade da fatura ou do documento que titule uma dada operação, tal que impossibilite ou dificulte a ação de "identificar a natureza, qualidade ou quantidade daquilo que se pagou" (ainda que essa hipótese também seja equacionável), mas de admissibilidade da própria operação. Em primeiro lugar, porque se reporta a bem ou serviço não incluído na Listagem e, por isso, suscetível de dúvida sobre a respetiva qualificação como despesa de campanha eleitoral, atenta a noção que dela se dá no artigo 19.º, n.º 1, da LFP - por definição, os bens e serviços enumerados na Listagem são meios de campanha eleitoral (artigo 9.º, n.º 2, da LEC). Em segundo lugar, devendo ser considerada despesa de campanha eleitoral, está sujeita à proibição de divergência injustificada do preço de mercado. Sob este aspeto, a diferença relativamente ao grupo c) é que, tratando-se de meio não contemplado na lista de referência, inexiste um parâmetro de aferição previamente conhecido e mobilizável para o efeito, o que justifica que o juízo positivo sobre a divergência deva ser substancialmente mais exigente ao nível probatório, onerando de modo integral a ECFP.
Cabe sublinhar que a qualificação dos casos dos grupos c) e d) da mencionada tipologia das faturas como casos de infração material, recondutível ao artigo 30.º da LFP, corresponde a uma alteração de orientação jurisprudencial. Em especial, o Tribunal Constitucional tem vindo a considerar, no que aos casos do grupo c) diz respeito, que a divergência não devidamente justificada entre o preço de aquisição e o intervalo de referência que consta da Listagem para o bem ou serviço em causa consubstancia uma violação do dever de comprovação da despesa, nos termos dos artigos 12.º e 15.º da LFP, sancionado no plano contraordenacional através do artigo 31.º do mesmo diploma. O raciocínio subjacente é o de que o arguido, ao não apresentar documentação de suporte que justifique cabalmente o desvio do preço de aquisição em relação ao valor de referência, não logra demonstrar a "razoabilidade" da despesa. Tal ausência de justificação é tomada como razão suficiente para se concluir que a própria fatura é irregular. Considere-se, neste exato sentido, a seguinte passagem do
Acórdão 469/2022:
"22.3 - Nas contas ora em análise, foram registadas despesas tituladas por faturas, respeitantes a bens e serviços incluídos na
Listagem 38/2013, cujos valores se situam fora dos limites nela previstos, sem que tenham sido juntos quaisquer elementos complementares de comparação de preços que permitissem concluir sobre a razoabilidade das despesas em questão face ao valor de mercado (cf. o ponto 7. dos factos provados), sendo por isso exigível a apresentação de elementos complementares de comparação de preços de tais despesas, nos termos e para os efeitos já referidos.
As faturas em causa são consideradas irregulares (cf. a alínea c) do n.º 22.2, supra), uma vez que os responsáveis pela apresentação das contas não demonstraram cabalmente, mediante a junção de elementos complementares a razão de ser dos desvios.
Com efeito, no caso em apreço, verifica-se que nas faturas indicadas no ponto 7. dos factos provados se encontram registadas despesas, relativas a bens e serviços incluídos na
Listagem 38/2013, cujos valores se situam fora dos limites nela estabelecidos (cf. as duas últimas colunas da tabela constante do mencionado ponto 7., onde constam, respetivamente, o valor unitário do bem ou serviço em questão e o seu valor indicativo constante da referida Listagem). Não tendo os responsáveis pelas contas demonstrado a razão de ser dos desvios, tal implica, por via de uma indevida comprovação das despesas da campanha, que se conclua pelo preenchimento do tipo contraordenacional constante do artigo 31.º, n.os 1 e 2, da LFP".
Justifica-se reponderar este entendimento. Se o dever de comprovação de uma despesa compreender a demonstração da "razoabilidade" da mesma, incluindo-se neste conceito a prova de que o desvio entre o preço efetivamente pago e o intervalo de referência é justificado, desaparece irremediavelmente a fronteira sobre a qual repousa a dicotomia das infrações formais e materiais. Na verdade, em matéria de despesas de campanha, tal entendimento conduz a uma absorção integral da categoria das irregularidades materiais pela das irregularidades formais, pois todos os casos em que se verifique um desvio injustificado da despesa realizada em relação ao valor de referência são então qualificados como irregularidades formais, ainda que a fatura ou outros elementos discriminem perfeitamente e comprovem cabalmente o valor efetivo de aquisição. Ora, impõe-se distinguir entre o dever de comprovação de uma despesa, que respeita à demonstração de que certo bem ou serviço foi adquirido por determinado valor, e o dever de não realizar despesas não consentidas pela lei, que respeita, inter alia, à conformidade de cada despesa com as exigências constantes dos artigos 8.º e 16.º da LFP. O desvio entre o valor pago e o valor de referência situa-se neste segundo plano: não se trata de um problema de regularidade da fatura, visto que esta discrimina e comprova o que se adquiriu e o valor da aquisição, mas de licitude do ato aquisitivo nela documentado, designadamente se corresponde a uma operação normal de mercado ou a um donativo dissimulado. Reitere-se que o dever de comprovação da despesa é meramente instrumental do controlo da licitude dos financiamentos políticos - do respeito, pois, pelo regime material de financiamento dos partidos e das campanhas, em última análise recondutível aos imperativos constitucionais da igualdade democrática dos cidadãos e da subordinação do poder económico ao político.
A dissolução da dicotomia das infrações formais e materiais, propiciada pela ambiguidade do termo "razoabilidade", para além de um problema de rigor dos conceitos, tem ainda consequências indesejáveis que convém destacar. Em primeiro lugar, ao transmudar em formais desvalores de ordem material, subverte o substrato axiológico do regime, confundindo numa categoria única o acessório, por um lado, e o principal, por outro, em dissonância com a inevitável diferença de gravidade entre ambos, refletida nas diversas molduras sancionatórias dos artigos 30.º e 31.º da LFP. Em segundo lugar, ao importar para o plano formal da comprovação das operações realizadas matéria que se prende com a licitude das receitas e despesas, contribui para desonerar a autoridade administrativa competente de uma atividade instrutória orientada para a descoberta da verdade material e visando o sancionamento das infrações mais graves do ponto de vista da ordem de valores que a lei procura salvaguardar. Em terceiro lugar, tem por efeito a inversão do ónus da prova, uma vez que, interpretando-se a exigência legal de comprovação devida de uma despesa como implicando um dever de justificar a sua razoabilidade, mormente através da demonstração de um fundamento material para a discrepância entre o valor de aquisição e o valor de referência, punem-se ao abrigo do artigo 31.º os arguidos que não lograram demonstrar não terem cometido a infração prevista e punida pelo artigo 30.º do mesmo diploma. Estas consequências não são meras conjeturas, formuladas de acordo com o método hipotético-dedutivo, mas factos documentados nos processos relativos a contas dos partidos políticos ou das campanhas eleitorais, em que os arguidos são invariavelmente sancionados somente pela infração prevista no artigo 31.º da LFP. A interpretação preconizada neste aresto, pelo contrário, harmoniza-se melhor com a ordem legal de valores, promove a aplicação de sanções ao financiamento ilícito e mostra-se idónea a garantir a presunção de inocência dos arguidos. São razões suficientes para a mudança de orientação jurisprudencial".
Ora, ao contrário do que se entendeu na decisão recorrida - que imputou ao recorrente a prática da contraordenação prevista e punida pelo artigo 31.º da LFP, por se verificar uma desconformidade entre os preços de aquisição dos bens descritos no ponto 8.2 dos factos provados e os preços constantes
Listagem 38/2013 -, a presente infração não revela um problema de representação contabilística, por via do qual se possa questionar a aptidão das faturas ali identificadas para comprovar as despesas por elas tituladas. Na verdade, as faturas permitem identificar a natureza, qualidade ou quantidade daquilo que se pagou, tanto mais que é a partir dessa representação contabilística que é possível afirmar a discrepância entre o custo real dos bens e a sua conformidade com os preços indicados na
Listagem 38/2013.
O que está em causa não é, pois, um problema de comprovação das despesas, enquadrável nos casos do grupo a) da citada tipologia jurisprudencial, mas, rigorosamente, um problema de admissibilidade material do ato aquisitivo, recondutível ao grupo c), consubstanciado na realização de despesas a preços divergentes dos valores constantes da
Listagem 38/2013, sem que se tenha feito a prova de que esse desvio era justificado.
Como se referiu, os valores constantes da
Listagem 38/2013 constituem um instrumento heurístico apto a firmar presunções e formar orientações quanto à licitude das despesas efetuadas. O intervalo de preços indicado nesta Listagem é, quanto aos bens e serviços nele constantes, um crivo necessário, mas não suficiente, para a aferição da licitude de certo ato aquisitivo, formando-se a partir dele uma presunção quanto aos preços de mercado suscetível de ser impugnada (v.g., através da apresentação de razões que justifiquem o afastamento da aplicação dos valores de referência) ou ilidida (v.g., pela demonstração de que, apesar da divergência face aos valores constante da Listagem, as concretas circunstâncias da aquisição justificam o preço praticado).
Como se afirma ainda no
Acórdão 509/2023:
"Atento o estalão probatório aplicável ao processo contraordenacional - in dubio pro reo −, é de considerar que a presunção firmada através da Listagem referida nos artigos 24.º, n.º 5, da LFP, e 9.º, n.º 2, da LEC, não pode ter a mesma força persuasiva nas duas fases processuais − na fase declaratória, tomada nos termos dos artigos 35.º a 45.º da LEC, em que afere a observância do dever de prestação de contas e a existência de quaisquer irregularidades; e na fase sancionatória, tomada nos termos dos artigos 46.º a 47.º da LEC, na qual se procede ao apuramento da responsabilidade contraordenacional dos mandatários financeiros e dos partidos, e se definem as respetivas consequências jurídicas. Assim, se na primeira fase, de natureza estritamente administrativa, a presunção de correção do valor de referência tem uma força especial, impondo um ónus particularmente exigente para a respetiva elisão, já na segunda fase, em que se aplicam sanções punitivas, a repartição do ónus da prova tem de ser diversa, deslocando-se o encargo de demonstração cabal dos elementos típicos da infração para a esfera pública.
O Tribunal Constitucional tem entendido, de forma reiterada e pacífica (v. os Acórdãos n.os 675/2016, 397/2017 e 338/2018, entre muitos outros), que o princípio da presunção de inocência pertence àquela classe de princípios materiais do processo penal que, enquanto constitutivos do Estado de direito democrático, são extensíveis ao direito sancionatório público, nomeadamente o processo contraordenacional, nos termos do artigo 32.º, n.os 2 e 10, da Constituição. Tal não implica que o legislador não possa estabelecer presunções quanto à autoria, ilicitude ou culpa do arguido, desde que as mesmas, como se afirmou no
Acórdão 135/2009, não sejam inilidíveis. Como se lê no
Acórdão 338/2018 "uma presunção inilidível sobre a prática de um ilícito não permite ao tribunal procurar a verdade ou relevar qualquer prova sobre a autoria dos factos, nunca podendo [...] fazer sequer atuar o princípio in dubio pro reo quando não se consiga firmar convicção sobre a efetiva autoria dos factos". Acresce que o grau de exigência quanto à elisão da presunção é diverso nas fases declaratória e sancionatória do processo: ali, exige-se a prova efetiva do facto contrário; aqui, basta a dúvida razoável quanto ao facto presumido."
Ora, analisados os autos, o recorrente não apresenta razões concludentes para esta divergência entre os preços de aquisição (v. o ponto 8.2 dos factos provados) e os valores de referência constantes da Listagem, limitando-se a invocar as diferentes margens de preços que vieram a ser estabelecidas pelas Listagens posteriores (ainda que mais próximas dos preços suportados pela Campanha no ano de 2016).
Assim, da circunstância de o PPD/PSD ter adquirido bens a preços inferiores aos constantes da
Listagem 38/2013, sem que tenha sido demonstrada a existência de razões que permitissem impugnar ou ilidir a presunção formada a partir desta divergência, resulta a violação da exigência legal de que as despesas se situem dentro dos valores de mercado.
Tal seria, assim, suscetível de consubstanciar uma irregularidade material, prevista e punida pelo artigo 30.º, n.º 2, da LFP, por violação do artigo 16.º da LFP, já que a aquisição de bens por preço inferior aos praticados no mercado, ao implicar uma poupança injustificada, consubstancia uma forma de obtenção indireta de receitas não prevista no artigo 16.º daquele diploma. Note-se que, colocada nestes termos, a situação não seria já enquadrável na infração contraordenacional prevista no artigo 31.º, n.º 1, da LFP, antes naqueloutra prevista no artigo 30.º, n.º 2, do mesmo diploma.
Porém, se é verdade que, no plano da decisão sobre a existência de irregularidades, é probatoriamente adequado aceitar que, nas situações em que a candidatura se proponha adquirir bens e serviços por valores divergentes de forma não marginal daqueles que foram considerados os preços de mercado e como tal divulgados publicamente pela Entidade, impende sobre si o ónus de obter consultas prévias a diversos fornecedores que permitam firmar a razoabilidade dos preços praticados, ou ao menos justificar a impossibilidade de as obter, no plano contraordenacional tal ónus tem de ser matizado, não sendo admissível que, na ausência de atividade instrutória própria, na fase processual adequada, de quem exerce a pretensão punitiva estadual, se conclua, sem mais, no sentido da presunção. Não obstante não se poder dizer que os elementos probatórios disponíveis justifiquem cabalmente a divergência entre os concretos preços de aluguer de espaços publicitários, titulados pelas faturas juntas aos autos, e o valor de referência constante da Listagem, também não permitem concluir, com o grau de convicção adequado neste domínio, que tal divergência consubstancia um donativo indireto − e, por isso, uma forma de financiamento não consentida pela LFP, segundo o previsto no artigo 30.º, n.º 1, da LFP. Assim é porque as oscilações nos valores de referência constantes das sucessivas listagens referidas pelo recorrente - sempre numa tendência de redução do limite mínimo, em sentido contrário ao da inflação - e o carácter relativamente diminuto da divergência, sobretudo se se considerarem as várias listagens, gera uma dúvida razoável sobre a aptidão da
Listagem 38/2013 para, neste âmbito, indiciar com fiabilidade os preços de mercado. Em suma, não se pode dar por preenchido, quanto a esta situação, o elemento objetivo do tipo contraordenacional.
Por conseguinte, nesta parte, o recurso merece provimento.
14.2.2.4 - Semelhantes considerações valem a propósito da imputação iv., tendo sido decidido, através da decisão recorrida, sancionar o recorrente pela prática da contraordenação prevista e punida pelo artigo 31.º da LFP, com fundamento na violação do dever de devida comprovação de despesas, imposto pelo artigo 12.º, ex vi do artigo 15.º, todos da LFP.
A factualidade relevante vem descrita no ponto 8.1 dos factos provados, da qual resulta que o PPD/PSD adquiriu jornais de campanha e jornais em formato A3 pelo valor unitário de €0,1065 e €0,1169, respetivamente (v. ponto 8.1 dos factos provados), quando o limite máximo do intervalo de valores constante da
Listagem 38/2013, relativamente aos mesmos bens e quantidade, é de €0,05 - €0,07. Trata-se, assim, de um caso de aquisição de bens a preços superiores aos constantes da
Listagem 38/2013.
Ora, também aqui, como em iii., não está em causa um problema de comprovação das despesas, mas de admissibilidade material do ato aquisitivo, consubstanciado na realização de despesas a preços superiores dos valores constantes da
Listagem 38/2013, sem que se tenha feito prova de que esse desvio era justificado. Como se deixou dito, os valores constantes da Listagem constituem um instrumento heurístico apto a firmar presunções e formar orientações quanto à licitude das despesas efetuadas, constituindo, quanto aos bens e serviços nele constantes, um crivo necessário, mas não suficiente, para aferir acerca da licitude de certo ato aquisitivo.
É certo que, no presente caso, não se convoca um problema de obtenção indireta de receitas por via da poupança gerada pela aquisição de bens a preços inferiores aos praticados no mercado, mas justamente o seu contrário: estando em causa a realização de despesas a preços superiores aos constantes da Listagem, o recorrente pagou mais do que o que (presumivelmente) deveria pagar, realizando, nesse excesso, uma despesa injustificada.
Como se afirma no
Acórdão 14/2024:
"Importa notar que a realização de despesas de campanha eleitoral obedece aos requisitos qualitativos previstos no n.º 1 do artigo 19.º da LFP, nos termos do qual apenas se consideram "[d]espesas de campanha eleitoral as efetuadas pelas candidaturas, com intuito ou benefício eleitoral [...]". De acordo com esta disposição, a consideração de certa despesa como "despesa de campanha eleitoral" está dependente da verificação de um requisito de aptidão, consubstanciado na finalidade eleitoral ou no efetivo benefício eleitoral que dela decorre. No caso da realização de despesas a preços superiores aos preços praticados no mercado, verificando-se que dela resulta um efetivo prejuízo para o sujeito eleitoral que a realiza, não pode considerar-se que a despesa efetuada, na medida do seu excesso, corresponda a uma despesa de campanha eleitoral."
Assim, da circunstância de o PPD/PSD ter adquirido bens a preços superiores aos constantes da
Listagem 38/2013, sem que tenha sido demonstrada a existência de razões que permitissem impugnar ou ilidir a presunção formada a partir desta divergência, resulta a aquisição de bens a preços superiores aos praticados no mercado, em violação do artigo 19.º da LFP.
Sucede que, como o Tribunal Constitucional tem reiteradamente sublinhado, "não há uma correspondência perfeita entre os deveres que o Capítulo III da
Lei 19/2003 impõe às candidaturas e as coimas previstas nos artigos 30.º a 32.º, existindo, inclusivamente, deveres cujo incumprimento não é sancionado com coima" (
Acórdão 98/2016). Trata-se aqui de um caso em que a inobservância de um dever - uma irregularidade das contas de campanha − não assume, por opção do legislador, relevância contraordenacional, nos termos e para os efeitos do artigo 30.º da LFP, já que o n.º 1 deste artigo apenas sanciona a obtenção de receitas para a campanha eleitoral por formas não consentidas pela presente lei e a realização de despesas de campanha eleitoral que ultrapassem os limites previstos no artigo 20.º da LFP.
Também aqui o recurso merece provimento.
14.2.2.5 - A imputação referida em v. diz respeito à factualidade constante dos pontos 9.1 e 9.2 dos factos provados. Segundo a decisão recorrida, a incompletude das faturas ali identificadas determina a impossibilidade de aferir a razoabilidade dos preços dos bens, por ausência de informações quanto ao concreto valor e identificação do espaço publicitário referido nas faturas n.os 57041 e 57414 (v. ponto 9.1 dos factos provados), medida e tipo de material das bandeiras respeitantes à fatura n.º 16/233 (v. ponto 9.1 dos factos provados) e relativamente aos concretos serviços prestados pelos operadores económicos que emitiram os recibos verdes identificados no ponto 9.2 dos factos provados, consubstanciando uma violação do disposto no artigo 12.º, n.os 1 e 2, aplicável ex vi do artigo 15.º, todos da LFP.
A exigência de discriminação das faturas é condição necessária da formulação de um juízo acerca da conformidade dos preços de aquisição do bem ou do serviço com os preços de mercado aplicáveis, já que só mediante uma adequada e completa discriminação dos bens e serviços a que respeitam as despesas (identificando devidamente a sua natureza, qualidade e quantidade) será possível à ECFP verificar, designadamente, se se trata de bens e serviços incluídos na
Listagem 38/2013 e, de seguida, verificar se os respetivos valores se situam dentro dos limites aí previstos.
No caso vertente, está em causa a circunstância de as faturas referidas em 9.1 e 9.2 não permitirem, por ausência de informações essenciais à determinação da natureza, qualidade e quantidade dos bens e serviços adquiridos, cotejar o preço com os intervalos de valores que constam da Listagem.
No recurso apresentado, o arguido conforma-se "com a análise da ECFP relativamente à situação identificada na alínea d) do ponto anterior, relativa à existência de documentos de suporte de despesas com descritivos incompletos [...]" (v. ponto II.2 das alegações).
Efetivamente, face aos factos dados como provados, verifica-se que a conduta descrita em 9. se integra no grupo a) da citada tipologia jurisprudencial, consubstanciando uma violação do artigo 12.º, n.os 1 e 2, da LFP, aplicável ex vi do disposto no artigo 15.º, n.º 1, do mesmo diploma, o que, por seu turno, preenche o elemento objetivo do tipo de ilícito constante do artigo 31.º, n.º 1, da LFP, na modalidade específica de não discriminação de despesa da campanha eleitoral.
Quanto ao elemento subjetivo, o seu preenchimento baseia-se nos factos provados nos pontos 11. e 12. dos factos provados e dos quais decorre que o arguido agiu com dolo eventual.
14.2.2.6 - A imputação referida em vi. diz respeito à ausência de entrega de declaração de assunção de dívidas da campanha ou documento equivalente pelo Partido, referente a dívidas a fornecedores no valor de €40.445,89. A factualidade relevante é a descrita no ponto 10. dos factos provados.
Afirma a decisão recorrida que "[...] existindo faturas a liquidar no momento da prestação de contas, respeitantes a despesas de campanha, no valor de 40.445,89 EUR., a responsabilidade pela liquidação das mesmas cabe ao Partido. Constatando-se o registo das despesas, sem que o Partido tenha procedido ao seu pagamento e sem que tenha apresentado a declaração de assunção de dívidas ou documento equivalente respeitante às mesmas, não é possível comprovar a realização da despesa, em violação do disposto no artigo 12.º ex vi artigo 15.º da
Lei 19/2003." Concluiu, assim, pela ausência de comprovação da despesa da Campanha.
Sustenta o recorrente que "[...] apesar da invocação pela ECFP da impossibilidade de “comprovar a realização da despesa” (em termos talvez um pouco forçados) - tal ausência de entrega não pode reconduzir-se a qualquer não comprovação devida de despesas de campanha".
Analisada a factualidade relevante, foi dado como provado que nas contas apresentadas pelo Partido se verificou a ausência de entrega de declaração de assunção de dívidas da Campanha ou documento equivalente por parte do Partido, referentes a dívidas a fornecedores no valor de 40.445,89 € (v. ponto 10. dos factos provados).
Decorre do n.º 1 do artigo 15.º da LFP um dever genérico de organização contabilística por parte dos partidos/coligações eleitorais, por forma a que as contas da campanha eleitoral (receitas e despesas) obedeçam ao regime do artigo 12.º da mesma disposição legal.
Por seu turno, como já referido, o artigo 15.º do mesmo diploma, no seu n.º 3, obriga à existência de conta bancária específica, na qual sejam depositadas as receitas da campanha e movimentadas as respetivas despesas.
Acresce que, nos termos do artigo 19.º, n.º 3, da LFP, o pagamento de despesas de campanha é feito, obrigatoriamente, por instrumento bancário (cheque ou outro meio bancário que permita a identificação quer do montante quer do destinatário - v. artigo 9.º, n.º 1, do mesmo diploma).
Está aqui em causa a exigibilidade de entrega de uma declaração de assunção de dívidas da Campanha e, concluindo afirmativamente, se a omissão deste ato viola o dever de comprovação da despesa, tal como assinalado na decisão recorrida.
Consta das Recomendações emitidas pela ECFP para a Eleição para a Assembleia Legislativa da Região Autónoma dos Açores, de 16 de outubro de 2016, o seguinte:
"Se a Campanha não dispuser dos fundos necessários para pagar faturas de fornecedores emitidas até ao dia do ato eleitoral, deve o Partido, se a subvenção recebida ou a receber não for suficiente, ou se não receber subvenção, transferir os fundos para a conta a título de contribuição do Partido, que permitam a liquidação das responsabilidades até ao fecho da Conta de Campanha.
Se tal não ocorrer, a Candidatura deve preparar a relação das faturas que não tiverem sido liquidadas, que será devidamente verificada e assinada pelo Mandatário Financeiro.
O Partido, através de uma declaração escrita dirigida ao Mandatário Financeiro da Campanha, assume a responsabilidade pela liquidação dessas faturas, devendo tal declaração ser apresentada com a entrega das Contas de campanha".
Todavia, a comprovação da despesa é efetuada mediante o lançamento daquele passivo nas contas apresentadas, acompanhado dos respetivos documentos de suporte, permitindo comprovar as despesas por eles titulados e identificar a natureza, qualidade ou quantidade daquilo que a Campanha adquiriu e pagou. Por conseguinte, a sobredita declaração do Partido, pela qual assume a responsabilidade pelo pagamento dessas faturas, não é idónea à comprovação dessas mesmas despesas.
Como se refere no
Acórdão 563/2006, "as quantias com que os partidos se propõem assumir o pagamento do saldo devedor devem estar refletidas nas contas da campanha e hão de ser levadas à contabilidade dos partidos em causa, assim se garantindo a transparência dos respetivos financiamentos".
Porém, tal não convoca um problema de comprovação das despesas, enquadrável nos casos do grupo a) da já referida tipologia jurisprudencial, quando esse passivo se encontra efetivamente lançado nas contas da campanha e devidamente demonstrado através da documentação de suporte.
Ademais, é a própria decisão recorrida a afirmar que "existindo faturas a liquidar no momento da prestação de contas, respeitantes a despesas de campanha, no valor de 40.445,89 EUR., a responsabilidade pela liquidação das mesmas cabe ao Partido", o que decorre de a Campanha não ser, em si mesma, um sujeito distinto do PPD/PSD, por não ter personalidade jurídica.
Com efeito, pelas dívidas contraídas no âmbito da campanha responde necessariamente o Partido, ao qual incumbe o cumprimento da obrigação de pagamento, por efeito da celebração do contrato. Por conseguinte, existindo faturas a liquidar no momento da prestação de contas, o Partido não pode ser considerado um novo devedor na relação jurídica existente entre a campanha e os seus credores, nem ocorre, finda a campanha eleitoral, uma transmissão da dívida para o Partido, que figura já como primitivo obrigado.
Esta relação obrigacional - que se mantém nos termos originários desde a celebração do contrato de compra e venda ou de prestação de serviços - é, pois, incompatível com a figura da assunção de dívida, legalmente tipificada, que implica uma efetiva transmissão da obrigação, pois traduz-se na aceitação, por parte de um terceiro, do pagamento de um passivo de um devedor perante o credor deste, a qual opera através de um contrato autónomo entre o antigo e o novo devedor, ratificado pelo credor, ou entre o novo devedor e o credor (artigo 595.º, n.º 1, do Código Civil). Esta figura não é, pois, mobilizável para uma relação jurídica cuja titularidade subjetiva não se altera. As dívidas remanescentes da campanha não mudam de titular. A demonstração da inexistência de donativos legalmente inadmissíveis, usados para o pagamento de dívidas a fornecedores e que correspondem a despesas de campanha eleitoral não poderá, pois, alcançar-se por via de um instituto impertinente, no caso, para o cumprimento da obrigação.
Tal não significa que não possam existir, nesta matéria, outros planos da atuação dos partidos em que omissões ou incorreções se possam projetar como infrações. Certo é que, em face da responsabilidade obrigacional que emerge diretamente para o Partido, tais exigências de transparência não se logram, seguramente, por via da formalização de uma assunção de dívida, tal qual prevista no artigo 595.º do Código Civil, inaplicável neste âmbito.
Assim, não se pode dar por preenchido, quanto a esta situação, o elemento objetivo do tipo contraordenacional.
Termos em que, nesta parte, o recurso merece provimento.
14.3 - Consequências Jurídicas
Importa determinar em que medida as conclusões alcançadas quanto às imputações constantes dos pontos 14.2.1. e 14.2.2. supra.(face ao referido supra excluiria o constante do ponto 14.2.2.3. -ponto 8.2 dos factos), das quais resulta que apenas subsistem as infrações pela prática dos factos descritos em 5., 6., 7., (8.2.) e 9. dos factos provados, se refletem na decisão acerca da espécie e medida da sanção a aplicar ao recorrente.
Prevê o artigo 30.º, n.º 1, da LFP, que os partidos políticos que obtenham receitas para a campanha eleitoral por formas não consentidas pela presente lei ou não observem os limites previstos no artigo 20.º são punidos com coima mínima no valor de 20 vezes o valor do IAS e máxima no valor de 400 vezes o valor do IAS e à perda a favor do Estado dos valores ilegalmente recebidos. Contudo, atento o disposto no artigo 152.º, n.os 2 e 3, da
Lei 64-A/2008, de 31 de dezembro, o artigo 1.º do
Decreto-Lei 397/2007, de 31 de dezembro, e o artigo 117.º da
Lei 82-B/2014, de 31 de dezembro, a unidade de medida a considerar é o salário mínimo nacional (SMN) vigente em 2008, o que significa que a moldura abstrata se situa entre os €8.520,00 aos €170.400,00.
A decisão recorrida fixou esta coima em 50 (cinquenta) salários mínimos mensais nacionais de 2008 (no valor de €426,00), perfazendo a quantia de €21.300,00 (vinte e um mil e trezentos euros e zero cêntimos). Para tal, ponderou, por um lado, a gravidade da conduta do recorrente, traduzida na violação da obrigação de obter receitas para a campanha eleitoral de forma consentida pela lei; na circunstância da obtenção de receita ilegal, no valor de €240.000,00, representar cerca de 1/3 da receita total da campanha; e ainda que os juros relativos à utilização do descoberto bancário somaram €564,52, quantia que, tendo sido registada como despesa nas contas, se repercutiu necessariamente no montante da subvenção atribuída. Por outro lado, considerou a existência de uma culpa leve, consubstanciada na atuação a título de dolo eventual, e ponderou o tempo de existência do partido e a sua situação económica, aferida pelo valor da subvenção pública recebida para a campanha em apreço.
Atendendo a estes fatores, ao demais circunstancialismo apurado nos presentes autos e em respeito pelo disposto no artigo 72.º-A, n.º 1, do RGCO, que proíbe a reformatio in pejus, considera-se perfeitamente justo e adequado o montante da coima aplicada ao recorrente. Fixa-se, assim, a coima a aplicar pela infração punida pelo artigo 30.º, n.º 1, da LFP, em 50 salários mínimos nacionais de 2008, o que perfaz um total de €21.300,00.
Quanto à perda a favor do Estado dos valores ilegalmente recebidos, igualmente prevista como sanção a aplicar pela prática da sobredita infração, certo é que a decisão recorrida não condenou o recorrente na perda da quantia recebida, razão pela qual, em obediência ao citado princípio ínsito no n.º 1 do artigo 72.º-A, do RGCO, está vedada a sua aplicação neste âmbito.
No que respeita à infração prevista no artigo 31.º, n.os 1 e 2, da LFP, a ausência ou insuficiência de discriminação e comprovação das receitas e das despesas da campanha eleitoral é punível, no caso dos partidos políticos, com coima, que varia entre 10 e 200 vezes o valor do IAS. Contudo, atento o disposto no artigo 152.º, n.os 2 e 3, da
Lei 64-A/2008, de 31 de dezembro, o artigo 1.º do
Decreto-Lei 397/2007, de 31 de dezembro, e o artigo 117.º da
Lei 82-B/2014, de 31 de dezembro, a unidade de medida a considerar é o salário mínimo nacional (SMN) vigente em 2008, o que significa que a moldura abstrata se situa entre os €4.260,00 aos €85.200,00.
A decisão recorrida fixou esta coima em 16 (dezasseis) salários mínimos mensais nacionais de 2008 (no valor de €426,00), perfazendo a quantia de €6.816,00 (seis mil oitocentos e dezasseis euros e zero cêntimos). Para tal, ponderou, por um lado, o grau mediano da gravidade da conduta do recorrente, medido pelo número de vezes em que cada um dos deveres foi violado e pela consideração do peso relativo das infrações no total da despesa e da receita e, por outro lado, uma culpa leve, consubstanciada na atuação a título de dolo eventual; e ponderando ainda o tempo de existência do partido e a sua situação económica, aferida pelo valor da subvenção pública recebida para a campanha em apreço.
Ora, apesar de, no presente caso, estarem em causa infrações de natureza formal - e que subsistem agora menos duas infrações do que as imputadas pela decisão recorrida -, importa notar, para efeitos de ponderação da gravidade da infração, que o arguido violou uma pluralidade de deveres de organização contabilística. Esta circunstância acentua a ilicitude da conduta, sendo incompatível com a reduzida gravidade da contraordenação.
Por outro lado, importa atender, para efeitos de ponderação da culpa, à circunstância do arguido ter assumido parcial responsabilidade pelas infrações praticadas, atenuando as necessidades preventivas e, bem assim, as exigências de punição.
Considerando o disposto no artigo 72.º-A, n.º 1, do RGCO, e não se afigurando existir razões para uma reponderação global da decisão, cabe apenas fazer repercutir nesta a procedência do recurso nos termos assinalados. Esta traduz-se numa redução marginal da ilicitude, de modo que é adequado e proporcional reduzir a medida concreta da coima em um salário mínimo nacional vigente em 2008. Fixa-se, assim, a coima a aplicar pela infração punida pelo artigo 31.º, n.os 1 e 2, da LFP, em 15 SMN de 2008, o que perfaz um total de €6.390,00.
Nos termos do artigo 19.º, n.os 1 a 3, do RGCO, quem tiver praticado várias contraordenações é punido com uma coima cujo limite máximo resulta da soma das coimas concretamente aplicadas às infrações em concurso, não podendo a coima a aplicar ser inferior à mais elevada das coimas concretamente aplicadas às várias contraordenações ou exceder o dobro do limite máximo mais elevado das infrações em concurso.
Assim, atentas as coimas concretamente aplicadas, é de aplicar ao recorrente uma coima única dentro do limite mínimo de 50 SMN de 2008, correspondente a €21.300,00 (coima mais elevada das concretamente aplicadas às infrações em concurso), e do limite máximo de 65 SMN de 2008, correspondente a €27.690,00 (soma das coimas concretamente aplicadas às infrações em concurso).
A justificação para o regime especial de punição do cúmulo jurídico previsto no artigo 19.º do RGCO radica nas finalidades das sanções, exigindo uma ponderação da culpa e das razões de prevenção (prevenção geral positiva e prevenção especial), no conjunto dos factos incluídos no concurso.
Por conseguinte, considerando conjuntamente os factos - os quais se traduzem na prática de duas infrações de diferente natureza (formal e material) e revelam moderada gravidade, mas uma culpa leve, face à intensidade do dolo, na modalidade de eventual -, decide-se aplicar ao recorrente a coima única correspondente a 55 SMN de 2008, perfazendo a quantia de €23.430,00 (vinte e três mil quatrocentos e trinta euros e zero cêntimos).
III. Decisão
Pelo exposto, decide-se julgar parcialmente procedente o recurso interposto por PARTIDO SOCIAL DEMOCRATA (PPD/PSD) da decisão da Entidade das Contas e Financiamentos Políticos, de 27 de junho de 2023 e, em consequência:
i) Absolvê-lo da prática da contraordenação prevista e punida pelo artigo 31.º, n.os 1 e 2, da LFP, na parte relativa à infração a que se reportam os pontos 8. (adequar ao referido supra) e 10. dos factos provados;
ii) Condená-lo, ante as condutas descritas sob o ponto 5. dos factos provados, pela prática da contraordenação prevista e punida pelo artigo 30.º, n.º 1, com referência ao artigo 16.º, n.º 1, ambos da LFP, na coima correspondente a 50 SMN de 2008, perfazendo a quantia de €21.300,00 (vinte e um mil e trezentos euros e zero cêntimos);
iii) Condená-lo, ante as condutas descritas sob os pontos 6., 7. e 9. dos factos provados, pela prática da contraordenação prevista e punida pelo artigo 31.º, n.os 1 e 2, da LFP, na coima correspondente a 15 SMN de 2008, perfazendo a quantia de €6.390,00 (seis mil trezentos e noventa euros e zero cêntimos);
iv) Em cúmulo jurídico, condená-lo na coima única correspondente a 55 SMN de 2008, perfazendo a quantia de €23.430,00 (vinte e três mil quatrocentos e trinta euros e zero cêntimos).
Sem custas, por não serem legalmente devidas.
Atesto o voto de conformidade da Senhora Conselheira Mariana Canotilho, que participou na sessão por meios telemáticos. Gonçalo Almeida Ribeiro
Lisboa, 23 de julho de 2024 - Gonçalo Almeida Ribeiro - Afonso Patrão [parcialmente vencido, discordando do ponto i) da decisão. Não subscrevo os pontos 14.2.2.3 e 14.2.2.4 da fundamentação, pelas razões constantes da minha Declaração de Voto junta ao
Acórdão 509/2023, razão pela qual divirjo da absolvição quanto à contraordenação prevista no artigo 31.º da LFP e das respetivas consequências quanto à coima.] - António José da Ascensão Ramos - João Carlos Loureiro - Rui Guerra da Fonseca - Maria Benedita Urbano - José Teles Pereira - Carlos Medeiros de Carvalho - Dora Lucas Neto - Joana Fernandes Costa (parcialmente vencida conforme declaração em anexo) - José João Abrantes
Acórdão retificado pelo
Acórdão 655/24, de 1 de outubro de 2024.
Declaração de voto
Parcialmente vencida.
Pelas razões constantes da declaração de voto que apus ao
Acórdão 509/2023, discordo da requalificação jurídica da conduta analisada nos pontos 14.2.2.3. e 14.2.2.4. - não subscrevendo, por essa razão, a consequência que daí foi extraída na alínea i) do dispositivo -, afastando-me ainda da justificação apresentada no ponto 13.3. para dar como não provado o facto referido em 1. do ponto 13.2., respeitante às condutas descritas em 10. dos factos provados, consequência que entendo impor-se em resultado da apreciação conjugada e crítica dos meios de prova disponíveis nos autos. Joana Fernandes Costa.
318280731