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Acórdão 625/2022, de 28 de Outubro

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Sumário

Decide, com referência à campanha eleitoral para a eleição para o Parlamento Europeu, realizada em 25 de maio de 2014: julgar improcedente o recurso interposto da decisão de 7 de abril de 2021, da Entidade das Contas e Financiamentos Políticos e, consequentemente, condenar o recorrente Partido Socialista no pagamento de uma coima no valor de 14 (catorze) SMN de 2008, perfazendo a quantia de (euro) 5964,00 (cinco mil novecentos e sessenta e quatro euros), pela prática da contraordenação prevista e punida pelo artigo 31.º, n.os 1 e 2, da Lei do Financiamento dos Partidos Políticos e das Campanhas Eleitorais

Texto do documento

Acórdão 625/2022

Sumário: Decide, com referência à campanha eleitoral para a eleição para o Parlamento Europeu, realizada em 25 de maio de 2014: julgar improcedente o recurso interposto da decisão de 7 de abril de 2021, da Entidade das Contas e Financiamentos Políticos e, consequentemente, condenar o recorrente Partido Socialista no pagamento de uma coima no valor de 14 (catorze) SMN de 2008, perfazendo a quantia de (euro) 5964,00 (cinco mil novecentos e sessenta e quatro euros), pela prática da contraordenação prevista e punida pelo artigo 31.º, n.os 1 e 2, da Lei do Financiamento dos Partidos Políticos e das Campanhas Eleitorais.

Processo 1094/21

Acordam, em Plenário, no Tribunal Constitucional

I. Relatório

1 - Por decisão de 26 de fevereiro de 2020, a Entidade das Contas e Financiamentos Políticos (doravante, "ECFP") julgou prestadas, com irregularidades, as contas apresentadas pelo Partido Socialista (PS), relativas à campanha eleitoral para a eleição para o Parlamento Europeu, realizada em 25 de maio de 2014 [cf. artigos 27.º, n.º 4, da Lei 19/2003, de 20 de Junho (Lei do Financiamento dos Partidos Políticos e das Campanhas Eleitorais, doravante, "LFP") e 43.º, n.º 1, da Lei Orgânica 2/2005, de 10 de Janeiro (Lei de Organização e Funcionamento da Entidade das Contas e Financiamentos Políticos, doravante, "LEC")].

As irregularidades apuradas foram as seguintes:

a) Existência de despesas valorizadas abaixo do valor de mercado e com deficiências no suporte documental, em violação do artigo 12.º, n.os 1 e 2, da LFP, aplicável ex vi artigo 15.º da mesma Lei;

b) Existência de despesas inelegíveis, em violação do disposto no artigo 19.º, n.º 1, da LFP.

2 - Na sequência da referida decisão relativa à prestação das contas, a ECFP levantou um auto de notícia e instaurou um processo de contraordenação contra o PS, pela prática de irregularidades verificadas naquela decisão (cf. PC n.º 4/2020).

O arguido foi notificado do processo de contraordenação, nos termos e para os efeitos do disposto nos artigos 44.º, n.os 1 e 2, da LEC e 50.º do Regime Geral das Contraordenações (Decreto-Lei 433/82, de 27 de outubro - doravante "RGCO"), tendo apresentado a sua defesa.

No âmbito do referido procedimento contraordenacional, a ECFP, por decisão de 7 de abril de 2021, aplicou ao PS uma coima no valor de 14 (catorze) SMN de 2008, perfazendo a quantia de (euro) 5.964,00 (cinco mil novecentos e sessenta e quatro euros), pela prática da contraordenação prevista e punida pelo artigo 31.º, n.os 1 e 2, da LFP.

3 - Inconformado, o arguido impugnou esta decisão junto do Tribunal Constitucional, nos termos dos artigos 23.º e 46.º, n.º 2, da LEC, e do artigo 9.º, alínea e), da LTC, tendo concluído as suas alegações nos seguintes termos:

«A. A ECFP aplica ao Partido Socialista a sanção de coima no valor de 14 (catorze) SMN de 2008, o que perfaz a quantia de (euro) 5.964,00 (cinco mil novecentos e sessenta e quatro euros).

B. Alega no ponto 4. que o PS registou nas contas apresentadas várias despesas de campanha (melhor identificadas na decisão condenatória), cujos preços se encontram abaixo do valor de mercado e não foram apresentados elementos complementares de comparação de preços não permitissem concluir sobre a razoabilidade da despesa face aos valores de mercado.

C. A ECFP considera como violados os preceitos previstos no artigo 12.º ex vi artigo 15.º n.º 1 da Lei 19/2003, de 20 de junho (cf. normativos transcritos em sede de alegações supra).

D. O Partido Socialista aqui arguido não praticou qualquer infração ou irregularidade, o que vai ficar aqui provado junto do Tribunal Constitucional.

E. Alega ao longo dos pontos 5 a 12 do libelo acusatório, que o PS registou nas contas apresentadas várias despesas de campanha (melhor identificadas no auto), cujo descritivo é incompleto e a ausência de elementos complementares de comparação de preços não permite aferir sobre a razoabilidade das despesas face aos valores de mercado de referência indicados na Listagem 38/2013.

F. E o PS terá, alegadamente, violado os preceitos previstos no artigo 12 n.º 1 e 2, ex vi artigo 15.º, n.º 1 da Lei 19/2003, de 20 de junho, além do mais, invoca que os argumentos apresentados pelo arguido em sede de defesa são extemporâneos.

G. Mais uma vez, deve ficar claro que o PS não cometeu a infração ou irregularidade invocada, o que vai ficar aqui provado junto do Tribunal Constitucional.

H. Considera a ECFP conforme ponto 13 do libelo acusatório, que o PS registou nas contas apresentadas várias despesas de deslocação "quilómetros" (melhor identificadas no auto), com ausência de demonstração da origem, do motivo e destino das referidas despesas.

I. Ora e conforme largamente explicitado na defesa apresentada em 04/06/2020, da norma incriminatória, não resulta qual o fundamento da tal razoabilidade, não se extraindo da norma dos artigos 12.º e 15º supratranscritos, que razoabilidade está em causa.

J. É que a entidade administrativa fiscalizadora não esclarece que tipo de razoabilidade está em causa - razoabilidade dos montantes? razoabilidade no tipo de despesa? Será? Ficamos sem saber...

K. Apenas refere que a infração é exclusivamente sustentada nos seguintes factos:

Preços abaixo do valor de mercado;

Ausência de elementos complementares de comparação de preços;

Falta de demonstração da respetiva razoabilidade.

L. Conforme se comprova do texto acusatório, uma coi[s]a que ali não existe é a determinabilidade do tipo legal, uma vez que é pura e simplesmente ininteligível qual ou quais os normativos violados, afetando, na sua totalidade o princípio da legalidade invocado supra (cf. aprofundado na terceira nota prévia supra - ponto ii das alegações);

M. Ademais, não é possível determinar o que verdadeiramente pretende a entidade administrativa ECFP quando faz apelo ao princípio da razoabilidade (cf. descrito na segunda nota prévia supra - ponto ii das alegações).

N. Nem na decisão da ECFP de fevereiro de 2020 que deu origem aas presentes autos de contraordenação, nem agora através da acusação aqui sob recurso, é feita prova da alegada infração, bem sabendo que o ónus da prova cabe - "in casu" - ao Estado, através dos seus agentes/ órgãos.

O. Pelo que a acusação agora notificada ao arguido Partido Socialista é NULA, não podendo subsistir, nulidade que se invoca para os devidos e legais efeitos.

P. Por outro lado, a ECFP adensa a dificuldade em compreender as linhas pelas quais se rege, quando refere: ...«que os esclarecimentos prestados em sede de defesa pelo arguido a tanto não bastam e, ainda que bastassem, tal seria agora extemporâneo, visto que ocorreria em sede de processo de contraordenação e, apesar de dever ser valorado na apreciação de uma eventual sanção a aplicar, não seria idóneo a afastar a violação legal verificada em sede de procedimento de prestação de contas»

Q. O ora arguido não percebe o que isto significa, pois será que a fase de defesa - artigo 50.º do RGCO - de nada serve para apresentar provas, carrear elementos para o processo que comprovem que o libelo acusatório contem erros, que o arguido não praticou a infração, ou se existe não nos termos vertidos no auto lavrado pela entidade competente pela fiscalização?

R. Já não bastava o princípio em branco, o tal princípio a razoabilidade, como agora a ECFP refere, taxativamente, que os elementos juntos pelo arguido em sede de defesa não extemporâneos porque foram apresentados em sede de defesa.

S. Se é isto, estamos perante uma decisão que viola frontalmente o direito de defesa do arguido, direito sacrossanto previsto no artigo 32.º, n.º 10 da CRP, no sentido de que nos processos de contraordenação, bem como em quaisquer processos sancionatórios, são assegurados ao arguido os direitos de audiência e de defesa.

T. Ora, tendo a ECFP considerado extemporâneos os meios de prova juntos pelo arguido, é nula a decisão administrativa proferida nos autos, por ofender o direito de defesa do arguido ao considerar extemporâneo o rol de provas apresentadas e que contrariam a violação do princípio da razoabilidade - artigo 41.º n.º 1 do D.L. 433/82, de 27/10 e artigo 120.º n.º 2 alínea d) do Código de Processo Penal.

U. Nulidade e inconstitucionalidade que ficam invocadas.

V. Por outro lado, e não menos importante, os factos que sustentam a presente condenação em relação à infração são insuficientes para concluir pela existência de qualquer infração contraordenacional.

W. Nem o auto de notícia, nem agora em sede de acusação, são mencionados - claramente - "os factos que constituem a infração, e as circunstâncias em que foi cometida", sendo que no caso em concreto tais "circunstâncias", porque factuais, se apresentavam de extrema importância para indicar e sinalizar que, ou que tipo de infração está em causa.

X. Com efeito, tal como já acontecia na fase da defesa, em que invocámos que o auto de notícia (e agora a acusação) se apresenta amputado de factos, conclusivo, vago e genérico, viciado pela ausência de uma concreta factualidade sinalizadora do (alegado) comportamento infrator do arguido, com todas as suas consequências e reflexos em termos acusatórios, quer como delimitador do próprio libelo acusatório e sustentáculo-básico de uma posterior decisão condenatória, quer ainda, e não menos importante, no quadro e em parâmetros do cabal exercício de um direito de defesa por parte do arguido.

Y. A verdade é que a totalidade dos vícios imputados ao auto de notícia estão vertidos na acusação aqui sob recurso.

Z. E muito embora estejamos no domínio do direito contraordenacional prevenido no RGCO, não se pode ignorar nem minimizar, tal como já foi enquadrado mais acima, o apelo que nos artigos 32.º e 41.º se faz ao direito penal e processual criminal, como direito subsidiário, com todas as suas consequências.

AA. Assim, e consequentemente, há que considerar nula a acusação ao arguido, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 41.º n.º 1, do DL 433/82 e alínea b) n.º 3 artigo 283.º do CPP.

BB. A ECFP lavra em erro na interpretação de tal inciso legal, na medida em que a razoabilidade, ou a falta dela, não tem qualquer arrimo ao dispositivo legal invocado pela entidade administrativa.

CC. E não se diga que da leitura do disposto na Lei 19/2003 (na redação atual) se retira tal efeito da razoabilidade, na medida em cabe à entidade fiscalizadora (e também sancionadora) indicar qual ou quais os normativos violados, e não ao arguido fazer um juízo de prognose no sentido de tentar perceber qual a norma violada e em que medida concreta o seja.

DD. Logo, e recorrendo à transcrição da norma dos artigos 12.º e 15.º (ex vi supra as alegações), não se retira qual a razoabilidade das contas, ou falta dela, que a ECFP viu, ao ponto de acoimar o Partido Socialista ora arguido.

EE. Ora, a lei, in casu o artigo 12.º, ex vi o 15.º transcrito, não refere, nem remete para outras normas, que sustentem a tesis da razoabilidade invocada pela ECFP.

FF. Nem o legislador ao longo de todo o diploma legal faz qualquer referência à matéria da razoabilidade dos gastos, nem se extraindo da Lei o que tal significa, muito menos a título de infração contraordenacional.

GG. Tudo para invocar aqui a inexistência de infração, devendo a presente acusação ser liminarmente arquivada, atenta a nulidade já invocada.

HH. É que, e invocando o que vem dito em relação ao princípio da legalidade, consagrado nos artigos 29.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa e no artigo 2.º do RGCO, que tem, como decorrências deste princípio a determinabilidade do tipo legal - que a lei seja certa e determinada - ou seja, «importa que a descrição da matéria proibida e de todos os outros requisitos de que dependa em concreto uma punição seja levada até a um ponto em que se tornem objetivamente determináveis os comportamento proibidos e sancionados e, consequentemente, se torne objetivamente dirigível a conduta dos cidadãos» e de acordo com o disposto no artigo 1.º do RGCO que refere que "constitui contraordenação todo o facto ilícito e censurável que preencha um tipo legal no qual se comine uma coima", e bem sabendo que o citado artigo 1.º consubstancia o princípio da tipicidade, "significando que a própria lei deve especificar clara e suficientemente os factos em que se desdobra o tipo legal de crime - no caso, de contraordenação - ou que constituem os pressupostos da aplicação da medida de segurança criminal - no caso, da coima, tal significando que só a lei pode definir o que são crimes - no caso, contraordenações - e quais os pressupostos da aplicação de medidas de segurança criminais - no caso, das coimas, a verdade é que a entidade das contas não pode, de moto próprio, enquadrar segundo a sua vontade e interpretação, normas que não apresentam um mínimo de enquadramento legal em relação à interpretação que a própria Entidade Administrativa sancionatória pretende.

II. Ou seja, a interpretação feita pela Entidade das Contas não tem um mínimo de acolhimento na lei. Nem tem, diga-se para usar um conceito aparentemente muito elástico, um mínimo de razoabilidade...

JJ. Porque estamos a falar de normas sancionatórias, a matéria de facto invocada pela Entidade Administrativa, concretamente para ambas as infrações, não tem um mínimo acolhimento na lei sancionatória invocada, razão pela qual a decisão condenatória é nula por violação do princípio da legalidade e da tipicidade prevista nos artigos 29.º, n.º 1, e 165.º, n.º 1, alínea c), ambos da CRP.

KK. A matéria de facto carreada para a decisão condenatória aqui sob recurso, não é suficiente, nem encontra qualquer enquadramento nas normas violadas invocadas no libelo acusatório, sendo que, sendo admitida esta interpretação e subsunção que a entidade das contas faz dos factos à norma, será sempre uma interpretação inconstitucional.

LL. E dizemos inconstitucional, porque viola frontalmente o principio da legalidade, e, como seu corolário, no princípio da tipicidade (no sentido da exigência de uma descrição clara e precisa do facto punível), uma vez que o aqui arguido está impedindo de conhecer os elementos essenciais do tipo da infração,

MM. Inconstitucionalidade e nulidade que ficam invocadas, com os legais efeitos.

NN. Para a aplicação da sanção (rectius: coima), porém, é mister ainda que o facto, além de típico e antijurídico, seja censurável, isto é, reprovável.

OO. Logo, a punição do agente tem de fundar-se num juízo de reprovação do autor pela formação da vontade e que a concreta sanção nunca pode ser mais grave do que aquele mereça segundo a sua culpa.

PP. Donde, a descoberta da verdade material não consiste somente na averiguação do ilícito material, mas também, e sobretudo, na indagação do elemento subjetivo da infração, já que a imputação da responsabilidade contraordenacional só é possível se o comportamento do agente for censurável.

QQ. O libelo acusatório não dá nota de nenhum facto suscetível de, juridicamente qualificado, preencher a culpa do arguido (maxime sob a forma de culpa), sendo certo que essa factualidade não se presume, antes é elemento subjetivo do tipo, pelo que deve ser comprovada para que o ilícito doloso seja preenchido.

RR. O que é bastante e suficiente para afastar a imputada responsabilidade do arguido, pois "no direito de mera ordenação social a condenação não pode ter lugar independentemente de culpa".

SS. Agir com culpa significa atuar por forma a que a conduta do agente mereça a reprovação ou censura do direito: o lesante, pela sua capacidade e em face das circunstâncias concretas da situação, podia e devia ter agido de outro modo; está, portanto, arredada a admissibilidade de uma responsabilidade objetiva...

TT. Conforme já ficou dito mais acima na quarta nota (vide: ponto ii das notas prévias), no caso que aqui nos ocupa, e porque o diploma legal invocado no libelo acusatório da entidade administrativa ECFP não faz referência à punição a título de negligência, o Partido Socialista apenas pode ser punido a título de dolo.

UU. E o dolo não se presume, tem que ser provado pela entidade fiscalizadora/ instrutora/ decisória: o que não aconteceu, na medida em que a ECFP não prova a existência de culpa na modalidade de dolo (direto, necessário ou sequer eventual), para assim fundamentar a aplicação de uma coima.

VV. A ECFP invoca no texto da decisão Dolo Eventual do arguido pela prática da infração que vem noticiada, e agora sob a forma de condenação, e nada prova, nada refere sobre a razão e a medida desse dolo eventual, nada comprova, não ouviu o representante do arguido... nada.

WW. Da decisão condenatória nada resulta para além da decisão (conveniente) que o arguido agiu com Dolo, referindo que "verifica-se a ocorrência de atuação dolosa, sob a modalidade de dolo eventual."

XX. Entende a ECFP que, conhecendo o PS a Lei, ou estando obrigado a conhecer, qualquer infração topada pela entidade administrativa, implica a atuação dolosa do arguido.

YY. Quanto a esta matéria remetemos para os ensinamentos dos jurisconsultos Germano Marques da Silva e Figueiredo Dias, transcritos supra artigo 67.º a 79.º

ZZ. Nos termos do disposto no artigo 7.º, n.os 1 e 2, do RGCO, as coimas podem aplicar-se tanto às pessoas singulares como às pessoas coletivas, sendo estas responsáveis pelas contraordenações praticadas pelos seus órgãos no exercício das suas funções.

AAA. Ora, sendo o arguido uma pessoa coletiva, a imputação a título de dolo ou de negligência exige a atuação dolosa ou negligente por parte de uma ou mais pessoas físicas, agindo no exercício das suas funções, em nome e no interesse dessa mesma sociedade/pessoa coletiva.

BBB. Deste modo, a responsabilidade contraordenacional da pessoa coletiva pressupõe, necessariamente, uma conduta de um seu órgão ou de um seu representante, no exercício das suas funções.

CCC. Tal conduta do órgão ou do representante (agente, empregado, etc.) da pessoa coletiva pode consistir na autoria (imediata au mediata) ou na instigação do ilícito contraordenacional imputado ao arguido, ou, ainda, na cumplicidade no facto contraordenacional.

DDD. Em sede de defesa o arguido foi bem claro, tendo referido que nunca poderia praticar a infração sobre a razoabilidade, se não é possível extrair que tipo de infração é essa que sustenta a razoabilidade invocada pela ECFP.

EEE. Ora, perante o que foi dito em sede de defesa, e perante esta concretização, verifica-se que a decisão da autoridade Administrativa não faz uma descrição suficiente dos factos que consubstanciam a imputação à mesma da contraordenação em causa, desde logo no que respeita aos elementos subjetivos das infrações.

FFF. Lida e relida a decisão da autoridade administrativa, constata-se, sem hesitação, que, no tocante (designadamente) à fundamentação da imputação subjetiva das infrações, a mesma não é, de modo algum, efetuada, pois que refere apenas [«...verifica-se a ocorrência de atuação dolosa, sob a modalidade de dolo eventual...»]

GGG. Ou seja, o que a entidade administrativa refere unicamente na decisão condenatória é que o arguido agiu com dolo eventual, e a interpretar normativos legais que ela (entidade das contas) entende que encerram em si mesma um conceito de razoabilidade, que como já ficou dito, não tem qualquer enquadramento na lei sancionatória que nos tem ocupado neste processo.

HHH. A decisão condenatória, que faz referência a três alegadas infrações, todas elas insuficientemente delimitadas, e daí inferindo que o arguido PS, pessoa coletiva agiu com dolo (eventual), sem sequer ouvir em declarações os responsáveis e representantes legais do partido arguido, vai um grande passo.

III. Aliás, nem as putativas vantagens para o Partido ou para a campanha, advenientes das alegadas infrações são demonstradas, como o não são os intuitos obscuros dos responsáveis partidários, ao procederem como procederam. Tanto se censuram, pressurosamente, preços demasiado altos como demasiado baixos...

JJJ. Quanta a esta matéria remetemos, uma vez mais, para os ensinamentos dos jurisconsultos Germano Marques da Silva e Figueiredo Dias, transcritos supra artigo 80.º a 84º.

KKK. Concluindo-se que, a doutrina hoje dominante conceitualiza o dolo, na sua formulação mais geral, como o conhecimento e vontade de realização do tipo objetivo de ilícito, sendo o conhecimento o momento intelectual e a vontade o momento volitivo de realização do facto.

LLL. Da presente decisão condenatória da entidade das contas, não consta (mesmo em termos simplificados, mas próximos de uma acusação penal) o relato dos factos que possam integrar o dolo ou a negligência da pessoa coletiva aqui arguido, não bastando invocar uma série de normas, e criar, assim, um novo conceito de atuação segundo a razoabilidade, para dai inferir a existência de dolo [ou até de negligência inconsciente].

MMM. Ora, a decisão da autoridade administrativa deve conter os elementos essenciais para, caso haja impugnação judicial, valer como acusação, e, caso não haja, valer como decisão condenatória.

NNN. A decisão da ECFP ora em análise é manifestamente infundada, por ausência de descrição bastante de factos relevantes para a incriminação.

OOO. Esta decisão, ao não enunciar os referidos factos, é nula, de acordo com o disposto nos artigos 58.º, n.º 1, alínea b), do RGCO, 374º, n.º 2, e 379º, n.º l, alínea a), do C. P. Penal (estes aplicáveis ex vi do artigo 41.º, n.º 1, do referido RGCO).

PPP. A falta de indicação daqueles factos constitui, ela própria também, falta de fundamentação da decisão da autoridade administrativa, tal como exigido na parte final da alínea c) do n.º 1 desse mesmo preceito legal.

QQQ. Nulidade que fica invocada para toda a decisão condenatória, e que o Tribunal Constitucional não deixará de conhecer.

RRR. Assim, só sendo punível o facto se praticado com dolo e não podendo concluir-se da matéria de facto apurada pela decisão agora em crise, pela sua verificação, a condenação não pode subsistir, impondo-se a absolvição do ora arguido Partido Socialista, com o correspondente arquivamento liminar de todo o processado, sem mais delongas.

SSS. Errou a ECFP na apreciação dos factos que enquadram as identificadas infrações, não tendo apreciado a defesa apresentada pelo arguido, ou se a apreciou fez tábua rasa das notas apresentadas, e que comprovam o erro em lavrou ao condenar o PS nos termos constantes na acusação aqui em crise.

TTT. Assim, e como já afirmado em sede de defesa, quanta à infração 1. que consta do ponto 4. da acusação aqui sob impugnação, a ECFP, continua a não esclarecer concreta e taxativamente, o que entende por "...razoabilidade do seu montante, face aos valores de mercado..." bem como deveria indicar em que medida cada documento de despesa se apresenta incompleto ou não suficientemente claro, evitando fazer juízos de valor sem apropriado fundamento.

UUU. Uma vez que e conforme já referido, a comparação de preços de bens ou serviços utilizados na campanha eleitoral com a tabela de preços indicativa ("lista indicativa", diz o artigo 20.º, n.º 2, alínea a) da Lei 2/2005, de 10 de janeiro) emitida pela ECFP pode inferir em situações não comparáveis:

i) A Tabela emitida pela ECFP, como o próprio título indica, é meramente indicativa;

ii) Foi elaborada, supostamente, com base em preços médios de meios de campanha e propaganda política não se sabendo se esses preços médios cobrem todas as zonas do país e todos os tipos de variantes dentro de cada meio de propaganda;

iii) Dentro de cada categoria de meios pode existir uma grande variedade quer quanto a materiais de que são feitas, quer quanto a dimensões, quer quanto ao seu estado de conservação ou período de vida útil já decorrido;

iv) Não contempla diferenciação de preços por zonas do país nem em função de quantidades adjudicadas.

VVV. Conforme já referido, os valores reais apresentados foram efetivamente os preços contratados com os fornecedores tendo havido sempre a preocupação de aforrar dinheiro nas campanhas que nos parece, até porque estão em causa dinheiros do erário publico, que deveria ser sempre uma das preocupações das campanhas eleitorais.

WWW. O Partido Socialista tem vindo a prosseguir, com toda a convicção e energia política, um caminho de redução dos custos eleitorais, nomeadamente no referente a custos unitários do material e dos serviços de campanha, o que tem vindo a ficar patente nas despesas globais das sucessivas campanhas eleitorais apresentadas a juízo das entidades competentes.

XXX. Não deve esse esforço de boa gestão ficar limitado pela suposta obrigação de cumprir os tetos máximos ou mínimos dos valores unitários indicativos apresentados pela ECFP, mas sim levar a uma explicação cabal das condições objetivas que propiciaram uma negociação mais bem-sucedida por parte do Partido Socialista, o que em nenhum caso se deve recusar como imprópria ou ilegal, e essa explicação foi devidamente apresentada supra (v. artigos 98.º a 115.º supra).

YYY. É visível que em quase todos os casos os preços reais estão abaixo dos indicados na listagem da ECFP, o que resulta da própria dimensão de campanha do Partido Socialista, mas também da capacidade negocial e dos objetivos de contenção de custos que o Partido erigiu em orientação política interna.

ZZZ. É o que resulta, na totalidade dos casos concretos invocados pela ECFP como de "insuficiente comprovação das despesas de campanha".

AAAA. É do conhecimento geral que existe uma variação de preços de mercado praticados pelas sociedades comerciais com sede nos distritos do interior do país e com sede nas regiões autónomas.

BBBB. Logo, não pode subsistir a tesis da ECFP, que sustenta o alegado financiamento do PS através de donativos proibidos, usando um artifício, que é alteração, ou melhor, acordar preços baixos na faturação para conseguir o alegado intento de financiamento. O que implicaria, por parte da ECFP, demonstrar um conluio que se repudia e desmente com a maior veemência e que [...em] nenhum caso ficou sequer indiciado, quanto mais comprovado.

CCCC. Nada mais errado. O que está errado não é a atuação do PS, que apenas recorre ao mercado e às empresas que estabelecem os preços mais favoráveis, discutindo-os com firmeza e energia, o que está verdadeiramente errado é a tabela (meramente indicativa e de referência), que além de incorreta e fora da realidade comercial, por não atender a múltiplos fatores de variabilidade de preços, pode vir, no limite, a provocar distorções de mercado, com violação das leis antitrust, por induzir as empresas a praticar o mesmo preço, aniquilando por completo a livre concorrência.

DDDD. Convém ainda, referir que é com estranheza que o ora arguido verifica a afirmação da ECFP "...documentação de suporte se apresenta incompleto au insuficientemente..." uma vez que, foi junta ao relatório toda a documentação pertinente, coma seja, deliberações, orçamentos, notas de encomenda, contratos de prestação de serviços e faturas/recibos.

EEEE. Ademais, é bastante óbvio que os serviços que apelam a uma especial qualificação técnico política como a realização de serviços de consultadoria de comunicação, consultadoria económica, consultadoria no âmbito da campanha eleitoral, filmagens, estudo gráficos, não podem deixar de ser adjudicados em função da qualificação e preparação das empresas prestadoras de serviços ou dos elementos que, em concreto, se propõem afetar à realização dos trabalhos em apreço (cf. descrito supra artigos 116.º a 131.º).

FFFF. Todos os casos invocados, são serviços tecnicamente especializados, prestados com autonomia funcional e garantia de resultados concretos, identificados contratualmente, o que apela a conhecimento do ofício e das particularidades de campanha eleitoral, o que não é tão comum como se pensa encontrar disponível no mercado.

GGGG. O acompanhamento de uma campanha eleitoral pressupõe um elevado grau de interação e de confiança pessoal, política e profissional entre os responsáveis políticos e os encarregados das tarefas técnicas e logísticas, o que não pode ser negligenciado e deve ser requerido e valorizado na altura da escolha das partes contratantes.

HHHH. Não é demais insistir, que é obrigação de qualquer Partido Político dentro do que for comportável pelo Orçamento da campanha, selecionar fornecedores experimentados, fiáveis e com grande capacidade executiva, com os quais existam rotinas (standards) de trabalho conjunto, de modo a evitar a todo o custo qualquer falha operacional que seria irremediável e teria graves implicações políticas e eleitorais.

IIII. Mesmo assim, nestas eleições (e em todas, de resto) e nos casos aludidos, o PS desenvolveu um aturado processo de negociação de condições e de preços com os fornecedores, que redundou nas contratações efetuadas, fazendo nos últimos anos dessa boa capacidade de negociação e gestão financeira, aliás, um forte e eficaz argumento político eleitoral.

JJJJ. Sendo que, apesar disso, essas contratações foram feitas a valores que o PS e o seu orçamento de campanha podiam perfeitamente comportar, como se pode verificar comparando os valores unitários em causa com um custo global da campanha.

KKKK. Os preços praticados pelos fornecedores do PS resultam da própria dimensão de campanha do Partido Socialista, mas também da capacidade negocial e dos objetivos de contenção de custos que o Partido erigiu em orientação política interna.

LLLL. Assim e face ao descrito supra, e prestadas, coma julgamos ter sucedido, toda a informação pertinente ao cabal esclarecimento do caso, devem as presentes infrações ser devidamente arquivadas, sem mais diligências adicionais.

MMMM. Assim, andou mal a ECFP ao decidir pela aplicação de sanção ao Partido Socialista.

Nestes termos e nos melhores do direito, e em face do alegado e concluído, deve a entidade administrativa ECFP:

i) revogar a decisão de aplicação da coima, acionando para o efeito o disposto no n.º 2 do artigo 62.º do RGCO.

Caso assim não se entenda, devem os Colendos juízes Conselheiros do Tribunal Constitucional:

ii) proceder ao arquivamento do processo, não devendo o arguido Partido Socialista ser condenado a qualquer coima, uma vez que não praticou qualquer infração.

iii) conhecer das nulidades e inconstitucionalidades invocadas pelo arguido em todo o processo sancionatório, com arquivamento dos autos nos termos invocados em sede de motivações e conclusões.

iv) mais deve o Tribunal Constitucional conhecer - em primeira instância - a inconstitucionalidade do artigo 12.º e 15.º da Lei 19/2003, por evidente violação do princípio da legalidade e da tipicidade, consagrados nos artigos 29.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa, atenta a interpretação da ECFP vertida na decisão condenatória.».

4 - Recebido o requerimento de interposição de recurso, a ECFP, por deliberação de 28 de maio de 2021, sustentou a decisão recorrida e determinou a remessa dos autos ao Tribunal Constitucional, o que veio a ocorrer no dia 1 de junho seguinte.

5 - Por despacho proferido em 8 de novembro de 2021, o Tribunal Constitucional admitiu o recurso e ordenou a abertura de vista ao Ministério Público, nos termos do n.º 1 do artigo 103.º-A da LTC.

6 - O Ministério Público emitiu parecer, pronunciando-se no sentido de ser negado provimento ao recurso (cf. fls. 145-155). O recorrente, notificado nos termos do n.º 1 do artigo 103.º-A da LTC, in fine, nada disse.

Cumpre apreciar e decidir.

II. Fundamentação

A) Considerações gerais sobre o novo regime de fiscalização das contas dos partidos e das campanhas eleitorais

7 - A Lei Orgânica 1/2018, de 19 de abril, veio alterar, entre outras, a LFP e a LEC, introduzindo profundas modificações no regime de apreciação e fiscalização das contas dos partidos políticos e no regime de aplicação das respetivas coimas.

Considerando que à data de entrada em vigor desta lei - 20 de abril de 2018 (artigo 10.º) - os presentes autos aguardavam julgamento respeitante à legalidade e regularidade das contas, tal regime é-lhes aplicável, nos termos da norma transitória do artigo 7.º da referida Lei Orgânica.

A respeito do novo regime legal, quer quanto à competência de fiscalização, quer no que respeita ao regime processual, foram desenvolvidas algumas considerações no Acórdão 421/2020 (acessível, assim como os demais acórdãos adiante citados, a partir da hiperligação:

http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/),

para o qual se remete, salientando-se aqui que a alteração mais significativa tem que ver com a competência para apreciar a regularidade e legalidade das contas dos partidos políticos e das campanhas eleitorais e aplicar as respetivas coimas, que, até abril de 2018, pertencia ao Tribunal Constitucional e passou agora a ser atribuída à ECFP (artigos 9.º, n.º 1, alínea d), da LEC, e 24.º, n.º 1, da LFP).

Assim, nos termos do novo regime legal, caberá ao Tribunal Constitucional apreciar, em sede de recurso de plena jurisdição, em Plenário, as decisões daquela Entidade em matéria de regularidade e legalidade das contas dos partidos políticos e das campanhas eleitorais, incluindo as decisões de aplicação de coimas (artigo 9.º, alínea e), da LTC).

B) Questões prévias

B.1. Da definitividade de decisão da ECFP, de 26 de fevereiro de 2020, que julgou prestadas, com irregularidades, as contas apresentadas

8 - O Ministério Público, no parecer a que alude o artigo 103.º-A, n.º 1, da LTC, sustentou, entre o mais, que, não tendo havido recurso da decisão da ECFP, de 26 de fevereiro de 2020, que julgou prestadas as contas com irregularidades (cf. a decisão referida no n.º 1, supra), a matéria de facto que na mesma foi dada como provada terá de considerar-se como definitivamente fixada. No entender do Ministério Público, na falta de recurso, tal decisão tornou-se caso decidido quanto aos factos dela constantes e, como tal, é inatacável em sede de recurso para o Tribunal Constitucional. Assim, conclui o Ministério Público, este Tribunal deverá agora pronunciar-se sobre se as irregularidades em questão integram as contraordenações imputadas e sobre a adequação das coimas aplicadas no processo de contraordenação n.º 4/2020 através da decisão proferida em 7 de abril de 2021.

Sustenta ainda o Ministério Público que o entendimento de que a decisão que considerou prestadas as contas com irregularidades é autonomamente recorrível - e de que, consequentemente, não tendo sido interposto recurso da mesma, esta produz efeito de caso decidido - não parece ser compaginável nem com a letra, nem com o espírito da Lei. Segundo o Ministério Público, tal entendimento contende com a possibilidade, conferida às candidaturas no artigo 44.º, n.º 2, da Lei Orgânica 2/2005, de se pronunciarem e prestarem os esclarecimentos que tiverem por convenientes, uma vez que parece decorrer desta norma que as irregularidades detetadas nas contas da campanha eleitoral podem ser reapreciadas e revertidas no âmbito da segunda fase do procedimento, em função do contraditório, da instrução e da prova que tiver sido produzida nessa fase. Por outro lado, acrescenta, da letra da lei não decorre a possibilidade de recurso daquela decisão da ECFP, uma vez que o artigo 46.º, n.º 2, da LEC só prevê recurso para o Tribunal Constitucional das decisões da Entidade previstas no número anterior, onde estão contempladas apenas as decisões relativas a aplicação das sanções previstas naquela Lei e na LFP.

9 - O Tribunal Constitucional já teve a oportunidade de se pronunciar, no âmbito do novo regime de apreciação e fiscalização das contas dos partidos políticos e das campanhas eleitorais, resultante das alterações introduzidas pela Lei Orgânica 1/2018, de 19 de abril, sobre a recorribilidade da decisão da ECFP respeitante à regularidade da prestação das contas dos partidos, bem como sobre o regime de subida do respetivo recurso.

Assim, no citado Acórdão 421/2020, o Tribunal Constitucional começou por tecer algumas considerações sobre este novo regime, tendo afirmado, no que ora particularmente releva, o seguinte (cf. o ponto 9):

«A alteração mais significativa [- introduzida pela Lei Orgânica 1/2018 -] tem que ver com a competência para apreciar a regularidade e legalidade das contas dos partidos políticos e das campanhas eleitorais e aplicar as respetivas coimas, que até essa data pertencia ao Tribunal Constitucional e passou a ser atribuída à ECFP (artigos 9.º, n.º 1, alínea d), da LEC, e 24.º, n.º 1, da LFP).

Nos termos do novo regime legal, caberá ao Tribunal Constitucional apreciar, em sede de recurso de plena jurisdição, em plenário, as decisões daquela Entidade em matéria de regularidade e legalidade das contas dos partidos políticos e das campanhas eleitorais, incluindo as decisões de aplicação de coimas (artigos 9.º, n.º 1, alínea e), e 103.º-A da LTC, 23.º, n.º 1, da LFP e 23.º, n.º 1, da LEC).

No plano processual, porém, o novo regime manteve a pluralidade de fases e dimensões materiais objeto de pronúncia, todas comportadas no mesmo processo. Excluindo agora o caso particular de incumprimento puro e simples do dever de entrega das contas discriminadas da campanha eleitoral, é a seguinte a dinâmica processual do processo de prestação de contas.

Continua a existir uma fase inicial, que tem por objeto (e escopo) a apreciação das contas dos partidos e das campanhas eleitorais, que os partidos ou as candidaturas devem enviar à ECFP, para esse efeito, no prazo fixado (artigos 27.º, n.os 1 e 4, 35.º, n.º 1, e 43.º, n.os 1 a 3, da LEC), findo a qual a ECFP decide do cumprimento da obrigação de prestação de contas e da existência ou não de irregularidades nas mesmas (artigos 35.º a 45.º da LEC).

De acordo com a modelação resultante dos artigos 35.º a 44.º, a intervenção da ECFP nesta fase inicial esgota-se na identificação («discriminação», na letra da lei) das irregularidades detetadas nas contas (dos partidos ou das campanhas), sem lhes fixar qualquer tipo de efeito ou consequência jurídica. Por isso se referiu, no Acórdão 405/2009, que a mesma «se poderia designar, por oposição àquela que se lhe segue para apuramento da responsabilidade contraordenacional, por fase declarativa ou de simples apreciação» (que melhor se designaria por subfase declarativa).

Verificando-se a existência de irregularidades na prestação de contas, abre-se uma segunda subfase que tem por objeto o apuramento da responsabilidade contraordenacional dos mandatários financeiros e dos partidos e a definição das respetivas consequências jurídicas (subfase condenatória).

Estará então encerrada a fase administrativa do processo de prestação de contas, da competência da ECFP, como se disse.».

Seguidamente, apreciando o problema de saber se a decisão da ECFP que julga prestadas as contas com apuramento de irregularidades é ou não autonomamente recorrível para o Tribunal Constitucional, concluiu-se pela afirmativa (cf. os n.os 11 a 14 do referido Acórdão 421/2020), entendendo-se ainda que tal recurso deverá subir a final, após o recurso da decisão sancionatória, por ser esta a única solução «que se compagina com o respeito pelo princípio do acusatório que as modificações introduzidas pelo novo regime pretenderam assegurar», uma vez que «só assim se garante que o Tribunal Constitucional não é o órgão competente para decidir, num primeiro momento, da prestação de contas e das irregularidades verificadas e, num segundo momento, da aplicação das correspondentes sanções contraordenacionais - como sucedia no quadro legal anterior à alteração legislativa de 2018» (cf. o n.º 15, idem).

Posteriormente, no Acórdão 240/2021, considerou-se igualmente que quer a decisão da ECFP que julga as contas prestadas com irregularidades, quer a decisão daquela Entidade sobre as contraordenações em matéria dessas mesmas contas, são autonomamente recorríveis para o Tribunal Constitucional, tendo-se concluído ainda que o recurso da decisão da ECFP que julga as contas prestadas com irregularidades sobe a final, por ocasião da impugnação da decisão em matéria sancionatória. No que respeita à recorribilidade daquela primeira decisão, acrescentou-se o seguinte, neste aresto:

«No que especificamente respeita à decisão proferida na primeira fase do processo, essa recorribilidade parece decorrer, desde logo, do teor do artigo 23.º da LEC, que, sob a epígrafe «Recurso das decisões da Entidade», versa sobre os atos da Entidade suscetíveis de recurso, e, mais diretamente, do artigo 9.º, alínea e), da Lei de Organização, Funcionamento e Processo no Tribunal Constitucional, quando estabelece que compete ao Tribunal Constitucional apreciar, em sede de recurso, «as decisões da ECFP em matéria de regularidade e legalidade das contas dos partidos políticos [...] e das campanhas eleitorais, nos termos da lei, incluindo as decisões de aplicação de coimas.». Da letra deste artigo resulta que as decisões sancionatórias da ECFP não esgotam o leque das decisões proferidas por essa Entidade das quais é possível recorrer. Ainda que essa recorribilidade não decorresse das normas indicadas, aquela primeira decisão sempre configuraria um ato administrativo lesivo de direitos e interesses e, nessa medida, impugnável (neste sentido, vide o Acórdão 421/2020 citado). Aliás, parece ser essa a ideia subjacente ao artigo 23.º, n.º 2, parte final, da LEC, ao ressalvar dos atos irrecorríveis aqueles que afetem direitos e interesses legalmente protegidos.».

Este entendimento tem vindo a ser a reiterado pelo Tribunal Constitucional em diversos arestos posteriores (cf. os Acórdãos n.os 246/2021, 386/2021 e 261/2022).

Não obstante a posição do Ministério Público em sentido contrário, na ausência de argumentos novos justificativos de uma reponderação, deve manter-se o referido entendimento, com base nos fundamentos constantes da jurisprudência citada, segundo o qual, quer a decisão da ECFP que julga as contas prestadas com irregularidades, quer a decisão daquela Entidade sobre as contraordenações em matéria de tais contas são autonomamente recorríveis para o Tribunal Constitucional.

10 - Afirmada a recorribilidade da decisão da ECFP que julga prestadas as contas com apuramento de irregularidades, a questão que se coloca é a de saber se, não tendo sido interposto recurso de tal decisão, a mesma tem, em sede do subsequente processo de contraordenação, efeito de caso decidido quanto aos factos subjacentes às irregularidades nela apuradas.

A resposta deverá ser negativa.

Conforme referido, a decisão proferida na primeira fase do processo relativo à regularidade de legalidade das contas dos partidos políticos e das campanhas eleitorais - neste caso, a decisão que julgou prestadas as contas com irregularidades - tem como objeto, apenas, a apreciação das contas dos partidos e das campanhas eleitorais (cf. os artigos 25.º, 32.º, 35.º e 43.º da LEC). Nessa decisão a ECFP limita-se a sindicar o cumprimento da obrigação de prestação de contas e a existência ou não de irregularidades nas mesmas (cf. os artigos 32.º e 43.º da LEC). Ou seja, conforme se refere no citado Acórdão 421/2020, tal decisão «esgota-se na identificação («discriminação», na letra da lei) das irregularidades detetadas nas contas (dos partidos ou das campanhas), sem lhes fixar qualquer tipo de efeito ou consequência jurídica».

Sendo esta decisão autonomamente recorrível, a sua não impugnação, não tem, contudo, uma projeção direta na fase subsequente, que tem por objeto o apuramento da responsabilidade contraordenacional, designadamente, como acontece no presente caso, dos mandatários financeiros e dos partidos e a definição das respetivas consequências jurídicas. Dito de outro modo, e no que ora releva, em sede do procedimento contraordenacional subsequente, a não impugnação daquela decisão que se pronunciou sobre a (ir)regularidade das contas apresentadas, não tem como consequência que a matéria de facto nela apurada se deva ter por definitivamente fixada para efeitos da aplicação de coimas, tal como defendido pelo Ministério Público.

Com efeito, encerrada aquela primeira fase do processo, se entender que as irregularidades apuradas configuram a prática de qualquer ilícito contraordenacional, a ECFP deverá iniciar uma segunda fase, mediante a instauração do competente procedimento contraordenacional, ao qual se aplicarão, para além das normas da LEC e da LFP, as normas do RGCO. Ou seja, e tal como aconteceu nos presentes autos, é levantado um auto de notícia, que obedece aos requisitos do artigo 243.º, n.º 1, do CPP (aplicável ex vi artigo 41.º, n.º 1, do RGCO), no qual deverão constar, entre o mais, os factos que constituem a contraordenação imputada, de forma que o arguido possa, em relação aos mesmos, ser ouvido e exercer a sua defesa (cf. o artigo 50.º do RGCO e 32.º, n.º 10 da CRP). Por outro lado, efetuada a instrução do processo, a decisão condenatória que venha a ser proferida - que deve conter os elementos referidos no artigo 58.º do RGCO -, se vier a ser impugnada judicialmente, uma vez presente ao juiz, vale como acusação (cf. o artigo 62.º do RGCO).

Assim, no caso de impugnação da decisão proferida pela ECFP sobre a aplicação de coimas em matéria de contas dos partidos e de campanhas eleitorais, o Tribunal Constitucional, ao apreciar tal decisão em recurso de plena jurisdição, tem de analisar também a impugnação da matéria de facto nela dada como provada, não estando limitado na sua apreciação pela circunstância de não ter sido impugnada a decisão proferida por aquela Entidade, numa fase anterior, num procedimento destinado apenas à verificação da regularidade das contas apresentadas que, conforme referido, é destituído de efeitos sancionatórios.

Em suma, tendo o procedimento de natureza contraordenacional um objeto e uma finalidade diferentes do procedimento inicial da ECFP relativo à verificação da regularidade das contas, a decisão proferida neste último, mesmo que venha a tornar-se definitiva, atenta a sua não impugnação, não impede o Tribunal Constitucional de, em sede de recurso da decisão da ECFP em matéria contraordenacional, apreciar todas as questões que se mostrem relevantes para este último, inclusive a matéria de facto tida por pertinente.

Assim, a não interposição de recurso da decisão proferida na primeira fase do processo apenas torna definitiva tal decisão no que respeita ao seu objeto específico - as irregularidades detetadas.

Note-se, aliás, que tais irregularidades poderão nem ter relevância contraordenacional. Mas, na hipótese afirmativa, o procedimento quanto às mesmas pressupõe a instauração de um processo de contraordenação, nos termos expostos, no âmbito do qual, quanto aos factos em que se funda o ilícito contraordenacional imputado, o arguido terá, conforme se disse, o direito de exercer plenamente sua defesa. Daí que a não impugnação da decisão proferida na primeira fase do processo não tenha qualquer efeito preclusivo no que respeita à possibilidade de, em sede do ulterior recurso da decisão que venha a aplicar uma coima, o arguido poder impugnar todos os factos que lhe são imputados, que não se poderão dar como definitivamente fixados por força daquela decisão sobre as irregularidades das contas, em que, repete-se, não estava em causa qualquer imputação para efeitos sancionatórios.

B.2. Da nulidade da decisão recorrida

11 - O recorrente invocou a nulidade da decisão administrativa recorrida, fazendo assentar tal pretensão, essencialmente, em três ordens de razões.

Em primeiro lugar, sustenta que embora a decisão recorrida refira que nas contas apresentadas foram registadas «várias despesas de campanha (.), cujo descritivo é incompleto e a ausência de elementos complementares de comparação de preços não permite aferir sobre a razoabilidade das despesas face aos valores de mercado de referência indicados na Listagem 38/2013» e «várias despesas de deslocação "quilómetros" (melhor identificadas no auto), com ausência de demonstração da origem, do motivo e destino das referidas despesas», da norma incriminatória invocada em tal decisão (o artigo 12 n.os 1 e 2, ex vi artigo 15.º, n.º 1, da LFP) não resulta qual o fundamento da tal razoabilidade, dela não se extraindo que razoabilidade está em causa, nem tal é esclarecido na decisão recorrida. Assim, no entender do recorrente, tal comprova a inexistência de determinabilidade do tipo legal, uma vez que é ininteligível qual ou quais os normativos violados, o que afeta o princípio da legalidade. Conclui, por isso, que nem na decisão «que deu origem aos presentes autos de contraordenação, nem agora através da acusação aqui sob recurso, é feita prova da alegada infração», pelo que «a acusação agora notificada ao arguido» é nula (cf. as conclusões B a O). Considera ainda o recorrente que a decisão ora impugnada padece de erro na interpretação do artigo 12.º da LFP (aplicável ex vi artigo 15.º do mesmo diploma), uma vez que de tal preceito não se retira qual a razoabilidade (ou falta dela) nas contas apresentadas, que permita aplicar a coima ora em causa. Invoca, por isso, a inexistência da infração descrita, sustentando que a matéria de facto invocada na decisão recorrida, nas infrações imputadas ao arguido, não tem um mínimo acolhimento na lei sancionatória invocada, razão pela qual entende que a decisão condenatória é nula por violação dos princípios da legalidade e da tipicidade, previstos nos artigos 29.º, n.º 1, e 165.º, n.º 1, alínea c), ambos da Constituição (cf. conclusões BB a MM).

Em segundo lugar, alega o recorrente que a decisão recorrida, ao ter considerado que os esclarecimentos prestados em sede de defesa pelo arguido não bastam para se concluir pela razoabilidade das despesas em questão e que, «ainda que bastassem, tal seria agora extemporâneo, visto que ocorreria em sede de processo de contraordenação e, apesar de dever ser valorado na apreciação de uma eventual sanção a aplicar, não seria idóneo a afastar a violação legal verificada em sede de procedimento de prestação de contas», violou o disposto no artigo 32.º, n.º 10 da CRP, do qual decorre que nos processos de contraordenação, bem como em quaisquer processos sancionatórios, são assegurados ao arguido os direitos de audiência e de defesa. Sustenta ainda o recorrente que, ao ter considerado extemporâneos os meios de prova juntos pelo arguido, a decisão administrativa proferida nos autos é nula, uma vez que ofende o direito de defesa do arguido ao considerar extemporâneo o rol de provas apresentadas e que contrariam a violação do princípio da razoabilidade - artigos 41.º, n.º 1, do RGCO e 120.º, n.º 2, alínea d) do CPP (cf. as conclusões P a U).

Em terceiro lugar, considera o recorrente que «os factos que sustentam a presente condenação em relação a todas as infrações são insuficientes ou inadequados para concluir pela existência de qualquer infração contraordenacional», uma vez que, na sua perspetiva, tal decisão se encontra viciada «pela ausência de uma concreta factualidade sinalizadora do (alegado) comportamento infrator do arguido», razão pela qual conclui também pela nulidade da «acusação ao arguido, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 41.º, n.º 1, do DL n.º 433/82 e alínea b) n.º 3 artigo 283.º do CPP» (cf. as conclusões V a AA). Por outro lado, depois de tecer diversas considerações sobre a falta, na decisão recorrida, do relato dos factos que possam integrar o dolo ou a negligência do arguido, este sustenta que tal decisão é manifestamente infundada, por ausência de descrição bastante de factos relevantes para a incriminação e que, ao não enunciar os referidos factos, a decisão ora impugnada é nula, de acordo com o disposto nos artigos 58.º, n.º 1, alínea b), do RGCO, 374.º, n.º 2, e 379.º, n.º 1, alínea a), do CPP, aplicáveis ex vi artigo 41.º, n.º 1, do referido RGCO (cf. conclusões NN a QQQ).

11.1 - Conforme decorre das razões em que faz assentar a invocada nulidade da decisão recorrida, o recorrente considera que o artigo 12.º da LFP (aplicável, in casu, por força do artigo 15.º do mesmo diploma legal), pela sua indeterminabilidade, viola os princípios da legalidade e da tipicidade.

Importa apreciar esta questão, tendo presente, desde logo, o disposto no artigo 31.º da LFP, com base no qual foi aplicada a coima objeto da presente impugnação, em conjugação com as restantes normas que disciplinam o regime respeitante à apreciação de contas das campanhas eleitorais.

O referido artigo 31.º, sob a epígrafe «Não discriminação de receitas e de despesas», estabelece, no seu n.º 1, que «[o]s mandatários financeiros, os candidatos às eleições presidenciais, os primeiros candidatos de cada lista e os primeiros proponentes de grupos de cidadãos eleitores que não discriminem ou não comprovem devidamente as receitas e despesas da campanha eleitoral são punidos com coima mínima no valor do IAS e máxima no valor de 80 vezes o valor do IAS», acrescentando-se, no n.º 2, que «[o]s partidos políticos que cometam a infração prevista no número anterior são punidos com coima mínima no valor de 10 vezes o valor do IAS e máxima no valor de 200 vezes o valor do IAS».

O artigo 12.º, n.º 1, da LFP, por sua vez, estabelece que «os partidos políticos devem possuir contabilidade organizada, de modo a que seja possível conhecer a sua situação financeira e patrimonial e verificar o cumprimento das obrigações previstas na presente lei». O regime contabilístico a que estão sujeitos os partidos políticos obedece ainda a um conjunto de requisitos específicos, justificados pela especial natureza destas organizações e pela adstrição das suas contas ao controlo público da respetiva situação financeira e patrimonial e à verificação do cumprimento dos deveres legais elencados de forma precisa nas diversas alíneas do n.º 3 do artigo 12.º, e integra outros deveres especificados nos demais números do mesmo preceito legal. Ora, no que respeita ao tratamento de receitas e despesas das campanhas eleitorais, o artigo 15.º da LFP, para além de estabelecer que tais receitas e despesas constam de contas próprias restritas à respetiva campanha, determina que as mesmas obedecem ao regime do artigo 12.º de tal diploma.

Especificamente, em relação à discriminação das despesas de campanha eleitoral, estabelece o n.º 2 do artigo 19.º da LFP que as mesmas «são discriminadas por categorias, com a junção de documento certificativo em relação a cada ato de despesa». Conforme tem entendido reiteradamente o Tribunal Constitucional, o cumprimento do dever imposto na segunda parte deste preceito impõe, não apenas a apresentação de documentos destinados à comprovação das despesas contabilizadas, mas ainda que o descritivo dos suportes documentais para esse efeito apresentados seja suficientemente completo para tornar possível a conclusão de que as despesas documentadas respeitam à campanha eleitoral e se encontravam adequadamente refletidas nas contas, bem como para aferir a sua razoabilidade. Nos casos em que o descritivo do documento de suporte da despesa se mostre insuficiente ou pouco claro para os aludidos efeitos, tem entendido o Tribunal que tal configura uma violação do dever imposto pelos referidos artigos 15.º e 19.º, n.º 2, com relevo no plano contraordenacional, nos termos do n.º 1 do artigo 31.º, na medida em que lhe corresponde uma situação de insuficiente comprovação das despesas da campanha (cf., a este respeito, entre outros, os Acórdãos n.os 174/2014, 177/2014, 43/2015, 140/2015, 537/2015, 574/2015 e 98/2016).

No Acórdão 98/2016 é feita uma síntese da jurisprudência deste Tribunal a respeito das condutas passíveis de serem sancionadas com coima por infrações relativas ao financiamento de campanhas eleitorais e à organização das respetivas contas, referindo-se, a esse propósito, o seguinte:

«No Acórdão 417/2007 - em que o Tribunal, face a um quadro normativo material novo, sancionou pela primeira vez os Partidos por infrações relativas ao financiamento das campanhas eleitorais e à organização das respetivas contas (tratava-se das contas da campanha para as eleições legislativas de 20 de fevereiro de 2005) -, entendeu o Tribunal que se justificava adotar uma sistematização das infrações distinta da utilizada nas anteriores decisões que haviam sancionado infrações relativas ao financiamento dos Partidos políticos e à organização das suas contas anuais. Naquele Acórdão, o Tribunal começou por recordar que, nos termos do artigo 28.º, n.º 1, da Lei 19/2003, "os infratores das regras respeitantes ao financiamento dos Partidos e das campanhas eleitorais previstas nos capítulos ii e iii ficam sujeitos às sanções previstas nos números e artigos seguintes", sendo que os números 2 a 4 do artigo 28.º preveem sanções criminais e os artigos 29.º a 32.º preveem coimas. Restringindo-se a competência do Tribunal Constitucional à aplicação destas últimas, nos termos previstos no artigo 33.º, n.º 1, da Lei 19/2003, acrescentou-se, porém, logo de seguida, que não há "uma correspondência perfeita entre os deveres que o Capítulo III da Lei 19/2003 impõe às candidaturas e as coimas previstas nos artigos 30.º a 32.º", existindo, inclusivamente, deveres cujo incumprimento não é sancionado com coima".

6.2 - Feita a constatação, procedeu o Tribunal, num esforço de sistematização, à identificação das condutas que o legislador escolheu como passíveis de coima, em matéria de financiamento e organização das contas das campanhas eleitorais e que são, em síntese, as seguintes:

a) Recebimento, por parte dos Partidos políticos, de receitas para a campanha eleitoral através de formas não consentidas pela Lei 19/2003 - artigo 30.º, n.º 1, da mesma Lei;

b) Incumprimento, por parte dos Partidos políticos, dos limites máximos de despesas de campanha eleitoral fixados no artigo 20.º da Lei 19/2003 - artigo 30.º, n.º 1, desta Lei;

c) Incumprimento, por parte das pessoas singulares, pessoas coletivas e respetivos administradores, das regras de financiamento de campanha eleitoral previstas no artigo 16.º da Lei 19/2003 - artigo 30.º, n.os 2 a 4, da citada Lei;

d) Ausência ou insuficiência de discriminação e comprovação das receitas e despesas da campanha eleitoral, por parte dos Partidos políticos, mandatários financeiros, candidatos às eleições presidenciais, primeiros candidatos de cada lista e primeiros proponentes de grupos de cidadãos eleitores - artigo 31.º da Lei 19/2003;

e) Incumprimento do dever de entrega, por Partidos, mandatários financeiros, candidatos às eleições presidenciais, primeiros candidatos de cada lista e primeiros proponentes de grupos de cidadãos eleitores, de contas discriminadas da campanha eleitoral, nos termos previstos no artigo 27.º da Lei 19/2003 - artigo 32.º, n.os 1 e 2, da mesma Lei.

A partir desta sistematização, acrescentou-se, depois, no Acórdão 405/2009, ser "possível identificar, no conjunto das infrações respeitantes ao financiamento das campanhas eleitorais tipificadas na Lei 19/2003, duas categorias (além da correspondente ao incumprimento puro e simples do dever de entrega das contas discriminadas da campanha eleitoral): uma, integrada por infrações relativas ao financiamento das campanhas eleitorais propriamente dito - as correspondentes à perceção de receitas ou realização de despesas ilícitas contempladas no artigo 30.º do citado diploma; e outra, constituída pelas infrações relativas à organização das contas da campanha - as correspondentes à ausência ou insuficiência de discriminação e comprovação das receitas e despesas da campanha a que se refere o artigo 31.º da Lei 19/2003, de 20 de junho". Como também então se explicitou "tal contraposição [...] tem por base um critério segundo o qual, enquanto as primeiras dizem respeito à inobservância do regime das despesas e das receitas em sentido estrito - ou seja, do conjunto das regras a que se subordina a respetiva realização e de cujo cumprimento depende a regularidade de cada ato [cf. artigos 16.º, n.º 3 (1.ª parte), 19.º, n.º 3, e 20.º da Lei 19/2003] -, as segundas reportam-se à desconsideração do regime de tratamento das receitas e despesas realizadas - isto é, do conjunto das regras que dispõem sobre a incidência contabilística dos atos já realizados (cf. artigo 12.º, por força do artigo 15.º, n.º 1, 16.º, n.º 2, e 19.º, n.º 2, da Lei 19/2003).».

Estas considerações são aplicáveis às contas das campanhas eleitorais ora em análise, em relação às quais vale também a referida exigência de discriminação das despesas, tendo em vista permitir à ECFP aferir a razoabilidade das mesmas. Com efeito, só mediante uma adequada e completa discriminação dos bens e serviços a que respeitam as despesas em questão (identificando devidamente a sua natureza, qualidade e quantidade), será possível à ECFP verificar, designadamente, se se trata de bens e serviços incluídos na Listagem 38/2013 e, na afirmativa, determinar se os respetivos valores se situam dentro dos limites aí previstos e, relativamente a bens e serviços não incluídos em tal listagem, verificar se o respetivo custo é compatível com os valores de mercado, aferindo a razoabilidade das despesas em causa.

Com efeito, de forma a estabelecer quais os valores de mercado de referência relativos aos principais meios de campanha, o artigo 24.º, n.º 5, da LFP determina que, «até ao dia de publicação do decreto que marca a data das eleições, deve a [ECFP], após consulta de mercado, publicar uma lista indicativa do valor dos principais meios de campanha, designadamente publicações, painéis publicitários e meios necessários à realização de comícios», acrescentado o n.º 6 do mesmo artigo que tal lista «é disponibilizada no sítio oficial do Tribunal Constitucional na Internet no dia seguinte à sua apresentação e serve de meio auxiliar nas ações de fiscalização». Conforme decorre do n.º 1 do referido artigo 24.º, a fiscalização aqui em causa diz respeito às contas dos partidos políticos e das campanhas eleitorais.

Como se salienta na decisão recorrida, tal lista de referência é ilidível, conforme resulta da sua natureza "indicativa", reiterada também pelos artigos 20.º, n.º 2, alínea a) e 21.º, n.º 1, alínea a), da LEC. Porém, em caso de desvio quanto aos valores dela constantes, cabe ao responsável pela apresentação das contas juntar a documentação necessária no sentido de poder ser aferida a razoabilidade da despesa face aos valores de mercado. Por outras palavras, ocorrendo desvios em relação a uma dada despesa, devem ser apresentados elementos complementares idóneos a comprovar que aquela concreta despesa, no seio do mercado em que se insere ou pelas suas particulares especificidades, se afigura como razoável. Este é um dever que terá ser cumprido pelos interessados aquando da apresentação das contas ou em sede do procedimento administrativo de verificação das mesmas por parte da ECFP, incluído, conforme mencionado, no dever genérico previsto no artigo 12.º, n.º 1, da LFP.

Ou seja, conforme se refere na decisão recorrida, tal justificação deverá ser realizada no âmbito do procedimento de prestação de contas, até à prolação de decisão em sede de procedimento administrativo. Estando em causa, com esta obrigação, possibilitar a entidade aferir a razoabilidade das despesas, em homenagem a um princípio de transparência, que rege todo o financiamento dessas campanhas, em ordem a impedir a existência de donativos proibidos por via de subvalorização da despesa, a não junção da referida documentação complementar impede tal finalidade, constituindo, por isso, uma violação do disposto no artigo 12.º, n.os 1 e 2, ex vi artigo 15.º, n.º 1, da LFP.

Recorde-se, no que ora particularmente releva, que o comportamento que, nos termos do artigo 31.º, n.os 1 e 2, da LFP, é sancionado com coima é a falta de discriminação ou de comprovação devida das receitas e despesas da campanha eleitoral. Consequentemente, é por referência aos aludidos preceitos dos artigos 12.º, ex vi artigo 15.º, n.º 1, e 19.º, n.os 1 e 2, da LFP que, nos termos descritos, se materializa o elemento objetivo das contraordenações em causa.

Ora, em face do exposto, e contrariamente ao que pretende o arguido, tal não configura qualquer violação dos princípios da legalidade e da tipicidade.

Com efeito, o Tribunal Constitucional já teve a oportunidade de se pronunciar variadíssimas vezes sobre a extensão dos princípios da legalidade e da tipicidade ao domínio contraordenacional, tendo reiteradamente considerado que «a Constituição não requer para o ilícito de mera ordenação social o mesmo grau de exigência que requer para os crimes.» (cf. o Acórdão 41/2004).

Mais recentemente, no Acórdão 231/2020, este Tribunal, a respeito das exigências constitucionais decorrentes dos aludidos princípios em matéria contraordenacional, afirmou o seguinte:

«Deve, portanto, concluir-se que as exigências do enquadramento constitucional relativamente à técnica legislativa a ser adotada no Direito Contraordenacional não correspondem necessariamente ao paradigma mais exigente da tipicidade no Direito Criminal.

É certo que a vinculação da atividade da Administração ao princípio da legalidade pressupõe a tipicidade dos seus comportamentos. Todavia, a exigência da determinabilidade na definição dos deveres impostos aos administrados que podem ser sancionados administrativamente não impede o recurso a conceitos indeterminados.

[...]

Daqui resulta que os tipos contraordenacionais podem revestir maior maleabilidade, desde que acautelem a determinabilidade objetiva das condutas proibidas. Certo é que não se encontra afastada a possibilidade de recurso a conceitos indeterminados, desde que a sua utilização não obste à determinabilidade objetiva da conduta proibida. Tão pouco fica impedido o recurso a normas em branco, desde que remetam para critérios fixados pela própria Administração com vista à realização das finalidades visadas.».

No caso dos autos, o tipo contraordenacional em causa resulta da interpretação conjugada das referidas normas do artigo 31.º, n.os 1 e 2, da LFP com as normas do Capítulo III do mesmo diploma, onde se integra o artigo 15.º que, por sua vez, determina a aplicação do disposto no artigo 12.º (ao qual o recorrente reporta o problema colocado), no que respeita ao regime a que devem obedecer as contas das campanhas eleitorais. Ora, através de tal interpretação conjugada, a descrição dos comportamentos sancionados como contraordenação - e a respetiva sanção - resultam objetivamente determináveis para os destinatários, não podendo considerar-se violado nem o artigo 29.º, n.º 1, da Constituição nem, desde logo por não ser aplicável em virtude de não estar em causa a matéria nele referida, o artigo 165.º, n.º 1, alínea c), do mesmo diploma.

Nesse sentido, este Tribunal afirmou o seguinte no Acórdão 301/2011:

«Como se afirmou no Acórdão 198/2010, "Aquela [Lei 19/2003] é, fundamentalmente, uma atualização corretiva desta última [Lei 56/98]. Por isso, a quase totalidade das orientações anteriores que este Tribunal adotou nesta matéria mantêm, na íntegra, a sua atualidade. Assim, como já se assinalava no Acórdão 455/2006, relativo às contas de 2003 e estando ainda em vigor a Lei 56/98, quando esta «sucessivamente, no seu artigo 14.º, pune com coima e qualifica como contraordenação o incumprimento das obrigações impostas aos partidos na matéria em causa, claro é que tal contraordenação tanto pode resultar da infração do dito dever genérico, como da de qualquer dos deveres específicos que as suas normas impõem. Só que enquanto neste segundo caso estamos perante uma determinação precisa do tipo contraordenacional, de tal maneira que ele só é preenchido exatamente por um comportamento desconforme à conduta imposta, já no primeiro se depara com um tipo bastante mais aberto, cujo preenchimento é suscetível de se operar através de condutas múltiplas e diversas, ou de também diversificadas conjugações dessas condutas; ponto é que elas tenham a ver com o desrespeito de regras ou exigências decorrentes da própria lógica técnica da organização contabilística, de tal modo que a sua verificação ponha em causa, em maior ou menor medida, a fiabilidade da contabilidade partidária, ou seja, a possibilidade [...] de através dela se conhecer, de forma rigorosa, a situação financeira e patrimonial do partido e o cumprimento de certas suas obrigações legais na matéria [...]». Como então se acrescentou, «esta distinta natureza das normas que suportam a definição do comportamento contraordenacional divide as infrações identificadas pelo Ministério Público em dois grupos: o formado pelas violações de determinações concretas da lei [...] e aquele em que a inobservância se reporta a um dever genérico respeitante à organização contabilística [...]». Mas, como logo também se afirmou, estando embora em causa, «nesta segunda situação, aquilo que o Tribunal define no Acórdão 288/2005 como «um tipo bastante mais aberto», não deixa este de conter «[...] a descrição da matéria proibida e de todos os outros requisitos [dos quais depende que] uma punição seja levada até a um ponto em que se tornem objetivamente determináveis os comportamentos proibidos e sancionados e, consequentemente, se torne objetivamente motivável e dirigível a conduta dos cidadãos [...]» (Jorge de Figueiredo Dias, Direito Penal. Parte Geral, tomo I, Coimbra, 2004, pp. 173/174)".».

Conforme resulta da citada jurisprudência, as apontadas normas tipificadoras não se revestem de ambiguidade, imprecisão ou vagueza na descrição dos comportamentos cuja violação constitui ilícito contraordenacional. Concretamente, no que respeita à factualidade descrita nos pontos 4 a 12.3 dos factos provados da decisão recorrida, a respeito da qual o recorrente coloca especialmente o problema ora em apreciação, não se verifica a apontada indeterminabilidade dos comportamentos puníveis, designadamente no que respeita à razoabilidade das despesas face aos valores de mercado.

Resta, portanto, concluir que as normas em apreço não violam o princípio da tipicidade ou da legalidade, improcedendo o alegado pelo recorrente no que respeita às invocadas nulidade e inconstitucionalidade com base em tal fundamento.

11.2 - Face ao que vem de ser dito a respeito do enquadramento normativo da infração imputada ao arguido, é também de concluir que não lhe assiste razão quando sustenta que a decisão recorrida violou o disposto no artigo 32.º, n.º 10 da CRP, ao ter considerado que os esclarecimentos prestados em sede de defesa pelo arguido não bastam para se concluir pela razoabilidade das despesas em causa e que, ainda que bastassem, seriam extemporâneos.

Desde logo, importa esclarecer que a decisão recorrida, contrariamente ao que sugere o recorrente, não considerou extemporâneos os meios de prova por aquele apresentados no exercício da sua defesa.

Com efeito, de acordo com aquela decisão, nas contas apresentadas pelo PS, foram registadas despesas cujo preço se encontra abaixo do valor de mercado de referência definido na Listagem 38/2013, sem que tenham sido exibidos elementos complementares de comparação de preços que permitissem concluir sobre a razoabilidade de tais despesas face aos valores de mercado (cf. as despesas identificadas nos pontos 4 a 4.3 dos factos provados). Relativamente a tais despesas, considerou a decisão recorrida que «o esforço de demonstração da razoabilidade da despesa em sede de processo de contraordenação, apesar de dever ser valorado na apreciação de eventual sanção a aplicar, não seria idóneo a afastar a violação legal verificada em sede de procedimento de prestação de contas, por ser extemporâneo, já que o momento relevante para aferição dessa demonstração ocorre até à prolação de decisão em sede de procedimento administrativo, o que bem se compreende, já que o que está em causa é saber como as contas foram prestadas e estas apenas o podem ser, considerando eventuais retificações, até ao concreto momento da prolação da decisão no procedimento administrativo» (cf. págs. 19 e 20 da decisão recorrida)

Por outro lado, no que respeita a outras das despesas em questão (as identificadas nos pontos 5 a 12.3 dos factos provados), considerou a decisão recorrida que os respetivos documentos de suporte (faturas, contratos e orçamento) apresentavam um descritivo incompleto, não permitindo aferir a razoabilidade de tais despesas face aos valores de mercado, inviabilizando a possibilidade de cotejar os respetivos valores com os valores de referência constantes da Listagem 38/2013. Quanto a estas despesas, afirmou-se ainda na decisão recorrida que «os esclarecimentos prestados em sede de defesa pelo Arguido a tanto não bastam e, ainda que bastassem, tal seria agora extemporâneo, visto que ocorreria em sede de processo de contraordenação e, apesar de dever ser valorado na apreciação de eventual sanção a aplicar, não seria idóneo a afastar a violação legal verificada em sede de procedimento de prestação de contas».

Conforme se disse, contrariamente ao alegado pelo recorrente, estas afirmações contidas na decisão reclamada em nada contendem com o seu direito de defesa, nem envolvem qualquer juízo sobre a extemporaneidade da prova apresentada em sede de processo de contraordenação, não implicando qualquer violação do artigo 32.º, n.º 10, da CRP.

Na verdade, estando em causa possibilitar que a ECFP verifique as contas apresentadas, quaisquer elementos ou explicações adicionais devem ser facultados no âmbito do processo de prestação de contas, até à prolação da decisão em sede de procedimento administrativo que as aprecia (neste sentido, vide o Acórdão 43/2015 e, mais recentemente, o Acórdão 236/2021). E é apenas neste sentido que devem ser entendidas as aludidas afirmações, constantes da decisão recorrida, a respeito da extemporaneidade dos esclarecimentos prestados.

Com efeito, as infrações em causa materializaram-se com a apresentação das contas ora em análise, sendo no âmbito do procedimento destinado a apresentação e verificação da regularidade dessas contas - até à prolação da decisão da ECFP aí proferida e em que se concluiu pela apresentação das contas com irregularidades - que o recorrente poderia e deveria ter juntado os elementos em falta ou prestado os esclarecimentos necessários.

Não o tendo feito, a ECFP, na decisão relativa à apresentação das contas, julgou verificadas as apontadas irregularidades. Tal não impede que, no âmbito do procedimento contraordenacional, o recorrente apresente a sua defesa e produza a prova que entenda pertinente no sentido de demonstrar que não praticou a contraordenação que lhe é imputada. No entanto, e é esse o sentido da decisão recorrida, os esclarecimentos prestados ou os documentos que venham a ser juntos em sede de procedimento contraordenacional - e que, se tivessem sido juntos, como deveriam, na fase da apresentação de contas, teriam impedido a verificação da irregularidade das contas - são já extemporâneos pois, nesse momento, já se encontra consumada a infração verificada na fase anterior. Assim, esses esclarecimentos ou documentos, mesmo que demonstrem a razoabilidade das despesas em questão - e, no caso, nem têm essa virtualidade -, apenas poderão ser valorados, na determinação da medida da coima, no âmbito do artigo 18.º do RGCO, conforme refere a decisão recorrida.

Improcedem, assim, as razões pelas quais o recorrente invoca, nesta parte, a nulidade da decisão recorrida, bem como a inconstitucionalidade decorrente da violação do artigo 32.º, n.º 10, da CRP.

11.3 - O arguido invoca ainda a nulidade da decisão recorrida por considerar que a mesma se encontra viciada pela ausência de factos que consubstanciem a imputação objetiva e subjetiva da infração pela qual foi condenado, designadamente no que respeita à descrição dos factos correspondentes aos elementos típicos da infração, conforme exigido pelo artigo 58.º do RGCO. Conforme referido, o recorrente faz assentar a nulidade ora em apreciação, por um lado, numa alegada insuficiência de factos para concluir pela existência de qualquer infração contraordenacional, designadamente no que respeita à verificação do elemento subjetivo e quanto à identificação de um órgão ou agente do partido que tenha praticado os factos que lhe são imputados, nos termos do artigo 7.º, n.º 2, do RGCO, considerando que a decisão recorrida se encontra viciada «pela ausência de uma concreta factualidade sinalizadora do (alegado) comportamento infrator do arguido»; por outro lado, entende ainda que tal decisão é manifestamente infundada, por ausência de descrição bastante de factos relevantes para preenchimento do tipo.

Liminarmente, cumpre salientar que o plano dos vícios intrínsecos de um determinado ato processual - neste caso da decisão administrativa sancionatória - não se confunde com o plano do respetivo mérito, designadamente no que respeita à correção de determinada operação de subsunção jurídica de um conjunto de factos à norma tipificadora de uma infração criminal ou contraordenacional. A eventual invalidade da decisão administrativa ora impugnada coloca-se no primeiro dos planos enunciados, verificando-se quando esta não contenha factos que permitam sequer efetuar ou sindicar o juízo subsuntivo. Assim, a decisão de aplicação de uma coima, tendo de conter os elementos referidos no artigo 58.º do RGCO, estará suficientemente fundamentada desde que, em face da mesma, se mostrem justificadas as razões pelas quais é aplicada determinada sanção ao arguido, de modo que este, tomando conhecimento da decisão, possa compreender, de acordo com os critérios da normalidade de entendimento, as razões pelas quais é condenado e, consequentemente, esteja em condições de impugnar tais fundamentos.

No caso dos autos, é manifesto que não assiste razão ao recorrente quando defende que a decisão ora impugnada não contém os factos suficientes para decidir sobre a imputação da infração contraordenacional objeto dos presentes autos. Com efeito, conforme resulta da leitura de tal decisão, é manifesto que da mesma consta a descrição da matéria factual suficiente para julgar a causa. Na verdade, foram dados como provados factos atinentes ao tipo objetivo (cf., em especial, os pontos 4 a 13.2 dos factos provados na decisão recorrida) e ao tipo subjetivo do ilícito imputado (cf. os pontos 14 a 17, ibidem), bem como factos relevantes para a graduação da medida da coima a aplicar (cf. os pontos 18 e 19, ibidem).

11.3.1 - Importa apreciar, em particular, a questão da imputação das condutas em causa nos autos ao arguido Partido Socialista - designadamente no plano subjetivo -, tendo em atenção o disposto no artigo 7.º, n.º 2, do RGCO.

Com efeito, embora não o refira expressamente, o recorrente, ao invocar a ausência de factos que consubstanciem a imputação objetiva e subjetiva da infração pela qual foi condenado, questiona, ao menos implicitamente, a falta de identificação na decisão recorrida dos órgãos ou agentes do arguido que tenham praticado as condutas que lhe são imputadas, nos termos do artigo 7.º, n.º 2, do RGCO (cf., em especial, as conclusões ZZ a OOO).

Em primeiro lugar, cumpre assinalar que o artigo 7.º, n.º 2, do RGCO deve ser interpretado extensivamente, de modo a não limitar a responsabilização das pessoas coletivas às contraordenações praticadas pelos seus órgãos no exercício das suas funções, mas a incluir os respetivos administradores e gerentes, funcionários ou trabalhadores, mandatários ou representantes, deste que atuem no exercício das suas funções ou por causa delas.

Neste sentido, citando o parecer do Procurador-Geral Adjunto dado nos respetivos autos, afirma-se no acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 13-10-2021 (P. 3682/20.3T9LRA.C1), disponível em www.dgsi.pt, o seguinte:

«[T]ambém no Acórdão 566/2018 (proc. n.º 336/18) o Tribunal Constitucional concluiu não existirem razões para questionar e desconsiderar a referida interpretação extensiva do artigo 7.º, n.º 2, do RGCO, reproduzindo-se, a respeito: Acresce que o termo "órgão", do ponto de vista conceptual, não está necessariamente associado a um centro autónomo e institucionalizado de poderes funcionais - a uma realidade institucional ou estatutária [...]. Por isso mesmo, são descortináveis diversas definições legais de "órgão", consoante os fins concretamente visados pelo diploma em que as mesmas se inserem [...].

Na perspetiva material da atividade dos entes coletivos (por contraposição à perspetiva da sua estrutura organizatória) - que é aquela que releva a propósito da imputação de condutas individuais a uma pessoa coletiva -, pode entender-se o órgão como o indivíduo cuja atuação é imputada ao ente coletivo. Estando em causa uma conduta correspondente a uma declaração de vontade, é evidente que as regras estatutárias sobre os processos deliberativos internos tendem a assumir maior relevância (cf. a mencionada definição legal constante do artigo 20.º, n.º 1 do Código do Procedimento Administrativo). Mas, tratando-se de simples atuações materiais, nada obsta a que a imputação se fundamente com base numa atuação em nome do ente coletivo e no seu interesse (representante) ou na circunstância de o mesmo indivíduo dispor no âmbito de tal ente de autoridade ou de uma posição de liderança para controlar a respetiva atividade.

Nessa medida, faltando uma definição legal própria aplicável no domínio específico do RGCO, e abstraindo de argumentos teleológicos e outros argumentos sistemáticos (por exemplo, uma maior adequação ao princípio da equiparação consignado no artigo 7.º, n.º 1, do RGCO), não se pode ter por absolutamente incompatível com o sentido literal do termo "órgão" referido no artigo 7.º, n.º 2, do RGCO um entendimento extensivo do mesmo, na linha da previsão das alíneas a) e b) do n.º 2 e do n.º 4 do artigo 11.º do Código Penal. De resto, o artigo 32.º do RGCO reforça tal entendimento: «[e]m tudo o que não for contrário à presente lei aplicar-se-ão subsidiariamente, no que respeita à fixação do regime substantivo das contraordenações, as normas do Código Penal» (e, não, por exemplo, as do Código do Procedimento Administrativo)"».

A este respeito, pode ler-se no Acórdão 711/2013 deste Tribunal:

«[O] Tribunal já afirmou (Acórdão 198/2010) que os dirigentes partidários responsabilizáveis são aquelas pessoas que exerceram, no período em causa, "funções de direção no Partido, individualmente ou enquanto membros de um órgão colegial [...]". [...]. Por outro lado, acrescentou-se ainda, "importa considerar que só pode ser imputada responsabilidade contraordenacional aos dirigentes «que tenham participado pessoalmente» nas infrações verificadas relativamente às contas dos partidos. Assim, tal responsabilidade fica limitada aos dirigentes com responsabilidades no âmbito da elaboração, fiscalização e aprovação das contas dos partidos, pois só esses podem ter tido participação pessoal no incumprimento das obrigações impostas aos partidos em matéria de financiamento e organização contabilística, devendo, também aqui, recorrer-se aos estatutos de cada Partido para verificar a quem foram atribuídas competências nesse domínio". Com efeito, sobre estes dirigentes recai o dever de garantir o cumprimento das obrigações impostas aos partidos em matéria de financiamento e organização contabilística. Trata-se de um dever de garante, pelo que, como tal, compete a tais dirigentes, no exercício dos seus poderes, desenvolver, no interior das estruturas partidárias, fórmulas procedimentais e mecanismos de responsabilização interna, de modo a tornar mais difíceis as condições que comprometam o cumprimento das obrigações que oneram os partidos. Deste modo, os dirigentes em causa são contraordenacionalmente responsáveis, nos termos previstos na Lei 19/2003, não apenas nas hipóteses em que, por ações suas, tiverem originado diretamente o resultado antijurídico, mas, também, quando tiverem contribuído, por omissão, causal ou cocausal, para a produção de tal resultado."

Nesta matéria, porém, como se afirmou no Acórdão 301/11, "a própria lei estabelece um mecanismo de identificação dos responsáveis partidários, primariamente dependente de indicação, pelos próprios partidos, dos indivíduos a quem tenha sido deferida a responsabilidade última pela fidedignidade das contas partidárias. Ou seja, aqueles a quem se imponha, em especial, o dever de garante acima referido. [...] Quanto às contas anuais, o n.º 1 do referido artigo 18.º da Lei Orgânica 2/2005 estatui que "anualmente, os partidos políticos apresentam ao Tribunal Constitucional [...] as respetivas contas, devendo, no ano anterior, comunicar à Entidade o seu responsável, quer seja pessoa singular ou órgão interno do partido" [...]. Ou seja, todos os anos, os partidos têm o dever de comunicar à ECFP quem são os responsáveis pela elaboração e entrega das contas. Em suma, os partidos devem, no quadro das competências estabelecidas pelos respetivos estatutos, identificar quem, em relação às contas anuais, assuma a responsabilidade que é conferida, no caso das campanhas eleitorais, com as necessárias adaptações, aos mandatários financeiros. Na ausência de indicação, impõe-se apurar, perante os estatutos partidários, qual ou quais sejam os órgãos ou dirigentes sujeitos, em especial, ao cumprimento do aludido dever de garante.». [sublinhado acrescentado].

Estas considerações, embora relativas a contraordenações respeitantes à elaboração e apresentação das contas anuais do Partido, são transponíveis para as situações em que, como no caso dos presentes autos, estejam em causa contas relativas a uma campanha eleitoral. Com efeito, no âmbito do controlo das contas das campanhas eleitorais, incumbe às candidaturas (neste caso, à candidatura do ora recorrentes) constituir mandatário financeiro (cf. o artigo 21.º da LFP), sobre quem, nos termos do artigo 18.º, n.º 2, da LEC e 22.º, n.º 1, da LFP, recai a responsabilidade pela elaboração e apresentação das respetivas contas de campanha, competindo-lhe garantir o cumprimento das regras de organização contabilística, pelo que é também ao mesmo que são imputadas, pessoalmente, as eventuais infrações praticadas neste âmbito, uma vez que sobre ele impende um específico dever de garante. Ou seja, recai sobre o mandatário financeiro, como decorre do citado artigo 22.º, n.º 1, da LFP, o dever jurídico de evitar as irregularidades, tomando as adequadas providências para que estas não ocorram, implementando ainda os procedimentos e mecanismos internos a fim de prevenir que outros intervenientes possam condicionar negativamente o cumprimento das obrigações que oneram a candidatura.

Assim, é a própria lei que estabelece um mecanismo de identificação dos responsáveis partidários, em primeira linha, mediante a indicação, pelos próprios partidos, dos indivíduos a quem é deferida a responsabilidade de garantir o cumprimento das regras de organização contabilística.

Ora, no caso dos autos, essa indicação foi efetuada pelo ora recorrente, quando foi constituída a mandatária financeira da campanha eleitoral (cf. fls. 5 do PA 1/PE/14/2019), de acordo com o regime especial que regula esta matéria.

Em face do exposto, resta concluir que, no caso, o artigo 7.º, n.º 2, do RGCO é compatível com a responsabilidade do partido por atos praticados pela mandatária financeira da campanha eleitoral no exercício das suas funções de elaboração e apresentação das contas de campanha, ou por causa delas.

11.3.2 - Um outro aspeto a considerar prende-se com a não identificação, na decisão ora impugnada, da ou das concretas pessoas singulares cuja atuação ilegal é diretamente imputada ao arguido, em virtude de tal atuação se ter verificado em nome e no interesse deste.

É certo que as pessoas coletivas representam um «real construído» e atuam necessariamente através dos seus órgãos ou representantes e que a existência de um nexo de imputação do ato ilícito a uma pessoa física constitui um pressuposto essencial para imputação à pessoa coletiva, em cujo nome e interesse aquela atua. Assim sendo, só pode haver responsabilização se os elementos necessários ao estabelecimento desse nexo de imputação objetivo e subjetivo forem objeto de prova e de decisão. Isto mesmo é expressamente afirmado nos Acórdãos n.os 386/2021 e 25/2022 (contas de campanha da CDU). Nas decisões aí recorridas constava que as contas foram apresentadas por aquela coligação, mas, também, que esta constituíra determinada pessoa física como mandatária financeira, para além de que a factualidade referente ao dolo respeitava quer aos partidos coligados, quer à mandatária financeira. Nesses casos, perante uma argumentação semelhante dos aí recorrentes, a tarefa estava simplificada, na medida em que a decisão recorrida continha expressamente os factos demonstrativos do nexo de imputação do ato ilícito a uma pessoa física: por essa via, sem necessidade de outras considerações, afirmou-se a responsabilização contraordenacional de todos os arguidos, afastando-se, por maioria de razão, qualquer vício, por omissão, da decisão recorrida, gerador de nulidade.

Mas não é menos certo, como este Tribunal já decidiu, no seu Acórdão 566/2018, que a natureza das atuações descritas no tipo objetivo pode não exigir a identificação das concretas pessoas singulares que intervieram na sua concretização sem, concomitantemente, impedir que a imputação do ilícito contraordenacional seja feita com toda a segurança à pessoa coletiva. Tal ocorrerá, designadamente nos casos em que as referidas atuações «exijam uma colaboração ativa de pessoas ao serviço da arguida que ocupem uma posição de liderança no exercício das respetivas funções, [tornando] evidente não só que a mesma arguida não podia deixar de conhecer os factos em causa, como com eles se identificava, em termos de tais factos corresponderem a uma sua atuação intencional. Assim, por via dos atos praticados por tais pessoas em posição de liderança na estrutura da arguida e no exercício das suas funções - atos esses conhecidos a partir dos respetivos resultados [...] - é a própria arguida que comete a infração» (cf. o ponto 13.). Ou seja, os atos ilícitos imputados à pessoa coletiva arguida, face ao tipo objetivo concretamente em causa, podem ser descritos na sua materialidade, não sendo necessário à viabilização da defesa da arguida a indicação de todas e cada uma das pessoas singulares que praticaram ou contribuíram causalmente para a prática de tais atos. Isto será assim sempre que o domínio da pessoa coletiva sobre a sua própria organização constitua uma condição necessária das próprias condutas proibidas dadas como provadas nos autos. Com efeito, verificado esse pressuposto, tal domínio constituirá também condição suficiente da imputação das mesmas condutas a si própria: por causa do citado domínio, a pessoa coletiva arguida não poderá deixar de as conhecer e de as querer como suas (cf. o Acórdão cit., ibidem).

Como se refere no mesmo Acórdão (ainda no ponto 13.):

«Este é um corolário da responsabilidade direta das pessoas coletivas consagrada no artigo 7.º, n.º 2, do RGCO: as condutas daqueles que agem em nome e por conta da pessoa coletiva vinculando-a - ou seja, daquelas pessoas ao serviço da pessoa coletiva cujas funções implicam uma posição de liderança - constituem atos próprios da pessoa coletiva. Esta atua por via daquelas pessoas, de tal modo que as condutas de tais pessoas são tidas como condutas da própria pessoa coletiva. Daí que, para efeitos de responsabilidade, seja suficiente o conhecimento apenas daquelas condutas: a indicação da pessoa singular que praticou o facto correspondente à contraordenação é dispensável, a partir do momento em que tal facto é próprio da pessoa coletiva. A responsabilidade desta não depende prévia ou concomitantemente da responsabilidade das pessoas singulares cujas condutas lhe são (direta e autonomamente) imputadas.

Assim, e como se concluiu no citado Parecer 11/2013 do Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República (v. p. 28823): a responsabilidade autónoma da pessoa coletiva implica a "possibilidade de imputação da responsabilidade contraordenacional à pessoa coletiva desde que seja cometida uma infração tipificada como ilícita e que seja imputável a alguém que atue por conta ou em nome da pessoa jurídica (titulares dos seus órgãos, mandatários, representantes ou trabalhadores)". Acresce que, assentando o fundamento de tal responsabilidade na imputação de comportamentos de pessoas singulares funcionalmente ligadas à pessoa coletiva, aquelas não precisam de ser identificadas nem individualizadas (v. ibidem, a conclusão 5).

No caso vertente, verifica-se que a pessoa coletiva detém um domínio sobre a totalidade dos factos ilícitos que lhe são imputados, e que os mesmos se encontram devidamente descritos quanto aos aspetos relevantes para tal imputação na decisão administrativa condenatória, em especial quanto à necessidade da colaboração de pessoas singulares que ocupam uma posição de liderança e no respeitante aos resultados de tal colaboração materializados nas diversas modalidades de apoio aos GOA [Grupos Organizados de Adeptos]. Deste modo, a omissão nessa decisão da indicação das pessoas singulares que concretamente agiram em nome e por conta da pessoa coletiva não é impeditiva da imputação das condutas verificadas à própria pessoa coletiva e, por isso, também não é indispensável à garantia do respetivo direito de defesa, em especial, do seu direito ao contraditório.»

E mais adiante (no ponto 15.):

«Em suma, as atuações dadas como assentes na decisão administrativa condenatória são condição suficiente da respetiva imputação, enquanto atos próprios, à pessoa coletiva. Por isso, a omissão da indicação das pessoas singulares que concretamente intervieram nesses factos não impede o conhecimento dos mesmos, na parte relevante para efeitos de preenchimento do tipo contraordenacional - as diversas modalidades de apoio aos GOA -, por parte da pessoa coletiva ao serviço da qual as primeiras agiram. Por isso, nada há de estranho ou ilegítimo na circunstância de a decisão administrativa condenatória se limitar a descrever tais factos e a imputá-los, enquanto factos próprios, à pessoa coletiva ora recorrente, sem indicar as concretas pessoas singulares que, ao serviço desta última, praticaram os mesmos factos»

Neste mesmo sentido - de que a responsabilidade contraordenacional das pessoas coletivas, porque fundada numa imputação direta e autónoma, não exige a identificação, nem a individualização da pessoa singular executante da ação típica e ilícita - tem vindo a decidir a jurisprudência dominante dos tribunais superiores: v., por exemplo, os Acórdãos do Tribunal da Relação de Lisboa, de 12-01-2021 (P. n.º 1874/19.7T8TVD.L1-5), do Tribunal da Relação de Coimbra, de 13-10-2021, já citado, ou do Tribunal da Relação de Évora, de 26-10-2021 (P. 41/21.4T8ENT.E1), todos disponíveis em www.dgsi.pt.

Afirma-se no primeiro daqueles arestos o seguinte:

«No caso, tendo alegado na impugnação da decisão administrativa que a mesma omitiu "a identificação ou menção dos concretos órgãos ou representantes da arguida que tivesse agido ou deixado de agir indevidamente, pois disso depende a responsabilidade contraordenacional da pessoa coletiva", a recorrente alega que a decisão recorrida é omissa quanto aos executores das obras.

Contudo, contrariamente ao Código Penal que exige no artigo 11.º um facto individual de conexão entre quem age e a pessoa coletiva (em seu nome e no interesse coletivo por pessoas que nelas ocupem uma posição de liderança, ou por quem aja sob a autoridade das pessoas referidas na alínea anterior em virtude de uma violação dos deveres de vigilância ou controlo que lhes incumbem), o artigo 7.º, do Regime Jurídico das contraordenações não faz referência a tal conexão, razão por [que] entendemos ser desnecessária a identificação concreta do agente infrator, respondendo a pessoa coletiva por facto e culpa própria.

[...O] Parecer do Conselho Consultivo da PGR n.º 10/94, defende uma responsabilidade autónoma uma vez que a pessoa coletiva "é capaz de cometer crimes tanto como a vontade individual ...entendemos que há responsabilidade autónoma das pessoas coletivas ou equiparadas, mau grado a incindibilidade da sua atuação «naturalística» através de outrem." A responsabilidade autónoma dos entes coletivos caracteriza-se por um modelo onde não é necessária a identificação dos indivíduos que praticaram o facto, sendo suficiente que se conheça que, efetivamente, foi um agente que atuou em nome e no interesse da pessoa coletiva, por causa do exercício das suas funções.

Considerando a complexidade que pode ter uma organização empresarial, em certos casos pode tornar-se ineficaz a procura de identificação do agente concreto, uma vez que um ato poderá passar por mais de um órgão, não sendo por vezes fácil determinar a pessoa concreta que agiu, exigindo-se, apenas, a certeza que a infração foi cometida no seio da instituição (pessoa coletiva).

Assim, no regime contraordenacional é admissível a imputação de um facto à pessoa coletiva sem que seja necessária a ocorrência de uma transferência da culpa e da ação dos agentes individuais para a pessoa jurídica, pois esta, ao nível das contraordenações, possui culpa própria».

E, no citado Acórdão do Tribunal da Relação de Évora, pode ler-se:

«A imputação da prática de um ilícito contraordenacional a uma pessoa coletiva não pressupõe [...] que se indague qual ou quais as pessoas singulares que em concreto levaram a cabo as condutas geradoras de responsabilidade contraordenacional da pessoa coletiva.

A referida imputação demandará apenas que se apurem condutas, por ação ou por omissão, que possam ser atribuídos à pessoa coletiva - e a atribuição à pessoa coletiva resulta da circunstância de se haver concluído que tais condutas são da responsabilidade da mesma e, portanto, que foram praticados pelos seus órgãos no exercício das respetivas funções, independentemente da individualização das pessoas concretas que integram tais órgãos - sendo certo que a referida entidade, conforme já referimos, é legalmente tratada como um centro autónomo de imputação de ilícitos contraordenacionais.

De facto, quanto ao modelo de imputação consagrado no artigo 7.º, n.º 2, do RGCO, perfilhamos o entendimento segundo o qual o mesmo prevê uma imputação autónoma ou direta da infração à pessoa coletiva, pelo que não é necessária a identificação concreta do agente singular que cometeu a infração para que a mesma seja imputável àquela. E, assim sendo, as pessoas singulares representantes da pessoa coletiva infratora e responsáveis pelas infrações, não têm que ser indicadas na decisão condenatória proferida na fase administrativa do processo».

No caso sub iudicio, a mencionada circunstância de a lei estabelecer o mecanismo de identificação dos indivíduos a quem é deferida a responsabilidade de garantir o cumprimento das regras de organização contabilística (artigos 21.º e 22.º da LFP) - indicação essa que foi efetuada pelo partido ora recorrente, quando foi constituída a mandatária financeira da campanha eleitoral - permite estabelecer, em termos paralelos aos referidos no Acórdão 566/2018, o nexo de imputação das condutas relativas à mandatária financeira - que atua em nome e no interesse do partido - e, consequentemente, também quanto a este. Assim, a omissão na decisão recorrida da indicação da pessoa singular que concretamente agiu em nome e por conta da pessoa coletiva não é impeditiva da imputação das condutas à própria pessoa coletiva e, por isso, também não obsta a que se efetue ou sindique o juízo subsuntivo, nem é indispensável à garantia do direito de defesa, em especial, do exercício do contraditório. Com efeito, não se pode dizer que por causa da omissão de indicação das pessoa singular que praticou os factos, a pessoa coletiva recorrente tenha ficado impossibilitada de conhecer e de contraditar esses mesmos factos; aliás, tais factos, no que se refere à concretização do tipo contraordenacional, foram descritos na decisão administrativa e dados como provados nos autos e, tendo em conta a dinâmica e o funcionamento dos partidos, designadamente, em contexto de campanha eleitoral, bem como o regime da elaboração e apresentação das contas de campanha, não podiam deixar de ser do seu conhecimento.

Em suma, a menção na decisão recorrida da imputação a uma pessoa física concreta pode ser dispensada se resultar dos elementos do caso que o facto ilícito foi praticado no quadro de atuação da pessoa coletiva. É o que aqui acontece, na medida em que, tendo em conta o referido regime legal, o ato gerador de responsabilidade foi necessariamente praticado por um representante do partido: a mandatária financeira, que este constituiu e indicou, é a única pessoa singular que poderia elaborar e apresentar as contas em nome do partido, havendo, por isso, a certeza de que a infração foi cometida no seio da pessoa coletiva.

Nos Acórdãos deste Tribunal n.os 239/2021 e 27/2022, a decisão então recorrida referia-se apenas aos partidos, não havendo menção do mandatário financeiro. É certo que os aí recorrentes não suscitaram qualquer vício da decisão, mas não é menos verdade que o Tribunal confirmou a responsabilização contraordenacional dos partidos, sem problematizar e necessidade de abordar expressamente a questão (considerando-se pressuposto o entendimento anteriormente explanado, inexistindo, pois, qualquer contradição com a orientação acima afirmada).

Por sua vez, no Acórdão 240/2021, concluiu-se no sentido da exclusão da responsabilidade contraordenacional, por impossibilidade de imputação subjetiva da conduta à mandatária financeira e considerou-se que essa exclusão não poderia deixar de abranger, também, o partido (v. o ponto 23. de tal Acórdão). No entanto, esta decisão continua a ser coerente com o entendimento exposto, uma vez que foi necessário demonstrar e tornar explícita a falta de imputação à mandatária financeira e só por isso se afastou, também, a responsabilidade do partido. Essa conclusão não obsta a que, em outras circunstâncias, sem qualquer alegação e demonstração semelhante, a imputação ao mandatário financeiro se infira dos elementos dos autos.

Em face do exposto, improcede a arguida nulidade.

11.3.3 - Acresce ser também manifesto que a decisão impugnada se encontra fundamentada, quer no que respeita às razões pelas quais se consideraram provados os aludidos factos, quer no que respeita à subsunção dos mesmos às normas jurídicas tidas por relevantes. Tal decisão contém, por isso, todos os elementos exigidos no artigo 58.º, n.º 1, do RGCO, designadamente os elementos a que se referem as alíneas b) e c) deste preceito.

12 - Por fim, importa salientar que a questão de saber se as provas existentes nos autos - designadamente as que são indicadas na motivação da decisão recorrida - serão suficientes para que se possa dar como provada a factualidade elencada na decisão recorrida, designadamente a respeitante ao elemento subjetivo, bem como se a factualidade dada como provada é subsumível ao tipo contraordenacional imputado ao arguido, permitindo concluir que este praticou a contraordenação ora em análise, não se prende já com qualquer vício da decisão. Tais problemas, subjacentes à impugnação do recorrente, dizem antes respeito à apreciação da prova e respetiva fundamentação, bem como à subsunção dos factos ao tipo contraordenacional imputado nos autos, e serão oportunamente analisados, não consubstanciando qualquer fundamento de nulidade da decisão recorrida.

C) Fundamentação de facto

C.1. Factos provados

13 - Com relevo para a decisão, provou-se que:

1 - O Partido Socialista (PS) é um partido político português, constituído em 1 de fevereiro de 1975, cuja atividade se encontra registada junto do Tribunal Constitucional.

2 - O PS apresentou candidatura às eleições para o Parlamento Europeu, realizadas a 25 de maio de 2014.

3 - O Partido apresentou, em 15 de dezembro de 2014, junto do Tribunal Constitucional, as respetivas contas relativas à campanha eleitoral mencionada no ponto 2.

4 - Nas contas apresentadas, foram registadas as seguintes despesas de campanha, cujos preços se encontram abaixo do valor de mercado de referência indicado na Listagem 38/2013, não tendo sido apresentados elementos complementares de comparação de preços:

4.1 - Fatura n.º 242/2014, emitida em 30/04/2014, pelo fornecedor "GARRIDO ARTES GRÁFICAS", no valor total de (euro) 364,83, com o descritivo: «Brochura "Mudança - Europeias 2014" no formato A5; Impresso em papel couché brilho de 170gr., a 4/4 cores, Quantidade 15.000,0; Total 344,18»;

4.2 - Fatura n.º 342/2014 [FA], emitida em 16/05/2014, pelo fornecedor "LASER 2001 - Centro de Cópias, Lda.", no valor total de (euro) 76,70, com o descritivo: "Artigo: 0118; Descrição: autocolantes impressos 9 cm diâmetro; Quant. 500,00 Un: UN; Pr. Unitário: 0,13; Desc. 0,00; IVA: 18,00; Total Líquido: 65,00";

4.3 - Fatura n.º 2014/261, emitida em 06/05/2014, pelo fornecedor "Nélio Pereira - Publicidade Unipessoal, Lda.", na parte respeitante a "cartazes em vinil 8 x 3", com o descritivo: "Código 001; Descrição: Cartazes em vinil 8 x 3; Quant. 34,00; Un: UN; Pr. Unitário: 222,00; Desc.: 0,00; IVA: 22; Total Líquido: 7.548,00".

5 - O Partido celebrou um acordo denominado "Contrato de Prestação de Serviços" com a sociedade Wonderlevel Partners, Lda., o qual se encontra a fls. 13 a 16 dos presentes autos e que aqui se dá por integralmente reproduzido, do qual consta, além do mais, que:

"[...]

Cláusula primeira

Pelo presente contrato, a Primeira Outorgante obriga-se a prestar à Segunda Outorgante o serviço de consultoria e assessoria Política, Comunicação e Relações institucionais nas seguintes áreas:

1.1 - Assessoria de Comunicação e Relações Institucionais:

Empresas de media (administração e investidores);

Agências de comunicação;

Órgão de comunicação social nacionais G1 (Diretores, editores e repórteres);

Órgão de comunicação social nacionais G2 - especializada e revistas sociais (Diretores, editores e repórteres);

Imprensa internacional e correspondentes;

Comentadores e articulistas;

Líderes de opinião;

1.2 - Planeamento da Estratégia global para empresas de Media e telecomunicações;

1.3 - Participação no planeamento das Campanhas Europeias e Legislativas;

1.4 - Planeamento da campanha Mobile e real time para europeias e legislativas;

1.5 - Apoio na conceção, implementação e difusão da Convenção "Novo rumo";

1.6 - Coordenação da imagem, material gráfico, produção audiovisual e design;

1.7 - Coordenação de operações de media training e aconselhamento de imagem;

1.8 - Planeamento e execução de conteúdos e análises para intervenções, debates e difusão nas redes sociais;

2 - Macro Coordenação das redes sociais:

2.1 - Redes Sociais:

Participação na Coordenação editorial do novo site PS em articulação com o canal PS TV;

Participação na Coordenação da implementação e criação da rede dos pontos focais para o site do PS e Convenção "Novo Rumo";

Cláusula segunda

Durante a vigência do presente contrato, a Primeira Outorgante apresentará sempre que solicitado propostas estratégicas globais de comunicação e prestação de consultoria estratégica de comunicação a todas as iniciativas levadas a cabo pela segunda outorgante, devendo a Segunda Outorgante, exceto se fundamentadamente entender o contrário, prestar as informações necessárias que lhes sejam pedidas pela Primeira para a realização integral da sua prestação de serviços.

Cláusula terceira

O cumprimento da realização das atividades a que se obriga a Primeira Outorgante, descritas na cláusula 1.ª no que concerne à divulgação de factos respeitantes à Segunda Outorgante, sem publicidade paga, não está condicionado à dimensão, formas e meios com que os mesmos sejam divulgados, por envolverem a intervenção de terceiros.

Clásula quarta

O presente contrato destina-se a vigorar por um período de 5 meses, de 1 de janeiro de 2014 até 25 de maio de 2014 (dia do ato eleitoral).

[...]

Cláusula sétima

O preço global devido pela Segunda Outorgante, pela realização do presente contrato é de 92.250,00 (euro) (noventa e dois mil e duzentos e cinquenta euros), com IVA incluído.

Cláusula oitava

1 - O pagamento do preço será satisfeito em 5 prestações mensais e sucessivas, de 18.450,00 (euro) (IVA incluído) cada, a vencer-se a primeira com a assinatura do presente contrato e as restantes nos dias 25 de cada mês, devendo ser pagas por transferência bancária [...].

[...]

Cláusula nona

1 - Fica acordado que ao elemento sediado no âmbito desta prestação de serviço no Largo do Rato sejam garantidas e pagas acrescendo ao valor estipulado neste contrato as seguintes condições e despesas:

a) Instalação de local de trabalho devidamente equipado na sede do Largo do Rato.

b) Garantia de oferta de Local de estacionamento nas imediações da sede no Largo do Rato.

c) Oferta de equipamentos informáticos como IPAD.

d) Pagamento de Despesas de telemóvel;

e) Pagamento de despesas de Deslocações internacionais e Nacionais;

Cláusula décima

1 - Fica desde já acordado que se excetuam da cláusula sétima as seguintes despesas:

a) Produção e pós-produção gráfica, fotográfica, vídeo e áudio;

b) Design;

c) Serviço de clipping;

d) Produção de eventos e operações especiais;

e) Compra de espaço publicitário;

f) Estudos de opinião;

g) Despesas com estúdios, equipamentos e catering;

h) Despesas de deslocação e alojamento fora da área da Grande Lisboa;

2 - A realização de qualquer uma das alíneas descritas no ponto anterior obriga a Primeira Outorgante a apresentar previamente, à Segunda Outorgante, orçamentos e maquetes (para suportes gráficos), ficando estes sujeitos à aprovação pela Segunda Outorgante

3 - As faturas relativas aos custos referidos no número anterior desta cláusula, serão liquidadas nos 15 (quinze) dias seguintes à data da sua emissão e envio.

[...]"

6 - Por referência ao contrato referido em 5., foram emitidas as seguintes faturas respeitantes às seguintes despesas de campanha, que o Arguido registou nas contas apresentadas, não tendo sido exibidos elementos complementares de comparação:

6.1 - Fatura n.º FA2014/9, emitida em 03/02/2014, ao Partido Socialista, no valor de (euro) 36.900,00 (c/iva), com o descritivo "Prestação de Serviços de Consultadoria de Comunicação (contrato Europeias 2014); Valor: 30.000,00".

6.2 - Fatura n.º FA2014/14, emitida em 05/03/2014, ao Partido Socialista, no valor de (euro)18.450,00 (c/iva), com o descritivo "Prestação de Serviços de Consultadoria de Comunicação (Contrato Europeias 2014); Valor: 15.000,00";

6.3 - Fatura n.º FA2014/19, emitida em 07 /04/2014, ao Partido Socialista, no valor de (euro)18.450,00 (c/iva), com o descritivo "Prestação de Serviços de Consultadoria de Comunicação (Contrato Europeias 2014); Valor: 15.000,00";

6.4 - Fatura n.º FA2014/23, emitida em 05/05/2014, ao Partido Socialista, no valor de (euro)18.450,00 (c/iva), com o descritivo "Prestação de Serviços de Consultadoria de Comunicação (Contrato Europeias 2014); Valor: 15.000,00".

7 - O Arguido registou nas contas apresentadas as seguintes despesas de campanha, não tendo sido exibidos elementos complementares de comparação de preços:

7.1 - Fatura n.º FA 2014/137, emitida em 24/03/2014, pelo fornecedor "Expocertame - Publicidade e Design, Lda.", no valor de (euro)12.300,00, com o descritivo: "Artigo: 004.007, Descrição: Estudo gráfico da campanha com estudo de implementação da rede de outdoors, incluindo levantamento a nível nacional, Quant.: 1,00, Un. UN, Pr. Unitário: 10.000,00, Desc. 0,00, IVA: 23,00, Total Líquido: 10.000,00".

8 - A empresa "BCNK, Lda." emitiu em 29/04/2014 o orçamento n.º 18_04_2014, ao Arguido, o qual se encontra a fls. 36 dos presentes autos, nos seguintes termos:



(ver documento original)

9 - Por referência ao orçamento mencionado em 8, foi elaborada a "Proposta para a filmagem de depoimentos e eventos da Campanha Europeias 2014 do PS para a produção de reportagens vídeo diárias de 09 a 23 de maio de 2014", a qual se encontra a fls. 34 e 35 dos presentes autos e que aqui se dá por integralmente reproduzido, da qual consta, além do mais, que:

"[...]

Pressupostos:

1 - Equipamento para a campanha:

01 regie de vídeo exclusiva com sistema Final Cut pro, computador MacPro com 8 processadores, 2 monitores de vídeo, 2 monitores de áudio, array de disco rígido Raid 1.

01 kit de camara HD Panasonic HPX 301 para gravação em interiores e exteriores, som direto, pag light, tripé

01 kit Canon 50 mk II

01 Estudio de áudio para pós-produção áudio

2 - Equipe técnica:

01 editor vídeo exclusivo na produtora

01 editor áudio

01 produtor/motorista

01 operador de comera especializado em jornalismo

3 - Esta proposta inclui:

Logística:

Veículo para transporte de equipamentos e pessoas, em Portugal durante o período, estadia em hotel para duas pessoas da responsabilidade do PS.

Conteúdos:

Captação de depoimentos de apoiantes, reportagens dos eventos, discursos integrais e editados do SG e candidatos.

Será produzido filme com o resumo de toda a campanha integrando imagens de todo o país e os melhores momentos dos discursos.

OBS: esta proposta não inclui direitos de qualquer espécie, cenários, banda sonora, locutor, textos.

[...] especificações técnicas da nossa proposta.

1 - Pressupostos equipa em disponibilidade total durante 16 dias, de 9 a 23 de maio, para a produção de depoimentos e captação de imagem Secretário-Geral do PS António José Seguro e eventos da Campanha do PS Europeias 2014.

2 - Suporte

O suporte final será em ficheiro digital no formato necessário à utilização, para ser integrado no site da campanha.

3 - Especificações técnicas:

Filmagem em vídeo HD

Grafismo em After Effects a partir de base gráfica fornecida pela campanha e equipa técnica e produção

Pós-produção áudio e vídeo

Compressão no formato necessário para utilização no site

4 - Valor da proposta: (não inclui IVA)

Valor: (euro) 23. 796,00

(vinte e três mil setecentos e noventa e seis euros)

obs.: ver orçamento detalhado em anexo

5 - Condições de pagamento:

50 % na adjudicação, antes do início das filmagens, 25 % no término do trabalho e 25 % a 30 dias.

[...]"

10 - Por referência ao orçamento referido em 8 e à proposta referida em 9, foi emitida a seguinte fatura referente a uma despesa de campanha que o Arguido registou nas contas apresentadas, não tendo sido exibidos elementos complementares de comparação de preços:

10.1 - Fatura n.º 2010-178, emitida em 21/05/2014, ao Partido Socialista, no valor de (euro) 29.269,08 (c/iva), com o descritivo: "Descrição: Filmagem de ações da campanha e depoimentos para a produção de vídeos diários de 09 a 23 e dia 25 de maio de 2014. Campanha do Partido Socialista EUROPEIAS 2014, Qtde 1 1, Preço: 23.796,00, IVA (%) 23, Quantia: 23.796,00".

11 - O Arguido celebrou um acordo denominado "Contrato de Prestação de Serviço" com a sociedade AEDIS - Assessoria e Estudos de Imagem, Lda., o qual se encontra a fls. 42 a 44 dos presentes autos e que aqui se dá por integralmente reproduzido, do qual consta, além do mais, que:

"[...]

Cláusula 1.ª

O 2º outorgante aceita prestar os serviços de apoio logístico necessários para o bom desenrolar dos comícios durante as campanhas, com os calendários que vierem a ser programados, e que farão parte do presente contrato, compreendendo:

a) Cenários, estrados, bancada, palco, torres, cadeiras, mesas;

b) Telas de cenário, telas para cobertura de palco/te/as torres, alcatifa, tecidos,

c) Estrutura de ferro para ledwall;

d) Som, iluminação e vídeo;

e) Transportes de equipamento e de técnicos, montagens, estadias e alimentação;

f) Gerador, seguro e transporte.

Cláusula 2.ª

O presente contrato tem início no dia 2 de janeiro de 2014 e termina no dia 25 de maio de 2014 (dia do ato eleitoral).

Cláusula 3.ª

Os serviços prestados e descritos na cláusula 1.ª são levados a efeito pelo 2º Outorgante sob a orientação e supervisão do 1º Outorgante.

Cláusula 4.ª

O 2º Outorgante compromete-se a respeitar as orientações que lhe forem dadas pelo 1º Outorgante a respeito de todos os serviços prestados e necessários à realização dos comícios de campanha, garantindo a qualidade do serviço prestado.

Cláusula 5.ª

O 2º outorgante fica obrigado, sempre que promova ou organize um evento, a subscrever um seguro temporário de acidentes pessoais, e a obter, caso tal seja legalmente previsto, as devidas licenças.

Cláusula 6.ª

Como contrapartida do trabalho prestado, o 1.º outorgante paga ao 2.º outorgante o montante de (euro) 551.737,41, com IVA incluído.

Cláusula 7.ª

O 2º outorgante prestará os serviços ora contratados com zelo, dedicação e em colaboração com o 1.º Outorgante, com vista à plena obtenção dos objetivos visados com esta prestação de serviços.

Cláusula 8.ª

O 1º outorgante e 2º outorgante obrigam-se a cumprir na íntegra o presente contrato, aceitando-o nos exatos termos constantes das cláusulas expressas.

[...]"

12 - Por referência ao contrato de prestação de serviço referido em 11, foram emitidas as seguintes faturas respeitantes a despesas de campanha, que o Arguido registou nas contas apresentadas, não tendo sido exibidos elementos complementares de comparação de preços:

12.1 - Fatura n.º 20/2014, emitida em 24/05/2014, ao Partido Socialista, no valor de (euro) 171.495,21 (c/iva), com o descritivo: "Artigo 002, Descrição: EUROPIAS 2014, Fatura da 3.ª e última prestação, de acordo com o contrato em vigor para a eleições Europeias a 25 de maio de 2014, Quant. 1, Un UN, Pr. Unitário 139.427,00, Desc. 0,00, IVA 23,00, Total Líquido 139.427,00";

12.2 - Fatura n.º 14/2014, emitida em 03/04/2014, ao Partido Socialista, no valor de (euro) 285.181,65 (c/iva), com o descritivo: "Artigo 002, Descrição: EUROPEIAS 2014, Fatura do primeiro pagamento, de acordo com o contrato em vigor para a eleições Europeias a 25 de maio de 2014, Quant. 1, Un UN, Pr. Unitário 231.855,00, Desc. 0,00, IVA 23,00, Total Líquido 231.855,00";

12.3 - Fatura n.º 17/2014, emitida em 09/05/2014, ao Partido Socialista, no valor de (euro) 95.060,55 (c/iva), com o descritivo: "Artigo 002, Descrição: EUROPEIAS 2014, Fatura da 2.ª prestação, de acordo com o contrato em vigor para a eleições Europeias a 25 de maio de 2014, Quant. 1, Un UN, Pr. Unitário 77.285,00, Desc. 0,00, IVA 23,00, Total Líquido 77.285,00".

13 - Nas contas apresentadas foram incluídas despesas de deslocação "quilómetros", nos seguintes termos:

13.1 - Documento intitulado "Abono por Quilómetro", com referência à viatura com a matrícula 99-HR-13, emitido em 13/06/2014, em nome de Josélia Carmo Ribeiro Cunha, com a descrição "Deslocações e transportes durante o mês de maio de 2014", no valor de (euro) 250,24, referente ao percurso "Percorridas as Freguesias de Margarida, Várzea, Lagares, Varziela e (...) As Freguesias de Aião, Airães, Refem, To[...], Regilda, [...],", com o número de km de 782 e ao preço por Km de (euro) 0,32;

13.2 - Documento intitulado "Abono por Quilómetro", com referência à viatura com a matrícula 06-99-GR, emitido em 15/06/2014, em nome de António Mendes Almeida, com a descrição "Deslocações e transportes durante o mês de maio de 2014", no valor de (euro) 750,08, referente ao percurso "Idas às Freguesias e Lugares do Concelho de Felgueiras Felgueiras, Lousada, Paços de Ferreira, Paredes, Penafiel, Valongo, Gondomar, Gaia e Porto; Felgueiras", com o número de Km de 2344 e ao preço por Km de (euro) 0,32.

14 - Ao agir conforme descrito em 4 a 4.3 dos factos provados, registando despesas cujo valor é inferior ao valor de mercado de referência indicado na Listagem 38/2013, publicada no Diário da República, 2.ª série, n.º 125/2013, de 2 de julho, e não apresentando elementos complementares de comparação de preços que permitissem concluir sobre a razoabilidade das despesas face ao valor de mercado, o Arguido representou como possível que tal não demonstrasse o real destino e motivo da despesa, subavaliando-a, e conformou-se com essa possibilidade, apresentando as contas nessas condições.

15 - Ao agir conforme descrito em 5 a 12.3 dos factos provados, registando despesas cujo descritivo incompleto dos documentos de suporte e a ausência de elementos complementares de comparação de preços não permitem concluir sobre a razoabilidade das despesas, o Arguido representou como possível que tal não detalhasse cada uma das despesas e que impossibilitasse a aferição sobre se os respetivos valores eram próximos dos valores de mercado de referência indicados na Listagem 38/2013, publicada no Diário da República, 2.ª série, n.º 125/2013, de 2 de julho, conformando-se com essa possibilidade e apresentando as contas nessas condições.

16 - Ao agir conforme descrito em 13 a 13.2 dos factos provados, incluindo nas contas o valor despendido com as despesas de deslocação denominadas "Abono por Quilómetro", com o descritivo nos termos referidos, o Arguido representou como possível que os suportes documentais não detalhassem, nem exprimissem a origem, motivo e destino das referidas despesas, conformando-se com essa possibilidade e apresentando as contas nessas condições.

17 - O PS sabia que a sua conduta era proibida e contraordenacionalmente sancionável, tendo agido livre, voluntária e conscientemente.

18 - O Partido, nas contas referidas em 3, registou receitas no valor total de (euro) 1.623.727,07 e despesas no valor de (euro) 1.629.228,03.

19 - O Arguido recebeu subvenção pública para a campanha eleitoral relativa às eleições mencionadas no ponto 2, no valor de (euro) 1.163.047,42.

C.2. Factos não provados

14 - Com relevo para a decisão da causa, não existem.

C.3. Motivação da decisão sobre a matéria de facto

15 - A decisão sobre a matéria de facto resulta da análise crítica e conjugada da prova documental junta aos presentes autos e ao PA 1/PE/14/2019, que daqueles constitui apenso, bem como de inferências lógicas e presunções naturais fundadas nas regras da experiência.

Concretizando, para prova da factualidade elencada no ponto 1 dos factos provados, foi considerado o teor da publicação existente no sítio público da Internet do Tribunal Constitucional - http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/partidos.html, da qual a mesma se extrai.

A prova do facto constante do ponto 2 dos factos provados resultou do teor de fls. 2 a 7 do PA 1/PE/14/2019.

Para prova da matéria factual indicada no ponto 3 dos factos provados, teve-se em atenção o teor de fls. 8 a 16 do PA 1/PE/14/2019.

No que diz respeito à matéria factual constante dos pontos 4 a 4.3 dos factos provados, a sua prova resultou do teor de fls. 4 a 8 dos presentes autos.

No que respeita à matéria de facto elencada nos pontos 5 a 6.4 dos factos provados, a sua prova resultou do teor das faturas e do contrato de prestação de serviços juntos aos presentes autos a fls. 9 a 17.

Para prova da matéria factual indicada nos pontos 7 e 7.1 dos factos provados, teve-se em atenção o teor de fls. 23 e 24 dos presentes autos.

Relativamente aos factos constantes dos pontos 8 a 10.1 dos factos provados, a respetiva prova resultou do teor de fls. 33 a 37 dos presentes autos.

No que respeita à prova da factualidade constante dos pontos 11 a 12.3 dos factos provados, a mesma resultou do teor de fls. 38 a 46 dos presentes autos.

Para prova da matéria factual indicada nos pontos 13 a 13.2 dos factos provados, teve-se em atenção o teor de fls. 47 e 48 dos presentes autos.

Quanto à factualidade elencada nos pontos 14 a 17 dos factos provados, na impugnação apresentada, o arguido argumentou, no que respeita aos factos atinentes ao elemento subjetivo da infração e, mais concretamente, ao dolo, que na decisão recorrida não ficou provada a existência de culpa, na modalidade de dolo, salientando ainda, conforme já referido, que a imputação da conduta a título de dolo exige uma atuação dolosa por parte de uma ou mais pessoas físicas, agindo no exercício das suas funções, em nome e/ou no interesse daquela pessoa coletiva, o que não se verificou, pois inexiste atuação dolosa da parte do arguido e esta nem se encontra devidamente concretizada em factos na decisão recorrida (cf., em especial, as conclusões TT a HHH do recurso).

Relativamente à «prova do substrato factual em que assenta o dolo, tem o Tribunal afirmado repetidas vezes (cf., por exemplo, os Acórdãos n.os 86/2008 e 405/2009) que ela decorrerá normalmente de elementos de prova indiciária ou circunstancial obtida através dos chamados juízos de inferência. Como se escreveu no primeiro dos Acórdãos citados, "além de admissível em termos gerais, o meio probatório em questão assum[e] decisiva relevância no âmbito da caracterização do «conteúdo da consciência de um sujeito no momento em que este realizou um facto objetivamente típico», em particular ao nível da determinação da «concorrência dos processos psíquicos sobre os quais assenta o dolo» (cf. Ramon Ragués I Vallès, El dolo y su prueba en el proceso penal, J.M. Bosch Editor, 1999, pg. 212 e ss.). Isto porque, conforme se sabe, o dolo - ou, melhor, o nível de representação que a sua afirmação supõe sob um ponto de vista fáctico -, uma vez que se estrutura sob realidade pertencente ao mundo interior do agente, apenas se tornará apreensível, na hipótese de não ser dado a conhecer pelo próprio, através da formulação de juízos de inferência e na presença de um circunstancialismo objetivo, dotado da idoneidade e concludência necessárias a revelá-lo."» (cf. o Acórdão 98/2016).

Com efeito, conforme se salientou ainda no Acórdão 386/2021, «o sistema probatório alicerça-se em grande parte neste tipo de raciocínio (indutivo) e, não havendo confissão, a prova dos elementos subjetivos do tipo (doloso ou negligente) não poderá fazer-se senão por meio de prova indireta. Por outras palavras, a verificação objetiva da conduta que integra a descrição típica do ilícito contraordenacional permite concluir, por presunção natural, judicial ou de experiência, que o agente agiu dolosa ou negligentemente, tudo sem prejuízo da possibilidade de demonstração, designadamente pelo agente, do contrário».

Assim, no caso dos autos, a prova da matéria constante dos referidos pontos 10 a 14 dos factos provados extrai-se da matéria objetiva dada como provada que, de acordo com as regras da experiência comum, permite inferir a sua verificação. Com efeito, a factualidade apurada por prova direta permite inferir, de forma segura, que o arguido tinha conhecimento das obrigações contabilísticas que sobre si impendiam, da punibilidade da sua violação e de que a factualidade vertida nos pontos 4 a 13.2 infringia tais deveres, tendo-se conformado com tal possibilidade. Na verdade, estas infrações constam de lei conhecida do arguido - estamos perante o incumprimento de deveres que decorrerem da LFP, em articulação com a LEC - e sobre a qual existe jurisprudência consolidada deste Tribunal, na qual estas matérias têm sido amplamente abordadas (vide, por exemplo, os Acórdãos n.os 19/2008, 316/2010, 617/2011, 139/2012, 175/2014, 177/2014, 43/2015, 140/2015, 537/2015, 574/2015 e 98/2016 e, mais recentemente, os Acórdãos n.os 756/2020, 757/2020 e 758/2020). Assim, ponderando ainda a experiência do partido ora recorrente - que, à data da apresentação das contas tinha já longos anos de existência, tornando inverosímil que não estivesse ciente das obrigações contabilísticas em apreço -, a conclusão que se impõe é a de que os agentes da candidatura representaram as exigências daí decorrentes no âmbito da organização das contas da campanha, tendo-se, no entanto, abstido de implementar os procedimentos necessários a assegurar a respetiva observância e conformado com o resultado desvalioso.

Por outro lado, é certo que o partido, assim como a sua mandatária financeira, foi notificado do Relatório da ECFP de fls. 36 a 56 do PA 1/PE/14/2019, apenso aos presentes autos, relativo à apreciação das contas aqui em apreço e no qual se encontravam assinaladas as referidas situações (cf. fls. 34 e 35 do PA 1/PE/14/2019) e que, embora lhe tenha sido conferido prazo para, na sequência dessa notificação, se pronunciar quanto a tal relatório e/ou retificar as contas, o mesmo não o fez.

Por fim, quanto imputação dos aludidos factos ao partido, enquanto ente coletivo, é certo que as pessoas coletivas atuam necessariamente através dos seus órgãos ou representantes e que a existência de um nexo de imputação do ato ilícito a uma pessoa física constitui um pressuposto essencial para imputação à pessoa coletiva, em cujo nome e interesse aquela atua.

No entanto, conforme referido (cf. os n.os 11.3, 11.3.1 e 11.3.2, supra), no caso das contas relativas a campanhas eleitorais, a identificação do responsável pela elaboração e apresentação das contas é efetuada pelas candidaturas (neste caso, pelo partido ora recorrente, nos termos explicitados), competindo ao mandatário financeiro designado garantir, nos termos dos artigos 18.º, n.º 2 da LEC e 22.º, n.º 1, da LFP, o cumprimento das regras de organização contabilística, sendo-lhe também imputadas, pessoalmente, as infrações praticadas na elaboração e apresentação das contas. Por outro lado, a própria candidatura está igualmente sujeita ao cumprimento dos deveres decorrentes do capítulo iii da LFP, relativo ao financiamento das campanhas eleitorais, tendo o dever de garantir a adoção de uma organização e de uma estrutura que se mostrem aptas para o cumprimento das exigências decorrentes da lei em matéria de financiamento eleitoral.

Foi o que aconteceu no presente caso, em que foi constituída e indicada à ECFP, pela candidatura do Partido Socialista às eleições em questão, uma mandatária financeira relativamente às contas da campanha (cf. fls. 5 e 6 do PA 1/PE/14/2019), que, nos atos de elaboração e apresentação das contas atuou em nome e no interesse daquele partido, tendo ficado assim estabelecido o nexo de imputação relativamente ao recorrente. Ora, a mandatária financeira, como decorre do referido artigo 22.º, n.º 1, da LFP, tinha o dever jurídico de evitar as irregularidades, tomando as adequadas providências para que estas não ocorressem, implementando, ainda, os procedimentos e mecanismos internos, a fim de prevenir que outros intervenientes pudessem condicionar negativamente o cumprimento das obrigações que oneravam a candidatura. Com efeito, como o Tribunal já tem afirmado em situações equivalentes (designadamente, no Acórdão 417/2007), está sempre em causa o cumprimento de regras específicas relativas à candidatura a um ato eleitoral que os respetivos mandatários financeiros não podem, em consciência, deixar de conhecer, pelo que o incumprimento dos deveres que para a mesma decorrem, na ausência de motivos justificativos, que não foram demonstrados, é-lhe imputado a título de dolo.

Assim, pelas razões acima apontadas - conjugação da factualidade objetiva apurada com as regras de experiência comum; não retificação das contas mesmo após o conhecimento, através da notificação do relatório da ECFP, das situações em análise; apreciação e julgamento das irregularidades em causa por vasta jurisprudência do Tribunal Constitucional; e experiência do Partido -, ficou provada a atuação dolosa por parte do arguido (pontos 14 a 16 da matéria provada). Ou seja, foi com base na matéria factual dada como provada - com base nas provas indicadas na motivação da decisão - que se concluiu pela imputação dos factos ao arguido a título de dolo eventual, não existindo qualquer fundamento para afastar as razões em que, a esse respeito, assentou tal decisão.

Relativamente à factualidade constante do ponto 18 dos factos provados, a respetiva prova resultou do teor de fls. 9 e 10 do PA 1/PE/14/2019, apenso aos presentes autos.

A prova da matéria indicada no ponto 19. dos factos provados resultou do teor de fls. 1-A do PA 1/PE/14/2019, apenso aos presentes autos.

D) Fundamentação de direito

D.1. Preenchimento do tipo contraordenacional

16 - Cumpre agora analisar as infrações imputadas ao recorrente, designadamente no que respeita ao preenchimento do tipo objetivo previsto nos n.os 1 e 2 do artigo 31.º da LFP.

Os problemas suscitados pelas contas apresentadas e que levaram a que, na decisão recorrida, se tivesse concluído que o arguido praticou a referida contraordenação são os seguintes:

i) Registo, nas contas apresentadas, de despesas cujos preços se encontram abaixo do valor de referência indicado na Listagem 38/2013, não tendo sido exibidos elementos complementares de comparação de preços que permitissem concluir sobre a razoabilidade de tais despesas face aos valores de mercado (cf. os pontos 4 a 4.3 dos factos provados);

ii) Registo, nas contas apresentadas, de despesas cujos documentos de suporte (faturas, contratos e orçamento) têm um descritivo incompleto das despesas a que respeitam, não tendo sido apresentados elementos complementares de comparação de preços, o que impossibilita aferir a razoabilidade das despesas face ao valor de mercado (cf. os pontos 5 a 12.3 dos factos provados);

iii) Registo, nas contas apresentadas, de despesas de deslocação, cujo documento de suporte não contém qualquer alusão a motivo relacionado com a campanha eleitoral em causa.

Importa, assim, analisar as objeções do recorrente no que respeita ao preenchimento do tipo contraordenacional em análise, tendo presente o quadro normativo aplicável.

17 - Recorde-se que o recorrente arguiu a nulidade da decisão recorrida, argumentando, além do mais, que não resulta do artigo 12.º da LFP qual o fundamento da tal razoabilidade e que tal comprova a inexistência de determinabilidade do tipo legal, uma vez que é ininteligível qual ou quais os normativos violados, concluindo pela violação dos princípios da legalidade e da tipicidade, previstos nos artigos 29.º, n.º 1, e 165.º, n.º 1, alínea c), ambos da Constituição. Sustentou ainda que a decisão recorrida interpretou erradamente o referido artigo 12.º da LFP, uma vez que de tal preceito não se retira qual a razoabilidade, na regularização das despesas (ou falta dela), que permita aplicar ao arguido a coima ora em causa, defendendo, por isso, a inexistência das infrações descritas nos pontos 4 a 4.3 e 5 a 12.3 dos factos provados e que tal matéria de facto não tem um mínimo acolhimento na lei sancionatória invocada.

Esta argumentação, com base na qual o recorrente invocou a nulidade da decisão recorrida, bem como a violação dos princípios da legalidade e da tipicidade, foi já apreciada, e devidamente refutada (cf., a secção B.2, supra, em especial, o ponto 11.1).

Resta, pois, tendo em atenção o enquadramento normativo da infração imputada ao recorrente (efetuada nos termos constantes do referido ponto 11.1, supra), apreciar se, em face da matéria de facto provada, se mostram preenchidos os elementos objetivos e subjetivos da contraordenação prevista do artigo 31.º, n.os 1 e 2, da LFP, por cuja prática foi condenado o ora recorrente na decisão recorrida.

18 - Antes de analisar cada uma das situações à luz do referido enquadramento normativo, importa ainda ter presente a jurisprudência mais recente deste Tribunal quanto às "patologias" relacionadas com os documentos que titulem despesas, no âmbito da apresentação das contas a que se reportam aqueles normativos (cf., a este respeito, os Acórdãos n.os 755/2020, 756/2020, 757/2020 e 758/2020).

Com relevância para o presente caso, podem ser configuradas, em abstrato, as seguintes hipóteses:

a) Despesas tituladas por faturas que não permitem identificar a natureza, qualidade ou quantidade daquilo que se pagou. Trata-se, neste caso, de faturas incompletas. Estas faturas devem ser consideraras irregulares, enquanto instrumento de titulação de despesas de campanha.

b) Despesas tituladas por faturas, com o descritivo completo, relativas a bens e serviços incluídos na listagem indicativa, cujos valores se situam dentro dos limites máximo e mínimo nela estabelecidos. Trata-se de faturas que deverão ser consideradas regulares.

c) Despesas relativas a bens e serviços incluídos na listagem indicativa, cujos valores se situam fora dos limites nela estabelecidos. Tais faturas são consideradas irregulares, salvo se os responsáveis pela apresentação das contas tiverem demonstrado cabalmente a razão de ser do desvio ou este não for significativo.

d) Despesas relativas a bens e serviços não incluídos na listagem indicativa, cujas faturas discriminem clara e precisamente o que foi pago. Neste caso, cabe à ECFP demonstrar que os respetivos montantes carecem de credibilidade, por excessivamente elevados ou demasiado reduzidos, quando confrontados com os valores de mercado. Na ausência de tal demonstração, essas faturas deverão ser consideradas regulares. Relativamente a estas faturas, a ECFP poderá tentar obviar a esta consequência simplesmente atualizando e mantendo atualizada a referida listagem, por referência às eleições em análise. Na ausência de tal atualização, não deverá recair sobre os responsáveis pela apresentação das contas o ónus da demonstração da razoabilidade da despesa.

Tecidas estas considerações, importa agora analisar o caso concreto.

19 - Tendo em atenção estes critérios, importa apreciar os documentos em causa nos presentes autos, relativamente aos quais a decisão recorrida encontrou irregularidades suscetíveis de integrar o tipo contraordenacional em causa.

19.1 - Conforme referido, provou-se que foram registadas nas contas apresentadas despesas tituladas pelas faturas identificadas nos pontos 4.1 a 4.3 dos factos provados, cujos valores se encontram abaixo do valor de referência indicado na Listagem 38/2013, não tendo sido exibidos elementos complementares de comparação de preços que permitissem concluir sobre a razoabilidade de tais despesas face aos valores de mercado (cf. os pontos 4 a 4.3 dos factos provados).

Todas estas faturas respeitam a despesas relativas a bens e serviços incluídos na Listagem 38/2013, cujos valores se situam abaixo dos limites mínimos nela previstos (concretamente, estão em causa despesas relativas "material de propaganda", cujo preço é inferior aos valores previstos no ponto iii da referida Listagem). Por outro lado, com as contas apresentadas não foram juntos elementos complementares de comparação de preços que permitissem concluir sobre a razoabilidade das despesas em questão face ao valor de mercado.

O recorrente, no que respeita a estes factos, alega, em síntese, que a ECFP não esclarece concreta e taxativamente o que entende por razoabilidade, apenas fazendo juízos de valor sem apropriado fundamento, remetendo para as explicações apresentadas nos artigos 98.º a 115.º das alegações (cf. as conclusões TTT a CCCC).

Nos referidos pontos das alegações, o recorrente sustenta, em síntese, que: (i) a comparação de preços com os constantes da Listagem 38/2013 «pode inferir em situações não comparáveis», uma vez que a referida listagem é meramente indicativa, foi elaborada com base em preços médios, não se sabendo se trais preços cobrem todas as zonas do país e todos os tipos de variantes dentro de cada meio de propaganda (dentro de cada categoria de meios pode existir uma grande variedade de preços, tendo em atenção os materiais de que são produzidos, dimensões, qualificação dos executores, estado de conservação ou período de vida útil já decorrido,...) e não contempla diferenciação de preços por zonas do país e em função das quantidades adjudicadas; (ii) os valores reais apresentados foram efetivamente os preços contratados com os fornecedores; (iii) o arguido tem prosseguido um caminho de redução dos custos eleitorais, nomeadamente no que se refere a custos unitários do material e dos serviços de campanha, não devendo esse esforço ficar limitado pela suposta obrigação de cumprir os tetos máximos dos valores unitários apresentados pela ECFP, mas sim levar a uma explicação cabal das condições objetivas que propiciaram uma negociação mais bem-sucedida, explicação essa que foi devidamente apresentada em sede de esclarecimento e em sede defesa; (iv) na apreciação da razoabilidade das despesas importa ter em atenção as condicionantes a que está sujeita a realização de uma campanha eleitoral, que poderão traduzir-se em agravamentos dos custos base, consoante a capacidade da campanha, os locais onde se desenrolaram os diversos eventos, o material, tipo, quantidade e configuração dos meios; (v) em quase todos os casos os preços reais estão abaixo dos indicados na Listagem 38/2013, o que resulta da dimensão da campanha do Partido Socialista, mas também da capacidade negocial e dos objetivos de contenção de custos assumidos pelo Partido; (vi) as faturas em questão foram emitidas por sociedades comerciais com sede em Santarém, Angra do Heroísmo e Funchal, sendo do conhecimento geral que os preços praticados nestas cidades são inferiores aos praticados nas grandes cidades de Lisboa e Porto, sendo por isso normal que os preços em causa sejam inferiores aos valores de referência; (vii) no que respeita à sociedade com sede no Funchal, o Partido Socialista é seu cliente regular, habitual e relevante, o que permite obter condições comerciais e de mercado mais favoráveis; (viii) quanto às duas outras sociedades, os preços praticados são coincidentes com as melhores condições de mercado, o que se pode comprovar por pedidos específicos de orçamento para o mesmo tipo de trabalho gráfico; (ix) em junho de 2020, à data da apresentação da sua defesa, o Partido Socialista, para que não restassem dúvidas, solicitou às mesmas sociedades orçamentos para o mesmo material das aludidas faturas e, nos orçamentos apresentados, o valor unitário daquele material fica ainda muito abaixo do valor de referência da Listagem 38/2013, o que faz com que não possa subsistir a tesis que sustenta um alegado financiamento do PS através de donativos proibidos, usando o artifício de acordar preços baixos na faturação para conseguir tal alegado intento de financiamento.

Contudo, tal argumentação não infirma os fundamentos em que assentou a decisão recorrida, não afastando a conclusão de que se mostra preenchido o elemento objetivo da infração imputada ao recorrente.

Com efeito, conforme se referiu já (cf. o ponto 11.1, supra), no que ora interessa, o comportamento sancionado pelo artigo 31.º, n.os 1 e 2, da LFP é a falta de discriminação ou de comprovação devida das receitas e despesas da campanha eleitoral, tendo por referência preceitos dos artigos 12.º, ex vi artigo 15.º, n.º 1, e 19.º, n.º 2, da LFP. Ora, conforme se assinalou, tal exigência de discriminação ou de comprovação das despesas pressupõe que, nas contas, sejam apresentados documentos destinados à comprovação das despesas contabilizadas e que o descritivo dos suportes documentais para esse efeito apresentados seja suficientemente completo para possibilitar aferir se as despesas documentadas respeitam à campanha eleitoral e se se encontram adequadamente refletidas nas contas, bem como para aferir a sua razoabilidade - o que, tratando-se de bens e serviços incluídos na Listagem 38/2013, implica determinar se os respetivos valores se situam dentro dos limites aí previstos.

Com efeito, conforme referido, a menciona Listagem, elaborada pela ECFP nos termos dos n.os 5 e 6 do artigo 24.º da LFP, tem em vista estabelecer quais os valores de mercado de referência relativos aos principais meios de campanha e, embora os valores nela previstos tenham natureza "indicativa" (cf. os artigos 20.º, n.º 2, alínea a) e 21.º, n.º 1, alínea a), da LEC), em caso de desvio quanto aos mesmos, cabe ao responsável pela apresentação das contas juntar a documentação necessária no sentido de poder ser aferida a razoabilidade da despesa face aos valores de mercado.

Daí que, no presente caso, havendo desvio entre os valores das faturas indicadas nos pontos 4.1 a 4.3 dos factos provados, cabia ao recorrente apresentar elementos complementares idóneos a comprovar que o valor das despesas a que se reportam tais faturas, no seio do mercado em que se insere ou pelas suas particulares especificidades, se afigura como razoável.

Este dever de apresentação dos referidos elementos complementares, incluído no dever genérico previsto no artigo 12.º, n.º 1, da LFP, terá de ser cumprido pelos interessados aquando da apresentação das contas ou em sede do procedimento administrativo de verificação das mesmas por parte da ECFP, até à prolação de decisão em sede de procedimento administrativo, tendo em vista possibilitar à ECFP aferir a razoabilidade das despesas, em homenagem a um princípio de transparência, que rege todo o financiamento dessas campanhas, conforme se assinalou.

Ora, na situação em análise, o que está em causa - sendo aí que reside a infração imputada ao recorrente - é a existência de um desvio entre o valor das despesas tituladas pelas referidas faturas e os valores de referência indicados na Listagem 38/2013, sem que tenha sido efetuada a junção de quaisquer elementos documentais complementares (designadamente, de comparação de preços, respeitantes aos mesmos serviços, nos específicos mercados em que foram prestados), que permitam justificar tal desvio e, dessa forma, comprovar a razoabilidade das despesas em causa face aos valores de mercado.

Assim, pese embora o recorrente tenha alegado um conjunto de fatores que poderão, na sua perspetiva, justificar tal desvio, a verdade é que não juntou, com as contas apresentadas, qualquer elemento documental complementar, idóneo a comprovar as razões desse desvio.

Ora, a não junção da referida documentação complementar, porque impede a ECFP de aferir a razoabilidade das aludidas despesas, constitui uma violação do disposto no artigo 12.º, n.os 1 e 2, ex vi artigo 15.º, n.º 1, da LFP.

Assim, é de concluir, no que respeita aos factos ora em análise, que se mostra preenchido o tipo objetivo de ilícito previsto no artigo 31.º, n.os 1 e 2, da LFP, nos termos expostos.

19.2 - Provou-se ainda que o arguido registou nas contas apresentadas um conjunto de faturas, contratos e orçamento, com descritivo incompleto das despesas a que respeitam, não tendo sido apresentados elementos complementares de comparação de preços que permitam concluir sobre a razoabilidade das despesas face ao valor de mercado (cf. os pontos 5 a 12.3 dos factos provados).

O recorrente, no que respeita a estes factos, alegou, em síntese, o seguinte (cf. conclusões DDDD a LLLL): (i) foi junta ao relatório toda a documentação pertinente, como sejam, deliberações, orçamentos, notas de encomenda, contratos de prestação de serviços e faturas/recibos, sendo óbvio que as despesas em causa apelam a uma especial qualificação técnico política como a realização de serviços de consultadoria de comunicação, consultadoria económica, consultadoria no âmbito da campanha eleitoral, filmagens, estudos gráficos, que não podem deixar de ser adjudicados em função da qualificação e preparação das empresas prestadoras de serviços ou dos elementos que, em concreto, se propõem afetar à realização dos trabalhos em apreço; (ii) todos os casos invocados respeitam a serviços tecnicamente especializados, prestados com autonomia funcional e garantia de resultados concretos, identificados contratualmente, apelando a conhecimento do ofício e das particularidades de campanha eleitoral, o que não é tão comum como se pensa encontrar disponível no mercado, tanto mais que o acompanhamento de uma campanha eleitoral pressupõe um elevado grau de interação e de confiança pessoal, política e profissional entre os responsáveis políticos e os encarregados das tarefas técnicas e logísticas, o que não pode ser negligenciado e deve ser requerido e valorizado na altura da escolha das partes contratantes; (iii) é obrigação de qualquer partido político, dentro do que for comportável pelo orçamento da campanha, selecionar fornecedores experimentados, fiáveis e com grande capacidade executiva, com os quais existam rotinas (standards) de trabalho conjunto, de modo a evitar a todo o custo qualquer falha operacional que seria irremediável e teria graves implicações políticas e eleitorais; (iv) nos casos aludidos, o PS desenvolveu um aturado processo de negociação de condições e de preços com os fornecedores, que redundou nas contratações efetuadas, fazendo nos últimos anos dessa boa capacidade de negociação e gestão financeira, sendo que essas contratações foram feitas a valores que o PS e o seu orçamento de campanha podiam perfeitamente comportar; (v) os preços praticados pelos fornecedores do PS resultam da própria dimensão de campanha do Partido Socialista, mas também da capacidade negocial e dos objetivos de contenção de custos que o Partido erigiu em orientação política interna.

Conclui, por isso, que foi prestada toda a informação pertinente ao cabal esclarecimento desta situação, não existindo qualquer violação do disposto no artigo 12.º da LFP.

Não lhe assiste, contudo, razão.

Conforme já referido (cf. os pontos 11.1 e 19.1, supra), o comportamento sancionado pelo artigo 31.º, n.os 1 e 2, da LFP é falta de discriminação ou de comprovação devida das receitas e despesas da campanha eleitoral, tendo por referência preceitos dos artigos 12.º, ex vi artigo 15.º, n.º 1, e 19.º, n.º 2, da LFP. Tal exigência de discriminação ou de comprovação das despesas pressupõe que, nas contas, sejam apresentados documentos destinados à comprovação das despesas contabilizadas e que o descritivo dos suportes documentais para esse efeito apresentados seja suficientemente completo para que seja possível a conclusão de que as despesas documentadas respeitam à campanha eleitoral e se encontravam adequadamente refletidas nas contas, bem como para aferir a sua razoabilidade, o que, tratando-se de bens e serviços incluídos na Listagem 38/2013, implica determinar se os respetivos valores se situam dentro dos limites aí previstos.

Importa clarificar, a este respeito, que, independentemente da forma como os fornecedores emitem as faturas (ou outros documentos), compete aos responsáveis pela apresentação das contas - neste caso, ao ora recorrente -, fornecer todas as informações que permitam esclarecer com detalhe os serviços prestados. Como se disse no Acórdão 574/2015, constitui ónus das candidaturas apresentar contas - e respetiva documentação - de forma clara, fidedigna e autoexplicativa, que permita esclarecer com detalhe a que se reportam os serviços faturados, de forma a poder avaliar-se da razoabilidade dos valores assim despendidos. A falta de resposta, nessa parte, viola o dever genérico de organização contabilística previsto no artigo 12.º, aplicável ex vi artigo 15.º, ambos da LFP (cf., neste mesmo sentido, o Acórdão 757/2020).

Por outro lado, conforme referido, essa exigência de discriminação das despesas tem em vista permitir à ECFP aferir a razoabilidade das mesmas. Com efeito, só mediante uma adequada e completa discriminação dos bens e serviços a que respeitam as despesas em questão (identificando devidamente a sua natureza, qualidade e quantidade), será possível à ECFP verificar, designadamente, se se trata de bens e serviços incluídos na Listagem 38/2013 (aplicável, conforme referido, às contas da campanha ora em análise) e, na afirmativa, verificar se os respetivos valores se situam dentro dos limites aí previstos e, relativamente a bens e serviços não incluídos em tal listagem, verificar se o respetivo custo é compatível com os valores de mercado, aferindo a razoabilidade das despesas em causa.

Ora, o problema em causa nas faturas identificadas nos pontos 5 a 12.3 dos factos provados prende-se com o facto de as mesmas, ainda que complementadas com os contratos e orçamento aí referidos, não permitirem identificar de forma cabal a natureza, qualidade e/ou quantidade daquilo que se pagou, sendo, por isso, faturas incompletas.

Conforme referido (cf. a alínea a) do ponto 18., supra), estas faturas devem ser consideradas irregulares, enquanto instrumento de titulação de despesas de campanha.

19.2.1 - Com efeito, no que respeita às faturas identificadas nos pontos 6.1 a 6.4 dos factos provados, emitidas pela sociedade Wonderlevel Partners, Lda., por referência ao "contrato de prestação de serviços" identificado no ponto 5 dos factos provados, celebrado entre o PS e aquela sociedade, depreende-se que as referidas faturas se reportam ao pagamento faseado do valor acordado no referido contrato (cf. cláusulas sétima e oitava). No entanto, sendo tais faturas emitidas por referência a tal contrato, da análise do mesmo resulta que, embora aí se faça uma descrição dos serviços a prestar (cf., em especial, as cláusulas primeira e segunda) e à duração do contrato (cf. cláusula quarta), no que respeita aos serviços em causa são omitidas quaisquer referências quantitativas, designadamente, ao número de horas de trabalho e/ou quantidade de recursos humanos envolvidos, não sendo possível, em relação aos serviços em questão, saber qual a sua efetiva dimensão, de forma a permitir aferir a razoabilidade dos valores em causa face aos valores de mercado. Acresce, por outro lado, que a argumentação apresentada pelo recorrente - designadamente, o facto de os serviços em causa exigirem competências pessoais e específicas e de não poderem deixar de ser adjudicados em função da confiança técnica e preparação das empresas de serviços em concreto (cf. os pontos 118.º a 121.º das alegações) -, não dispensam uma maior especificação dos recursos envolvidos, nos termos expostos, sendo que também não impossibilitam a junção de outros elementos documentais de comparação de preços, por forma a aferir a razoabilidade dos seus custos face ao valor de mercado.

Assim, não tendo o partido prestado esclarecimentos bastantes que permitam completar as referidas insuficiências e não tendo sido juntos com as contas apresentadas outros elementos documentais que permitam esclarecer os referidos aspetos, bem como aferir a razoabilidade dos custos em causa face ao valor de mercado, é de concluir, tal como na decisão recorrida, que estas faturas, ainda que emitidas tendo por referência o contrato identificado no ponto 5 dos factos provados, se mostram incompletas, nos termos já referidos, devendo concluir-se pela sua irregularidade.

19.2.2 - Quanto à fatura identificada no ponto 7.1, emitida por "Expocertame - Publicidade e Design, Lda.", o respetivo descritivo («Estudo gráfico da campanha com estudo de implementação da rede de outdoors, incluindo levantamento a nível nacional») é demasiando vago e genérico, não permitindo saber, em concreto, quais os concretos serviços prestados, bem como os recursos envolvidos para o efeito.

Por outro lado, as explicações apresentadas pelo recorrente (cf. o ponto 19.2, supra), não permitem justificar nem afastar tal incompletude da fatura em causa. Com efeito, as razões apresentadas - em grande medida respeitantes à natureza dos serviços em questão, bem como à forma como foi efetuada negociação e contratação e à circunstância de os valores em causa serem comportáveis pelo orçamento de campanha e serem ajustados à natureza dos serviços prestados - não permitem afastar a verificação da referida irregularidade. Concretamente, tais razões não impedem, por um lado, uma maior discriminação, nos termos expostos, dos serviços prestados, nem a junção de elementos complementares de comparação de preços, de modo a permitir à ECFP aferir a sua razoabilidade face aos valores de mercado, o que não se mostra possível, no presente caso, face ao descritivo da fatura ora em análise.

19.2.3 - Relativamente à fatura identificada no ponto 10.1 dos factos provados, com o descritivo «Filmagem de ações da campanha e depoimentos para a produção de vídeos diários de 09 a 23 e dia 25 de maio de 2014. Campanha do Partido Socialista EUROPEIAS 2014», emitida por referência ao orçamento referido no ponto 8 dos factos provados e à proposta referida no ponto 9 dos mesmos factos provados, verifica-se igualmente que o respetivo descritivo, ainda que conjugado com estes documentos, se apresenta insuficiente para que, em relação aos serviços em causa, se possa aferir a razoabilidade da despesa em causa face ao valor de mercado.

Com efeito, o descritivo da fatura é vago e genérico, não permitindo, em si mesmo, concluir sobre quais os serviços que estão nela efetivamente compreendidos, designadamente no que respeita aos recursos envolvidos, bem como à duração dos "vídeos diários" a produzir. É certo que na "proposta" identificada no ponto 9 dos factos provados estão já discriminados os equipamentos a utilizar, os recursos humanos envolvidos, bem como uma descrição mais circunstanciada dos serviços a prestar e do valor total em causa. Não obstante, relativamente ao custo de cada parcela dos serviços em questão, que se encontra apenas referido no orçamento identificado no citado ponto 8, o descritivo é insuficiente para se poder saber o que está incluído. Concretamente, no que respeita à "alimentação" qual o número de refeições em causa e para quantas pessoas; no que respeita ao transporte, a que tipo de transporte e qual a viatura envolvida (pormenor que também não é referido na proposta acima referida, onde se indica apenas que se trata de "veículo para transporte de equipamento e pessoas"), não se sabendo também o que está em causa no valor respeitante a "finalização".

Em face desta insuficiente discriminação das despesas, bem como da ausência de junção de documentação complementar de comparação de preços, respeitante a serviços equivalentes, não é possível aferir a razoabilidade das despesas em causa em face dos valores de mercado, sendo por isso de concluir que a referida fatura, ainda que acompanhada do "orçamento" e da "proposta" acima referidos, se apresenta como irregular, enquanto instrumento de titulação de despesas de campanha, nos termos expostos.

19.2.4 - No que respeita, por fim, às faturas identificadas nos pontos 12.1, 12.2 e 12.3 dos factos provados, emitidas por referência ao contrato de prestação de serviços referido no ponto 11 dos mesmos factos provados, o descritivo de tais faturas remete para o mencionado contrato. No entanto, resulta do teor das cláusulas desse contrato que a descrição dos serviços envolvidos é vaga e genérica, não se referindo, designadamente, em relação aos diversos itens indicados nas alíneas a) a e) da cláusula primeira, a discriminação da natureza e quantidades de recursos envolvidos; e, no que respeita às telas (alínea b. da cláusula primeira), não é mencionada a respetiva dimensão, tipo de impressão e material. Ora, tendo até em atenção o valor total do contrato ((euro) 551.737,41, com IVA incluído), tal descritivo é manifestamente insuficiente para aferir a razoabilidade das despesas em causa face ao valor de mercado ou até, relativamente a alguns dos serviços em questão, cotejar os seus valores com os que contam da Listagem 38/2013.

19.2.5 - Tendo em atenção o exposto, conclui-se que as contas ora em análise apresentam irregularidades no que respeita às indicadas faturas (ainda que complementadas pelos documentos por referência aos quais foram emitidas), por incompletude ou insuficiência do seu descritivo, nos termos referidos (trata-se, conforme referido, de faturas que apresentam o tipo de irregularidade identificado na alínea a) do ponto 18, supra).

Por outro lado, as razões apresentadas pelo recorrente, seja no sentido de justificar a apresentação dos referidos documentos de suporte de despesas, seja no sentido de sustentar a suficiência dos documentos em causa, não são de acolher.

Com efeito, conforme referido (cf. o ponto 19.2, supra), as razões apresentadas não permitem justificar nem afastar a incompletude da fatura em causa e a irregularidade daí decorrente, uma vez que as circunstâncias invocadas não impedem, por um lado, uma maior discriminação dos serviços prestados, nos termos expostos, nem a junção de elementos complementares de comparação de preços, de modo a permitir à ECFP aferir a sua razoabilidade face aos valores de mercado - o que não se mostra possível, no presente caso, face ao descritivo das faturas e demais documentação em análise.

Assim, é de concluir pela violação do disposto no artigo 12.º, n.os 1 e 2, ex vi artigo 15.º, n.º 1, da LFP, e pela consequente ausência de adequada discriminação das despesas, resultando preenchido o elemento objetivo do tipo contraordenacional previsto no artigo 31.º, n.os 1 e 2, da mesma Lei.

20 - Provou-se ainda que, nas contas apresentadas, foram incluídas despesas de deslocações, referenciadas como "abono por quilómetro", nos termos dos documentos identificados nos pontos 13.1 e 13.2 dos factos provados.

Na decisão recorrida entendeu-se que, uma vez que os documentos de suporte destas despesas não contêm qualquer alusão a motivo relacionado com a campanha eleitoral em causa, as mesmas não evidenciam qualquer intuito ou benefício eleitoral, nos termos exigidos pelo artigo 19.º, n.º 1, da LFP, razão pela qual não está comprovado o motivo relacionado com a campanha e, por essa via, entendeu-se m tal decisão que ficaram por comprovar tais despesas.

O recorrente alega que estas despesas dizem respeito ao pagamento de quilómetros por deslocação em viatura própria, não estando em causa uma cedência de viaturas, mas antes a utilização de viaturas particulares de militantes do PS, muito provavelmente num processo de distribuição de material de propaganda a militantes locais, residentes em diversas freguesias de concelhos rurais, tendo a utilização das referidas viaturas ocorrido de forma casual, isolada e esporádica, sem que isso tenha constituído uma cedência em espécie à campanha, na medida em que as viaturas utilizadas nunca foram cedidas e sempre foram utilizadas pelos seus proprietários, nas condições que entenderam e mediante mera compensação das despesas realizadas, para o que foi utilizada a tabela oficial para este tipo de deslocações (cf. os pontos 132.º a 136.º das alegações). Conclui, por isso, que estas despesas tiveram exclusivamente o intuito e benefício eleitoral, tendo sido corretamente contabilizadas.

Cumpre apreciar.

Resulta do disposto no artigo 19.º, n.º 1, da LFP, que são consideradas despesas elegíveis «as efetuadas pelas candidaturas, com intuito ou benefício eleitoral, dentro dos seis meses imediatamente anteriores à data do ato eleitoral respetivo». Não obstante, tais despesas carecem de ser documentadas mediante a «junção de documento certificativo em relação a cada ato de despesa» (cf. o n.º 2 do referido artigo 19.º).

Conforme já afirmou este Tribunal (cf. os Acórdãos n.os 19/2008 e 175/2014), seguindo o entendimento assumido por Paulo Pinto de Albuquerque [cf. «A responsabilidade criminal e contraordenacional no âmbito do financiamento da campanha eleitoral para a Assembleia da República em face da nova lei do financiamento dos partidos políticos e das campanhas eleitorais (Lei 19/2003, de 20 de junho)», Revista do CEJ, 1.º semestre de 2005, p. 46], o conceito de despesas de campanha eleitoral, definido no mencionado artigo 19.º, n.º 1, da LPP, pressupõe que em relação às despesas em questão se mostrem verificados, cumulativamente, três requisitos: um requisito orgânico (efetuadas pelas candidaturas); um requisito substantivo (efetuadas com o intuito ou benefício eleitoral); e um requisito temporal (efetuadas dentro dos seis meses imediatamente anteriores à data do ato eleitoral respetivo).

O problema da elegibilidade das despesas ora em análise prende-se com a verificação do requisito substantivo. Na verdade, conforme decorre da decisão recorrida, as dúvidas suscitadas quanto à elegibilidade das despesas relativas a "abono por quilómetro" prendem-se com a suficiência e conclusividade dos elementos documentais apresentados pelo ora recorrente, para que se possa concluir pelo preenchimento do requisito substantivo inerente ao conceito de despesa eleitoral.

Com efeito, dos documentos que suportam o pagamento de tais despesas consta a identificação das viaturas a que se reportam (com indicação das respetivas matrículas e do respetivo proprietário), das datas e percurso das deslocações, dos quilómetros percorridos e o valor unitário pago por quilómetro.

No entanto, estes elementos, só por si, não permitem concluir pela elegibilidade das despesas em causa enquanto despesas da campanha eleitoral.

É que, por um lado, não é feita referência a qualquer ação de campanha a que se reportem as deslocações em causa, o que poderia, em conjugação com outros elementos, permitir a conclusão, com alguma verosimilhança, de que as referidas despesas haviam sido efetuadas com intuito ou benefício eleitoral. Note-se, aliás, que o próprio recorrente, mesmo nas alegações de recurso para o Tribunal Constitucional não chega a identificar, cabalmente e com segurança, a que ações de campanha se reportam as deslocações que originaram tais despesas, referindo que as mesmas respeitam a «uma utilização de viaturas particulares de militantes do PS, muito provavelmente num processo de distribuição de material de propaganda a militantes locais, residentes em diversas freguesias de concelhos rurais» [cf. o artigo 134.º das alegações; itálico acrescentado]. Por outro lado, não tendo havido, com aliás alega o recorrente, a cedência das viaturas em causa para utilização na campanha eleitoral (não existindo, por isso, no processo de prestação de contas, declarações de cedência de tais viaturas ou outras despesas associadas à respetiva utilização), a simples identificação das mesmas e do respetivo proprietário, na documentação de suporte das despesas ora em análise, também não permite extrair a conclusão de que tais despesas respeitam a viaturas afetas à campanha eleitoral, não se podendo, daí inferir, atento o período temporal a que respeitam (dentro dos seis meses imediatamente anteriores à data do ato eleitoral), tratar-se de despesas com intuito ou benefício eleitoral.

Em face do exposto, a possibilidade de concluir pela elegibilidade das despesas em causa mostra-se comprometida, verificando-se assim um incumprimento do disposto no artigo 19.º, n.º 1, da LFP. Consequentemente, é de concluir, a este respeito, nos termos expostos, pelo preenchimento do tipo objetivo do ilícito contraordenacional previsto no artigo 31.º, n.º 1, da mesma LFP, uma vez que a irregularidade cometida corresponde a uma das dimensões da não comprovação de que as despesas em causa são da campanha eleitoral.

21 - A factualidade dada como provada nos pontos 4 a 13.2 dos factos provados impõe a conclusão, pelas razões expostas, que se mostram preenchidos os pressupostos do tipo objetivo da contraordenação prevista e punida no referido artigo 31.º, n.os 1 e 2, da LFP, não merecendo acolhimento os argumentos apresentados pelo recorrente em sentido contrário.

No que respeita ao elemento subjetivo do tipo, a sua verificação exige, conforme referido, que tenha existido atuação dolosa do agente. No caso, a decisão sancionatória ora recorrida imputou os factos ao partido recorrente a título de dolo, na modalidade de dolo eventual. Afirma-se ainda, em tal decisão, que o arguido teve consciência da ilicitude dos factos.

É certo que o recorrente questiona a verificação deste elemento, seja porque entende que o mesmo não consta da decisão recorrida (razão pela qual invocou a sua nulidade), seja por considerar que o mesmo não se mostrava provado.

Mas sem razão.

Com efeito, tal argumentação foi já considerada, quer na apreciação da invocada nulidade da decisão recorrida (cf. o ponto B.2, supra), quer na motivação da decisão sobre a matéria de facto (cf. o ponto (cf. o ponto C.3, supra), reiterando-se o que se afirmou, quer no que respeita à existência de prova do dolo, quer no que respeita à imputação da infração ora em causa, a esse título, ao Partido Socialista.

No caso, resulta da factualidade descrita nos pontos 14 a 17 dos factos provados que teve lugar uma atuação dolosa do arguido, na modalidade de dolo eventual (modalidade menos grave do dolo, que consiste na prática do facto pelo agente, sabendo este que da sua conduta pode resultar, como consequência, o facto punível, e conformando-se o mesmo agente com tal possibilidade). Essa atuação do arguido encontra-se suficientemente sustentada em factos, não existindo, assim, qualquer vício. Com efeito, na decisão recorrida e na matéria de facto dada como provada, concretiza-se que o arguido, ao agir da forma anteriormente narrada, representou como possível o resultado da sua conduta (que ali se descreve por referência a cada irregularidade em causa nos autos) e se conformou com essa possibilidade, apresentando as contas nas condições relatadas.

Por outro lado, pelas razões acima apontadas na motivação da decisão da matéria de facto - conjugação da factualidade objetiva apurada com as regras de experiência comum; não retificação das contas mesmo após o conhecimento, através da notificação do relatório da ECFP, das situações em análise; apreciação e julgamento das irregularidades em causa por vasta jurisprudência do Tribunal Constitucional; e experiência do partido -, é de entender que ficou provada a atuação dolosa do arguido (cf. os mencionados pontos 14 a 16 da matéria provada).

Quanto à consciência da ilicitude, no ponto 17 dos factos provados refere-se expressamente que o arguido sabia que a sua conduta era proibida e contraordenacionalmente sancionável, tendo agido livre, voluntária e conscientemente, tendo-se justificado, na motivação da decisão da matéria de facto, as razões pelas quais se deu como provado esta matéria.

Em face do exposto, conclui-se que a conduta do arguido integra os elementos do tipo objetivo e subjetivo da contraordenação prevista e sancionada no artigo 31.º, n.os 1 e 2, da LFP.

D.2. Das consequências jurídicas da contraordenação

22 - Tendo em atenção a moldura abstrata da coimas aplicável - entre 10 e 200 vezes o SMN de 2008, no caso do partido (cf. artigo 31.º, n.os 1 e 2, da LFP) -, bem como os critérios de determinação da medida concreta da coima previstos no artigo 18.º do RGCO, a decisão recorrida considerou adequado, proporcional e ajustado aplicar ao arguido Partido Socialista, uma coima no valor de 14 (catorze) SMN de 2008, a que corresponde o montante de (euro) 5.964,00 (cinco mil novecentos e sessenta e quatro euros).

Não havendo razões para afastar, este respeito, a ponderação efetuada na decisão recorrida, que se afigura correta e que fixou a coima em valor próximo do respetivo limite mínimo, nenhum reparo merece a referida decisão neste particular, sendo por isso de manter a sanção concretamente aplicada.

III. Decisão

Pelo exposto, decide-se julgar improcedente o recurso interposto da decisão de 7 de abril de 2021, da Entidade das Contas e Financiamentos Políticos e, consequentemente, condenar o recorrente Partido Socialista no pagamento de uma coima no valor de 14 (catorze) SMN de 2008, perfazendo a quantia de (euro) 5.964,00 (cinco mil novecentos e sessenta e quatro euros), pela prática da contraordenação prevista e punida pelo artigo 31.º, n.os 1 e 2, da LFP.

Sem custas, por não serem legalmente devidas.

Atesto o voto de conformidade dos Conselheiros Lino Ribeiro e José António Teles Pereira, que participaram por meios telemáticos. João Pedro Caupers

27 de setembro de 2022. - Gonçalo Almeida Ribeiro - Afonso Patrão - José João Abrantes - Mariana Canotilho - Maria Benedita Urbano - António José da Ascensão Ramos - Assunção Raimundo - Pedro Machete - Joana Fernandes Costa - João Pedro Caupers.

315798999

Anexos

  • Extracto do Diário da República original: https://dre.tretas.org/dre/5106197.dre.pdf .

Ligações deste documento

Este documento liga aos seguintes documentos (apenas ligações para documentos da Serie I do DR):

  • Tem documento Em vigor 1982-10-27 - Decreto-Lei 433/82 - Ministério da Justiça

    Institui o ilícito de mera ordenação social e respectivo processo.

  • Tem documento Em vigor 1998-08-18 - Lei 56/98 - Assembleia da República

    Regula o regime aplicável aos recursos financeiros dos partidos políticos e das companhas eleitorais.

  • Tem documento Em vigor 2003-06-20 - Lei 19/2003 - Assembleia da República

    Regula o regime aplicável ao financiamento dos partidos políticos e das campanhas eleitorais.

  • Tem documento Em vigor 2005-01-10 - Lei Orgânica 2/2005 - Assembleia da República

    Regula a organização e funcionamento da Entidade das Contas e Financiamentos Políticos.

  • Tem documento Em vigor 2005-01-24 - Lei 2/2005 - Assembleia da República

    Procede à primeira alteração à Lei n.º 74/98, de 11 de Novembro (publicação, identificação e formulário dos diplomas) e republica-a.

  • Tem documento Em vigor 2018-04-19 - Lei Orgânica 1/2018 - Assembleia da República

    Oitava alteração à Lei n.º 28/82, de 15 de novembro (Lei da Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional), segunda alteração à Lei Orgânica n.º 2/2003, de 22 de agosto (Lei dos Partidos Políticos), sétima alteração à Lei n.º 19/2003, de 20 de junho (Lei do Financiamento dos Partidos Políticos e das Campanhas Eleitorais), e primeira alteração à Lei Orgânica n.º 2/2005, de 10 de janeiro (Lei de Organização e Funcionamento da Entidade das Contas e Financiamentos Políticos)

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