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Acórdão 236/2021, de 21 de Maio

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Sumário

Decide, com respeito às contas relativas à campanha eleitoral para a Eleição de 2016 do Presidente da República, julgar parcialmente procedente o recurso interposto pelo candidato Henrique José de Sousa Neto, e julgar parcialmente procedente o recurso interposto pelo mandatário financeiro da candidatura

Texto do documento

Acórdão 236/2021

Sumário: Decide, com respeito às contas relativas à campanha eleitoral para a Eleição de 2016 do Presidente da República, julgar parcialmente procedente o recurso interposto pelo candidato Henrique José de Sousa Neto, e julgar parcialmente procedente o recurso interposto pelo mandatário financeiro da candidatura.

Processo 575/20

Aos vinte e um dias do mês de abril de dois mil e vinte e um, achando-se presentes o Conselheiro Presidente João Caupers e os Conselheiros José António Teles Pereira (intervindo por videoconferência), Joana Fernandes Costa, Maria José Rangel de Mesquita, Maria da Assunção Raimundo, Gonçalo de Almeida Ribeiro, Fernando Vaz Ventura, Pedro Machete, Mariana Rodrigues Canotilho, Maria de Fátima Mata-Mouros, José João Abrantes e Lino Rodrigues Ribeiro (intervindo por videoconferência), foram trazidos à conferência os presentes autos.

Após debate e votação, e apurada a decisão do Tribunal, foi pelo Exmo. Conselheiro Presidente ditado o seguinte:

I - Relatório

1 - Por decisão de 2 de setembro de 2019, a Entidade das Contas e Financiamentos Políticos (ECFP) julgou prestadas, com irregularidades, as contas apresentadas pela candidatura de Henrique José de Sousa Neto, relativas à Campanha Eleitoral para a Eleição para Presidente da República, realizada em 24 de janeiro de 2016 (cf. artigos 27.º, n.º 4, da Lei 19/2003, de 20 de Junho - Lei Financiamento dos Partidos Políticos e das Campanhas Eleitorais -, doravante "LFP"; e 43.º, n.º 1, da Lei Orgânica 2/2005, de 10 de Janeiro - Lei de Organização e Funcionamento da Entidade das Contas e Financiamentos Políticos -, doravante "LEC").

As irregularidades apuradas foram as seguintes:

a) Existência meios não refletidos nas contas da campanha - subavaliação de despesas e receitas, em violação do dever genérico previsto no artigo 12.º, n.os 1 e 2, da LFP, aplicável ex vi artigo 15.º, n.º 1, da mesma Lei;

b) Não disponibilização da evidência do encerramento da conta bancária, em violação do disposto no artigo 15.º, n.os 1 e 3, da LFP;

c) Impossibilidade de aferir sobre a razoabilidade de algumas despesas face ao respetivo suporte documental, em violação do dever de organização contabilística previsto no artigo 12.º, n.os 1 e 2, aplicável por força do artigo 15.º, n.º 1, ambos da LFP.

Desta decisão não foi interposto recurso.

2 - Na sequência da referida decisão, a ECFP levantou um auto de notícia (Auto de Notícia n.º 75/2019, de 4 de setembro de 2019) e instaurou um processo de contraordenação ao candidato Henrique José de Sousa Neto e ao seu mandatário financeiro, António José Manteigas Lopes Curto, pela prática das irregularidades verificadas na decisão relativa à prestação de contas.

Notificados do processo de contraordenação, o candidato e o seu mandatário financeiro apresentaram a sua defesa, nos termos do n.º 2 do artigo 44.º da LEC.

3 - No âmbito do referido procedimento contraordenacional, a ECFP, por decisão de 6 de maio de 2020, aplicou as seguintes sanções:

a) Ao arguido Henrique José de Sousa Neto, enquanto candidato às eleições presidenciais, uma coima no valor de 2 e 1/2 (dois e meio) SMN de 2008, perfazendo a quantia de 1.065,00 (euro) (mil e sessenta e cinco euros), pela prática da contraordenação prevista e punida pelo artigo 31.º, n.º 1, da LFP;

b) Ao arguido António José Manteigas Lopes Curto, enquanto mandatário financeiro, uma coima no valor de 2 e 1/2 (dois e meio) SMN de 2008, perfazendo a quantia de 1.065,00 (euro) (mil e sessenta e cinco euros), pela prática da contraordenação prevista e punida pelo artigo 31.º, n.º 1, da LFP.

4 - Inconformados, cada um dos arguidos impugnou, em 12 de junho de 2020, esta decisão junto do Tribunal Constitucional, mediante requerimentos de idêntico teor (cf. fls. 164-174, no que respeita ao arguido António José Manteigas Lopes Curto, e fls. 176-186, quanto ao arguido Henrique José de Sousa Neto).

5 - Recebidos os requerimentos de interposição de recurso, a ECFP, por deliberação de 24 de junho de 2020, sustentou a decisão recorrida e determinou a sua remessa ao Tribunal Constitucional (cf. fls. 188), o que veio a ocorrer em 10 de julho seguinte.

6 - Por despacho proferido em 16 de setembro de 2020, o Tribunal Constitucional admitiu o recurso e ordenou a abertura de vista ao Ministério Público, nos termos do n.º 1 do artigo 103.º-A da Lei 28/82, de 15 de novembro (Lei de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional, referida adiante pela sigla «LTC»).

7 - O Ministério Público emitiu parecer, pronunciando-se no sentido de ser negado provimento a ambos os recursos e os recorrentes responderam, nos termos do artigo 103.º-A, n.º 1, da LTC, reiterando, em síntese, a posição assumida nos respetivos recursos.

Cumpre apreciar e decidir.

II - Fundamentação

A) Considerações gerais sobre o novo regime de fiscalização das contas dos partidos e das campanhas eleitorais

8 - A Lei Orgânica 1/2018, de 19 de abril, veio alterar, entre outras, a LFP e a LEC, introduzindo profundas modificações no regime de apreciação e fiscalização das contas dos partidos políticos e no regime de aplicação das respetivas coimas.

Considerando que à data de entrada em vigor desta lei - 20 de abril de 2018 (artigo 10.º) - os presentes autos aguardavam julgamento respeitante à legalidade e regularidade das contas, tal regime é-lhes aplicável, nos termos da norma transitória do artigo 7.º da referida Lei Orgânica.

A respeito do novo regime legal, quer quanto à competência de fiscalização, quer no que respeita ao regime processual, foram desenvolvidas algumas considerações no Acórdão 421/2020, para o qual se remete, salientando-se aqui que a alteração mais significativa tem que ver com a competência para apreciar a regularidade e legalidade das contas dos partidos políticos e das campanhas eleitorais e aplicar as respetivas coimas, que, até abril de 2018, pertencia ao Tribunal Constitucional e passou agora a ser atribuída à ECFP (artigos 9.º, n.º 1, alínea d), da LEC, e 24.º, n.º 1, da LFP).

Assim, nos termos do novo regime legal, caberá ao Tribunal Constitucional apreciar, em sede de recurso de plena jurisdição, em Plenário, as decisões daquela Entidade em matéria de regularidade e legalidade das contas dos partidos políticos e das campanhas eleitorais, incluindo as decisões de aplicação de coimas (artigo 9.º, alínea e), da LTC).

Por outro lado, no referido Acórdão 421/2020 deixou-se claro, relativamente à competência do Tribunal em matéria de regularidade e legalidade das contas, que o entendimento da jurisprudência constitucional é no sentido de que apreciação a efetuar deverá ser feita à luz de critérios de legalidade, centrados na ordem de valores que a lei do financiamento dos partidos pretende tutelar - e não por simples aplicação de critérios de natureza estritamente económico-financeira (cf., entre outros, os Acórdãos n.º 979/1996 e 563/2006).

B) Questões prévias

B.1) Da nulidade da decisão recorrida

9 - Importa começar por apreciar a questão na nulidade invocada pelos recorrentes, decorrente da circunstância de na decisão recorrida, segundo alegam, se ter desconsiderado a pretensão por aqueles formulada, no sentido de serem ouvidas duas testemunhas, tendo em vista demostrar a ausência dos elementos da ilicitude e do dolo das condutas contraordenacionais que lhes foram imputadas.

No entender dos recorrentes, o direito de audição e defesa do arguido, consagrado no artigo 50.º do Regime Geral das Contraordenações (Decreto-Lei 433/82, de 27 de outubro, adiante referido como "RGCO"), não se limita à possibilidade de o arguido ser ouvido no processo de contraordenação, abrangendo ainda o direito de intervir neste, apresentando provas ou requerendo a realização de diligências. Assim, consideram que competia à ECFP, enquanto autoridade administrativa, a investigação e a instrução do processo (nos termos do n.º 2, do artigo 54.º do RGCO) e que aquela, ao não aceitar as diligências de prova requeridas, teria de fundamentar a sua decisão, em obediência ao princípio da legalidade (cf. artigo 43.º, do RGCO e artigo 266.º, n.º 1, da CRP), o que não fez. Concluem, por isso, que ao rejeitar liminarmente a audição das testemunhas, a ECFP violou os direitos de defesa dos recorrentes, consagrados no n.º 1 do artigo 32.º da CRP, e que a sua decisão versa sobre factos que não foram objeto de inquérito, por terem sido omitidas diligências essenciais para a descoberta da verdade, verificando-se uma preterição de ato que constitui uma nulidade insanável prevista na alínea d) do artigo 119.º do Código de Processo Penal ("CPP"), aplicável ex vi artigo 41.º do RGCO, ou, se assim não se entender, uma nulidade dependente de arguição (cf. artigo 120.º, n.º 2, alínea d), do referido Código).

Não lhes assiste, contudo, razão.

10 - O artigo 50.º do RGCO, sob a epígrafe «Direito de audição e defesa do arguido», estatui «[não ser] permitida a aplicação de uma coima ou de uma sanção acessória sem antes se ter assegurado ao arguido a possibilidade de, num prazo razoável, se pronunciar sobre a contraordenação que lhe é imputada e sobre a sanção ou sanções em que incorre».

Esta norma, que concretiza o direito de defesa em processo contraordenacional, consagrado no artigo 32.º, n.º 10, da CRP, para além do direito a ser ouvido no processo de contraordenação, de forma a poder exercer o contraditório, confere ainda ao arguido a possibilidade de intervir em tal processo, apresentado provas ou requerendo a realização de diligências (cf., neste sentido, Manuel Simas Santos e Jorge Lopes de Sousa, Contraordenações - Anotações ao Regime Geral, 5.ª Edição, Vislis Editores, 2009, p. 406; António de Oliveira Mendes e José dos Santos Cabral, Notas ao Regime Geral das Contraordenações e Coimas, Almedina, Coimbra, 2003, p. 135). Não obstante, compete à entidade administrativa, no âmbito dos seus poderes de investigação e instrução do processo (cf. o artigo 54.º, n.º 2, do RGCO), decidir pela realização ou não das diligências de prova que lhe forem requeridas (cf. neste sentido, Manuel Simas Santos e Jorge Lopes De Sousa, ob. cit., p. 407; Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do Regime Geral das Contraordenações à luz da Constituição da República e da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, Universidade Católica Editora, 2011, p. 230, António de Oliveira Mendes e José dos Santos Cabral, ob. cit., p. 135).

Assim, na fase de investigação e instrução, que incumbe à entidade administrativa, o arguido, no exercício do seu direito de defesa, pode apresentar provas e requerer diligências, mas a entidade administrativa não é obrigada a realizar todas as diligências de prova que lhe sejam requeridas. No entanto, caso não aceite as diligências de prova requeridas pelo arguido, terá de fundamentar a sua decisão, em obediência ao princípio da legalidade (cf. artigos 43.º do RGCO e 266.º, n.º 1, da CRP).

Foi o que aconteceu no presente caso: tendo os arguidos, ora recorrentes, requerido a inquirição de duas testemunhas, a entidade recorrida, considerando que tal diligência por não ter qualquer pertinência ou utilidade se apresentava como dilatória, indeferiu-a. E fundamentou tal decisão em duas ordens de razões: por considerar que a matéria a que os arguidos pretendiam a inquirição de testemunhas era de natureza «conclusiva, de direito, atinente a opiniões dos Arguidos ou que extravasa o objeto dos autos» e, ainda, por ter entendido que os elementos documentais juntos aos autos eram suficientes e aptos para a prolação de decisão, considerando por isso não existir qualquer utilidade na requerida inquirição. Assim, contrariamente ao que alegam os recorrentes, a decisão foi devidamente fundamentada, não se verificando qualquer violação do princípio da legalidade.

Por outro lado, não ocorreu também qualquer nulidade decorrente da não realização das requeridas diligências, seja uma nulidade insanável, prevista na alínea d) do artigo 119.º do CPP, seja a nulidade dependente de arguição, nos termos previstos no artigo 120.º, n.º 2, alínea d) do CPP.

Com efeito, a referida nulidade insanável ocorre no caso de «falta de inquérito ou de instrução, nos casos em que a lei determinar a sua obrigatoriedade», isto é, quando se verifique uma omissão total de inquérito ou de instrução. Tal não se verifica, manifestamente, no caso dos presentes autos, em que a ECFP, depois de ter levantado auto de notícia e de ter instaurando um processo de contraordenação contra os ora recorrentes, procedeu à sua investigação e instrução, realizando as diligências que entendeu pertinentes e, uma vez ouvidos os arguidos, nos termos do artigo 50.º do RGCO, procedeu à aplicação das coimas, através da decisão ora sob recurso.

E não se verifica também a nulidade dependente de arguição prevista no artigo 120.º, n.º 2, alínea d), do CPP. Prevê-se em tal norma que constitui nulidade dependentes de arguição «a insuficiência do inquérito ou da instrução, por não terem sido praticados atos legalmente obrigatórios, e a omissão posterior de diligências que pudessem reputar-se essenciais para a descoberta da verdade».

No caso sub iudicio, os arguidos, na defesa que apresentaram ao abrigo do disposto no artigo 50.º do RGCO, requereram a inquirição de duas testemunhas à matéria dos factos alegados nos pontos 68, 69, 72, 73, 80, 81, 82 e 96 (quanto à primeira testemunha) e 77, 80, 82 e 84 (quanto à segunda), das respetivas peças processuais (cf. fls. 79, quanto ao arguido Henrique Neto, e fls. 98, quanto ao arguido António Curto), os quais têm o seguinte teor (que é idêntico em ambas as peças):

«68 - Atento o reduzido conhecimento técnico sobre a elaboração das contas da candidatura (levadas a cabo por pessoas singulares e não por Partidos Políticos) só poderia admitir-se (sem conceder) uma punição a título de negligência, não se vislumbrando qualquer comportamento doloso.

69 - Por outro lado, é de referir que o "Arguido" nunca recorreu à subvenção estatal legalmente prevista, que permitisse cobrir os custos da sua campanha.

[...]

72 - Neste sentido, é por demais evidente que, da alegada conduta ilícita, não existiu qualquer benefício do "Arguido".

73 - Muito pelo contrário: o "Arguido" suportou todos os encargos com a campanha - mormente as despesas de 102.208,54 (euro) (cento e dois mil duzentos e oito euros e cinquenta e quatro cêntimos) faturados pela Midlandcom à candidatura, por serviços prestados -, em claro espírito de sacrifício, no âmbito dos seus direitos cívicos, dando assim o seu contributo para a democracia!!!

[...]

77 - Salvo o devido respeito, que é muito, não se vislumbra como pode a alegada omissão do Arguido configurar o ilícito contraordenacional imputado pela ECFP.

80 - Como é por demais evidente, o "Arguido" cumpriu o seu dever legal de apresentação das contas referentes à campanha eleitoral para a Presidência da República.

81 - Ademais, o "Arguido" demonstrou ainda, em sede de auditoria realizada às contas apresentadas, que as contas bancárias foram abertas com o propósito específico de gerir as importâncias recebidas durante a campanha eleitoral, e bem assim efetuar os pagamentos devidos.

82 - "Arguido" apresentou suporte documental da existência de movimentos referentes a esses movimentos.

[...]

84 - O facto do "Arguido" apresentar prova documental da ordem de encerramento da conta à entidade bancária, e bem assim que a mesma tenha acusado a receção da mesma, não constitui obrigação do mesmo, pelo que, salvo melhor opinião, a sua omissão não preenche o tipo do ilícito contraordenacional que lhe é imputado pela ECFP.

[...]

96 - Não é expectável, volvidos quase quatro anos sobre o momento dos factos, que o "Arguido" tenha presente, com o detalhe que está a ser exigido pela ECFP, quais os serviços específicos prestados.».

Conforme referido, é a autoridade administrativa que dirige o processo de contraordenação que decide pela realização ou não das diligências requeridas pelo arguido, devendo abster-se de realizar as que se lhe não afigurem de utilidade para a descoberta da verdade. Daí que, tendo os arguidos indicado a matéria sobre a qual as aludidas testemunhas deveriam ser inquiridas (indicação essa necessária para que a entidade recorrida pudesse aferir da pertinência de tais diligências), a ECFP, depois de analisar a pretensão dos arguidos, tenha considerado não existir utilidade na realização de tais diligências.

E, na verdade, analisada a matéria em causa, não se vislumbra, tal como refere a decisão recorrida, que existisse utilidade para a descoberta da verdade na realização dessa diligência.

Com efeito, no que respeita à matéria do ponto 68 das referidas peças processuais, estando em causa a imputação das contraordenações a título de dolo ou de negligência (e sendo certo que se trata de facto notório que, no caso, as contas apresentadas foram levadas a cabo por pessoas singulares e não por um partido político), não se vê qual a utilidade da inquirição de testemunhas a esse respeito. Aliás, sobre a imputação título de dolo em matéria de responsabilidade contraordenacional respeitante à apresentação de contas e respetiva prova, bem como à consciência da ilicitude do facto, importa ter presente a jurisprudência do Tribunal Constitucional, sintetizada no Acórdão 98/2016 (respeitante às contas relativas à campanha eleitoral para a eleição do Presidente da República, realizada em 23 de janeiro de 2011), onde se escreve o seguinte:

«6.6 - Finalmente, em maior ou menor medida, quase todos (candidatos e mandatários) contestam que subjetivamente os factos lhes possam ser imputados a título de dolo e/ou que tivessem consciência da ilicitude dos mesmos [...]. Frequentemente, porém, essa conclusão assenta num deficiente entendimento do exato significado do conceito de dolo em matéria de responsabilidade contraordenacional ou, então, atribui à falta de consciência da ilicitude do facto consequências que ela não tem. Vejamos.

Em primeiro lugar, é isento de dúvida - e o Tribunal tem-no afirmado repetidamente - que as infrações contraordenacionais às regras sobre o financiamento das campanhas eleitorais e a apresentação das respetivas contas são estruturalmente dolosas, no sentido de que os factos em que se consubstancia a infração apenas estão tipificados como contraordenação quando cometidos com dolo. Com efeito, na ausência, nesta matéria, de norma específica no sentido da punição contraordenacional das infrações negligentes, vale a regra geral constante do artigo 8.º, n.º 1, do RGCO, nos termos do qual "só é punível o facto praticado com dolo". É, por outro lado, igualmente seguro - e também tem sido reiteradamente afirmado pelo Tribunal - que a responsabilidade contraordenacional, designadamente a que decorre da violação de regras sobre o financiamento das campanhas eleitorais e a apresentação das respetivas contas, é compatível com qualquer forma de dolo - direto, necessário ou eventual (cf. artigo 14.º do Código Penal, aplicável subsidiariamente por força do art. 32.º do RGCO).

Por outro lado, duas conclusões se impõem. Em primeiro lugar, a de que, em geral, mas também no que se refere às contraordenações ora em causa, o dolo não pressupõe ou implica qualquer "intenção" especial, como, aliás, o Tribunal já teve ocasião de afirmar por mais do que uma vez (cf. por exemplo, o Acórdão 474/09, em que se afirma, precisamente, que "o tipo contraordenacional em causa não é [...] integrado por qualquer um dos chamados «requisitos de intenção»", sublinhando-se a circunstância de, recorrendo à palavras de Figueiredo Dias (Direito Penal, Parte Geral, Tomo I, 2.ª edição, pg. 380), não se tratar aqui de tipos de ilícito construídos "de tal forma que uma certa intenção surge como uma exigência subjetiva que concorre com o dolo do tipo ou a ele se adiciona e dele se autonomiza". Em segundo lugar, a de que a falta de consciência da ilicitude do facto não afasta o dolo. Como decorre do artigo 9.º do RGCO, em termos aliás idênticos aos do artigo 17.º do Código Penal, a falta de consciência da ilicitude do facto só pode, no limite, afastar a culpa, mas apenas quando "o erro não [...] for censurável" ao agente (cf. artigo 9.º, n.º 1, do RGCO). Quando censurável, a falta de consciência da ilicitude apenas pode conduzir a uma atenuação especial da coima (cf. artigo 9.º, n.º 1, do RGCO).

Finalmente, quanto à prova do substrato factual em que assenta o dolo, tem o Tribunal afirmado repetidas vezes (cf. por exemplo, os Acórdãos n.os 86/2008 e 405/2009) que ela decorrerá normalmente de elementos de prova indiciária ou circunstancial obtida através dos chamados juízos de inferência. Como se escreveu no primeiro dos Acórdãos citados, "além de admissível em termos gerais, o meio probatório em questão assum[e] decisiva relevância no âmbito da caracterização do «conteúdo da consciência de um sujeito no momento em que este realizou um facto objetivamente típico», em particular ao nível da determinação da «concorrência dos processos psíquicos sobre os quais assenta o dolo» (cf. Ramon Ragués I Vallès, El dolo y su prueba en el proceso penal, J.M. Bosch Editor, 1999, pg. 212 e ss.). Isto porque, conforme se sabe, o dolo - ou, melhor, o nível de representação que a sua afirmação supõe sob um ponto de vista fáctico -, uma vez que se estrutura sob realidade pertencente ao mundo interior do agente, apenas se tornará apreensível, na hipótese de não ser dado a conhecer pelo próprio, através da formulação de juízos de inferência e na presença de um circunstancialismo objetivo, dotado da idoneidade e concludência necessárias a revelá-lo".».

No que respeita ao descrito nos pontos 69, 72 e 73 - a circunstância de o recorrente Henrique Neto não ter recebido subvenção estatal -, tal prova já constava dos autos (cf. o ponto 12 dos factos provados e respetiva motivação), sendo que também não se considerou que aquele arguido tenha retirado um concreto benefício da sua conduta, pelo que, a esse respeito, também não se vislumbra interesse na inquirição requerida.

Relativamente ao descrito no ponto 77, trata-se de um juízo conclusivo, respeitante à subsunção dos factos ao tipo contraordenacional em questão, matéria sobre a qual não poderá ser produzida qualquer prova.

Quanto ao que consta dos pontos 81, 82 e 84, tal matéria extravasa o objeto dos autos, não sendo por isso relevante. Com efeito, embora na decisão de 2 de setembro de 2019, na qual ECFP julgou prestadas, com irregularidades, as contas apresentadas pela candidatura de Henrique José de Sousa Neto, se tenha considerado que uma das irregularidades verificadas dizia respeito à não disponibilização da evidência do encerramento de conta bancária (cf. a alínea b) do segmento decisório), tal matéria - ou qualquer outra relacionada com as contas bancárias da campanha e respetiva movimentação - não consta do auto de notícia, não integrando, por isso, o objeto do processo contraordenacional ora em análise (cf. o auto de notícia, a fls. 2 -3). Por essa razão, tal matéria não consta também do elenco dos factos provados e não provados na decisão ora recorrida, nem constituiu fundamento para a imputação aos ora recorrentes de qualquer contraordenação. Inexiste, por conseguinte, fundamento para a inquirição de testemunhas sobre tal matéria.

Finalmente, no que diz respeito ao ponto 96, está em causa um juízo de natureza conclusiva, extraído pelos arguidos, a partir das circunstâncias dos autos, sobre a efetiva possibilidade de terem presentes, com o detalhe pretendido pela ECFP, quais os serviços específicos prestados a que se reportam as faturas em causa nos autos. Por essa razão, também sobre essa matéria não faz sentido que se produza prova testemunhal.

Em face do exposto, é de concluir que não ocorreu qualquer nulidade decorrente da circunstância de a entidade recorrida ter indeferido a realização de tais diligências probatórias, nem qualquer violação das garantidas de defesa dos arguidos em processo contraordenacional, consagradas no artigo 32.º, n.º 10, da CRP. Improcede, assim, este fundamento do recurso.

B.2) Do requerimento de prova

11 - Os recorrentes requereram a inquirição das mesmas duas testemunhas cuja inquirição foi indeferida pela ECFP, nos termos expostos. Dos requerimentos de recurso resulta que os recorrentes pretendem tal inquirição em virtude de tais testemunhas terem «conhecimento pessoal e direto sobre as diretrizes que foram dadas ao Recorrente e ao seu Mandatário de Campanha Eleitoral», visando assim «comprovar o estrito cumprimento da Lei» e «comprovar a ausência dos elementos da ilicitude e do dolo das alegadas condutas contraordenacionais».

Conforme entendeu a decisão recorrida, os elementos de prova documental juntos aos autos mostram-se suficientes e aptos a proferir a decisão sobre a matéria factual objeto do presente recurso, pelo que, pelas razões já expostas (cf. o ponto 10., supra) não se considera existir qualquer utilidade na inquirição das testemunhas indicadas pelos recorrentes.

Com efeito, a imputação efetuada na decisão recorrida respeita à insuficiência da documentação fornecida pelos ora recorrentes nas contas da campanha e à circunstância de a mesma apresentar um descritivo incompleto e de faltarem elementos complementares de comparação de preços, que permitissem concluir sobre a razoabilidade das despesas face aos valores de mercado, como adiante se desenvolve na decisão de direito. Ora, para apurar tal matéria, bastam os elementos documentais constantes dos autos.

Já no que respeita à pretensão dos recorrentes de, com as referidas testemunhas, "comprovar o estrito cumprimento da Lei" e "comprovar a ausência dos elementos da ilicitude e do dolo das alegadas condutas contraordenacionais", verifica-se ser igualmente desnecessária a prova testemunhal, pois, por um lado, está apenas em causa a subsunção dos factos ao direito aplicável e, por outro, a ilicitude da conduta resultará da análise das contas apresentadas pelos recorrentes e da respetiva documentação, no sentido de saber se ocorreu, face ao direito aplicável, a violação de alguma norma jurídica. O esclarecimento das questões relevantes em ambos os casos não pode ser esclarecido mediante prova testemunhal.

Finalmente, no tocante à prova do substrato factual em que assenta o dolo, valem aqui as considerações do citado Acórdão 98/2016, isto é, e em síntese, tal prova decorrerá normalmente de elementos de prova indiciária ou circunstancial obtida através dos chamados juízos de inferência, uma vez que se está perante uma realidade pertencente ao mundo interior do agente, que apenas se tornará apreensível através da formulação de tais juízos, a partir de um circunstancialismo objetivo. Por essa razão, não se vislumbra também qualquer utilidade em proceder à inquirição de testemunhas para o efeito.

Em face do exposto, indefere-se a requerida inquirição de testemunhas.

C) Matéria de facto

C.1) Factos provados

12 - Com relevo para a decisão, têm-se por demonstrados os seguintes factos:

1 - Henrique José de Sousa Neto apresentou candidatura à eleição para Presidente da República, realizada em 24 de janeiro de 2016.

2 - A Candidatura de Henrique José de Sousa Neto constituiu António José Manteigas Lopes Curto como mandatário financeiro das contas da referida campanha.

3 - A Candidatura apresentou em 14 de março de 2016 junto do Tribunal Constitucional as respetivas contas relativas à campanha respeitante à eleição mencionada em 1., que retificou em 13 de setembro de 2016.

4 - Os Arguidos registaram nas contas apresentadas as seguintes despesas de campanha, com os seguintes documentos de suporte:

4.1 - Fatura-Recibo - Ato Isolado n.º 1, emitido em 28/08/2015, por Francisco António Madeira Mendes, no valor de 6.150,00 (euro), com o descritivo "Organização e estruturação operacional de candidatura presidencial";

4.2 - Fatura n.º 17, emitida em 24/11/2015, por Vitri, Lda., no valor de 14.132,70 (euro), com IVA incluído, com o descritivo "PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS AUDIOVISUAIS (TEMPOS DE ANTENA) E DIGITAIS (REDES SOCIAIS)", uma quantidade, com o preço unitário de 11.490,00 (euro);

4.3 - Fatura n.º 1, emitida em 29/01/2016, por Vitri, Lda., no valor de 32.976,30 (euro), com IVA incluído, com o descritivo "PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS AUDIOVISUAIS (TEMPOS DE ANTENA) E DIGITAIS (REDES SOCIAIS)", uma quantidade, com o preço unitário de 26.810,00 (euro).

4.4 - As faturas referidas em 4.2 e 4.3 foram emitidas com referência a um acordo escrito, com data de 20 de novembro de 2015, denominado "CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS", celebrado entre "Candidatura Henrique Neto PR 2016" e "Vitri, Unipessoal, Lda.", o qual se encontra a fls. 36 a 37 dos presentes autos e que aqui se dá por integralmente reproduzido, do qual consta, além do mais, o seguinte:

«[...]

1 - OBJECTO DO CONTRATO

A VitriMedia obriga-se a prestar serviços de produção de conteúdos audiovisuais para servir a campanha presidencial, de acordo com os pontos seguintes:

1.1 - Gestão das quatro redes sociais em que o candidato está oficialmente presente, em função do documento de trabalho que será anexado a este contrato;

1.2 - Produção integral de oito tempos de antena (com os tempos que vierem a ser definidos, incluídos no intervalo entre os 4 e os 8 minutos) para exibição nos espaços de antena de tv atribuídos por lei, de acordo com o documento de trabalho que será anexado a este contrato;

1.3 - Produção integral de oito tempos de antena (com os tempos que vierem a ser definidos, incluídos no intervalo entre os 4 e os 8 minutos) para exibição nos espaços de antena de rádio atribuídos por lei;

2 - PRAZOS

A prestação de serviços da VitriMedia decorrerá a partir do dia 23 de novembro de 2015 e prolonga-se até ao dia das eleições, 24 de Janeiro de 2016.

3 - EQUIPA

A VitriMedia terá uma equipa de trabalho permanente nas redes sociais que será composta por dois elementos, mais uma equipa técnica para produção e realização dos tempos de antena.

4 - CONTEÚDOS

O material recolhido e devidamente editado será entregue à candidatura nos formatos necessários à sua boa exibição, de acordo com os requisitos técnicos necessários e o meio de apresentação.

5 - PAGAMENTO

Pelos serviços prestados, a Candidatura Henrique Neto PR 2016 pagará à VitriMedia a quantia de (euro) 38.300 (trinta e oito mil e trezentos euros), mais iva à taxa legal, pagos por cheque ou transferência bancária para o NIB [...] da Vitri Lda., contra fatura, de acordo com o seguinte descritivo:

- (euro) 11.490 (onze mil quatrocentos e noventa euros) a 24 de novembro de 2015;

- (euro) 26.810 (vinte seis mil oitocentos e dez euros], após o recebimento da subvenção estatal à candidatura ou até ao dia 24 de março de 2016, prazo em que o valor terá de ser efetivamente pago.

6 - DESLOCAÇÕES

As despesas efetuadas durante quaisquer deslocações necessárias ao serviço da candidatura não estão abrangidas pelos valores referidos, pelo que os custos diretos serão diretamente suportados pela candidatura nas deslocações superiores a 50 km de Lisboa.

[...]».

5 - A Candidatura celebrou um acordo denominado "CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS DE CONSULTADORIA" com a sociedade Midlandcom - Consultores de Comunicação, Lda., o qual se encontra a fls. 38 a 40 dos presentes autos e que aqui se dá por integralmente reproduzido, do qual consta, além do mais, que:

«[...]

1.1 - Pelo presente Contrato, a CONSULTORA obriga-se a prestar à CANDIDATURA os serviços de consultoria estratégica na área da comunicação e apoio na sua comunicação institucional (os "Serviços"), nomeadamente os serviços de:

a) Direção operacional da campanha;

b) Definição da Estratégia de comunicação;

c) Consultoria de comunicação;

d) Assessoria mediática;

e) Produção e supervisão de conteúdos informativos para os média;

f) Elaboração de conteúdos e supervisão de produção de suportes de comunicação;

g) Aluguer de mobiliário e equipamento para permitir o funcionamento da sede de campanha;

h) Aluguer de duas viaturas para serem utilizadas pelos operacionais da campanha, ao serviço da candidatura;

1.2 - A CONSULTORA obriga-se a disponibilizar um diretor operacional de campanha, durante a vigência do contrato, bem como um adjunto e, caso se comprove a sua necessidade, outro pessoal de apoio;

1.3 - A CONSULTORA obriga-se a disponibilizar um assessor de imprensa sénior em permanência junto da CANDIDATURA, durante a vigência do contrato, bem como um gestor júnior de conteúdos online;

1.4 - Com vista ao adequado desenvolvimento dos trabalhos por parte da CONSULTORA, a CANDIDATURA apresentará todas as informações e dará toda a colaboração que, razoavelmente, lhe for solicitada;

1.5 - Quaisquer outros serviços solicitados à CONSULTORA serão objeto de correspondentes contratos ou orçamentos específicos.

2 - Prestação de serviços:

Os Serviços serão prestados na sede da CANDIDATURA ou nos escritórios da CONSULTORA, ou noutro local a acordar por ambas as partes.

Contrapartida

2.1 - O valor dos serviços prestados pela CONSULTORA é de (euro) 11.750 (onze mil setecentos e cinquenta euros) mensalmente, acrescidos de IVA à taxa legal em vigor, de acordo com a seguinte discriminação:

(ver documento original)

[...]

4.1 - O contrato produz efeitos a partir de 1 de Setembro de 2015 e vigorará até ao dia das eleições em Janeiro de 2016".

6 - Por referência ao contrato referido em 5. foram emitidas as seguintes faturas, referentes às seguintes despesas de campanha, que os Arguidos registaram nas contas apresentadas:

6.1 - Fatura n.º 20, emitida em 21/01/2016, a Henrique Neto PR 2016, no valor de 12.681,30 (euro) (c/Iva), com o descritivo "Primeira prestação do contrato de prestação de serviços de consultadoria entre Midlandcom, Lda. e a Candidatura Henrique Neto PR 2016; Referência CS001, Artigo: Diretor operacional da campanha, Valor Unitário 3.000,00, QTD 1.0, DSC%, IVA 23.00 %, Sub-total 3.000,00 Eur.; Referência CS001, Artigo: Adjunto diretor operacional, Valor Unitário 2.500,00, QTD 1.0, IVA 23.00 %, Sub-total de 2.500,00 Eur.; CS001, Artigo: Assessor de imprensa, valor Unitário 3.500,00, QTD 1.0, IVA 23.00 %, Sub-total de 3.500,00 Eur.; Artigo: 2 viaturas 800,00(euro); Artigo: Alojamento do adjunto do diretor operacional 650,00(euro); Referência CS001, Artigo: Operador de redes sociais, Valor Unitário 360,00, QTD 1.0, IVA 23.00 %, Sub-total de 360,00 Eur.; Referência CS001, Artigo: Aluguer de mobiliário e equipamento, Valor Unitário 950,00, QTD 1.0, IVA 23.00 %, Sub-total 950,00 Eur.; Artigo: Despesas suportadas diretamente pela candidatura: 2 viaturas 800,00(euro), Serviço de Consultadoria em Comunicação 650,00(euro)".

6.2 - Fatura n.º 21, emitida em 21/01/2016, a Henrique Neto PR 2016, no valor de 14.464,80 Eur. (c/Iva), com o descritivo "Segunda prestação do contrato de prestação de serviços de consultadoria entre Midlandcom, Lda. e a Candidatura Henrique Neto PR 2016; Referência CS001, Artigo: Diretor operacional da campanha, Valor Unitário 3.000,00, QTD 1.0, DSC%, IVA 23.00 %, Sub-total 3.000,00 Eur.; Referência CS001, Artigo: Adjunto diretor operacional, Valor Unitário 2.500,00, QTD 1.0, IVA 23.00 %, Sub-total de 2.500,00 Eur.; CS001, Artigo: Assessor de imprensa, Valor Unitário 3.500,00, QTD 1.0, IVA 23.00 %, Sub-total de 3.500,00 Eur.; Referência CS001, Artigo: Operador de redes sociais, Valor Unitário 360,00, QTD 1.0, IVA 23.00 %, Sub-total de 360,00 Eur.; Referência CS001, Artigo: 2 viaturas, Valor Unitário 800,00, QTD 1.0, IVA 23.00 %, Sub-total 800,00 Eur.; Referência CS001, Artigo: Alojamento do adjunto do diretor operacional 650,00(euro) Valor Unitário 650,00, QTD 1.0, IVA 23.00 %, Sub-total 650,00 Eur.; Referência CS001, Artigo: Aluguer de mobiliário e equipamento, Valor Unitário 950,00, QTD 1.0, IVA 23.00 %, Sub-total 950,00 Eur.".

6.3 - Fatura n.º 22, emitida em 21/01/2016, a Henrique Neto PR 2016, no valor de 14.464,80 Eur. (c/Iva), com o descritivo "Terceira prestação do contrato de prestação de serviços de consultadoria entre Midlandcom, Lda. e a Candidatura Henrique Neto PR 2016; Referência CS001, Artigo: Diretor operacional da campanha, Valor Unitário 3.000,00, QTD 1.0, DSC%, IVA 23.00 %, Sub-total 3.000,00 Eur.; Referência CS001, Artigo: Adjunto diretor operacional, Valor Unitário 2.500,00, QTD 1.0, IVA 23.00 %, Sub-total de 2.500,00 Eur.; CS001, Artigo: Assessor de imprensa, Valor Unitário 3.500,00, QTD 1.0, IVA 23.00 %, Sub-total de 3.500,00 Eur.; Referência CS001, Artigo: Operador de redes sociais, Valor Unitário 360,00, QTD 1.0, IVA 23.00 %, Sub-total de 360,00 Eur.; Referência CS001, Artigo: 2 viaturas, Valor Unitário 800,00, QTD 1.0, IVA 23.00 %, Sub-total 800,00 Eur.; Referência CS001, Artigo: Alojamento do adjunto do diretor operacional 650,00(euro) Valor Unitário 650,00, QTD 1.0, IVA 23.00 %, Sub-total 650,00 Eur.; Referência CS001. Artigo: Aluguer de mobiliário e equipamento, Valor Unitário 950,00, QTD 1.0, IVA 23.00 %, Sub-total 950,00 Eur.".

6.4 - Fatura n.º 23, emitida em 21/01/2016, a Henrique Neto PR 2016, no valor de 14.464,80 Eur. (c/Iva), com o descritivo "Quarta prestação do contrato de prestação de serviços de consultadoria entre Midlandcom, Lda. e a Candidatura Henrique Neto PR 2016; Referência CS001, Artigo: Diretor operacional da campanha, Valor Unitário 3.000,00, QTD 1.0, DSC%, IVA 23.00 %, Sub-total 3.000,00 Eur.; Referência CS001, Artigo: Adjunto diretor operacional, Valor Unitário 2.500,00, QTD 1.0, IVA 23.00 %, Sub-total de 2.500,00 Eur.; CS001, Artigo: Assessor de imprensa, Valor Unitário 3.500,00, QTD 1.0, IVA 23.00 %, Sub-total de 3.500,00 Eur.; Referência CS001, Artigo: Operador de redes sociais, Valor Unitário 360,00, QTD 1.0, IVA 23.00 %, Sub-total de 360,00 Eur.; Referência CS001, Artigo: 2 viaturas, Valor Unitário 800,00, QTD 1.0, IVA 23.00 %, Sub-total 800,00 Eur.; Referência CS001, Artigo: Alojamento do adjunto do diretor operacional 650,00(euro) Valor Unitário 650,00, QTD 1.0, IVA 23.00 %, Sub-total 650,00 Eur.; Referência CS001, Artigo: Aluguer de mobiliário e equipamento, Valor Unitário 950,00, QTD 1.0, IVA 23.00 %, Sub-total 950,00 Eur.".

6.5 - Fatura n.º 24, emitida em 21/01/2016, a Henrique Neto PR 2016, no valor de 14.464,80 Eur. (c/Iva), com o descritivo "Quinta prestação do contrato de prestação de serviços de consultadoria entre Midlandcom, Lda. e a Candidatura Henrique Neto PR 2016; Referência CS001, Artigo: Diretor operacional da campanha, Valor Unitário 3.000,00, QTD 1.0, DSC%, IVA 23.00 %, Sub-total 3.000,00 Eur.; Referência CS001, Artigo: Adjunto diretor operacional, Valor Unitário 2.500,00, QTD 1.0, IVA 23.00 %, Sub-total de 2.500,00 Eur.; CS001, Artigo: Assessor de imprensa, Valor Unitário 3.500,00, QTD 1.0, IVA 23.00 %, Sub-total de 3.500,00 Eur.; Referência CS001, Artigo: Operador de redes sociais, Valor Unitário 360,00, QTD 1.0, IVA 23.00 %, Sub-total de 360,00 Eur.; Referência CS001, Artigo: 2 viaturas, Valor Unitário 800,00, QTD 1.0, IVA 23.00 %, Sub-total 800,00 Eur.; Referência CS001, Artigo: Alojamento do adjunto do diretor operacional 650,00(euro) Valor Unitário 650,00, QTD 1.0, IVA 23.00 %, Sub-total 650,00 Eur.; Referência CS001, Artigo: Aluguer de mobiliário e equipamento, Valor Unitário 950,00, QTD 1.0, IVA 23.00 %, Sub-total 950,00 Eur.".

6.6 - Fatura n.º 25, emitida em 21/01/2016, a Henrique Neto PR 2016, no valor de 11.455,36 Eur. (c/Iva), com o descritivo "Referência: CS001, Artigo: Serviços e bens diversos fornecidos pela Midlandcom, conforme orçamento em anexo", Valor Unitário 9.313,30, QTD 1.0, IVA 23.00 %, Sub-total de 9.313,30 Eur."; cujo orçamento referido se encontra a fls. 27 dos autos, do qual consta o seguinte:

(ver documento original)

6.7 - Fatura n.º 27, emitida em 23/01/2016, a Henrique Neto PR 2016, no valor de 70.726,21 Eur. (c/Iva), com o descritivo "Artigo: Orçamento anexo, Valor Unitário 50.500,98, QTD 1.0, IVA 23.00 %, Sub-total 50.500,98 Eur.; Artigo: Assessor de imprensa (2), Valor Unitário 7.000,00, QTD 1.0, IVA 23.00 %, Sub-total de 7.000,00 Eur.".

7 - Os Arguidos registaram nas contas apresentadas a seguinte despesa de campanha:

7.1 - Recibo de Renda n.º 10, emitido à "Candidatura Henrique Neto PR 2016", em 12/12/2015, com o descritivo "pelo arrendamento da fração A-cave do prédio sito na Rua Santana à Lapa, n.º 103-A, relativo ao mês de Dezembro", no valor de 800,00 Eur.

8 - Ao agirem conforme descrito em 4. a 4.3. e 6.6. a 6.7. dos factos provados, os Arguidos representaram como possível que o conteúdo de tais faturas não permitisse identificar os serviços efetivamente pagos.

9 - Ao agirem conforme descrito em 7. a 7.1. dos factos provados, registando despesa cujo valor é inferior ao valor de mercado de referência indicados na Listagem 38/2013, publicada no Diário da República n.º 125/2013, Série II, de 2 de julho e não apresentando elementos complementares de comparação de preços, os Arguidos representaram como possível que tal não permitisse aferir da razoabilidade da despesa e conformaram-se com essa possibilidade, apresentando as contas nessas condições:

10 - Os Arguidos sabiam que a sua conduta era proibida e contraordenacionalmente sancionável, tendo agido livre, voluntária e conscientemente.

11 - A Candidatura, nas contas referidas em 3., registou receitas no valor de 67.927,08 Eur., e despesas no valor de 248.771,52 Eur..

12 - A Candidatura não recebeu subvenção pública para a campanha eleitoral relativa à eleição mencionada no ponto 1.

C.2) Factos não provados

13 - Com relevância para a decisão, não se provaram quaisquer outros factos, designadamente que, ao agir conforme descrito nos pontos em 6.1. a 6.5., registando despesas cujo descritivo incompleto dos documentos de suporte e a ausência de elementos complementares de comparação de preços não permitem concluir sobre a razoabilidade das despesas, os Arguidos representaram como possível que tal não detalhasse cada uma das despesas e que impossibilitasse a aferição sobre se os respetivos valores eram próximos dos valores de mercado de referência indicados na Listagem 38/2013, publicada no Diário da República n.º 125/2013, Série II, de 2 de julho, conformando-se com essa possibilidade e apresentando as contas nessas condições.

C.3) Motivação da decisão sobre a matéria de facto

14 - A decisão sobre a matéria de facto resulta da análise crítica e conjugada da prova documental junta aos presentes autos, bem como ao PA 1/PR/16/2019, que daqueles constitui apenso, bem como de inferências lógicas e presunções naturais fundadas nas regras da experiência.

Concretizando, para a prova da factualidade constante do ponto 1. dos factos provados foi considerado o teor dos documentos constantes de fls. 4 a 12 do PA 1/PR/16/2019.

A prova dos factos constantes do ponto 2. dos factos provados resulta do teor do documento de fls. 7 do PA 1/PR/16/2019.

A prova da factualidade indicada no ponto 3. dos factos provados decorre do teor dos documentos de fls. 9 a 12, 25 e 26 do PA 1/PR/16/2019.

A prova da matéria factual descrita nos pontos 4. a 6.7 dos factos provados fundou-se na análise do teor das faturas, do orçamento e dos contratos de fls. 17, 19 a 28 e 36 a 40 dos presentes autos. A inclusão, na factualidade provada, do que consta no ponto 4.4, resulta do alegado pelos recorrentes (cf. os pontos 8 e 9 das conclusões dos recursos), estando a respetiva prova suportada no documento de fls. 36 a 37 dos presentes autos.

No que diz respeito à factualidade descrita nos pontos 7. e 7.1. dos factos provados, a respetiva prova resultou da análise do teor do recibo de renda, junto a fls. 18 dos presentes autos, do qual decorre qual o valor mensal pago pelo arrendamento do imóvel em causa. Por outro lado, estando em causa, em tal arrendamento, a ocupação de uma área de 182 m2 (cf. parecer da ECFP a fls. 50 v/.º do PA 1/PR/16/2019, anexo aos presentes autos, e decisão da mesma Entidade, de 2 de setembro de 2019, a fls. 92 do mesmo PA 1/PR/16/2019), o valor de mercado de tal arrendamento, para um imóvel sito em Lisboa, de acordo com a Listagem 38/2013 (cf. o ponto I-A) da referida Listagem), é entre 16,00 (euro) e 20,00 (euro)/m2, pelo que o valor de mercado do arrendamento em questão se situa entre (euro)2.912,00 Eur. e 3.640,00 Eur.

Embora os valores referidos na mencionada listagem sejam meramente indicativos, os recorrentes não juntaram aos autos quaisquer outros elementos complementares de comparação de preços que permitissem evidenciar que o valor em causa, não obstante não se situar no intervalo definido na referida listagem, se apresenta como razoável face ao valor de mercado de tal tipo de arrendamento. Com efeito, os documentos juntos a fls. 51 e 52 (respetivamente, o Modelo 2 referente à comunicação de contrato de arrendamento à Autoridade Tributária e Aduaneira e o comprovativo da liquidação do respetivo imposto de selo), embora permitam concluir que o imóvel em questão foi posteriormente arrendado pelo mesmo valor, não permite concluir pela razoabilidade ou não da despesa em questão face aos valores de mercado, atentos os valores indicativos estabelecidos pela Listagem 38/2013, e a ausência de outros documentos complementares de comparação de preços que demonstrem a razoabilidade de tal valor não obstante o mesmo ser bastante inferior aos referidos valores indicativos.

A prova dos factos constantes dos pontos 8. a 10. dos factos provados resultou de presunção judicial e regras de experiência comum, atenta a matéria objetiva dada como provada. Com efeito, está em causa o cumprimento de regras específicas relativas à candidatura a um ato eleitoral que os candidatos e os mandatários financeiros não podem, em consciência, deixar de conhecer. Por outro lado, ainda que assim não fosse, do Parecer da ECFP constante de fls. 17 a 53 do PA 1/PR/16/2019, relativo à apreciação das contas aqui em apreço, e apenso aos presentes autos, constavam já todas as situações aqui em análise, sendo que, apesar do prazo concedido para os arguidos se pronunciarem e/ou retificarem as contas, os mesmos, nesta parte, não o fizeram.

A prova da factualidade constante dos pontos 11 factos provados, resultou do teor de fls. 10 e 11 do PA 1/PR/16/2019, apenso aos presentes autos, respeitantes às contas da candidatura e onde constam os valores em causa.

A prova da matéria indicada no ponto 12 dos factos provados resultou do documento de fls. 3 do PA 1/PR/16/2019, apenso aos presentes autos.

A factualidade não provada resultou da análise dos documentos referidos nos pontos 5 e 6.1. a 6.5. dos factos provados.

D) Do direito

D.1) Apreciação da regularidade das despesas realizadas

15 - Vejamos agora as infrações imputadas aos recorrentes, designadamente no que respeita ao preenchimento do tipo objetivo previsto no artigo 31.º, n.º 1, da LFP.

A decisão recorrida condenou os ora recorrentes pela prática da contraordenação prevista e punida no referido artigo 31.º, n.os 1, no que respeita a despesas tituladas por 10 faturas (cf. os pontos 4.1 a 4.3 e 6.1 a 6.7 dos factos provados) e por um recibo de renda (cf. o ponto 7.1 dos factos provados). Segundo a decisão recorrida, «apurou-se que das contas apresentadas pelos Arguidos consta um conjunto de faturas, um contrato e um orçamento, melhor descritos nos pontos 4. a 6.7. dos factos provados, cujo descritivo é incompleto e a ausência de elementos complementares de comparação de preços não permite aferir sobre a razoabilidade das despesas face aos valores de mercado, pois que, designadamente, não foram referidos o número de recursos envolvidos, o período do serviço a que se reportam, não foi indicado qual o tipo de impressão das telas, nem foram indicados as suas dimensões e o material das bandeiras, impedindo, deste modo, a subsunção das despesas à Listagem dos valores de mercado de referência - Listagem 38/2013, publicada em D.R. 2.ª série, em 2 de julho».

Ainda de acordo com aquela decisão «os Arguidos registaram nas contas apresentadas a seguinte despesa de campanha cujo preço se encontra abaixo do valor de mercado e não apresentaram elementos complementares de comparação de preços que permitissem concluir sobre a razoabilidade da despesa face ao valor de mercado: recibo de Renda n.º 10, emitido à "Candidatura Henrique Neto PR 2016", em 12/12/2015, com o descritivo "pelo arrendamento da fracção A-Cave do prédio sito na Rua Santana à Lapa, n.º 103-A, relativo ao mês de Dezembro", no valor de 800,00 Eur.».

Em suma, os problemas apontados pela decisão recorrida aos referidos documentos são os seguintes: (i) insuficiência ou falta de clareza do descritivo e ausência de elementos complementares de comparação de preços, inviabilizando a possibilidade de cotejar os respetivos valores com os indicados na Listagem 38/2013, de 2 de julho (cf. os documentos identificados nos pontos 4. a 6.7. dos factos provados); (ii) no que respeita a despesas com bens e serviços que constam da Listagem 38/2013 contratados abaixo dos valores de referência nela indicados, não terem sido apresentados elementos complementares de comparação de preços que permitissem concluir sobre a razoabilidade da despesa face ao valor de mercado (c. os pontos 7 e 7.1 dos factos provados).

Assim, tendo-se concluído «pela impossibilidade de aferir da razoabilidade das sobreditas despesas» considerou-se que tal consubstancia uma violação do disposto no artigo 12.º, n.os 1 e 2, ex vi artigo 15.º, n.º 1, da LFP, conducente a uma ausência de discriminação das despesas respetivas, preenchendo, desse modo, o elemento objetivo do tipo contraordenacional previsto no artigo 31.º, n.º 1, da mesma Lei.

Tendo em atenção as objeções dos recorrentes, no que respeita ao preenchimento do tipo contraordenacional em causa, importa, antes de mais, analisar o quadro normativo em questão.

16 - O referido artigo 31.º da LFP, sob a epígrafe «Não discriminação de receitas e de despesas», estabelece que «[o]s mandatários financeiros, os candidatos às eleições presidenciais, os primeiros candidatos de cada lista e os primeiros proponentes de grupos de cidadãos eleitores que não discriminem ou não comprovem devidamente as receitas e despesas da campanha eleitoral são punidos com coima mínima no valor do IAS e máxima no valor de 80 vezes o valor do IAS».

Por sua vez, no que respeita ao tratamento de receitas e despesas das campanhas eleitorais, o artigo 15.º, n.º 1, da referida Lei dispõe que estas «constam de contas próprias restritas à respetiva campanha e obedecem ao regime do artigo 12.º». Especificamente, em ralação à discriminação das despesas de campanha eleitoral, estabelece o n.º 2 do artigo 19.º do mesmo normativo que as mesmas «são discriminadas por categorias, com a junção de documento certificativo em relação a cada ato de despesa».

Conforme o Tribunal tem reiterado na sua jurisprudência, o cumprimento do dever imposto pela segunda parte do n.º 2 do artigo 19.º da LFP impõe, não apenas a apresentação de documentos destinados à comprovação das despesas contabilizadas, mas ainda que o descritivo dos suportes documentais para esse efeito apresentados seja suficientemente completo para tornar possível a conclusão de que as despesas documentadas respeitam à campanha eleitoral e se encontravam adequadamente refletidas nas contas, bem como para aferir da sua razoabilidade. Nos casos em que o descritivo do documento de suporte da despesa se mostre insuficiente ou pouco claro para os aludidos efeitos, tem entendido o Tribunal que tal configura uma violação do dever imposto pelos referidos artigos 15.º e 19.º, n.º 2, com relevo no plano contraordenacional, nos termos do n.º 1 do artigo 31.º, na medida em que lhe corresponde uma situação de insuficiente comprovação das despesas da campanha.

No que respeita às irregularidades decorrentes da incompletude ou insuficiência de faturas, este juízo está em linha com a jurisprudência do Tribunal que considerou situações em que o descritivo do documento de suporte se mostrou insuficiente ou pouco claro para os efeitos acabados de referir - por conter uma discriminação vaga e imprecisa de cada um dos elementos implicados no serviço globalmente prestado - como violações do dever de comprovação, através de documentos de suporte suficientemente concludentes e completos, das despesas da campanha eleitoral, imposto pelos artigos 15.º e 19.º, n.º 2, da LFP (cf. os Acórdãos n.os 174/2014, 177/2014, 43/2015, 140/2015, 537/2015, 574/2015 e 98/2016). O Acórdão 98/2016 sintetiza a jurisprudência deste Tribunal em relação às condutas passíveis de serem sancionadas com coima, por infrações relativas ao financiamento de campanhas eleitorais e à organização das respetivas contas nos termos seguintes:

«No Acórdão 417/2007 - em que o Tribunal, face a um quadro normativo material novo, sancionou pela primeira vez os Partidos por infrações relativas ao financiamento das campanhas eleitorais e à organização das respetivas contas (tratava-se das contas da campanha para as eleições legislativas de 20 de fevereiro de 2005) -, entendeu o Tribunal que se justificava adotar uma sistematização das infrações distinta da utilizada nas anteriores decisões que haviam sancionado infrações relativas ao financiamento dos Partidos políticos e à organização das suas contas anuais. Naquele Acórdão, o Tribunal começou por recordar que, nos termos do artigo 28.º, n.º 1, da Lei 19/2003, "os infratores das regras respeitantes ao financiamento dos Partidos e das campanhas eleitorais previstas nos capítulos II e III ficam sujeitos às sanções previstas nos números e artigos seguintes", sendo que os números 2 a 4 do artigo 28.º preveem sanções criminais e os artigos 29.º a 32.º preveem coimas. Restringindo-se a competência do Tribunal Constitucional à aplicação destas últimas, nos termos previstos no artigo 33.º, n.º 1, da Lei 19/2003, acrescentou-se, porém, logo de seguida, que não há "uma correspondência perfeita entre os deveres que o Capítulo III da Lei 19/2003 impõe às candidaturas e as coimas previstas nos artigos 30.º a 32.º", existindo, inclusivamente, deveres cujo incumprimento não é sancionado com coima".

6.2 - Feita a constatação, procedeu o Tribunal, num esforço de sistematização, à identificação das condutas que o legislador escolheu como passíveis de coima, em matéria de financiamento e organização das contas das campanhas eleitorais e que são, em síntese, as seguintes:

a) recebimento, por parte dos Partidos políticos, de receitas para a campanha eleitoral através de formas não consentidas pela Lei 19/2003 - artigo 30.º, n.º 1, da mesma Lei;

b) incumprimento, por parte dos Partidos políticos, dos limites máximos de despesas de campanha eleitoral fixados no artigo 20.º da Lei 19/2003 - artigo 30.º, n.º 1, desta Lei;

c) incumprimento, por parte das pessoas singulares, pessoas coletivas e respetivos administradores, das regras de financiamento de campanha eleitoral previstas no artigo 16.º da Lei 19/2003 - artigo 30.º, n.os 2 a 4, da citada Lei;

d) ausência ou insuficiência de discriminação e comprovação das receitas e despesas da campanha eleitoral, por parte dos Partidos políticos, mandatários financeiros, candidatos às eleições presidenciais, primeiros candidatos de cada lista e primeiros proponentes de grupos de cidadãos eleitores - artigo 31.º da Lei 19/2003;

e) incumprimento do dever de entrega, por Partidos, mandatários financeiros, candidatos às eleições presidenciais, primeiros candidatos de cada lista e primeiros proponentes de grupos de cidadãos eleitores, de contas discriminadas da campanha eleitoral, nos termos previstos no artigo 27.º da Lei 19/2003 - artigo 32.º, n.os 1 e 2, da mesma Lei.

A partir desta sistematização, acrescentou-se, depois, no Acórdão 405/2009, ser "possível identificar, no conjunto das infrações respeitantes ao financiamento das campanhas eleitorais tipificadas na Lei 19/2003, duas categorias (além da correspondente ao incumprimento puro e simples do dever de entrega das contas discriminadas da campanha eleitoral): uma, integrada por infrações relativas ao financiamento das campanhas eleitorais propriamente dito - as correspondentes à perceção de receitas ou realização de despesas ilícitas contempladas no artigo 30.º do citado diploma; e outra, constituída pelas infrações relativas à organização das contas da campanha - as correspondentes à ausência ou insuficiência de discriminação e comprovação das receitas e despesas da campanha a que se refere o art. 31.º da Lei 19/2003, de 20 de junho". Como também então se explicitou "tal contraposição [...] tem por base um critério segundo o qual, enquanto as primeiras dizem respeito à inobservância do regime das despesas e das receitas em sentido estrito - ou seja, do conjunto das regras a que se subordina a respetiva realização e de cujo cumprimento depende a regularidade de cada ato [cf. arts. 16.º, n.º 3 (1.ª parte), 19.º, n.º 3, e 20.º da Lei 19/2003] -, as segundas reportam-se à desconsideração do regime de tratamento das receitas e despesas realizadas - isto é, do conjunto das regras que dispõem sobre a incidência contabilística dos atos já realizados (cf. artigo 12.º, por força do artigo 15.º, n.º 1, 16.º, n.º 2, e 19.º, n.º 2, da Lei 19/2003).».

Sendo certo que estas considerações também são aplicáveis às contas das campanhas eleitorais para eleição do Presidente da República, e que, no presente caso, estão em causa apenas condutas suscetíveis de integrar a previsão do artigo 31.º, n.º 1, da LFP, importa agora aferir, à luz deste entendimento, o preenchimento do tipo objetivo previsto nesse preceito, improcedendo as considerações dos recorrentes em sentido contrário.

Importa ainda clarificar, a este respeito, que não procede também a argumentação dos recorrentes no sentido de que a responsabilidade pela insuficiência do suporte documental das despesas em causa não lhes pode ser assacada, uma vez que não têm competência para determinar o conteúdo da documentação contabilística dos seus prestadores de serviços. Ora, independentemente da forma como os fornecedores emitem as faturas, o certo é que compete aos recorrentes, nas contas apresentadas, fornecer todas as informações que permitam esclarecer com detalhe os serviços prestados. Como se disse no Acórdão 574/2015, constitui ónus das candidaturas apresentar contas - e respetiva documentação - de forma clara, fidedigna e autoexplicativa, que permita esclarecer com detalhe a que se reportam os serviços faturados, de forma a poder avaliar-se da razoabilidade dos valores assim despendidos. A falta de resposta, nessa parte, viola o dever genérico de organização contabilística previsto no artigo 12.º, aplicável ex vi artigo 15.º, ambos da LFP (cf., neste mesmo sentido, o Acórdão 757/2020).

Por outro lado, conforme referido, essa exigência de discriminação das despesas tem em vista permitir à ECFP aferir da razoabilidade das mesmas. Com efeito, só mediante uma adequada e completa discriminação dos bens e serviços a que respeitam as despesas em questão (identificando devidamente a sua natureza, qualidade e quantidade), será possível à ECFP verificar, designadamente, se se trata de bens e serviços incluídos na Listagem 38/2013 (aplicável às contas da campanha ora em análise) e, na afirmativa, verificar se os respetivos valores se situam dentro dos limites aí previstos e, relativamente a bens e serviços não incluídos em tal listagem, verificar se o respetivo custo é compatível com os valores de mercado, aferindo a razoabilidade das despesas em causa.

Com efeito, de forma a estabelecer quais os valores de mercado de referência relativos aos principais meios de campanha, o artigo 24.º, n.º 5, da LFP determina que, «até ao dia de publicação do decreto que marca a data das eleições, deve a [ECFP], após consulta de mercado, publicar uma lista indicativa do valor dos principais meios de campanha, designadamente publicações, painéis publicitários e meios necessários à realização de comícios», acrescentado o n.º 6 do mesmo artigo que tal lista «é disponibilizada no sítio oficial do Tribunal Constitucional na Internet no dia seguinte à sua apresentação e serve de meio auxiliar nas ações de fiscalização». Conforme decorre do n.º 1 do referido artigo 24.º, a fiscalização aqui em causa diz respeito às contas dos partidos políticos e das campanhas eleitorais.

Como se salienta também na decisão recorrida, tal lista de referência é ilidível, conforme resulta da sua natureza "indicativa", reiterada também pelos artigos 20.º, n.º 2, alínea a) e 21.º, n.º 1, alínea a), da LEC. Porém, em caso de desvio quanto aos mesmos, cabe ao responsável pela apresentação das contas juntar a documentação necessária no sentido de poder ser aferida a razoabilidade da despesa face aos valores de mercado. Por outras palavras, ocorrendo desvios em relação a uma dada despesa, devem ser apresentados elementos complementares idóneos a comprovar que aquela concreta despesa no seio do mercado em que se insere ou pelas suas particulares especificidades se afigura como razoável. Este é um dever que terá ser cumprido pelos interessados aquando da apresentação das contas ou em sede do procedimento administrativo de verificação das mesmas por parte da ECFP, incluído, conforme mencionado, no dever genérico previsto no artigo 12.º, n.º 1, da LFP.

Ou seja, conforme se refere na decisão recorrida, tal justificação deverá ser realizada no âmbito do procedimento de prestação de contas, até à prolação de decisão em sede de procedimento administrativo. Estando em causa, com esta obrigação, possibilitar a entidade aferir da razoabilidade das despesas, em homenagem a um princípio de transparência, que rege todo o financiamento dessas campanhas, em ordem a impedir a existência de donativos proibidos por via de subvalorização da despesa, a não junção da referida documentação complementar impede tal finalidade, constituindo, por isso, uma violação do disposto no artigo 12.º, n.os 1 e 2, ex vi artigo 15.º, n.º 1, da LFP.

17 - Antes de analisar cada uma das situações à luz das considerações anteriores, importa ainda ter presente a jurisprudência mais recente deste Tribunal quanto aos tipos das "patologias" relacionadas com os documentos que titulem despesas, no âmbito a apresentação das contas a que se reportam aqueles normativos (cf., a este respeito, os Acórdãos n.os 755/2020, 756/2020, 757/2020 e 758/2020).

Com relevância para o presente caso, podem ser configuradas, em abstrato, as seguintes hipóteses:

a) Despesas tituladas por faturas que não permitem identificar a natureza, qualidade ou quantidade daquilo que se pagou. Trata-se, neste caso, de faturas incompletas. Estas faturas devem ser consideraras irregulares, enquanto instrumento de titulação de despesas de campanha.

b) Despesas tituladas por faturas, com o descritivo completo, relativas a bens e serviços incluídos na listagem indicativa, cujos valores se situam dentro dos limites máximo e mínimo nela estabelecidos. Trata-se de faturas que deverão ser consideradas regulares.

c) Despesas relativas a bens e serviços incluídos na listagem indicativa, cujos valores se situam fora dos limites nela estabelecidos. Tais faturas são consideradas irregulares, salvo se os responsáveis pela apresentação das contas tiverem demonstrado cabalmente a razão de ser do desvio ou este não for significativo.

d) Despesas relativas a bens e serviços não incluídos na listagem indicativa, cujas faturas discriminem clara e precisamente o que foi pago. Neste caso, cabe à ECFP demonstrar que os respetivos montantes carecem de credibilidade, por excessivamente elevados ou demasiado reduzidos, quando confrontados com os valores de mercado. Na ausência de tal demonstração, essas faturas deverão ser consideradas regulares. Relativamente a estas faturas, a ECFP poderá tentar obviar a esta consequência simplesmente atualizando e mantendo atualizada a referida listagem, por referência às eleições em análise. Na ausência de tal atualização, não deverá recair sobre os responsáveis pela apresentação das contas o ónus da demonstração da razoabilidade da despesa.

Tecidas estas considerações, importa agora analisar o caso concreto.

18 - Tendo em atenção estes critérios, importa apreciar os documentos em causa nos presentes autos, relativamente aos quais a decisão recorrida encontrou irregularidades suscetíveis de integrar o tipo contraordenacional em causa.

18.1 - Provou-se que nas constas ora em análise foi registada a despesa titulada pela fatura-recibo - ato isolado n.º 1, emitida em 28/08/2015, por Francisco António Madeira Mendes, no valor de 6.150,00 (euro), com o descritivo "Organização e estruturação operacional de candidatura presidencial" (ponto 4.1 dos factos provados).

Trata-se de uma fatura cujo descritivo, demasiado vago, não permite saber qual foi o tipo de serviço prestado, quantas pessoas estiveram envolvidas na sua prestação e qual a sua duração, não sendo possível determinar aquilo que foi efetivamente pago, razão pela qual tal documento se apresenta insuficiente ou incompleto.

Relativamente a esta fatura, os recorrentes, para além de contestarem que a mesma apresente qualquer irregularidade, limitam-se a referir que a mesma se reporta a serviços aos quais a Listagem 38/2013, de 2 de julho, não faz menção (cf. conclusão 36). Por outro lado, em sede do procedimento de apreciação das contas de campanha, a candidatura limitou-se a referir que tal «correspondeu a uma tarefa muito objetiva, num prazo muito curto, para preparar a organização e a estrutura da campanha eleitoral de Henrique Neto» (cf. decisão da ECFP, de 2 de setembro de 2019, a fls. 91 do PA - 1/PR/16/2019, em anexo). Ora, tais esclarecimentos são manifestamente insuficientes para suprir a aludida incompletude de tal fatura, pela que a mesma deverá ser tida como irregular.

18.2 - Provou-se ainda que foram registadas nas contas apresentadas despesas tituladas pela fatura n.º 17, emitida em 24/11/2015, e pela fatura n.º 1, emitida em 29/01/2016, ambas emitidas por Vitri, Lda., com o descritivo "PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS AUDIOVISUAIS (TEMPOS DE ANTENA) E DIGITAIS (REDES SOCIAIS)" (cf. pontos 4.2 e 4.3 dos factos provados).

Os recorrentes, relativamente aos serviços respeitantes a estas faturas, alegam que os mesmos se encontram descritos no contrato celebrado com a Vitri, Unipessoal, Lda. (cf. os pontos 8 e 9 das conclusões). Por outro lado, no âmbito do procedimento de apreciação das contas de campanha, a Candidatura havia referido o seguinte: «[c]onforme objeto do contrato com a Vitri, Lda. esta obrigava-se a prestar serviços de produção, de audiovisuais para servir a campanha eleitoral, nomeadamente as 4 redes sociais, a produção integral de oito tempos de antena para TV, e a produção integral de oito tempos de antena para rádio, no período entre 23/11/2015 e 24/01/2016, cujo valor consideramos enquadrarem-se na listagem 38/2013 da ECFP, que estabelece um valor entre 2.070,00 e 2.530,00 euro por tempo de antena TV e um valor entre 990,00 e 1.210,00 euro por tempos antena rádio. O candidato tem uma pen de todo o trabalho realizado. Houve consultas informais ao mercado, que se traduziram sempre em propostas com valores muito superiores. Encontra-se no anexo IV, que agora entregamos, o quadro informal das consultas ao mercado realizadas.» (cf. decisão da ECFP, de 2 de setembro de 2019, a fls. 91 e 91/v.º do PA - 1/PR/16/2019, em anexo).

Com efeito, embora estas faturas sejam incompletas no que respeita aos serviços prestados e respetivo valor unitário (designadamente, no que tange à quantidade de tempos de antena e respetiva duração, bem como no que respeita aos denominados serviços "digitais"), o contrato celebrado entre a Candidatura e a empresa fornecedora de serviços, ao abrigo do qual foram emitidas as referidas faturas, fornece um maior detalhe (cf. o ponto 4.4. dos factos provados). Do teor desse contrato, resulta claro que os serviços contratados consistem na «gestão das quatro redes sociais em que o candidato está oficialmente presente», na «produção integral de oito tempos de antena (com os tempos que vierem a ser definidos, incluídos no intervalo entre os 4 e os 8 minutos) para exibição nos espaços de antena de tv atribuídos por lei» e na «produção integral de oito tempos de antena (com os tempos que vierem a ser definidos, incluídos no intervalo entre os 4 e os 8 minutos) para exibição nos espaços de antena de rádio atribuídos por lei».

Não obstante, no referido contrato é definido um valor global pelo conjunto dos serviços contratados (cf. a cláusula "5. PAGAMENTO"), o que não permite saber qual o valor de cada tipo de serviço contratado, de forma a aferir, no que respeita aos tempos de antena de tv e de rádio, se os mesmos se situam dentro dos limites referidos na Listagem 38/2013, de 2 de julho (entre 2.070,00(euro) e 2 530,00(euro) para o tempo de antena TV, até 5 min., e entre 990,00(euro) e 1.210,00(euro) para o tempo de antena Radio, até 5 min), e quanto aos serviços de gestão das quatro redes sociais (não incluído na referida listagem), qual o seu custo, por forma a aferir da sua razoabilidade face ao valor de mercado.

Assim, tendo em atenção o exposto, há que concluir que estas duas faturas, ainda que conjugadas com o contrato de prestação de serviços com base nas quais foram emitidas, se revelam incompletas no que respeita à devida discriminação dos serviços prestados, impossibilitando, pelas razões expostas, aferir da razoabilidade das despesas efetuadas.

18.3 - No que respeita às faturas emitidas por referência ao contrato referido no ponto 5 dos factos provados, importa começar por analisar as que se encontram identificadas nos pontos 6.1. a 6.5 dos factos provados, que se referem a valores e a serviços especificamente contemplados em tal contrato.

Os recorrentes sustentam, relativamente a tais faturas, que os serviços a que as mesmas respeitam se encontram descritos no contrato identificado no ponto 5. dos factos provados, celebrado com empresa que os prestou (cf. as conclusões 8 e 9), para além de comportarem serviços não incluídos na Listagem 38/2013, de 2 de julho (cf. a conclusão 36).

Ora, como decorre claramente do seu teor, cada uma das referidas cinco faturas corresponde ao pagamento do valor mensal estipulado pela prestação de serviços em questão (cf. a cláusula 2.1 do referido contrato). Em tal contrato, embora de foram sucinta, foram discriminados os diversos serviços prestados, bem como os profissionais envolvidos, fixando-se um valor mensal pelos serviços de cada um desses profissionais (v., em especial, as cláusulas 1.1, 1.2, 1.3 e 2.1., alíneas a) a d). Por outro lado, inclui-se ainda em tal contrato o valor mensal correspondente ao aluguer de duas viaturas para serem utilizadas pelos operacionais da campanha, ao serviço da candidatura (cf. alínea h) da cláusula 1.1. e a alínea e) da cláusula 2.1.), ao aluguer de mobiliário e equipamento para permitir o funcionamento da sede de campanha (cf. alínea g) da cláusula 1.1. e a alínea g) da cláusula 2.1.) e o valor correspondente ao alojamento do adjunto do diretor operacional (cf. alínea f) da cláusula 2.1.). De todos estes serviços, apenas consta da Listagem 38/2013, de 2 de julho, o respeitante ao aluguer de veículos automóveis (entre 702,00(euro) e 889,00(euro), por 30 dias, para veículos utilitários). Contudo, está aqui em causa o aluguer por um período mais alargado (de quase 5 meses), inserido num contrato que abrange um conjunto diversificado de outros serviços, pelo que, no que respeita ao valor em causa, para veículos utilitários (conforme informou a Candidatura, em esclarecimentos prestados no âmbito do procedimento para verificação das contas, estavam em questão duas viaturas "Fiat Punto" - cf. fls. 43/v.º do PA - 1/PR/16/2019, em anexo), embora exista um desvio em relação ao valor de referência constante da referida Listagem, é de entender que tal desvio não se afigura desrazoável.

No que respeita aos restantes valores incluídos em tais faturas, estando em causa bens e serviços não incluídos na Listagem referida, e encontrando-se os mesmos devidamente discriminados, cabia à ECFP, nos termos expostos (cf. o ponto 17, supra, quanto aos documentos identificados na alínea d)), demonstrar que os respetivos montantes carecem de credibilidade, por excessivamente elevados ou demasiado reduzidos, quando confrontados com os valores de mercado. Não tendo sido feita tal demonstração, não pode ser apontada qualquer irregularidade às faturas em questão.

18.4 - No que respeita à fatura identificada no ponto 6.6 dos factos provados, ainda com referência ao contrato identificado no ponto 5., esta reporta-se aos bens e serviços mencionados no orçamento anexo. Em relação aos mesmos, verifica-se que falta a devida discriminação quanto aos recursos humanos envolvidos na recolha de assinaturas, referindo-se apenas, de forma vaga e genérica, que tal valor diz respeito ao custo de uma "equipa de rua" para esse efeito (no valor de 3.000,00(euro)) e de uma "equipa de apoio à recolha de assinaturas - Outubro" (no valor de 660,52(euro)), sem qualquer especificação, v.g., do número de pessoas envolvidas, da duração de tal serviço e do custo unitário (por pessoa e/ou por hora), o que impossibilita aferir da razoabilidade de tal despesa.

Assim, é de concluir que a referida fatura, ainda que conjugada com o orçamento anexo, se apesenta, no que respeita ao referido elemento, como incompleta (cf. o ponto 17, supra, quanto aos documentos identificados alínea a)).

18.5 - Provou-se ainda que foram registadas nas contas apresentadas despesas tituladas pela fatura identificada no ponto 6.7 dos factos provados, ainda com referência ao contrato identificado no ponto 5., com o descritivo "Artigo: Orçamento anexo, Valor Unitário 50.500,98, QTD 1.0, IVA 23.00 %, Sub-total 50.500,98 Eur.; Artigo: Assessor de imprensa (2), Valor Unitário 7.000,00, QTD 1.0, IVA 23.00 %, Sub-total de 7.000,00 Eur.".

Tal fatura pressupõe o cotejo com um orçamento anexo, que não foi identificado na decisão recorrida, pelo que, nesta parte, nada se pode concluir quanto à existência de qualquer irregularidade.

Inclui-se ainda o valor de 7.000,00(euro), correspondente a dois meses de remuneração de assessor de imprensa. Sendo certo que tal montante corresponde ao valor previsto no contrato com referência ao qual a fatura em questão foi emitida, a verdade é que, da conjugação da fatura em questão com o aludido contrato, não é possível aferir a razão de ser daquele valor, uma vez que nas faturas identificadas nos pontos 6.1 a 6.5 se encontra já faturado o montante mensal relativo à remuneração do assessor de imprensa previsto em tal contrato, não existindo outro documento que permita aferir da razoabilidade da faturação deste valor adicional, nem sendo indicado a que período tal valor se refere.

Assim, nesta parte, a fatura em causa deverá ter-se por incompleta (cf. a alínea a) do ponto 17., supra).

18.6 - Finalmente, provou-se que nas contas apresentadas foi registada uma despesa de campanha correspondente ao Recibo de Renda n.º 10, emitido à "Candidatura Henrique Neto PR 2016", em 12/12/2015, com o descritivo "pelo arrendamento da fração A-cave do prédio sito na Rua Santana à Lapa, n.º 103-A, relativo ao mês de dezembro", no valor de 800,00(euro).

Relativamente a esta despesa, entendeu-se na decisão recorrida que o valor pago se encontra abaixo do valor de mercado e que os arguidos, ora recorrentes, não apresentaram elementos complementares de comparação de preços que permitissem concluir sobre a razoabilidade de tal despesa face ao valor de mercado, concluindo que essa impossibilidade de aferir da razoabilidade das despesas consubstancia uma violação do disposto no artigo 12.º, n.os 1 e 2, ex vi artigo 15.º, n.º 1, da LFP, por se traduzir numa violação do princípio da transparência que rege todo o financiamento dessas campanhas e cujo fim último consiste em impedir a existência de donativos proibidos por via da subvalorização ou sobrevalorização da despesa.

Trata-se, neste caso, de uma despesa relativa a bens e serviços incluídos na Listagem 38/2013 (rendas de sede de campanha). Estando em causa, a ocupação de uma área de 182 m2 (cf. parecer da ECFP a fls. 50 v/.º do PA 1/PR/16/2019, anexo aos presentes autos, e decisão da mesma Entidade, de 2 de setembro de 2019, a fls. 92 do mesmo PA 1/PR/16/2019), o valor de mercado de tal arrendamento, para um imóvel sito em Lisboa, de acordo com a Listagem 38/2013 (cf. o ponto I-A) da referida Listagem), é entre 16,00 (euro) e 20,00 (euro)/m2, pelo que o valor de mercado do arrendamento em questão se situa entre 2.912,00(euro) e 3.640,00(euro).

Neste caso, o valor mensal da renda é significativamente inferior ao que resulta da referida Listagem. Por outro lado, embora os valores nela referidos sejam meramente indicativos, os recorrentes não juntaram elementos complementares de comparação de preços que permitissem aferir se o valor em causa, não obstante não se situar no referido intervalo definido na referida listagem, se apresenta como razoável face ao valor de mercado de tal tipo de arrendamento.

Assim, sendo esta uma despesa relativa a um serviço incluído na Listagem 38/2013, cujo valor se situa fora dos limites nela estabelecidos, o respetivo documento de suporte dever ser considerado irregular, uma vez que, sendo o desvio significativo, os responsáveis pela apresentação das contas não juntaram documentação complementar que permita aferir a razão de ser de tal desvio (cf. a alínea c) do ponto 17., supra).

19 - Tendo em atenção o exposto, conclui-se que as contas apresentadas apresentam irregularidades no que respeita a cinco faturas (as faturas identificadas nos pontos 4.1. a 4.3, 6.6. e 6.7. dos factos provados), por incompletude ou insuficiência do seu descritivo, nos termos referidos (trata-se de faturas que apresentam o tipo de irregularidade identificado na alínea a) do ponto 17., supra).

Por outro lado, no que respeita ao recibo de renda apresentado (cf. os pontos 7. e 7.1. dos factos provados, tratando-se de despesa relativa a um serviço incluído na Listagem 38/2013, e existindo um desvio significativo em relação aos limites nela estabelecidos, o respetivo documento de suporte dever ser considerado irregular, uma vez que os responsáveis pelas contas não apresentaram qualquer documentação complementar tendente a permitir aferir da razão de ser de tal desvio (cf. a alínea c) do ponto 17., supra).

É de confirmar, assim, em parte, a decisão recorrida, com a especificação de que as irregularidades, por insuficiência ou incompletude da documentação comprovativa das despesas, apenas se verifica relativamente a cinco das dez faturas referidas naquela decisão (isto é, apenas quanto às faturas identificadas nos pontos 4.1 a 4.3, 6.6 e 6.7 dos factos provados), bem como à despesa titulada pelo recibo de renda identificado no ponto 7.1 dos factos provados.

D.2) Da responsabilidade contraordenacional dos recorrentes

20 - A factualidade dada como provada nos pontos 4.1 a 4.3, 6., 6.6, 6.7, 7. e 7.1 dos factos provados impõe a conclusão, pelas razões expostas, que, quanto às aludidas despesas, se mostra preenchido o elemento objetivo do tipo contraordenacional previsto no artigo 31.º, n.º 1, da LFP, na medida em que lhe corresponde uma situação de insuficiente discriminação das despesas da campanha, face, por um lado, à incompletude das referidas faturas e, no que respeita ao recibo de renda, à ausência de junção de elementos complementares que permitam aferir da razoabilidade de tal despesa.

Conforme se referiu, as candidaturas têm o dever de apresentar as contas da campanha de forma clara, fidedigna e autossuficiente, de tal forma que a documentação que a suporte não deixe dúvidas quanto ao valor, natureza, elegibilidade e razoabilidade dos valores apresentados. Tal significa que, subsistindo dúvidas resultantes da deficiente organização contabilística (seja a nível de registo contabilístico, seja por omissão ou insuficiência de suporte documental), fica verificada a violação do dever geral de organização contabilística constante dos artigos 12.º, n.º 1 e 15.º, n.º 1 da Lei 19/2003. Com efeito, a estrutura desta infração não assenta na existência de uma dúvida sobre um facto. O que está em causa é o facto, indubitável e verificado, nos termos já explicitados, que resulta da circunstância de a documentação de suporte apresentada ser insuficiente para permitir aferir da razoabilidade do montante das despesas apresentadas e ainda, quanto à despesa cujo valor ficava fora dos limites constantes da Listagem 38/2013, não ter sido apresentada documentação que evidenciasse da razoabilidade dessa despesa face aos preços de referência dela constantes ou face aos preços praticados no mercado. Ou seja, não está aqui em causa, direta ou necessariamente, qualquer juízo de ter ficado demonstrada a irrazoabilidade de qualquer despesa (mas tão só a falta de elementos para aferir da respetiva razoabilidade) ou de que algumas das despesas não têm conexão com a campanha eleitoral, não procedendo, por isso, os argumentos dos recorrentes que assentam em tais premissas (cf., em especial, os pontos 34 a 43 das conclusões).

Pelo exposto, conclui-se pelo preenchimento dos pressupostos objetivos típicos da contraordenação prevista e punida no referido artigo 31.º, n.º 1 da LFP, não merecendo acolhimento os argumentos apresentados pelos recorrentes, no sentido de que a imputação em causa não será subsumível na previsão típica daquela norma.

No que respeita ao elemento subjetivo do tipo, a sua verificação exige que tenha existido atuação dolosa do agente. O dolo, pelo menos na sua modalidade menos grave de dolo eventual, consiste na prática do facto pelo agente, sabendo este que da sua conduta pode resultar, como consequência, o facto punível, mas conformando-se com tal possibilidade. Ora, no caso, resulta provado (cf. os pontos os pontos 8. a 10 dos factos provados) que estes agiram com dolo eventual, tendo consciência de que a sua conduta era proibida e punida como contraordenação, tendo agido livre, voluntária e conscientemente.

Há, pois, que concluir que os arguidos praticaram a contraordenação que lhes é imputada, no que respeita às faturas identificadas nos pontos 4.1 a 4.3, 6.6 e 6.7 dos factos provados, bem como à despesa titulada pelo recibo de renda identificado no ponto 7.1 dos factos provados.

D.3) Da medida concreta das coimas

21 - Os Recorrentes pretendem, caso não sejam absolvidos da prática da contraordenação prevista no n.º 1 do artigo 31.º da LFP, atento o diminuto grau de culpabilidade, inexistência de antecedentes e bem assim a ausência de benefício económico, que sejam meramente admoestados ou, no limite, nos termos do disposto no artigo 18.º do RGCO, que se considere suficiente uma coima de 426,00(euro) (quatrocentos e vinte e seis euros).

Nos termos do disposto no artigo 51.º do RGCO, quando a reduzida gravidade da infração e da culpa do agente o justifique, pode a entidade competente limitar-se a proferir uma admoestação.

No entanto, embora as infrações cometidas não apresentem um grau elevado de gravidade e sejam imputáveis aos arguidos a título de dolo eventual, é de entender, tendo em atenção os factos provados, que, face à quantidade de irregularidades detetadas nas contas apresentadas, não se encontram razões que possam justificar a aplicação de admoestação.

Contudo, face à diminuição do peso relativo das despesas em que foram detetadas as aludidas irregularidades em face do valor total das despesas realizadas na campanha e à circunstância se ter concluído pela inexistência de cinco das onze situações que integravam as irregularidades apontadas na decisão recorrida, o Tribunal considera adequado reduzir as coimas aplicadas pela ECFP.

Assim, a coima a aplicar a cada um dos recorrentes deverá ser fixada no valor de 1 e 1/2 (um e meio) SMN de 2008, perfazendo a quantia de 639,00 (euro) (seiscentos e trinta e nove euros).

III - Decisão

Pelo exposto, decide-se:

a) Julgar parcialmente procedente o recurso interposto por Henrique José de Sousa Neto, enquanto candidato à Eleição para Presidente da República, realizada em 24 de janeiro de 2016, e, consequentemente, reduzir o montante da coima que lhe foi aplicada pela ECFP, pela prática da contraordenação prevista e punida pelas disposições conjugadas dos artigos 12.º, 15.º, n.º 1 e 31.º, n.º 1, da LFP, para o valor de 1 e 1/2 (um e meio) SMN de 2008, perfazendo a quantia de 639,00 (euro) (seiscentos e trinta e nove euros);

b) Julgar parcialmente procedente o recurso interposto por António José Manteigas Lopes Curto, enquanto mandatário financeiro, e, consequentemente, reduzir o montante da coima que lhe foi aplicada pela ECFP, pela prática da contraordenação prevista e punida pelas disposições conjugadas dos artigos 12.º, 15.º, n.º 1 e 31.º, n.º 1, da LFP, para o valor de 1 e 1/2 (um e meio) SMN de 2008, perfazendo a quantia de 639,00 (euro) (seiscentos e trinta e nove euros).

Atesto os votos de conformidade dos Conselheiros José António Teles Pereira e Lino Rodrigues Ribeiro nos termos do disposto no artigo 15.º-A do Decreto-Lei 10-A/2020, de 18 de março (aditado pelo artigo 3.º, do Decreto-Lei 20/2020, de 1 de maio). João Pedro Caupers.

Lisboa, 21 de abril de 2021. - João Pedro Caupers - Joana Fernandes Costa - Maria José Rangel de Mesquita - Assunção Raimundo - Gonçalo Almeida Ribeiro - Fernando Vaz Ventura - Pedro Machete - Mariana Canotilho - Maria de Fátima Mata-Mouros - José João Abrantes.

314244696

Anexos

  • Extracto do Diário da República original: https://dre.tretas.org/dre/4528194.dre.pdf .

Ligações deste documento

Este documento liga aos seguintes documentos (apenas ligações para documentos da Serie I do DR):

  • Tem documento Em vigor 1982-10-27 - Decreto-Lei 433/82 - Ministério da Justiça

    Institui o ilícito de mera ordenação social e respectivo processo.

  • Tem documento Em vigor 1982-11-15 - Lei 28/82 - Assembleia da República

    Aprova a organização, funcionamento e processo do Tribunal Constitucional - repete a publicação, inserindo agora a referenda ministerial.

  • Tem documento Em vigor 2003-06-20 - Lei 19/2003 - Assembleia da República

    Regula o regime aplicável ao financiamento dos partidos políticos e das campanhas eleitorais.

  • Tem documento Em vigor 2005-01-10 - Lei Orgânica 2/2005 - Assembleia da República

    Regula a organização e funcionamento da Entidade das Contas e Financiamentos Políticos.

  • Tem documento Em vigor 2018-04-19 - Lei Orgânica 1/2018 - Assembleia da República

    Oitava alteração à Lei n.º 28/82, de 15 de novembro (Lei da Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional), segunda alteração à Lei Orgânica n.º 2/2003, de 22 de agosto (Lei dos Partidos Políticos), sétima alteração à Lei n.º 19/2003, de 20 de junho (Lei do Financiamento dos Partidos Políticos e das Campanhas Eleitorais), e primeira alteração à Lei Orgânica n.º 2/2005, de 10 de janeiro (Lei de Organização e Funcionamento da Entidade das Contas e Financiamentos Políticos)

  • Tem documento Em vigor 2020-03-13 - Decreto-Lei 10-A/2020 - Presidência do Conselho de Ministros

    Estabelece medidas excecionais e temporárias relativas à situação epidemiológica do novo Coronavírus - COVID 19

  • Tem documento Em vigor 2020-05-01 - Decreto-Lei 20/2020 - Presidência do Conselho de Ministros

    Altera as medidas excecionais e temporárias relativas à pandemia da doença COVID-19

Ligações para este documento

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