de 8 de Setembro
O financiamento do Serviço Nacional de Saúde é, a justo título, uma das preocupações subjacentes à Lei de Bases (Lei 48/90, de 24 de Agosto), onde expressamente se prevê que «os serviços e estabelecimentos do Serviço Nacional de Saúde podem cobrar o pagamento de cuidados por parte de terceiros responsáveis, legal ou contratualmente, nomeadamente subsistemas de saúde ou entidades seguradoras» [base XXXIII, n.º 2, alínea b)].Tal poder não é um poder discricionário, antes um poder vinculado à prossecução de objectivos como sejam «a razoabilidade da utilização dos recursos em termos de custos e benefícios» (base XXX, n.º 2, in fine), «a utilização legal e o eficiente aproveitamento dos meios de acção disponíveis» [artigo 6.º, n.º 1, alínea b), do Decreto-Lei 19/88, de 21 de Janeiro].
Numa palavra, é necessário dar consistência ao «princípio de que os hospitais devem organizar-se e ser administrados em termos empresariais» (preâmbulo do Decreto-Lei 19/88).
Actuação que se impõe seja tanto mais rápida quanto é certo que as dívidas aos estabelecimentos de saúde - os públicos incluídos - estão sujeitas ao regime das prescrições presuntivas e, por inerência, a uma prescrição de curto prazo [artigo 317.º, alínea a), do Código Civil], que é concretamente de dois anos no caso de a unidade de saúde que prestou tratamento ou assistência ao lesado exercer o seu direito de crédito contra o próprio assistido ou familiares.
Mas mesmo na hipótese de o hospital interpelar o terceiro responsável pela lesão corporal ou quem por sub-rogação haja assumido tal responsabilidade (v.g. entidades seguradoras), o prazo de prescrição não vai além dos três anos (artigo 498.º do Código Civil).
Acresce que o recurso, sempre moroso, à acção declarativa, como forma de obter a declaração de direitos quase sempre certos e indiscutíveis, funciona, muitas vezes, como obstáculo de vulto à efectiva cobrança dos créditos das unidades de saúde, quer em relação aos utentes [alínea e) do n.º 2 da base XIV da Lei 48/90], quer em relação a terceiros responsáveis [base XXXIII, n.º 2, alínea b)]. Daí os insatisfatórios resultados conseguidos com o Decreto-Lei 147/83, de 5 de Abril.
Daí, também, a solução consagrada no artigo 6.º da Lei 1981, de 3 de Abril de 1940, que atribui força de título executivo às certidões de dívida pelo tratamento de doentes passadas pelos Hospitais Civis de Lisboa.
Tal solução, de acerto indiscutível, tem, em todo o caso, um âmbito de aplicação restrito que importa generalizar a todas as unidades de saúde públicas.
Assim:
Nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 201.º da Constituição, o Governo decreta o seguinte:
Artigo 1.º
Âmbito de aplicação
O presente diploma regula a cobrança de dívidas às instituições e serviços públicos integrados no Serviço Nacional de Saúde.
Artigo 2.º
Exequibilidade das certidões de dívida
1 - As certidões de dívida a qualquer das entidades a que se refere o artigo anterior, por serviços ou tratamentos prestados, são títulos executivos.
2 - São condições de exequibilidade do título:
a) A identificação do assistido e dos terceiros legal ou contratualmente responsáveis, se os houver, nos termos do presente diploma;
b) A menção precisa e individualizada dos serviços prestados;
c) A indicação da quantia exequenda, calculada nos termos do presente diploma;
d) A assinatura do presidente do órgão de administração da entidade credora ou de quem legitimamente o substitua;
e) A autenticação do título de dívida com a aposição do selo branco em uso na instituição credora.
Artigo 3.º
Quantia exequenda
1 - O montante em dívida pelos serviços prestados vence juros moratórios à taxa legal.2 - O devedor considera-se em mora após interpelação judicial ou extrajudicial, podendo esta última efectuar-se por qualquer das formas a que se refere o artigo 70.º do Código do Procedimento Administrativo.
3 - Havendo responsabilidade criminal do autor do facto determinante da prestação de assistência, considera-se haver mora a partir da data da prática do facto ilícito.
Artigo 4.º
Dívidas resultantes de tratamentos a sinistrados por acidentes de viação 1 - Em caso de dívidas resultantes de assistência ou de tratamentos prestados a sinistrados em acidentes de viação, a execução corre solidariamente contra o transportador e a respectiva entidade seguradora, se seguro houver.2 - Se o sinistrado não circular em qualquer veículo, a execução corre contra a entidade seguradora do veículo ou dos veículos que tenham intervido no sinistro, salvo se ocorrer qualquer das causas de exclusão da responsabilidade a que se refere o artigo 505.º do Código Civil.
Artigo 5.º
Responsabilidade subsidiária do Fundo de Garantia Automóvel
Não havendo contrato de seguro válido ou eficaz ou não sendo possível proceder à identificação dos responsáveis pelo acidente, a execução corre contra o Fundo de Garantia Automóvel.
Artigo 6.º
Dívidas resultantes de tratamentos de sinistrados em acidente de
trabalho ou equiparado
1 - Se as dívidas resultarem de tratamento de sinistrados por acidente de trabalho, a execução corre contra aquele a quem o sinistrado prestava os seus serviços, no momento da ocorrência do sinistro, independentemente da natureza jurídica do vínculo nos termos do qual eram prestados tais serviços.2 - Havendo contrato de seguro, a execução corre contra a entidade seguradora respectiva.
Artigo 7.º
Tratamentos prestados a quem tenha sido vítima de facto criminalmente
punível
1 - Sem prejuízo do disposto nos artigos 4.º a 6.º, e não obstante o disposto no artigo 71.º do Código de Processo Penal, se as dívidas resultarem de tratamentos prestados a quem tenha sido vítima de facto criminalmente punível, o pagamento compete ao autor do facto determinante da prestação de assistência.2 - O delegado do Ministério Público junto do tribunal que profira condenação por qualquer dos crimes a que se refere o número anterior, ainda que tenha sido interposto recurso, remeterá cópia da sentença proferida às instituições ou serviços em que as vítimas tenham recebido assistência.
Artigo 8.º
Dívidas resultantes de tratamentos de doentes abrangidos or seguros
privados de saúde
1 - Sendo o assistido beneficiário de seguro de doença ou de acidentes pessoais, deve mencionar tal facto, juntando documento comprovativo.2 - Sem prejuízo do disposto nos artigos 4.º a 7.º, os riscos que se encontrem cobertos pelo contrato de seguro a que se refere o número anterior são da responsabilidade da instituição seguradora respectiva, a quem serão debitados, salvo indicação em contrário do segurado.
3 - A menção e prova a que se refere o n.º 1 dispensam o assistido do pagamento de quaisquer taxas que legalmente fossem devidas pelos serviços prestados e que sejam debitados à instituição seguradora nos termos do número anterior.
Artigo 9.º
Prescrição
As dívidas pelos encargos referidos neste diploma prescrevem no prazo de cinco anos, contados da data em que cessou o tratamento.
Artigo 10.º
Foro competente para a execução
As acções de execução por dívida a que se refere o presente diploma são instauradas no tribunal da comarca em que se encontra sediada a entidade exequente.
Artigo 11.º
Isenção pelo pagamento de preparos e custas
As entidades a que se refere o artigo 1.º estão isentas do pagamento de preparos e custas relativamente às acções a que se refere o presente diploma.
Artigo 12.º
Disposição transitória
O disposto no presente diploma aplica-se a todas as dívidas não prescritas à data da sua entrada em vigor.
Artigo 13.º
Legislação revogada
São revogados o Decreto-Lei 147/83, de 5 de Abril, o artigo 6.º da Lei 1981, de 3 de Abril de 1940, e os artigos 41.º a 44.º do Decreto-Lei 46301, de 27 de Abril de 1965.
Artigo 14.º
Entrada em vigor
O presente diploma entra em vigor 30 dias após a data da sua publicação.Visto e aprovado em Conselho de Ministros de 23 de Julho de 1992. - Aníbal António Cavaco Silva - Jorge Braga de Macedo - Álvaro José Brilhante Laborinho Lúcio - Arlindo Gomes de Carvalho.
Promulgado em 16 de Agosto de 1992.
Publique-se.O Presidente da República, MÁRIO SOARES.
Referendado em 25 de Agosto de 1992.
O Primeiro-Ministro, Aníbal António Cavaco Silva.