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Acórdão 7/87, de 9 de Fevereiro

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Sumário

Declara não se pronunciar pela inconstitucionalidade dos artigos 108.º, n.º 2, alínea b); 135.º, n.os 2 e 3; 174.º, n.os 3 e 4; 177.º, n.º 2, com referência ao artigo 174.º, n.º 4, alíneas a) e b); 178.º, n.º 3; 187.º, n.º 1; 190.º; 200.º; 250.º, n.º 3; 251.º, n.º 1; 252.º, n.º 3; 263.º; 270.º, n.º 1; 281.º, n.os 3 e 5, salvo, quanto a este último número, consequencialmente, na parte em que ele remete para o n.º 4; 286.º, e 337.º n.os 1, alínea a), e 3, e pronunciar-se pela inconstitucionalidade dos artigos 134.º, n.º 4, na parte em que abrange o defensor - por violação do artigo 32.º, n.º 3, da Constituição; 177.º, n.º 2, com referência ao artigo 174.º, n.º 4, alínea c) - por violação do artigo 34.º, n.º 2, da Constituição; 199.º, n.os 1, na parte em que essa norma é aplicável a casos em que, nos termos do artigo 27.º, n.º 3, da Constituição, não é permitida a privação da liberdade, e 2 - por violação do artigo 32.º, n.º 4, da Constituição; 281.º, n.os 1 e 2, na medida em que neles se não prevê qualquer intervenção de um juiz - por violação dos artigos 32.º, n.º 4, e 206.º da Constituição, e n.º 4 - por violação do direito à segurança, consignado no n.º 1 do artigo 27.º da Constituição, e 337.º, n.º 1, alínea b), na medida em que a proibição decorre automaticamente da declaração da contumácia, e apenas na parte em que essa alínea é aplicável a documentos, certidões ou registos necessários ao exercício de direitos civis, profissionais ou políticos - por violação do artigo 30.º, n.º 4, da Constituição, todos do Código de Processo Penal

Texto do documento

Acórdão 7/87

Processo 302/86

1 - O Conselho de Ministros aprovou em 4 de Dezembro de 1986 o decreto registado sob o n.º 754/86, que, no uso da autorização conferida pela Lei 43/86, de 26 de Setembro, aprovou o Código de Processo Penal (CPP) publicado em anexo e revogou o CPP aprovado pelo «Decreto-Lei» n.º 16489, de 15 de Fevereiro de 1929, com a redacção em vigor.

Tendo-o recebido em 12 desse mês para promulgação como decreto-lei, o Presidente da República (PR) requereu ao Tribunal Constitucional (T. Const.), ao abrigo do disposto nos n.os 1 e 3 do artigo 278.º da Constituição da República Portuguesa (CRP) e nos artigos 51.º, n.º 1, e 57.º, n.º 1, da Lei 28/82, de 15 de Novembro, a apreciação preventiva da constitucionalidade do artigo 1.º do referido diploma, na parte em que aprovou os artigos 108.º, n.º 2, alínea b), 135.º, n.os 2 e 3, 143.º, n.º 4 [conjugado com o artigo 61.º, n.º 1, alínea e)], 174.º, n.os 3 e 4, 177.º, n.º 2, 178.º, n.º 3, 187.º, n.º 1, 190.º, 199.º, n.os 1 e 2, 200.º, 250.º, n.º 3, 251.º, n.º 1, 252.º, n.º 3, 263.º, 270.º, n.º 1, 281.º, 286.º, n.º 2, e 337.º, n.os 1 e 3, todos do Código, com os seguintes fundamentos:

a) O artigo 108.º, n.º 2, alínea b), ao conferir ao Conselho Superior da Magistratura (CSM) competência para decidir o pedido de aceleração de processo atrasado, embora atenuado pelo disposto na alínea d) do n.º 5 do artigo 109.º, parece contender com o disposto no artigo 208.º da CRP (independência dos tribunais);

b) O artigo 135.º, n.os 2 e 3, na parte respeitante à quebra do segredo profissional dos jornalistas, parece violar o disposto no n.º 3 do artigo 38.º da CRP;

c) O artigo 143.º, n.º 4, conjugado com o artigo 61.º, n.º 1, alínea e), in fine, na medida em que limita, quanto a certos crimes, o direito de comunicação entre o arguido e o seu defensor, parece violar o disposto no n.º 3 do artigo 32.º da CRP;

d) O artigo 174.º, n.os 3 e 4, ao permitir revistas e buscas, efectuadas, sem autorização prévia do juiz, por órgãos de polícia criminal, parece contender com o disposto na segunda parte do n.º 6 do artigo 32.º da CRP, em matéria de obtenção de provas, e, quanto às buscas, também com o disposto nos n.os 1 e 2 do artigo 34.º da CRP (inviolabilidade do domicílio);

e) O artigo 177.º, n.º 2, ao permitir buscas domiciliárias sem prévia autorização judicial, parece violar o disposto no citado n.º 2 do artigo 34.º;

f) O artigo 178.º, n.º 3, ao permitir que as apreensões sejam feitas por despacho da «autoridade judiciária», ou mesmo por órgãos de polícia criminal, parece violar o disposto no n.º 4 do citado artigo 32.º e no n.º 1 do artigo 62.º da CRP;

g) O artigo 187.º, n.º 1, ao permitir escutas telefónicas com um âmbito muito amplo, e o artigo 190.º, ao mandar aplicar o disposto nesse preceito às conversações ou comunicações transmitidas por qualquer meio técnico diferente do telefone, poderão ferir o n.º 1 do artigo 26.º, e, logo, os n.os 2 e 3 do artigo 18.º da CRP;

h) O artigo 199.º, n.º 1, sobre proibição de permanência, de ausência e de contactos, parece ferir direitos fundamentais, designadamente os direitos de deslocação, de fixação e de saída do território nacional, consignados no artigo 44.º da CRP, podendo configurar ainda uma restrição desproporcionada desses direitos e ferindo também, nessa medida, os n.os 2 e 3 do citado artigo 18.º, e o n.º 2 do mesmo artigo parece violar o n.º 4 do citado artigo 32.º;

i) o artigo 200.º, sobre suspensão do exercício de funções, de profissão e de direitos, parece violar o direito ao trabalho e à própria capacidade civil, consignados, respectivamente, no n.º 1 do artigo 59.º e no n.º 1 do artigo 26.º da CRP;

j) O artigo 250.º, n.º 3, ao fixar um tempo de permanência compulsória até seis horas no posto policial, para os fins aí previstos, pode violar o disposto no n.º 2 do artigo 27.º da CRP, visto parecer configurar um caso de prisão preventiva fora dos casos admitidos constitucionalmente;

l) O artigo 251.º, n.º 1, ao permitir para além dos casos previstos no artigo 174.º, n.º 4, a realização de revistas e buscas, sem prévia autorização judicial, pelos órgãos de polícia criminal, parece ofender o disposto no n.º 4 do citado artigo 32.º, bem como o direito à reserva da intimidade da vida privada, consagrado no n.º 1 do artigo 26.º;

m) O n.º 3 do artigo 252.º, permitindo a suspensão, por ordem de órgãos de polícia criminal, da remessa da correspondência, parece violar o mesmo n.º 4 do artigo 32.º;

n) O artigo 263.º, ao cometer a direcção do inquérito ao Ministério Público (MP), parece ferir o disposto no n.º 4 do artigo 32.º, já atrás referido, visto as diligências processuais que cabem nessa designação serem materialmente instrutórias e, portanto, da competência de um juiz, e, por outro lado, parece não se harmonizar com as funções constitucionais daquela magistratura, tais como são definidas no artigo 224.º, n.º 1, da CRP; e essa inconstitucionalidade tem como consequência a inconstitucionalidade do artigo 270.º;

o) O artigo 281.º, ao permitir ao MP, nos casos nele previstos, a suspensão do processo, parece violar os mesmos preceitos do n.º 4 do artigo 32.º e do n.º 1 do artigo 224.º, na medida em que subtrai à competência do juiz de instrução a disponibilidade do processo;

p) O n.º 2 do artigo 286.º, ao conferir carácter facultativo à instrução, parece ferir o mesmo artigo 32.º, n.º 4;

q) Os n.os 1 e 3 do artigo 337.º (efeitos da contumácia) parece contenderem com o disposto no n.º 1 do artigo 26.º e com o n.º 1 do artigo 62.º da CRP e, logo, com os n.os 2 e 3 do artigo 18.º Admitido o pedido, foi notificado o Governo, na pessoa do Primeiro-Ministro (PM), para sobre ele se pronunciar.

Na resposta, começa-se por afirmar que «a estrutura normativa do Código está em preocupada sintonia com as regras (e com os valores que elas implicam, e que lhe subjazem) da Constituição», prevalecendo a ideia da «concordância prática (dir-se-ia, praticável) dos direitos e garantias constitucionalmente inscritos com a trilogia de objectivos que definem o moderno processo penal: o da verdade material e da justiça; o da defesa dos direitos individuais; a recuperação da paz jurídica dos cidadãos». Em seguida analisam-se, caso a caso, as «dezoito aventadas hipóteses de colisão com as normas constitucionais», concluindo-se que «em nenhuma delas o receio é justificado».

A argumentação deduzida na resposta para cada caso será considerada na apreciação que irá ser feita de cada uma das normas arguidas de inconstitucionalidade.

Cumpre decidir.

2 - Na ideia do direito processual criminal relevam, segundo o Prof. Castanheira Neves, Sumários de Processo Criminal (1967-1968), I, n.º 1, três momentos decisivos: a), «o direito processual criminal tem por objecto intencional (ocupa-se e visa dominar) um acto - que é um processo, uma actividade desenvolvida dinamicamente segundo uma unidade intencional - de aplicação-realização concreta de um certo direito (do direito criminal)»; b), «aplicação concreta do direito, que deverá ser actuada de acordo com os princípios do Estado de direito, i. é, de acordo com a estrutura orgânico-institucional própria de uma comunidade de direito - através de um órgão jurisdicional»; c), «aplicação-actuação jurisdicional que se processa em termos (de modo ou segundo as 'formas') que permitam o acesso à verdade e realizem a justiça».

Os dois primeiros momentos - continua o autor - traduzem, no fundo, o princípio da jurisdição, pois a jurisdição é susceptível de ser considerada funcionalmente, a), e organicamente, b); o terceiro momento explicita o momento especificamente processual da jurisdição.

A aplicação concreta do direito é, para o mesmo autor, ob. cit., loc. cit., n.º 2, «a concreta realização do justo, na perspectiva do direito que se visa aplicar».

Quanto ao princípio da jurisdição, escreve:

A concreta aplicação autoritária do direito deverá competir unicamente a órgãos independentes, com uma estrita intenção de objectividade e que obedeçam apenas ao Direito (i. é, que se proponham tão-só realizar o Direito).

Ao poder-dever da jurisdição, que ao Estado compete em exclusivo, «corresponde um direito dos cidadãos: o direito a que o Estado exerça esse poder segundo o verdadeiro princípio da jurisdição - pois só assim ficam garantidas a liberdade e a personalidade das pessoas contra as prepotências do poder político».

Acerca da intencionalidade específica do processo criminal, diz finalmente que este é orientado por duas finalidades específicas. Por um lado, «propõe-se uma estrutura processual que permita, eficazmente, tanto averiguar e condenar os culpados criminalmente como defender e salvaguardar os inocentes de perseguições e condenações injustas»; por outro lado, deverá orientar-se «pela válida conciliação de dois princípios ético-jurídicos fundamentais: o princípio da reafirmação, defesa a reintegração da comunidade ético-jurídica - i. é, do sistema de valores ético-jurídicos que informam a ordem jurídica, e que encontra a sua tutela normativa no direito material criminal - e o princípio do respeito e garantia da liberdade e dignidade dos cidadãos, i. é, os direitos irredutíveis da pessoa humana».

Ensina, por sua vez, o Prof. Jorge de Figueiredo Dias, Direito Processual Penal, 1.º vol., reimpressão, 1984, § 2, II, 1:

Deste modo o processo penal constitui um dos lugares por excelência em que tem de encontrar-se a solução do conflito entre as exigências comunitárias e a liberdade de realização da personalidade individual. Aquelas podem postular, em verdade, uma «agressão» na esfera desta; agressão a que não falta a utilização de meios coercivos (prisão preventiva, exames, buscas, apreensões) e que mais difícil se torna de justificar e suportar por se dirigir, não a criminosos convictos, mas a meros «suspeitos» - tantas vezes inocentes - ou mesmo a «terceiros» (declarantes, testemunhas e até pessoas sem qualquer participação processual).

Daqui que o interesse comunitário na prevenção e repressão da criminalidade tenha de pôr-se limites - inultrapassáveis quando aquele interesse ponha em jogo a dignitas humana que pertence mesmo ao mais brutal delinquente; ultrapassáveis, mas só depois de cuidadosa ponderação da situação, quando conflitue com o legítimo interesse das pessoas em não serem afectadas na esfera das suas liberdades pessoais para além do que seja absolutamente indispensável à consecução do interesse comunitário. É através desta ponderação e da justa decisão do conflito que se exclui a possibilidade de abuso do poder - da parte do próprio Estado ou dos órgãos a ele subordinados - e se põe a força da sociedade ao serviço e sob o controle do Direito; o que traduz só, afinal, aquela limitação do poder de Estado pela possibilidade de livre realização da personalidade ética do homem que constitui o mais autêntico critério de um verdadeiro Estado de direito.

Acerca da «concreta conformação jurídico-constitucional do direito processual penal», escreve o mesmo autor, ob. cit., § 2, III, 1, depois de citar H. Henkel, segundo o qual o direito processual penal é verdadeiro direito constitucional aplicado:

Daqui resultam, entre outras, as exigências correntes: de uma estrita e minuciosa regulamentação legal de qualquer indispensável intromissão, no decurso do processo, na esfera dos direitos do cidadão constitucionalmente garantidos; de que a lei ordinária nunca elimine o núcleo essencial de tais direitos, mesmo quando a Constituição conceda àquela lei liberdade para os regulamentar; de estrito controle judicial da actividade de todos os órgãos do Estado, mesmo dos que cumpram funções puramente administrativas, desde que tal actividade se prenda com as garantias constitucionais; de proibição das jurisdições de excepção, através da garantia do juiz legal ou natural, que ponha o arguido a coberto de qualquer manipulação do direito constitucional judiciário; de proibição de provas obtidas com violação da autonomia ética da pessoa, mesmo quando esta consinta naquela; etc.

Da mesma fonte deriva, finalmente, o mandamento de que a interpretação e aplicação dos preceitos legais se perspectiva a partir da Constituição e se leve a cabo de acordo com esta.

Transcreveram-se estas passagens para mostrar a importância do processo penal, a sua estreita ligação com o direito constitucional, a delicadeza das questões que ele levanta e de que são exemplo as que o PR suscita no seu requerimento.

Antes, porém, de se entrar no exame das normas sujeitas a juízo de constitucionalidade, julga-se conveniente expor, ainda que sumariamente, o esquema do novo Código, para melhor as situar dentro desse esquema.

2.1 - Para além de disposições preliminares e gerais, abrangendo sete artigos, subordinados às epígrafes «Definições legais» (artigo 1.º), «Legalidade do processo» (artigo 2.º), «Aplicação subsidiária» (artigo 3.º), «Integração de lacunas» (artigo 4.º), «Aplicação da lei processual penal no tempo» (artigo 5.º), «Aplicação da lei processual penal no espaço» (artigo 6.º) e «Suficiência do processo penal» (artigo 7.º), o Código contém duas partes, a primeira compreendendo cinco livros, e a segunda, seis; por sua vez, os livros estão subdivididos em títulos, capítulos, secções e artigos. Os livros estão subordinados às seguintes rubricas: livro I - «Dos sujeitos do processo» (artigos 8.º a 84.º); livro II - «Dos actos processuais» (artigos 85.º a 123.º); livro III - «Da prova» (artigos 124.º a 190.º); livro IV - «Das medidas de coacção e de garantia patrimonial» (artigos 191.º a 228.º); livro V - «Relações com autoridades estrangeiras» (artigos 229.º a 240.º); livro VI - «Das fases preliminares» (artigos 241.º a 310.º); livro VII - «Do julgamento» (artigos 311.º a 380.º); livro VIII - «Dos processos especiais» (artigos 381.º a 398.º); livro IX - «Dos recursos» (artigos 399.º a 466.º); livro X - «Das execuções» (artigos 467.º a 512.º); livro XI - «Da responsabilidade por imposto de justiça e por custas» (artigos 513.º a 524.º).

Algumas definições, constantes do artigo 1.º, interessa aqui destacar: autoridade judiciária - o juiz, o juiz de instrução e o ministério público, cada um relativamente aos actos processuais que cabem na sua competência; órgãos de polícia criminal - todas as entidades e agentes policiais a quem caiba levar a cabo quaisquer actos ordenados por uma autoridade judiciária ou determinados pelo Código; autoridade de polícia criminal - os directores, oficiais, inspectores e sub-inspectores de polícia e todos os funcionários policiais a quem as leis respectivas reconhecerem essa qualificação; suspeito - toda a pessoa relativamente à qual exista indício de que cometeu ou se prepara para cometer um crime, ou que nele participou ou se prepara para participar. Ainda segundo o mesmo artigo, somente podem considerar-se como casos de terrorismo, criminalidade violenta ou altamente organizada as condutas que: a), integrarem os crimes previstos nos artigos 287.º, 288.º ou 289.º do Código Penal (CP); b), dolosamente se dirigirem contra a vida, a integridade física ou a liberdade das pessoas e forem puníveis com pena de prisão de máximo igual ou superior a cinco anos.

As normas arguidas de inconstitucionalidade situam-se nos livros II, III, IV, VI e VII.

Assim:

a) O artigo 108.º está incluído no título III - «Do tempo dos actos e da aceleração do processo» - do livro II;

b) Os artigos 135.º e 143.º pertencem, respectivamente, ao capítulo I - «Da prova testemunhal» - e ao capítulo II - «Das declarações do arguido, do assistente e das partes civis» - do título II - «Dos meios de prova» - do livro III; e os artigos 174.º, 177.º, 178.º, 187.º e 190.º fazem parte do título III - «Dos meios de obtenção da prova» - do mesmo livro III, encontrando-se os dois primeiros no capítulo II - «Das revistas bruscas» -, o terceiro no capítulo III - «Das apreensões» - e os dois últimos no capítulo IV - «Das escutas telefónicas»;

c) Os artigos 199.º e 200.º estão no título II - «Das medidas de coacção» -, capítulo I - «Das medidas admissíveis» -, do livro IV;

d) Os artigos 250.º, 251.º, 252.º, 263.º, 270.º, 281.º e 286.º estão integrados no livro VI, encontrando-se os três primeiros no título I - «Disposições gerais» -, capítulo II - «Das medidas cautelares e de polícia» -, os três seguintes no título II - «Do inquérito» -, capítulos I - «Disposições gerais» -, II - «Dos actos de inquérito» - e III - «Do encerramento do inquérito» -, respectivamente, e o último no título III - «Da instrução» -, capítulo I - «Disposições gerais»;

e) O artigo 337.º está abrangido no capítulo II - «Dos actos introdutórios» - do título II - «Da audiência» - do livro VII.

Normalmente, deveriam estas normas ser apreciadas pela ordem indicada, que é a que consta do requerimento do PR.

Vindo, porém, questionada a legitimidade constitucional da direcção do inquérito pelo MP (n.º 1 do artigo 263.º) e do carácter facultativo da instrução (n.º 2 do artigo 286.º), situando-se estas disposições, respectivamente, no título II (artigos 262.º a 285.º) e no título III (artigos 286.º a 310.º) do livro VI - «Das fases preliminares» (artigos 241.º a 310.º), e sendo as matérias relativas à prova - que consta do livro III (artigos 124.º a 190.º) -, às medidas de coação e de garantia patrimonial - que constituem o livro IV (artigos 191.º a 228.º) - e às medidas cautelares e de polícia, que integram o capítulo II (artigos 248.º a 253.º) do título I - «Disposições gerais» do livro VI - «Das fases preliminares» - matérias comuns ao inquérito e à instrução, impõe a lógica que a apreciação daquelas normas - n.º 1 do artigo 263.º e n.º 2 do artigo 286.º - preceda a das outras.

Passemos então ao exame das normas questionadas, respeitando essa ordem.

2.2 - Artigo 108.º, n.º 2, alínea b).

Depois de dizer no seu n.º 1 que, «quando tiverem sido excedidos os prazos previstos na lei para a duração de cada fase do processo, podem o MP, o arguido, o assistente ou as partes civis, requerer a aceleração processual», acrescenta o artigo 108.º, no n.º 2, que «o pedido é decidido: a), pelo procurador-geral da República, se o processo estiver sob a direcção do MP; b), pelo CSM, se o processo decorrer perante o tribunal ou o juiz».

É esta alínea b) que, segundo o PR, contende com o disposto no artigo 208.º da CRP, embora a mesma alínea seja «atenuada» - diz-se - pelo disposto no artigo 109.º, n.º 5, alínea d), do Código.

Como se sabe, esse artigo 208.º consagra a independência dos tribunais.

Traduz-se tal independência, segundo o Prof. Castro Mendes, «Nótula sobre o artigo 208.º da Constituição - Independência dos juízes» (nos Estudos sobre a Constituição, 3.º vol., p. 653), em, no momento da decisão, não pesarem sobre o decidente outros factores que não os juridicamente adequados a conduzir à legalidade e justiça da mesma decisão. Uma das vertentes dessa independência é, ainda para o mesmo autor, a «independência dos juízes perante a própria classe», no sentido de que eles não podem ser sujeitos a pressões do seu órgão superior de gestão e disciplina, que é o CSM.

Ora, requerida a aceleração processual, pode o CSM: indeferir o pedido; requisitar informações complementares; mandar proceder a inquérito sobre os atrasos e as condições em que se verificaram; propor ou determinar as medidas disciplinares, de gestão, de organização ou de racionalização de métodos que a situação justificar [artigo 109.º, n.º 5, alíneas a), b), c) e d)].

Daqui decorre, em primeiro lugar, que o incidente da aceleração processual está pensado para os tribunais judiciais, por ser apenas sobre os juízes desses tribunais que o CSM tem acção disciplinar (artigo 222.º da CRP), e, em segundo lugar, que ao CSM não é facultado emitir injunções à prática de actos jurisdicionais.

Não se vê, portanto, como possa estar em causa a independência desses tribunais.

Fica mesmo sem se compreender a «atenuação» que no requerimento do PR se diz representar, em relação ao artigo 108.º, n.º 2, alínea b), a alínea d) do n.º 5 do artigo 109.º: como se defende na resposta do Governo, o que a alínea d) do n.º 5 do artigo 109.º faz, como de resto as restantes alíneas desse número, é «definir», «concretizar», o sentido da deliberação a tomar pelo CSM.

2.3 - Artigos 263.º, 270.º, n.º 1, e 286.º, n.º 2.

Como se disse, o título II do livro VI do Código trata do «inquérito» e o título III do mesmo livro ocupa-se da «instrução». «O inquérito», diz o n.º 1 do artigo 262.º, «compreende o conjunto de diligências que visam investigar a existência de um crime, determinar os seus agentes e a responsabilidade deles e descobrir e recolher as provas, em ordem à decisão sobre a acusação». Por sua vez, a instrução visa, segundo o disposto no n.º 1 do artigo 286.º, «a comprovação judicial da decisão de deduzir acusação ou de arquivar o inquérito, em ordem a submeter ou não a causa a julgamento», e, nos termos do n.º 2 do mesmo artigo, «tem carácter facultativo e não pode ter lugar nas formas de processos especiais», ou seja no processo sumário e no processo sumaríssimo.

«A direcção do inquérito», dispõe o n.º 1 do artigo 263.º, «cabe ao MP, assistido pelos órgãos de polícia criminal», actuando estes - como se esclarece no n.º 2 - «sob a directa orientação do ministério público e na sua dependência funcional».

Mas o MP pode mesmo, em princípio - nos termos do n.º 1 do artigo 270.º -, «conferir a órgãos de polícia criminal o encargo de procederem a quaisquer diligências e investigações relativas ao inquérito».

Ora, considerando, por um lado, que as diligências processuais que a lei inclui sob a designação de «inquérito» são, materialmente, instrutórias - portanto, da competência de um juiz (n.º 4 do artigo 32.º da CRP) - e, por outro lado, que a direcção do inquérito não se harmoniza com as funções constitucionais atribuídas ao MP pelo n.º 1 do artigo 224.º da lei fundamental, argúi o PR de inconstitucionais as normas dos citados artigos 263.º e 286.º, n.º 2 (primeira parte - entenda-se), por violação daqueles preceitos.

Pelo CPP aprovado pelo Decreto 16489, de 15 de Fevereiro de 1929, quem dirigia a instrução do processo era o juiz (artigo 159.º). Segundo o disposto no artigo 158.º, a instrução tinha por fim «averiguar a existência das infracções, fazer a investigação dos seus agentes e determinar a sua responsabilidade», devendo nela, «tanto quanto possível, investigar-se as causas e circunstâncias da infracção, os antecedentes e o estado psíquico dos seus agentes, no que interessa à causa, e ainda o dano causado ao ofendido, a situação económica e a condição social deste e do infractor, para se poder determinar a indemnização por perdas e danos». O MP limitava-se a promover as diligências de instrução (artigo 159.º). A par do «corpo de delito» - ou seja o conjunto de diligências destinadas à instrução do processo -, podia haver em todos os processos criminais, excepto no sumário e no de transgressões, a instrução contraditória, a requerimento dos arguidos (artigos 170.º e 326.º).

O Decreto-Lei 35007, de 13 de Outubro de 1945, que remodelou alguns princípios básicos do processo penal, introduziu precisamente no domínio da instrução alterações profundas. Assim, por força do § 2.º do seu artigo 12.º, passaram a ser «exercidos pelo MP todos os poderes e funções que no Código se atribuem ao juiz nessa fase do processo, com ressalva do disposto no artigo 21.º do presente decreto-lei» (este artigo continha disposições para o caso de haver arguidos presos); e a instrução contraditória passou a ser obrigatória nos processos de querela (artigo 34.º), devendo o MP requerê-la no mesmo acto em que deduzia a acusação (artigo 24.º). A instrução continuou, porém, a ter por fim «verificar a existência das infracções, determinar os seus agentes e averiguar a sua responsabilidade», devendo, «tanto quanto possível, investigar-se os motivos e circunstâncias da infracção, os antecedentes e estado psíquico dos seus agentes, no que interessa à causa, e os elementos de facto que importa conhecer para fixar a indemnização por perdas e danos» (artigo 10.º). Por imperativo legal, de resto, deviam na «instrução preparatória» - «corpo de delito», na terminologia do Código - «efectuar-se não só as diligências conducentes a provar a culpabilidade dos arguidos, mas também aquelas que possam concorrer para demonstrar a sua inocência e responsabilidade» (§ 1.º do artigo 12.º).

Com o movimento de 25 de Abril de 1974, o Programa do Movimento das Forças Armadas determinou, entre as medidas a curto prazo, a dignificação do processo penal em todas as suas fases. E, tendo o Plano de Acção do Ministério da Justiça, aprovado em Conselho de Ministros de 20 de Setembro de 1974, considerado prioritária, em ordem ao cumprimento daquela directriz, a simplificação e celeridade do processo penal, o Decreto-Lei 605/75, de 3 de Novembro, instituiu o «inquérito policial» relativamente aos crimes puníveis com pena correccional, «a menos que o arguido tenha sido preso e nessa situação haja sido ouvido em auto, caso em que haverá lugar a instrução preparatória, nos termos do CPP e legislação complementar» (artigo 1.º). Para proceder a esse inquérito tinham competência, além do MP, todas as autoridades policiais (artigo 3.º). O inquérito era, depois de concluído, enviado pela entidade policial ao MP, que podia completá-lo ou devolvê-lo à autoridade que a ele tivesse procedido para que esta o completasse (artigo 4.º).

A Constituição de 1976 veio, porém, determinar, no artigo 32.º, entre as «garantias do processo criminal», que «toda a instrução será da competência de um juiz» (n.º 4, primeira parte).

E logo se suscitaram dúvidas acerca da legitimidade constitucional do inquérito, dúvidas que permaneceram não obstante as alterações introduzidas no Decreto-Lei 605/75 pelo Decreto-Lei 377/77, de 6 de Setembro, e que se traduziram nomeadamente na mudança da designação, de «inquérito policial» para «inquérito preliminar», e na atribuição da competência para o promover, por via da regra, ao MP. Sobre a questão podem ver-se: Rui Pinheiro e Artur Maurício, A Constituição e o Processo Penal, 1976, cap. III (no sentido da não inconstitucionalidade); acórdãos da Comissão Constitucional n.os 6, 39 e 49, de 5 de Maio, 6 de Outubro e 23 de Novembro, respectivamente, publicados no Apêndice ao Diário da República, de 6 de Junho de 1977, o primeiro, e de 30 de Dezembro de 1977, os dois últimos (no sentido da não inconstitucionalidade, com excepção da norma do n.º 3 do artigo 2.º, que permitia a realização, mediante prévia autorização do MP, de buscas domiciliárias, autópsias e exames que pudessem ofender o pudor das pessoas examinadas); Germano Marques da Silva, assistente da Faculdade de Direito da Universidade Católica (Lisboa), «Da inconstitucionalidade do inquérito preliminar», estudo publicado na Scientia Juridica, t. XXI, 1982, p. 325 (no sentido da inconstitucionalidade do inquérito, como o título do estudo deixa perceber, por ofensa do n.º 4 do artigo 32.º da CRP); João Castro e Sousa, assistente da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, A Tramitação do Processo Penal, 1985, cap. III, n.º 2.2.2.3 (no sentido da compatibilidade do inquérito com a CRP).

Que dizer agora do «inquérito» do novo CPP ou, mais precisamente, da norma que atribui a sua direcção ao MP (n.º 1 do artigo 263.º) e da que dá carácter facultativo à instrução (primeira parte do n.º 2 do artigo 286.º)? O n.º 4 do artigo 32.º, que se invoca como violado por essas normas, tinha na versão originária da CRP a seguinte redacção:

Toda a instrução será da competência de um juiz, indicando a lei os casos em que ela deve assumir forma contraditória.

Esse número diz hoje:

Toda a instrução é da competência de um juiz, o qual pode, nos termos da lei, delegar noutras entidades a prática dos actos instrutórios que se não prendam directamente com os direitos fundamentais.

A segunda parte do primitivo n.º 4 passou para a segunda parte do actual n.º 5: na verdade, onde se dizia (n.º 5) «o processo criminal terá estrutura acusatória, ficando a audiência do julgamento subordinada ao princípio do contraditório», diz-se agora «o processo criminal tem estrutura acusatória, estando a audiência de julgamento e os actos instrutórios que a lei determinar subordinados ao princípio do contraditório».

O que está em causa, porém, é só a primeira parte do n.º 4, que impõe que toda a instrução seja da competência de um juiz.

Diga-se desde já que, na sua actual redacção, esse n.º 4 é menos exigente que na anterior: permite-se agora expressamente que o juiz delegue noutras entidades - em termos a fixar por lei - a prática dos actos instrutórios que se não prendam directamente com os direitos fundamentais.

Mas fica sempre o princípio: a competência para a instrução pertence a um juiz. E que a finalidade do «inquérito» é a mesma que as leis anteriores atribuíam ao «corpo de delito» e à «instrução preparatória» parece fora de dúvida: o inquérito compreende, nos precisos termos da nova lei, o conjunto de diligências que visam investigar a existência de um crime, determinar os seus agentes e a responsabilidade deles e descobrir e recolher as provas, em ordem à decisão sobre a acusação.

Simplesmente, a instrução de que se fala no citado n.º 4 pode ser entendida - era nesse sentido a jurisprudência da Comissão Constitucional - como não abrangendo «todas as formas de averiguação, investigação ou corpo de delito suficientes para apresentação do feito em juízo». A intervenção do juiz - lê-se no Acórdão 6 - justifica-se «para salvaguardar a liberdade e a segurança dos cidadãos no decurso do processo crime e para garantir que a prova canalizada para o processo foi obtida com respeito pelos direitos fundamentais». Se esses valores forem respeitados, não há obstáculo à admissibilidade de uma «fase pré-processual» ou «extraprocessual».

Semelhante posição defendeu o Prof. Figueiredo Dias, quer nas intervenções que teve no encontro-debate organizado pelo Sindicato dos Magistrados do Ministério Público, que decorreu nos dias 7 e 8 de Fevereiro de 1981, no Tribunal da Boa-Hora, em Lisboa, e que podem ver-se em A Revisão Constitucional, o Processo Penal e os Tribunais, Livros Horizonte, 1981, pp. 43 e segs. e 80 e segs., quer na conferência proferida em 23 de Julho de 1983, na Ordem dos Advogados do Porto, subordinada ao título «Para uma reforma global do processo penal português - Da sua necessidade e de algumas orientações fundamentais» e que, depois de reelaborada, foi publicada em Para Uma Nova Justiça Penal, 1983, pp. 189 e segs.

«O processo penal», lê-se no capítulo V, n.º 1, alínea a), desta conferência, «deve iniciar-se com uma fase - cuja denominação é em larga medida indiferente, mas que, com razoável correcção, se chamará inquérito preliminar - que tenha por finalidade a investigação da notitia criminis e, consequentemente, a fundamentação cabal de uma decisão de acusação ou de não acusação. A direcção desta fase deve caber ao Ministério Público, que assim retomará em plenitude a sua função tradicional de domínio da investigação criminal pré-judicial, assistido pelos órgãos de polícia judiciária. Tornando-se necessária, nesta fase, a prática de actos que directamente se prendam com a esfera dos direitos fundamentais das pessoas, tais actos deverão ser autorizados - e alguns deles (os que deverem constituir 'actos judiciais' para efeitos dos artigos 205.º e 206.º da Constituição) mesmo praticados - pelo juiz de instrução.» Ora, apesar de, pelo novo Código, a direcção do inquérito caber ao MP, há actos que competem exclusivamente ao juiz de instrução nos termos dos artigos 268.º e 269.º: proceder ao primeiro interrogatório judicial de arguido detido; proceder à aplicação das medidas de coacção ou de garantia patrimonial previstas nos artigos 197.º (caução), 198.º (obrigação de apresentação periódica), 199.º (proibição de permanência, de ausência e de contactos), 200.º (suspensão do exercício de funções, de profissão e de direitos), 201.º (obrigação de permanência na habitação) e 202.º (prisão preventiva); proceder a buscas e apreensões em escritório de advogado, consultório médico ou estabelecimento bancário; tomar conhecimento, em primeiro lugar, do conteúdo da correspondência apreendida; ordenar ou autorizar buscas domiciliárias, apreensões de correspondência, intercepções ou gravações de conversações ou comunicações telefónicas, bem como «a prática de quaisquer actos que a lei expressamente fizer depender de ordem ou autorização do juiz de instrução».

Por outro lado, tendo, é certo, a instrução carácter facultativo, pode sempre o arguido requerer a sua abertura «relativamente a factos pelos quais o MP, ou o assistente em caso de procedimento dependente de acusação particular, tiverem deduzido acusação» [artigo 287.º, n.º 1, alínea a)].

Sendo assim, e não podendo duvidar-se de que a direcção do inquérito cabe nas funções do MP, definidas no n.º 1 do artigo 224.º da CRP (na parte em que este preceito lhe dá competência para «exercer a acção penal»), parece não poderem levantar-se obstáculos, quer ao artigo 263.º, quer à primeira parte do n.º 2 do artigo 286.º E não sendo inconstitucional a direcção do inquérito pelo MP, fica afastada a inconstitucionalidade «consequencial» do n.º 1 do artigo 270.º do Código, que permite, em princípio, a delegação, pelo MP, de actos de inquérito a órgãos de polícia criminal.

2.4 - Artigo 135.º, n.os 2 e 3.

Depois de, no seu n.º 1, dispor que as pessoas a quem a lei permitir ou impuser que guardem segredo profissional - entre as quais inclui os jornalistas - «podem escusar-se a depor sobre os factos abrangidos por aquele segredo», acrescenta o artigo 135.º:

2 - Havendo dúvidas fundadas sobre a legitimidade da escusa, a autoridade judiciária perante a qual o incidente se tiver suscitado procede às averiguações necessárias. Se, após estas, concluir pela ilegitimidade da escusa, ordena, ou requer ao tribunal que ordene, a prestação do depoimento.

3 - O tribunal imediatamente superior àquele onde o incidente se tiver suscitado ou, no caso de o incidente se ter suscitado perante o Supremo Tribunal de Justiça, o plenário das secções criminais pode decidir da prestação de testemunho com quebra do segredo profissional, quando se verificarem os pressupostos referidos no artigo 185.º do CP. A intervenção é suscitada pelo juiz, oficiosamente ou a requerimento, e é precedida de audição do organismo representativo da profissão relacionada com o segredo profissional em causa.

No entender do PR, os n.os 2 e 3 deste artigo violarão o disposto no n.º 3 do artigo 38.º da CRP no que se refere à protecção da independência e do sigilo profissional dos jornalistas.

O Governo contraria esta posição, argumentando que «o que naqueles n.os 2 e 3 do artigo 135.º se pretende, ultima ratio, é proteger o legítimo exercício do segredo profissional - face a uma fictícia e infudamentada invocação do mesmo». «Não se pretende tolher o uso», diz, a terminar, o Governo, «mas acautelar o abuso.» Há aqui, segundo se pensa, duas questões diferentes.

A primeira está em saber se, invocado o segredo profissional como fundamento de escusa a depor, à autoridade judiciária só resta uma atitude passiva, isto é, aceitar, sem mais, o fundamento invocado, ou se à mesma autoridade é consentido indagar da legitimidade da escusa e chegar à conclusão de que, no caso concreto, o facto não está abrangido pelo segredo. É esta primeira questão que o n.º 2 resolve, dando à autoridade judiciária o poder de averiguar a legitimidade da escusa e, se concluir pela ilegitimidade, ordenar, ou requerer ao tribunal que ordene, a prestação do depoimento. E neste caso pode dizer-se, com o Governo, que não há violação do segredo profissional.

A outra questão consiste em saber se, averiguado que o facto em causa está abrangido pelo segredo profissional, pode ainda assim ordenar-se a prestação do depoimento, com quebra, portanto, desse segredo. É a questão resolvida pelo n.º 3, nos seguintes termos: em primeiro lugar, atribuindo-se a competência para decidir o incidente ao tribunal imediatamente superior àquele onde o mesmo se tiver suscitado ou, no caso de o incidente se ter suscitado perante o Supremo Tribunal de Justiça, ao plenário das secções criminais; em segundo lugar, conferindo ao juiz o poder de, oficiosamente ou a requerimento, suscitar a intervenção daquele tribunal;

em terceiro lugar, fazendo preceder a decisão da audição do organismo representativo da profissão relacionada com o segredo profissional em causa; em quarto lugar, possibilitando a quebra do segredo profissional, quando se verificarem os pressupostos referidos no artigo 185.º do CP.

Haverá, assim, quebra do segredo profissional se, nos termos deste artigo 185.º, o segredo «for revelado no cumprimento de um dever jurídico sensivelmente superior ou visar um interesse público ou privado legítimo, quando, considerados os interesses em conflito e os deveres de informação que, segundo as circunstâncias, se impõem ao agente, se puder considerar meio adequado para alcançar aquele fim».

Será isto inconstitucional? O n.º 3 do artigo 38.º da Constituição foi introduzido pela Lei Constitucional 1/82, de 30 de Setembro. Individualizam-se nele quatro direitos dos jornalistas, todos eles incluídos na liberdade de imprensa: o direito de acesso às fontes de informação, o direito à protecção da independência profissional, o direito à protecção do sigilo profissional e o direito de elegerem conselhos de redacção.

No que respeita ao direito à protecção do sigilo profissional, único aqui em causa, a CRP remete para a lei ordinária: a liberdade de imprensa implica o direito dos jornalistas, nos termos da lei - lê-se no referido n.º 3 -, à protecção do sigilo profissional.

Cabe, portanto, à lei delimitar o seu âmbito e garantir o seu exercício.

A questão estará, pois, em saber se a restrição aqui estabelecida constitui uma «agressão desproporcionada» ao segredo profissional garantido aos jornalistas.

E a resposta parece dever ser negativa, dados os valores em favor dos quais o segredo profissional dos jornalistas é sacrificado e as cautelas de que se faz rodear a quebra do segredo.

2.5 - Artigo 143.º, n.º 4.

No n.º 1 do artigo 141.º dispõe-se que o arguido detido que não deva ser de imediato julgado é interrogado pelo juiz de instrução, no prazo máximo de quarenta e oito horas após a detenção, logo que lhe for presente com a indicação dos motivos da detenção e das provas que a fundamentam. Nos números seguintes desse artigo regula-se o interrogatório. Durante este - diz o n.º 6 -, «o MP e o defensor, sem prejuízo do direito de arguir nulidades, abstêm-se de qualquer interferência»; podem, no entanto, findo ele, e fora da presença do arguido, «requerer ao juiz que formule àquele as perguntas que entenderem convenientes para a descoberta da verdade».

Se o arguido não for interrogado pelo juiz de instrução em acto seguido à detenção, manda o n.º 1 do artigo 143.º que ele seja «apresentado ao MP competente na área em que a detenção se tiver operado, podendo este ouvi-lo sumariamente». «O interrogatório obedece, na parte aplicável», estabelece o n.º 2, «às disposições relativas ao primeiro interrogatório judicial de arguido detido, excepto pelo que respeita à assistência de defensor, a qual só tem lugar se o arguido, depois de informado sobre os direitos que lhe assistem, a solicitar.» «Após o interrogatório sumário», acrescenta o n.º 3, «o MP, se não libertar o arguido, providencia para que ele seja presente ao juiz de instrução.» Diz finalmente o n.º 4 deste artigo que «nos casos de terrorismo, criminalidade violenta ou altamente organizada, o MP pode determinar que o detido não comunique com pessoa alguma antes do primeiro interrogatório judicial». Em concordância com ele, confere o artigo 61.º ao arguido, em qualquer fase do processo, o direito de, quando detido, comunicar, mesmo em privado, com o defensor oficioso, «sem prejuízo do disposto no artigo 143.º, n.º 4».

Ora, para o PR parece haver aqui violação do n.º 3 do artigo 32.º da CRP, na parte em que esse número dá ao arguido o direito a ser assistido por defensor em todos os actos do processo.

Acerca desta questão escreveu o Prof. Figueiredo Dias, citado Direito Processual Penal, § 14, IV, 5 (note-se que a primeira impressão do livro é de 1974):

Pedra fundamental da consciência do direito de defesa será, por último, o direito do defensor de comunicar, oralmente e por escrito, com o arguido.

E mais adiante:

Nos termos do § 1.º do artigo 311.º do CPP (que se ligou à doutrina que constava já do artigo 274.º, na formulação anterior ao Decreto-Lei 185/72), «os presos (refere-se, como resulta do corpo do artigo, aos presos sem culpa formada) não poderão comunicar com pessoa alguma antes do primeiro interrogatório. O juiz, ou o agente do MP na instrução preparatória, poderá ordenar em decisão fundamentada que o arguido continue incomunicável depois de interrogado, contanto que a incomunicabilidade não exceda quarenta e oito horas». E acrescenta o § 2.º:

«Depois de terminada a incomunicabilidade e enquanto durar a instrução preparatória, o agente do MP pode proibir a comunicação do arguido com certas pessoas, ou condicioná-la, se tal se mostrar indispensável para evitar tentativas de perturbação da instrução do processo.» No presente contexto, estas disposições não nos interessam como regulamentação dos termos da prisão preventiva, antes só nos seus reflexos sobre o exercício da função do defensor. Mas, justamente nessa perspectiva, a doutrina que nelas se contém surge como absolutamente inadmissível. É absurdo que a lei se tenha preocupado seriamente (como vimos ter sucedido com o Decreto-Lei 185/72) em assegurar a assistência obrigatória do defensor a qualquer interrogatório de arguidos presos, durante a instrução preparatória, e ao mesmo tempo tenha tirado quase toda a eficácia real a tal assistência, decretando a incomunicabilidade total antes do primeiro interrogatório e frustrando, assim, o direito de comunicação prévia entre arguido e defensor.

Uma tal contradição só não existiria, é claro, se a assistência do defensor aos interrogatórios tivesse por único fim desencorajar ou impossibilitar o uso sobre o arguido de sevícias ou quaisquer outros métodos ilegítimos de interrogatório. Mas sabe-se que assim não é e que uma tal assistência visa também garantir o mais possível a pureza real dos autos, evitar declarações emitidas por equívoco, confusão, receio ou ignorância, permitir, enfim, a plena consistência futura do direito de defesa. Ora é meridianamente evidente que nada disto se logrará se não for permitida a consulta e comunicação prévia do arguido com o seu defensor. Por isso mesmo é que hoje a generalidade das legislações põe ainda maior cuidado no asseguramento desta comunicação (em reais condições de liberdade, segurança e segredo) do que propriamente na obrigatoriedade da assistência (física) do defensor aos interrogatórios; com particular relevo para os direitos inglês e americano, que vêem inclusivamente como nulidade do processo o incumprimento, pelos órgãos policiais e instrutórios, do dever de advertirem o arguido, no momento da prisão, de que tem o direito de «se consultar com um advogado» antes de prestar quaisquer declarações.

Bem se compreende que, deste ponto de vista, o erro da nossa legislação não esteja tanto no modo como regulamenta a incomunicabilidade, quanto na extensão desta à pessoa do defensor. Até ao ponto de não ser aventuroso afirmar que, face ao asseguramento das «necessárias garantias de defesa» mesmo antes da formação da culpa, pelo artigo 8.º, n.º 10, da CRP, a constitucionalidade dos §§ 1.º e 2.º do artigo 311.º do CPP só poderá aceitar-se quando a doutrina neles contida se não estenda à pessoa do defensor.

O n.º 3 do artigo 32.º da actual Constituição enumera, entre as «garantias de processo criminal», o direito do arguido a ser «assistido» por defensor em todos os actos do processo. E tem-se como certo que esta «assistência» abrange não apenas a simples presença física do defensor aos actos do processo, mas o direito de o arguido comunicar com ele.

Ora, conferindo o n.º 4 do artigo 143.º ao MP o poder de, nos casos aí previstos - de terrorismo, criminalidade violenta ou altamente organizada -, «determinar que o detido não comunique com pessoa alguma antes do primeiro interrogatório judicial» e não podendo o arguido comunicar com o seu defensor durante os interrogatórios, é forçoso concluir pela inconstitucionalidade dessa norma, na parte em que abrange o defensor.

2.6 - Artigos 174.º, n.os 3 e 4, e 177.º, n.º 2.

O n.º 1 do artigo 174.º permite revista «quando houver indícios de que alguém oculta na sua pessoa quaisquer objectos relacionados com um crime ou que possam servir de prova»; por sua vez, o n.º 2 permite busca «quando houver indício de que os objectos referidos no número anterior, ou o arguido ou outra pessoa que deva ser detida, se encontram em lugar reservado ou não livremente acessível ao público».

«As revistas e as buscas», estabelece o n.º 3, «são autorizadas ou ordenadas por despacho pela autoridade judiciária competente, devendo esta, sempre que possível, presidir à diligência.» Todavia, «ressalvam-se das exigências contidas no número anterior», continua o n.º 4, «as revistas e as buscas efectuadas por órgão de polícia criminal nos casos: a), de terrorismo, criminalidade violenta ou altamente organizada, quando haja fundados indícios da prática iminente de crime que ponha em grave risco a vida ou a integridade de qualquer pessoa; b), em que os visados consintam, desde que o consentimento prestado fique, por qualquer forma, documentado; ou c), aquando de detenção em flagrante por crime a que corresponda pena de prisão».

Por sua vez, o artigo 177.º, depois de estabelecer o princípio de que «a busca em casa habitada ou numa sua dependência fechada só pode ser ordenada ou autorizada pelo juiz» (n.º 1), exceptua, no n.º 2, os casos referidos no artigo 174.º, n.º 4 - já atrás especificados -, nos quais «as buscas domiciliárias podem também ser ordenadas pelo MP ou ser efectuadas por órgão de polícia criminal».

Fixam, pois, estes artigos os seguintes regimes, na parte que interessa:

a) Revistas e buscas não domiciliárias: 1), nos casos gerais, são autorizadas ou ordenadas pela autoridade judiciária competente, devendo esta, sempre que possível, presidir à diligência (n.º 3 do artigo 174.º); 2), nos casos previstos no n.º 4 do artigo 174.º, são efectuadas por órgão de polícia criminal, independentemente de autorização da autoridade judiciária;

b) Buscas domiciliárias: 1), nos casos gerais, só podem ser ordenadas ou autorizadas pelo juiz (n.º 1 do artigo 177.º); 2), nos casos previstos no n.º 4 do artigo 174.º, podem ser ordenadas pelo MP e ser efectuadas por órgão de polícia criminal (n.º 2 do artigo 177.º).

Entende o PR, por um lado, que, ao permitirem revistas e buscas sem autorização prévia do juiz, os n.os 3 e 4 do artigo 174.º contendem com o disposto no n.º 6 do artigo 32.º da CRP, na parte em que ele fere de nulidade as provas obtidas mediante «abusiva intromissão na vida privada», e que o n.º 4 do mesmo artigo e o n.º 2 do artigo 177.º, ao permitirem buscas domiciliárias sem prévia autorização judicial, violam o n.º 2 do artigo 34.º da Constituição.

Quanto às revistas e buscas não domiciliárias:

O n.º 6 do artigo 32.º da CRP só considera nulas, no que aqui importa, as provas obtidas mediante abusiva intromissão na vida privada. Ora, sendo as revistas e buscas não domiciliárias - no âmbito, é claro, do inquérito - autorizadas ou ordenadas pelo MP - que é «autoridade judiciária» nos termos da alínea b) do n.º 1 do artigo 1.º do Código -, e especificando-se nos n.os 1 e 2 do artigo 174.º os casos em que elas são admitidas, não se vê que estejamos em presença de uma intromissão abusiva na vida privada. E o mesmo parece poder dizer-se, embora aí se dispense a autorização prévia do MP, em relação aos casos previstos no n.º 4 do artigo 174.º, face às exigências feitas nas próprias alíneas desse número e, no caso da alínea a), ainda no n.º 5 do mesmo artigo.

Não há aqui, pois, violação do n.º 6 do artigo 32.º E não se pode falar, por outro lado, na violação do n.º 2 do artigo 34.º - que só autoriza a «entrada no domicílio dos cidadãos», contra a sua vontade, quando «ordenada pela autoridade judicial competente, nos casos e segundo as formas previstas na lei» -, desde logo porque este Tribunal entende que no artigo 174.º se não abrange a entrada no «domicílio» dos cidadãos (as buscas domiciliárias são reguladas no artigo 177.º).

Quanto às buscas domiciliárias:

Do princípio, estabelecido no n.º 1 do artigo 34.º da CRP, de que o domicílio é inviolável exceptua o n.º 2 do mesmo artigo a «entrada no domicílio dos cidadãos contra a sua vontade», quando «ordenada pela autoridade judicial competente, nos casos e segundo as formas previstas na lei», com o limite constante do n.º 3, de que «ninguém pode entrar durante a noite no domicílio de qualquer pessoa sem o seu consentimento».

Também aqui a CRP remete para a lei a especificação dos «casos» e das «formas» em que é permitida a entrada no domicílio dos cidadãos contra a sua vontade, com a condição, porém, de ela ser ordenada pela «autoridade judicial».

Ora, como vimos, o n.º 2 do artigo 177.º permite que as buscas domiciliárias sejam ordenads pelo MP ou efectuadas por órgãos de polícia criminal (mesmo sem autorização do MP) nos seguintes casos, já atrás referidos: a), de terrorismo, criminalidade violenta ou altamente organizada, quando haja fundados indícios da prática iminente de crime que ponha em grave risco a vida ou a integridade de qualquer pessoa; b), em que os visados consintam, desde que o consentimento prestado fique, por qualquer forma, documentado; c), aquando de detenção em flagrante por crime a que corresponda pena de prisão. E o mesmo preceito acrescenta, na sua parte final, que «é correspondentemente aplicável o disposto no artigo 174.º, n.º 5».

Haverá nesta norma alguma inconstitucionalidade? Na sua remissão para a alínea a) do n.º 4 do artigo 174.º, ela não pode haver-se como inconstitucional, por o direito à inviolabilidade do domicílio, enunciado nos n.os 1, 2 e 3 do artigo 34.º da CRP, dever compatibilizar-se com o direito à vida e com o direito à integridade pessoal, consignados, respectivamente, nos artigos 24.º e 25.º da lei fundamental e que aquela alínea a) procura defender, direitos que hão-de entender-se como limites imanentes do direito em causa.

Também na sua remissão para a alínea b) do n.º 4 do artigo 174.º ela não é inconstitucional, porque, consentindo os visados, ou, por outras palavras, não se verificando a entrada no domicílio «contra a sua vontade», não se viola o domicílio.

Já, porém, se considera inconstitucional a norma em questão na parte em que remete para a alínea c) do n.º 4 do artigo 174.º, porque, entendendo o Tribunal que «autoridade judicial» para os efeitos do artigo 34.º, n.º 2, é apenas o juiz, não se vê que neste caso esteja em jogo qualquer valor que deva prevalecer sobre a garantia constitucional de reserva do juiz.

2.7 - Artigo 178.º, n.º 3.

O n.º 1 deste artigo manda apreender «os objectos que tiverem servido ou estivessem destinados a servir a prática de um crime, os que constituírem o seu produto, lucro, preço ou recompensa, e bem assim todos os objectos que tiverem sido deixados pelo agente no local do crime ou quaisquer outros susceptíveis de servir a prova».

Nos termos do n.º 3, «as apreensões são autorizadas ou ordenadas por despacho da autoridade judiciária, salvo quando efectuadas no decurso de revistas ou de buscas, caso em que lhe são aplicáveis as disposições previstas neste Código para tais diligências».

Segundo o PR, «ao prever que as apreensões possam ser autorizadas ou ordenadas por despacho da 'autoridade judiciária', ou mesmo por órgãos de polícia criminal», o n.º 3 do artigo viola o disposto no n.º 4 do artigo 32.º e no n.º 1 do artigo 62.º da CRP.

A isto responde o Governo: em primeiro lugar, que «o que se passa com o n.º 3 do artigo 178.º do Código tem, obviamente, a ver com a interpretação que prevaleceu quanto ao princípio constitucional da judicialização instrutória»; em segundo lugar, que a medida de apreensão «não integra um acto materialmente instrutório»; em terceiro lugar, que o n.º 1 do artigo 62.º não resulta afectado, já que «a apreensão processual nunca foi considerada como negadora da relação jurídico-civil de propriedade».

Quanto à violação do n.º 4 do artigo 32.º, a questão que se põe é, no fundo, a da competência do MP para dirigir o inquérito, questão a que já se deu resposta afirmativa.

Quanto à violação do n.º 1 do artigo 62.º:

Garante-se aí «o direito à propriedade privada e sua transmissão em vida ou por morte».

Simplesmente, o direito de propriedade está longe de ser ilimitado e a apreensão de objectos em processo penal nos casos referidos não pode deixar de considerar-se como um limite imanente desse direito.

2.8 - Artigos 187.º, n.º 1, e 190.º O n.º 1 do artigo 187.º tem a seguinte redacção:

A intercepção e a gravação de conversações ou comunicações telefónicas só pode ser ordenada ou autorizada, por despacho do juiz, quanto a crimes:

a) Puníveis com pena de prisão superior, no seu máximo, a três anos;

b) Relativos ao tráfico de estupefacientes;

c) Relativos a armas, engenhos, matérias explosivas e análogas;

d) De contrabando; ou e) De injúrias, de ameaças, de coacção e de intromissão na vida privada, quando cometidos através de telefone;

se houver razões para crer que a diligência se revelará de grande interesse para a descoberta da verdade ou para a prova.

O artigo 190.º preceitua que «o disposto nos artigos 187.º, 188.º e 189.º é correspondentemente aplicável às conversações ou comunicações transmitidas por qualquer meio técnico diferente do telefone».

São estas normas que o PR entende que poderão ferir o disposto no n.º 1 do artigo 26.º e, logo, o disposto nos n.os 2 e 3 do artigo 18.º da CRP.

O n.º 1 do artigo 26.º reconhece a todos «os direitos à identidade pessoal, à capacidade civil, à cidadania, ao bom nome e reputação, à imagem e à reserva da intimidade da vida privada e familiar».

Embora invoque a violação deste n.º 1, o PR terá pretendido referir-se a esse preceito apenas na medida em que ele reconhece o direito à «reserva da intimidade da vida privada e familiar».

A verdade, porém, é que, depois de proibir toda a ingerência das autoridades públicas nas telecomunicações, o n.º 4 do artigo 34.º da CRP ressalva «os casos previstos na lei em matéria de processo criminal».

A questão está, portanto, em saber se as restrições estabelecidas nas normas em apreciação satisfazem os requisitos exigidos pelos n.os 2 e 3 do artigo 18.º da CRP.

E a resposta deve ser afirmativa, já que, face à natureza e gravidade dos crimes a que se aplicam - e não obstante ser praticamente impossível, no tempo de que aqui se dispõe, uma delimitação rigorosa do âmbito dos abrangidos pela alínea a) do n.º 1 do artigo 187.º -, se afigura que tais restrições não infringem os limites da necessidade e proporcionalidade exigidos pelos citados números do artigo 18.º da CRP.

2.9 - Artigo 199.º, n.os 1 e 2.

O n.º 1 dispõe assim:

Se o crime imputado for punível com pena de prisão de máximo superior a um ano, o juiz pode impor ao arguido, cumulativa ou separadamente, as obrigações de:

a) Não permanecer, ou não permanecer sem autorização, na área de uma determinada povoação, freguesia ou concelho, onde o crime tenha sido cometido ou onde residam os ofendidos, seus familiares ou outras pessoas sobre as quais possam ser cometidos novos crimes;

b) Não se ausentar para o estrangeiro, ou não se ausentar sem autorização;

c) Não se ausentar da povoação, freguesia ou concelho do seu domicílio, ou não se ausentar sem autorização, salvo para lugares predeterminados, nomeadamente para o lugar de trabalho;

d) Não contactar com determinadas pessoas ou não frequentar certos lugares ou certos meios.

De harmonia com o n.º 2 «o juiz pode dispor que as autorizações referidas no número anterior sejam dadas pelo MP ou por determinado órgão de polícia criminal e possam ser, em caso de urgência, requeridas e concedidas verbalmente, lavrando-se cota no processo».

A inconstitucionalidade destas normas é baseada na violação do artigo 44.º da CRP (no requerimento refere-se apenas, mas por por evidente lapso, o n.º 1 desse artigo) ou, pelo menos, dos n.os 2 e 3 do artigo 18.º, por elas poderem configurar uma «restrição desproporcionada» dos direitos consignados no citado artigo 44.º; e, quanto à norma do n.º 2, também na violação do n.º 4 do artigo 32.º Argumenta-se, em contrário, na resposta do Governo: a), quanto ao n.º 1 do artigo 199.º - que, não podendo duvidar-se de que ele restringe direitos inseridos na moldura do n.º 1 do artigo 44.º da CRP, «fá-lo, no entanto, para evitar que na situação a que sejam aplicáveis as medidas que prevê se tenha que decretar a prisão preventiva»; b), quanto ao n.º 2 do mesmo artigo - que, não prevendo ele um acto materialmente instrutório, se adequa à reserva jurisdicional exclusiva garantida no n.º 4 do artigo 32.º do CRP.

Vejamos o n.º 1:

A argumentação do Governo pressupõe que na hipótese figurada no preceito - ser o crime punível com pena de prisão de máximo superior a um ano - seria possível ordenar a prisão preventiva.

Mas isto não é exacto. Para além da privação da liberdade «em consequência de sentença judicial condenatória pela prática de acto punido por lei com pena de prisão ou aplicação judicial de medida de segurança», o artigo 27.º da CRP só admite a privação da liberdade, pelo tempo e nas condições que a lei determinar, nos casos previstos nas alíneas a) a e) do n.º 3, das quais neste momento só interessa destacar a alínea a): «prisão preventiva em flagrante delito ou por fortes indícios de prática de crime doloso a que corresponda pena maior». Não satisfazendo a pena prevista no preceito em questão a esta exigência constitucional, é evidente que a possibilidade de ser ordenada a prisão preventiva, fora de flagrante delito, no caso nele previsto - crime punível com pena de prisão de máximo superior a um ano -, estava arredada.

Mas, pondo de lado a argumentação do Governo, será em todo o caso possível à face da CRP impor (o juiz) ao arguido as obrigações constantes deste preceito quando ao crime que lhe é imputado corresponda a pena aí prevista? Na sua primitiva redacção, a CRP dispunha no n.º 2 do artigo 27.º que «ninguém pode ser privado da liberdade a não ser em consequência de sentença judicial condenatória pela prática de acto punido por lei com pena de prisão ou de aplicação judicial de medida de segurança».

Falando o texto constitucional apenas em privação da liberdade, pôs-se logo a dúvida sobre se as garantias nele consignadas valeriam também para as restrições da liberdade. A esse respeito, escreveram J. J. Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, 1978, n. V ao artigo 27.º: «A Constituição fala apenas em privação da liberdade. Mas deve entender-se que do n.º 2 resultam as mesmas garantias (reserva de lei e reserva de decisão judicial) para a restrição - ou seja privação parcial da liberdade [...]» Ora, em consequência da revisão constitucional operada pela Lei Constitucional 1/82, de 30 de Setembro, o artigo 27.º sofreu algumas alterações, uma das quais consistiu precisamente na substituição do proémio do preceito, que passou a dizer:

«ninguém pode ser total ou parcialmente privado da liberdade».

Que significado pode ser atribuído ao acrescentamento da expressão total ou parcialmente ao texto originário, se não o de que a privação parcial - não apenas a privação total - da liberdade goza das garantias constitucionais? Ora entende-se que no n.º 1 do artigo 199.º se configuram privações parciais da liberdade.

E, sendo assim, a norma é inconstitucional, na parte em que é aplicável a casos em que, nos termos do n.º 3 do artigo 27.º da CRP - designadamente nas suas alíneas a) e e) -, não é permitida a privação da liberdade.

Quanto ao n.º 2 do artigo 199.º:

Como já se disse, pode o juiz, nos termos desse preceito, dispor que as autorizações referidas no número anterior sejam dadas pelo MP ou por determinado órgão de polícia criminal e possam ser, em caso de urgência, requeridas e concedidas verbalmente.

Aponta-se como violado o n.º 4 do artigo 32.º da CRP.

Este preceito permite, é certo, que o juiz delegue noutras entidades a prática de actos instrutórios, mas exclui essa delegação quanto aos actos que se prendam directamente com os direitos fundamentais.

Ora estamos aqui precisamente no domínio dos direitos fundamentais, estando, por isso, excluída aquela delegação.

2.10 - Artigo 200.º É o seguinte o texto deste artigo:

1 - Se o crime imputado for punível com pena de prisão de máximo superior a dois anos, o juiz pode impor ao arguido, cumulativamente, se disso for caso, com qualquer outra medida legalmente cabida, a suspensão do exercício:

a) Da função pública;

b) De profissão ou actividade cujo exercício dependa de um título público ou de uma autorização ou homologação da autoridade pública; ou c) Do poder paternal, da tutela, da curatela, da administração de bens ou de emissão de títulos de crédito;

sempre que a interdição do exercício respectivo possa vir a ser decretada como efeito do crime imputado.

2 - A suspensão é comunicada à autoridade administrativa, civil ou judiciária normalmente competente para decretar a suspensão ou a interdição respectivas.

Estamos aqui em face de mais uma medida de coacção, da competência exclusiva do juiz.

Violará, todavia, o preceito «o direito ao trabalho e à própria capacidade civil, consignados no n.º 1 do artigo 59.º e no n.º 1 do artigo 26.º da CRP», ou, ao menos, os n.os 2 e 3 do artigo 18.º, «pela desproporção introduzida», como pretende o PR? O n.º 1 do artigo 26.º reconhece a todos o direito à capacidade civil. Mas logo o n.º 3 admite restrições a essa capacidade «nos casos e termos previstos na lei», embora elas não possam ter como fundamento motivos políticos. Por sua vez, o artigo 59.º reconhece o direito ao trabalho, impondo ao Estado, para garantir esse direito, diversas tarefas (n.os 1 e 3).

Os n.os 2 e 3 do artigo 18.º estabelecem os requisitos a observar nas restrições aos direitos, liberdades e garantias consignados na CRP.

A questão está, pois, em saber se no caso as restrições se contêm nos limites da necessidade e proporcionalidade.

Ora a aplicação das medidas de suspensão do exercício de direitos previstas na norma em exame depende da reunião de um conjunto de condições: a), em primeiro lugar, as condições gerais de aplicação de qualquer das medidas de coacção admitidas no Código, que vêm indicadas quer nos artigos 191.º a 195.º - das quais se destaca a sua adequação «às exigências cautelares que o caso requer» e a sua proporcionalidade «à gravidade do crime e às sanções que previsivelmente venham a ser aplicadas» (artigo 193.º) -, quer no artigo 204.º, designadamente o perigo de perturbação do decurso do inquérito ou da instrução do processo e o perigo de perturbação da ordem e da tranquilidade públicas ou de continuação da actividade criminosa [alíneas b) e c)]; b), em segundo lugar, as condições especiais enumeradas neste artigo 200.º, i. é, ser o crime punível com pena de prisão de máximo superior a dois anos e poder a interdição vir a ser decretada como efeito do crime imputado.

Assim sendo, não se vê obstáculo de ordem constitucional à imposição das restrições aqui em causa.

2.11 - Artigo 250.º, n.º 3.

Depois de, no seu n.º 1, conceder aos órgãos de polícia criminal a faculdade de procederem à identificação de pessoas encontradas em lugares abertos ao público habitualmente frequentados por delinquentes, dispõe este artigo, no n.º 3, que, «havendo motivo para suspeita, os órgãos de polícia criminal podem conduzir as pessoas que forem incapazes de se identificar ou se recusarem a fazê-lo ao posto policial mais próximo e compeli-los a permanecer ali pelo tempo estritamente necessário à identificação, em caso algum superior a seis horas».

Configurará esta norma «um caso de prisão preventiva fora dos casos admitidos constitucionalmente»? Invoca a este propósito o PR a violação do n.º 2 do artigo 27.º da CRP.

Como antecedente da norma em apreciação poderá indicar-se o artigo 11.º do decreto registado sob o n.º 486-G/80 no livro de registo de diplomas da Presidência do Conselho, do seguinte teor:

A autoridade de polícia judiciária pode ordenar a identificação de qualquer pessoa sempre que tal se mostre necessário ao desenvolvimento do serviço de prevenção ou investigação criminal, constituindo a sua recusa crime de desobediência qualificada.

Para além de alterações a vários diplomas - nomeadamente o CP e o CPP -, regulava esse decreto, nos artigos 9.º e 10.º, o instituto da custódia (garde à vue), que se traduzia fundamentalmente em, existindo contra uma pessoa indícios graves da prática de qualquer das infracções previstas no artigo 3.º do Decreto-Lei 274/75, de 4 de Junho, com a redacção que lhe foi dada pelo Decreto-Lei 377/77, de 6 de Setembro, e não se tratando de caso que impusesse, de imediato, a prisão preventiva do suspeito, poder o juiz, os magistrados do MP ou outras autoridades com competência para ordenar a prisão sem culpa formada ordenar que essa pessoa fosse mantida à sua disposição sob custódia, por um período de vinte e quatro horas, prorrogável por igual tempo. A Comissão Constitucional, no parecer 32/80, de 11 de Novembro (nos Pareceres da Comissão Constitucional, 14.º vol., p.

51), considerando que o instituto da custódia, previsto nos citados artigos 9.º e 10.º, violava o disposto nos artigos 27.º e 28.º da CRP, entendeu que o Conselho da Revolução (CR) devia pronunciar-se pela inconstitucionalidade do diploma, e o CR, pela Resolução 389/80, aprovada em 13 de Novembro (no Diário da República, 1.ª série, de 24 de Novembro de 1980), pronunciou-se pela inconstitucionalidade do decreto, com aquele fundamento.

Nada tinha a ver com o instituto da custódia o artigo 11.º do referido decreto, como nada tem a ver com o mesmo instituto o preceito em apreciação.

Mas, dispondo-se no n.º 2 do artigo 27.º da CRP que «ninguém pode ser total ou parcialmente privado da liberdade, a não ser em consequência de sentença judicial condenatória pela prática de acto punido por lei como pena de prisão ou de aplicação judicial de medida de segurança», e exceptuando-se desse princípio a privação da liberdade, pelo tempo e nas condições que a lei determinar, nos casos previstos nas alíneas a) e e) do n.º 3 - os restantes não têm de ser mencionados -, de «prisão preventiva em flagrante delito ou por fortes indícios de prática de crime doloso a que corresponda pena maior» e de «detenção por decisão judicial em virtude de desobediência a decisão tomada por um tribunal ou para assegurar a comparência perante a autoridade judicial competente», não haverá aqui violação destes preceitos, por poder considerar-se a retenção no posto policial até seis horas, admitida no citado artigo 250.º, n.º 3, como um caso de privação da liberdade não admitido no n.º 3 do artigo 27.º? É certo que a hipótese não cabe na letra do artigo 27.º Mas, havendo pessoas com penas de prisão ou medidas de segurança privativas da liberdade a cumprir (n.º 2 do artigo 27.º) ou sujeitas a privação de liberdade por prisão ou detenção (n.º 3 do mesmo artigo), necessariamente que tem a lei de admitir os actos instrumentais necessários e adequados a conseguir a sua prisão ou detenção. Ora, o processo aqui estabelecido pode considerar-se meio necessário para atingir tal objectivo. De notar, aliás, a cautela de que se faz rodear a realização da diligência, ao impor-se no n.º 4 do artigo a obrigação de que o acto de identificação levado a cabo nos termos do n.º 3 seja sempre reduzido a auto.

2.12 - Artigo 251.º, n.º 1.

«Para além dos casos previstos no artigo 174.º, n.º 4», diz este preceito, «os órgãos de polícia criminal podem proceder, sem prévia autorização da autoridade judiciária, à revista de suspeitos em caso de fuga iminente e a buscas no lugar em que eles se encontrarem, salvo tratando-se de busca domiciliária, sempre que tiverem fundada razão para crer que neles se ocultam objectos relacionados com o crime, susceptíveis de servir a prova e que, de outra forma, poderiam perder-se.» Segundo o PR, será com ele violado o disposto no n.º 4 do artigo 32.º da CRP, que, como vimos, estabelece o princípio de que «toda a instrução é da competência de um juiz», bem como o n.º 1 do artigo 26.º, na parte em que este reconhece o direito à reserva da intimidade da vida privada.

Quanto à violação do n.º 4 do artigo 32.º, a questão que se põe é, no fundo, a da competência do MP para dirigir o inquérito, questão que já foi analisada.

E, no restante, são aqui aplicáveis as considerações feitas a propósito do artigo 174.º, n.os 3 e 4, considerações que conduzem à não inconstitucionalidade da norma agora em questão.

2.13 - Artigo 252.º, n.º 3.

O artigo 179.º, localizado no título que trata dos «meios de obtenção de prova», indica os casos em que pode ter lugar a apreensão de correspondência. O artigo 252.º, incluído no capítulo que se ocupa das «medidas cautelares e de polícia», começa por dizer que, nesses casos, os órgãos de polícia criminal devem remetê-la intacta ao juiz (n.º 1); em seguida, e para a hipótese de haver fundadas razões para crer que as encomendas ou valores fechados susceptíveis de ser apreendidos «podem conter informações úteis à investigação de um crime ou conduzir à sua descoberta e que podem perder-se em caso de demora», manda aos órgãos de polícia criminal que informem do facto, pelo meio mais rápido, o juiz, acrescentando que este pode autorizar a sua abertura imediata (n.º 2); por fim, dispõe que, «verificadas as razões referidas no número anterior, os órgãos de polícia criminal podem ordenar a suspensão da remessa de qualquer correspondência nas estações de correios e de telecomunicações», acrescentando que, «se, no prazo de quarenta e oito horas, a ordem não for convalidada por despacho fundamentado do juiz, a correspondência é remetida ao destinatário» (n.º 3).

É a legitimidade constitucional deste n.º 3 que vem posta em causa, na medida em que ele permite que a suspensão da remessa da correspondência seja ordenada por órgãos de polícia criminal, já que ele viola o n.º 4 do artigo 32.º da CRP.

Permite este artigo, na sua segunda parte, que o juiz, «nos termos da lei», delegue noutras entidades a prática de actos instrutórios que se não prendam directamente com os direitos fundamentais. Está, pois, vedada ao juiz a delegação de actos instrutórios que se prendam directamente com os direitos fundamentais.

O direito fundamental aqui em causa seria o direito à inviolabilidade do sigilo da correspondência, consagrado nos n.os 1 e 4 do artigo 34.º da CRP.

Mas, em primeiro lugar, depois de proibir toda a ingerência das «autoridades públicas» na correspondência, esse n.º 4 ressalva «os casos previstos na lei em matéria de processo criminal». Em segundo lugar, no caso em apreciação não chega a haver violação do sigilo da correspondência, mas apenas um retardamento da remessa da correspondência, que, sem intervenção do juiz, só pode prolongar-se por quarenta e oito horas, e que há-de ser sempre justificado pela existência de fundadas razões para crer que essa correspondência pode conter «informações úteis à investigação de um crime ou conduzir à sua descoberta e que podem perder-se em caso de demora».

Não se verifica, pois, a invocada violação do n.º 4 do artigo 32.º da CRP.

2.14 - Artigo 281.º Este artigo, incluído no capítulo subordinado à rubrica «Do encerramento do inquérito», dispõe assim:

1 - Se o crime for punível com pena de prisão não superior a três anos ou com sanção diferente da prisão, pode o MP decidir-se pela suspensão do processo, mediante a imposição ao arguido de injunções e regras de conduta, se se verificarem os seguinte pressupostos:

a) Concordância do arguido e do assistente;

b) Ausência de antecedentes criminais do arguido;

c) Não haver lugar a medida de segurança de internamento;

d) Carácter diminuto da culpa; e e) Ser de prever que o cumprimento das injunções e regras de conduta responda suficientemente às exigências de prevenção que no caso se façam sentir.

2 - São oponíveis ao arguido as seguintes injunções e regras de conduta:

a) Indemnizar o lesado;

b) Dar ao lesado satisfação moral adequada;

c) Entregar ao Estado ou a instituições privadas de solidariedade social certa quantia;

d) Não exercer determinadas profissões;

e) Não frequentar certos meios ou lugares;

f) Não residir em certos lugares ou regiões;

g) Não acompanhar, alojar ou receber certas pessoas;

h) Não ter em seu poder determinados objectos capazes de facilitar a prática de outro crime;

i) Qualquer outro comportamento especialmente exigido pelo caso.

3 - Não são oponíveis injunções e regras de conduta que possam ofender a dignidade do arguido.

4 - As injunções e regras de conduta podem ser modificadas, até ao termo do período de suspensão, sempre que ocorram circunstâncias relevantes ou de que só posteriormente tenha havido conhecimento.

5 - Para efeito do disposto no número anterior, bem como, em geral, para fiscalização do cumprimento das injunções e regras de conduta, pode o Ministério Público recorrer aos serviços de reinserção social.

Segundo o PR, tal norma parece violar o n.º 4 do artigo 32.º da CRP - na medida em que «subtrai à competência do juiz de instrução a disponibilidade do processo» - e ainda o n.º 1 do citado artigo 224.º Como já vimos, não parece haver obstáculo de ordem constitucional à direcção do inquérito pelo MP. Ser a «instrução» da competência de um juiz (n.º 4 do citado artigo 32.º) não impede que se dê ao MP competência para dirigir o «inquérito», tal como ele vem desenhado no Código.

Naturalmente que, praticados os actos necessários, compete também ao MP encerrar o inquérito, arquivando-o ou deduzindo acusação (artigos 276.º, 277.º e 283.º).

O artigo 281.º consagra, porém, uma inovação nesta matéria, estabelecendo o princípio da oportunidade do exercício da acção penal pelo MP relativamente à pequena criminalidade, atribuindo-lhe o poder de suspender o processo, quando se verifiquem conjuntamente certas condições [as constantes do prémio do n.º 1 e das alíneas a) a e) do mesmo número], mediante a imposição - pelo próprio MP - de injunções e regras de conduta [as definidas nas alíneas a) a i) do n.º 2].

É a inconstitucionalidade de todo este preceito que vem suscitada.

A questão posta, ou seja, a da suspensão do processo do MP, findo o inquérito, pode, porém, cindir-se em duas: uma, a da admissibilidade da suspensão, em si mesma considerada; a outra, a da competência para ordenar a suspensão e a imposição das injunções e regras de conduta.

A admissibilidade da suspensão não levanta, em geral, qualquer obstáculo constitucional.

Já se não aceita, porém, a atribuição ao MP da competência para a suspensão do processo e imposição das injunções e regras de conduta previstas na lei, sem a intervenção de um juiz, naturalmente o juiz de instrução, e daí a inconstitucionalidade, nessa medida, dos n.os 1 e 2 do artigo 281.º, por violação dos artigos 206.º e 32.º, n.º 4, da CRP.

Quanto aos outros números do mesmo preceito:

O n.º 3, declarando inoponíveis injunções e regras de conduta que possam ofender a dignidade do arguido, nada tem de inconstitucional.

O n.º 4, ao permitir a modificação das injunções e regras de conduta, até ao termo do período de suspensão (que pode ir até dois anos - n.º 1 do artigo 282.º), sempre que ocorram circunstâncias relevantes ou de que só posteriormente tenha havido conhecimento, já é inconstitucional, por ofensa do direito à segurança consagrado no n.º 1 do artigo 27.º da CRP.

Finalmente, o n.º 5, na parte em que permite o recurso aos serviços de reinserção social para fiscalização do cumprimento das injunções e regras de conduta, não ofende qualquer preceito ou princípio constitucional. É, porém, consequencialmente inconstitucional, na parte em que permite o recurso a esses serviços para efeito da modificação das injunções e regras de conduta permitida pelo n.º 4.

2.15 - Artigo 337.º, n.os 1 e 3.

Os artigos 332.º e seguintes regulam a presença do arguido à audiência de julgamento. Nos termos do n.º 1 do artigo 335.º, «salvo no caso de impossibilidade devida a doença grave, se depois de realizadas todas as diligências não for possível notificar o arguido do despacho que designa dia para a audiência, ou executar a detenção ou a prisão preventiva, referidas no artigo 116.º, n.º 2, ou consequentes a uma evasão, o arguido é notificado por editais para se apresentar em juízo, num prazo até 30 dias, sob pena de ser declarado contumaz». O artigo 337.º especifica os efeitos da contumácia, dispondo, no n.º 1, que a respectiva declaração implica para o arguido a anulabilidade dos negócios jurídicos de natureza patrimonial celebrados após a declaração [alínea a)] e a proibição de obter documentos, certidões ou registos junto de autoridades públicas [alínea b)] e, no n.º 3, que, «quando a medida se mostrar necessária para desmotivar a situação de contumácia, o tribunal pode decretar arresto na totalidade ou em parte dos bens do arguido».

São os n.os 1 e 3 do artigo 337.º que o PR argúi de inconstitucionais, por contenderem com o disposto no n.º 1 do artigo 26.º e no n.º 1 do artigo 62.º e, logo, com os n.os 2 e 3 do artigo 18.º, todos da CRP.

Acerca da «redução substancial das formas de processo» no novo Código, diz-se no respectivo preâmbulo:

A este propósito, a forma de processo especial cuja falta será mais notada é naturalmente a do processo de ausentes. O Código optou decididamente por fugir aos inconvenientes do processo de ausentes tradicionais, nomeadamente numa perspectiva de desincentivação da ausência, privilegiando um conjunto articulado de medidas drásticas de compressão da capacidade patrimonial e negocial do contumaz que se espera sejam suficientes e eficazes.

Seguiu-se neste ponto a lição do Prof. Eduardo Correia, «Breves reflexões sobre a necessidade de reforma do Código de Processo Penal, relativamente a réus presentes, ausentes e contumazes» (na Revista de Legislação e de Jurisprudência, ano 110.º, pp. 99, 131, 162, 178, 195 e 210, ano 114.º, pp. 104 e 364, e ano 115.º, p.

293).

Começa o autor por afirmar:

A presença física e constante do arguido na audiência de discussão e julgamento é exigência fundamental do processo criminal: ela constitui a necessária consequência do chamado princípio do contraditório. Esse princípio, encarado do ponto de vista do arguido, pretende, antes de tudo, realizar o direito de defesa, actuando, pois, a essa luz, no interesse do réu. A máxima «audiatur et altera pars» ou «ne absens damnetur» é justamente a expressão, nesse sentido, do princípio do contraditório.

E mais adiante:

Mas supomos que no problema em causa se trata de mais do que isso. É que, a um tempo, violar-se-á, também, o princípio da imediação da prova, e com ele a averiguação da verdade material, que só se consegue verdadeiramente com a presença do arguido na audiência.

Daí entender o mesmo autor que, «em princípio, a ausência do arguido na audiência de julgamento parece inconstitucional por envolver uma violação do direito à defesa, da garantia da obtenção da verdade material».

«Certo que», continua, «será possível admitir certas limitações ao princípio, garantido pela Constituição, da presença do arguido na audiência de discussão e julgamento. Ponto é que isso se faça em termos de não diminuir a natureza, extensão e alcance do conteúdo essencial desse direito fundamental, positivado ou que está no espírito da nossa Constituição (artigos 280.º, n.º 1, e 18.º, n.º 3).» A possibilidade da não presença ou da não manutenção do arguido na audiência seria de admitir, segundo o autor, «nas hipóteses de contra-ordenações sociais, dada a falta da sua ressonância criminal», nos casos de «pequenas violações (bagatelas)» e de «contravenções não puníveis com prisão», e ainda, por exemplo, no caso de «a presença do réu na audiência poder prejudicar a sua saúde» ou «quando o réu tenha já sido ouvido - por exemplo mediante custódia e depois de forma culposa desapareça do tribunal».

Chama finalmente o autor a atenção para dois aspectos:

a) Assim, quando não deva ter, por ausência do arguido, lugar a audiência de discussão e julgamento, pode promover-se um processo destinado a assegurar as provas para o caso de mais tarde se realizar o julgamento.

b) Acrescente-se a possibilidade de um processo autónomo ou por adesão para indemnização por perdas e danos ou destinado a executar medidas preventivas cautelares ou executivas.

Regressemos agora ao Código.

Nos termos do n.º 1 do artigo 332.º, «é obrigatória a presença do arguido na audiência, sem prejuízo do disposto no artigo 334.º, n.os 1 e 2». As hipóteses, previstas nestes números do artigo 334.º, em que pode ter lugar a audiência na ausência do arguido são: 1), caber ao caso processo sumaríssimo mas o procedimento ter sido reenviado para a forma comum e não poder o arguido ser notificado do despacho que designa dia para a audiência; 2), encontrar-se o arguido praticamente impossibilitado de comparecer à audiência por idade, doença grave ou residência no estrangeiro.

De acordo com o n.º 1 do artigo 335.º, «se depois de realizadas todas as diligências legalmente admissíveis não for possível notificar o arguido do despacho que designa dia para a audiência, ou executar a detenção ou a prisão preventiva, referidas no artigo 116.º, n.º 2, ou consequentes a uma evasão, o arguido é notificado por editais para se apresentar em juízo, num prazo até 30 dias, sob pena de ser declarado contumaz». A declaração de contumácia «implica a suspensão dos termos ulteriores do processo até à apresentação ou à detenção do arguido» e «caduca logo que o arguido se apresentar ou for detido» (n.os 1 e 3 do artigo 336.º). Mas devem realizar-se os «actos urgentes ou cuja demora possa acarretar perigo para a aquisição ou a conservação da prova, ou para a descoberta da verdade» (artigo 320.º, aplicável por força do n.º 1 do artigo 336.º). Por outro lado, a declaração de contumácia tem os efeitos constantes dos n.os 1 e 3 do artigo 337.º, já atrás transcritos e aqui em causa.

Ora o direito à capacidade civil, reconhecido no n.º 1 do artigo 26.º da CRP, comporta restrições, «nos casos e termos previstos na lei» (n.º 3 do mesmo artigo), e não parece que as restrições estabelecidas nas alíneas a) e b) do n.º 1 e no n.º 3 do artigo 337.º sejam desnecessárias ou desproporcionadas.

Todavia, não podem deixar de ficar de fora do âmbito da alínea b) os documentos, certidões ou registos necessários ao exercício de direitos civis, profissionais ou políticos, já que, não podendo qualquer pena envolver como efeito necessário a perda de quaisquer direitos civis, profissionais ou políticos (n.º 4 do artigo 30.º da CRP), não pode a declaração de contumácia, ao menos por identidade de razão, ter, como efeito necessário, uma tal perda. Por outras palavras: a alínea b) do n.º 1 do artigo 337.º, na parte em que se refere a documentos, certidões ou registos necessários ao exercício de direitos civis, profissionais ou políticos, é inconstitucional por violação do n.º 4 do artigo 30.º da CRP, na medida em que a proibição decorre automaticamente da declaração de contumácia.

3 - Pelo exposto, o Tribunal decide:

1.º Não se pronunciar pela inconstitucionalidade do artigo 108.º, n.º 2, alínea b), do CPP em apreciação;

2.º Não se pronunciar pela inconstitucionalidade dos artigos 263.º, 270.º, n.º 1, e 286.º do mesmo Código;

3.º Não se pronunciar pela inconstitucionalidade do artigo 135.º, n.os 2 e 3;

4.º Pronunciar-se pela inconstitucionalidade do artigo 143.º, n.º 4, na parte em que abrange o defensor - por violação do artigo 32.º, n.º 3, da Constituição;

5.º Não se pronunciar pela inconstitucionalidade do artigo 174.º, n.os 3 e 4;

6.º Não se pronunciar pela inconstitucionalidade do artigo 177.º, n.º 2, com referência ao artigo 174.º, n.º 4, alíneas a) e b); mas pronunciar-se pela inconstitucionalidade do mesmo artigo 177.º, n.º 2, com referência ao artigo 174.º, n.º 4, alínea c) - por violação do artigo 34.º, n.º 2, da Constituição;

7.º Não se pronunciar pela inconstitucionalidade do artigo 178.º, n.º 3;

8.º Não se pronunciar pela inconstitucionalidade dos artigos 187.º, n.º 1, e 190.º;

9.º Pronunciar-se pela inconstitucionalidade do artigo 199.º, n.º 1, na parte em que essa norma é aplicável a casos em que, nos termos do artigo 27.º, n.º 3, da Constituição, não é permitida a privação da liberdade; e pela inconstitucionalidade do mesmo artigo 199.º, n.º 2 - por violação do artigo 32.º, n.º 4, da Constituição;

10.º Não se pronunciar pela inconstitucionalidade do artigo 200.º;

11.º Não se pronunciar pela inconstitucionalidade do artigo 250.º, n.º 3;

12.º Não se pronunciar pela inconstitucionalidade do artigo 251.º, n.º 1;

13.º Não se pronunciar pela inconstitucionalidade do artigo 252.º, n.º 3;

14.º Não se pronunciar pela inconstitucionalidade do n.º 3 do artigo 281.º;

pronunciar-se pela inconstitucionalidade dos n.os 1 e 2 do mesmo artigo, na medida em que neles se não prevê qualquer intervenção de um juiz - por violação dos artigos 32.º, n.º 4, e 206.º da Constituição; pronunciar-se pela inconstitucionalidade do n.º 4 do mesmo artigo - por violação do direito à segurança, consignado no n.º 1 do artigo 27.º da Constituição; e não se pronunciar pela inconstitucionalidade do n.º 5 do mesmo artigo, salvo, consequencialmente, na parte em que ele remete para o n.º 4;

15.º Não se pronunciar pela inconstitucionalidade da alínea a) do n.º 1 e do n.º 3 do artigo 337.º; mas pronunciar-se pela inconstitucionalidade da alínea b) do n.º 1, na medida em que a proibição decorre automaticamente da declaração da contumácia, e apenas na parte em que essa alínea é aplicável a documentos, certidões ou registos necessários ao exercício de direitos civis, profissionais ou políticos - por violação do artigo 30.º, n.º 4, da Constituição.

Lisboa, 9 de Janeiro de 1987. - Mário de Brito (vencido, em parte, nos termos da declaração de voto junta) - Nunes de Almeida - Vital Moreira (vencido, em parte, conforme declaração de voto junta) - Raul Mateus (vencido, parcialmente, nos termos da declaração de voto junta) - Monteiro Diniz (vencido, parcialmente, nos termos da declaração de voto que agora junto) - Messias Bento (vencido, em parte, nos termos da declaração de voto que junto) - Mário Afonso (vencido na parte em que se concluiu pela inconstitucionalidade do n.º 4 do artigo 143.º, pelas razões constantes da declaração de voto do Sr. Conselheiro Messias Bento, nesta parte) - Martins da Fonseca (vencido, de harmonia com declaração de voto que junto) - Cardoso da Costa (vencido, em parte, nos termos da declaração de voto do Exmo.

Conselheiro Messias Bento) - Magalhães Godinho - (tem voto de conformidade do conselheiro Armando Manuel Marques Guedes, presidente do Tribunal, que não assina por não estar presente.)

Declaração de voto

1 - Quanto ao artigo 177.º, n.º 2:

Dispondo o n.º 2 do artigo 34.º da CRP que a entrada no domicílio dos cidadãos contra a sua vontade só pode ser ordenada pela autoridade judicial competente, ou seja, por um juiz, votei a inconstitucionalidade total dessa norma, que permite que em certos casos as buscas domiciliárias sejam ordenadas pelo MP ou efectuadas por órgão de polícia criminal.

2 - Quanto ao artigo 281.º:

Pretendeu o Código, sem dúvida, consagrar a suspensão do processo, objecto deste artigo, em toda a sua regulamentação, designadamente enquanto faculdade do MP. Não se contendo essa faculdade nos poderes do MP (artigo 224.º da CRP) e traduzindo-se ela no exercício da função jurisdicional, que é da exclusiva competência dos tribunais (artigo 206.º da lei fundamental), a consequência não pode deixar de ser a inconstitucionalidade de toda a norma.

3 - Votaria a não inconstitucionalidade do artigo 108.º, n.º 2, alínea b), mesmo sem ter que dizer - como se diz no acórdão - que, no caso, ao CSM «não é facultado emitir injunções à prática de actos jurisdicionais». A intervenção do CSM no sentido de acelerar determinado processo não contende com a independência dos tribunais judiciais. - Mário de Brito.

Declaração de voto

1 - Para além das normas que o acórdão considerou inconstitucionais - decisões essas que acompanhei -, pronunciei-me também pela inconstitucionalidade da norma do artigo 108.º, n.º 2, alínea b), da norma do artigo 263.º e de toda a norma do artigo 281.º, pelos motivos que adiante enunciarei.

Entretanto, não quero deixar de sublinhar que o facto de não ter votado no sentido da inconstitucionalidade das demais normas sujeitas à consideração do Tribunal no requerimento do PR não significa que entenda que todas elas estejam imunes a fundadas dívidas quanto à sua constitucionalidade.

O que sucede é que, no quadro dos apertados limites de tempo de pesquisa e reflexão que a fiscalização preventiva da constitucionalidade admite, não foi possível averiguar, com todo o rigor e em todas as suas dimensões, as implicações dessas normas na perspectiva da sua conformidade com a CRP. Por outro lado, o alcance de várias dessas normas só pode avaliar-se cabalmente perante o modo como elas forem interpretadas e aplicadas pelos operadores jurídicos mais directamente interessados (tribunais, MP, polícia). Não é, pois, de excluir que algumas das normas que nesta apreciação preventiva não incorreram num juízo de inconstitucionalidade venham ulteriormente a fazer adensar as dúvidas acerca da sua conformidade constitucional e a tornar necessário o seu reexame.

No entanto, quanto a algumas delas - as acima referidas -, estou convicto de que só indevidamente «passaram» o exame de constitucionalidade.

Cumpre dizer porquê.

2 - Quanto à alínea b) do n.º 2 do artigo 108.º, votei pela sua inconstitucionalidade por entender que tal preceito confere ao CSM um poder de intervenção na condução de processos penais, o que se me afigura ser matéria de natureza jurisdicional verdadeira e própria. Ora o CSM não é um órgão judicial que possa decidir questões jurisdicionais.

Ao dar ao CSM o poder de decidir o «pedido de aceleração processual», esse órgão fica naturalmente com o poder de o deferir e de tomar as necessárias providências.

A este respeito o acórdão procedeu a uma interpretação da alínea d) do n.º 5 do artigo 109.º segundo a qual o CSM não fica com poderes para fazer injunções ao juiz ou tribunal da causa, não podendo ordenar-lhe a prática de actos processuais.

Só que não vejo como é que tal interpretação é comportável pelo artigo 108.º, n.º 2, alínea b) - que é a norma aqui em causa -, pois esta confere ao CSM o poder de decidir do pedido de aceleração.

Ora, se o CSM não pudesse, deferindo o pedido, determinar a respectiva aceleração do processo em causa, então seria absurdo conferir tal poder ao CSM. Em vez de um pedido de aceleração, tratar-se-ia de uma simples queixa pelo atraso sem efeito directo sobre o processo; além disso, se se tratasse apenas disso, então esta matéria deveria estar regulada não como incidente processual na lei processual penal, mas sim no estatuto dos juízes ou no estatuto dos tribunais. Simplesmente, previsto como está no CPP, como incidente processual, não pode ser (tres)lido como se fosse uma pura medida de gestão disciplinar dos juízes ou de gestão administrativa dos tribunais.

Em vez de se ter optado por uma leitura incomportável - e, em certo sentido, perversa - do preceito em causa, para tentar salvar a sua constitucionalidade, a solução razoável teria sido, a meu ver, declarar a sua inconstitucionalidade nos termos em que a solução é apresentada.

3 - Quanto ao artigo 263.º, não vejo como é que é possível contestar com êxito a sua (a meu ver, flagrante) inconstitucionalidade.

Dispõe o artigo 32.º, n.º 4, da CRP que «toda a instrução é da competência de um juiz». Aquando da elaboração da CRP, a instrução compreendia duas componentes (de acordo com o famigerado Decreto-Lei 35007, de 13 de Outubro de 1945): a «instrução preparatória», dirigida pelo MP, e a «instrução contraditória», dirigida por um juiz. Indo ao encontro de uma fortíssima corrente contra este regime, a CRP veio determinar a regra da jurisdicionalização integral da instrução (a qual só foi temperada a título temporário pela disposição transitória do artigo 301.º, n.º 3, da versão primitiva da CRP). Não sobraram dúvidas a ninguém de que, quando a CRP determinou que «toda a instrução é da competência de um juiz», quis dizer, aliás de forma enfática, que a instrução, que até aí não era da responsabilidade de um juiz, passava a sê-lo.

Aquando da revisão constitucional de 1982, houve propostas no sentido de alterar aquela regra constitucional. Todavia, tais ideias não lograram aprovação, e a única alteração consistiu em dispor que o juiz de instrução pudesse delegar noutras entidades a prática de actos instrutórios, salvo dos que se não prendam directamente com os direitos fundamentais (2.ª parte do preceito na sua actual redacção). Foi portanto reafirmada a regra do carácter jurisdicional da instrução.

Ora o presente CPP procede de novo a uma cisão da instrução em duas fases:

uma, a que agora chama de «inquérito», que é, de novo, confiada ao MP e retirada portanto da competência judicial; outra, que agora detém em exclusivo o nome de «instrução», que continua confiada a um juiz.

Estruturalmente, voltou-se à situação pré-constitucional, definida no Decreto-Lei 35007. Ou seja: regressou-se a um sistema essencialmente idêntico àquele que a CRP quis abolir. Por isso, não pode ser mais flagrante a infracção à CRP que por essa via se efectua.

É certo que o Código se guarda de considerar o tal «inquérito» como instrução, pretendendo, assim, solertemente, esquivar-se à condenação por inconstitucionalidade. Mas a «habilidade» é demasiado grosseira para merecer o sucesso com que o presente acórdão entendeu dever premiá-la. A verdade é que o legislador não pode pretender definir livremente os conceitos utilizados pela CRP.

Se a lei fundamental utilizou indubitavelmente o conceito de instrução para abranger «toda a instrução» (isto é, na antiga nomenclatura, não apenas a «instrução contraditória», mas também a «preparatória»), não pode vir o legislador a rebaptizar de «inquérito» a antiga instrução preparatória para assim a furtar à competência do juiz. Se o conceito constitucional compreende duas partes (a + b), não pode vir o legislador decretar que ele passa a abranger apenas a parte b, para desse modo afastar a parte a da mesma disciplina constitucional. As garantias constitucionais não podem ser terreno propício para a cultura de puros jogos de palavras ou para exercícios de nominalismo terminológico.

Basta verificar a definição que o Código dá do «inquérito» - «conjunto de diligências que visam investigar a existência de um crime, determinar os seus agentes e a responsabilidade deles e descobrir e recolher as provas» (artigo 262.º, n.º 1) - para se concluir imediatamente que tudo isso pertence, por direito próprio, ao conceito constitucional de instrução, pois não é mais do que uma reprodução de definição que o Decreto-Lei 35007 dava do conceito global de instrução, aplicável, portanto, quer à sua componente «preparatória», quer à componente «contraditória». O artigo 10.º desse diploma assinava à instrução a função de «verificar a existência das infracções, determinar os seus agentes e averiguar a sua responsabilidade». A identidade conceitual é flagrante. Também a finalidade do «inquérito» - que nos termos do referido artigo 262.º é «fundamentar a acusação» - é rigorosamente idêntica à da antiga «instrução preparatória» (artigo 12.º do Decreto-Lei 35007).

Ser ou não ser a instrução da competência apenas do juiz não é questão de somenos sob o ponto de vista constitucional. É que a regra de jurisdicionalização da instrução figura entre as «garantias do processo criminal» (que tal é a rubrica do artigo 32.º da CRP). Quer dizer que ela integra o elenco dos direitos, liberdades e garantias pessoais dos cidadãos.

Ela constitui, pois, uma garantia autónoma, que vale por si mesma; não é, apenas, um instrumento de garantia de outros direitos fundamentais dos cidadãos. No acórdão parece querer subscrever-se a tese de que a regra de jurisdicionalização da instrução só interessa para garantir a exclusiva competência do juiz para decidir actos que afectem os direitos dos cidadãos. Só que tal tese arrepela claramente o texto do n.º 4 do artigo 32.º da CRP. Pois, se fosse assim - i. é, se a regra de jurisdicionalização da instrução não significa mais do que isso -, então aquele preceito seria absurdo: toda a sua 1.ª parte seria inútil, bastando a sua 2.ª parte.

Para a CRP seria então indiferente definir a quem competiria a instrução. Mas então seria necessário que o preceito, em vez de dizer o que diz, dissesse pura e simplesmente: «durante a instrução só o juiz pode praticar os actos que se prendam directamente com os direitos fundamentais».

É óbvio, porém, que a Constituição não diz apenas isso e que cuidou de confiar a instrução - toda a instrução - directa e exclusivamente ao juiz (salvo delegação sua).

Pode certamente discutir-se se a CRP quer ou não um certo modelo de processo penal. O que é seguro é que ela não quis um certo modelo: justamente o que agora se reintroduz com este código.

Sem dificuldade se admite que possa haver estimáveis argumentos a favor da reintrodução desse modelo. O que seguramente se exige num Estado constitucional é que tal não possa legislar-se enquanto a proibição constitucional não for afastada pelas vias apropriadas. Num Estado democrático-constitucional não há lugar para «revisões constitucionais antecipadas» por via de lei. Para efectuar as revisões constitucionais só valem as leis de revisão constitucional. As leis comuns, quando contrárias à CRP, essas devem ser declaradas inconstitucionais, para os devidos efeitos. Pelos motivos expostos, entendo que as disposições em causa não deveriam ter tido outra sorte.

4 - Quanto ao artigo 281.º (sobre a suspensão do processo), votei também pela sua inconstitucionalidade, não apenas na medida em que não se prevê nenhuma intervenção do juiz - como se decidiu -, mas também quanto à própria solução em si mesma de permitir que o MP, discricionariamente, possa abster-se de acusar, a troco da imposição de verdadeiras sanções ao arguido, algumas das quais consistem em privações de liberdade.

Uma tal solução afronta o artigo 206.º, o artigo 224.º, n.º 1, e ainda - e sobretudo - o artigo 27.º da CRP.

Em primeiro lugar, com o poder de suspender o processo, nos termos do preceito em causa, o MP passa a poder dispor discricionariamente do poder de exercer ou não a acção penal, podendo deixar de exercê-la, apesar de ter recolhido elementos bastantes para acusar o arguido de determinado crime.

Ora, à face da CRP, o MP não dispõe do direito de acusar ou não acusar.

Compete-lhe, sim, exercer a acção penal, que é uma tarefa do Estado, que o MP deve desempenhar de acordo com critérios de legalidade. Não está em causa a possibilidade de o MP suspender o processo, verificadas certas condições, desde que se tratasse de um poder vinculado. O que se não compagina com a CRP é deixar à discrição do MP tal decisão. Além do mais, com isso fica irremediavelmente atingido o princípio da igualdade dos cidadãos (pois não é difícil ver que uma tal solução propicia formas de impunidade selectiva, de acordo com discriminações sociais, culturais, se não mesmo políticas ou ideológicas).

Em segundo lugar, ao suspender o processo, mediante a aplicação de «injunções» ou «regras de conduta» ao arguido, atribui-se ao MP uma função verdadeiramente jurisdicional, a qual conduz à aplicação de verdadeiras sanções, na base de um juízo sobre a responsabilidade criminal do arguido. O facto de ser necessária a concordância do arguido não retira àquelas medidas o carácter de verdadeiras penas, pois o arguido só «assentirá» nelas para evitar submeter-se à audiência de julgamento.

Finalmente, algumas das penas - designadamente as previstas nas alíneas e) e f) do n.º 2 - consubstanciam verdadeiras privações parciais de liberdade que a CRP só admite nos termos do artigo 27.º, ou seja - exceptuados os casos do n.º 2 - mediante condenação judicial. Ora é justamente o que aqui se dispensa. Em vez de uma condenação judicial, uma condenação não judicial.

Como se já não bastasse retirar parte da instrução ao juiz - como se viu acima -, o Código foi ao ponto de retirar-lhe o próprio poder condenatório, desjurisdicionalizando também a própria função de julgar e de - se for caso disso - condenar. A partir de agora haverá dois tipos de condenações e de condenados: os verdadeiros e próprios - os condenados pelo juiz e os condenados pelo MP. Aqueles são-no de acordo com as regras constitucionais e legais do julgamento, com as respectivas garantias e em público; estes, através de uma espécie bizarra de acordo penal mais ou menos discreto, mais ou menos imposto ou solicitado. Não vejo como é que esta forma pactuada de julgamento e de condenação penal pelo MP é compatível com alguns dos mais eminentes princípios constitucionais, designadamente a competência exclusiva dos tribunais para julgar e a reserva do juiz para impor privações ou restrições à liberdade pessoal dos cidadãos... - Vital Moreira.

Declaração de voto

1 - Introdução. - Em conflito com o voto da maioria, votei parcialmente vencido no que concerne ao decidido sob os seguintes parágrafos:

Parágrafo 4.º, em que o Tribunal Constitucional (T. Const.) se pronunciou pela inconstitucionalidade do artigo 143.º, n.º 4, no segmento em que abrange o defensor - por violação do artigo 32.º, n.º 3, da CRP;

Parágrafo 14.º, em que o T. Const. se pronunciou pela inconstitucionalidade do n.º 3 do artigo 281.º; se pronunciou pela inconstitucionalidade dos n.os 1 e 2 do mesmo artigo, na medida em que neles se não prevê qualquer intervenção de um juiz - por violação dos artigos 32.º, n.º 4, e 206.º da CRP; se pronunciou pela inconstitucionalidade do n.º 4 do mesmo artigo - por violação do direito à segurança, consignado no n.º 1 do artigo 27.º da CRP; e não se pronunciou pela inconstitucionalidade do n.º 5 do mesmo artigo, salvo, consequencialmente, na parte em que ele remete para o n.º 4 desse artigo; e Parágrafo 15.º, em que o T. Const. não se pronunciou pela inconstitucionalidade da alínea a) do n.º 1 e do n.º 3 do artigo 337.º e se pronunciou pela inconstitucionalidade da alínea b) do n.º 1, na medida em que a proibição decorre automaticamente da declaração da contumácia, mas apenas na parte em que essa alínea é aplicável a documentos, certidões ou registos necessários ao exercício de direitos civis, profissionais ou políticos - por violação do artigo 30.º, n.º 4, da CRP.

Relativamente a cada um desses momentos decisórios, onde é patente a tensão (relativa) existente entre o voto da maioria e o meu voto, se explicitará de seguida o seu sentido e as suas razões.

2 - Artigo 143.º, n.º 4. - O direito de ser assistido por defensor em todos os actos do processo em que intervém (artigo 32.º, n.º 3, da CRP) implica para o arguido a faculdade de ser assessorado tecnicamente por um defensor, de modo que conscientemente possa tomar em relação a cada um desses actos as escolhas que eles comportem.

Designadamente, esse assessoramento técnico exige que ao arguido seja permitido contactar com o seu defensor antes do primeiro interrogatório por parte do Ministério Público (artigo 143.º, n.º 1) e antes também do primeiro interrogatório judicial (artigo 141.º).

Nesta ordem de ideias - e acompanhando em tal ponto o decidido sob o parágrafo 4.º -, votei que a norma do n.º 4 do artigo 143.º era inconstitucional na medida em que permitia que o MP proibisse o arguido, nos casos de criminalidade ali previstos, de comunicar com o defensor antes do primeiro interrogatório dele, MP.

Mas já no segmento em que tal norma consente que o MP, ainda nessa área de criminalidade, proíba o arguido, depois de o ter ouvido, de contactar com o defensor, já não votei a respectiva inconstitucionalidade. Isto porque tal proibição subsequente não impede que o juiz, após a apresentação do arguido, e antes do interrogatório judicial, o autorize a comunicar com o defensor.

Não se regista assim, e neste sector da norma, violação do disposto no artigo 32.º, n.º 3, da CRP por parte do citado artigo 143.º, n.º 4.

3 - Artigo 281.º - Acompanhei, de um modo geral, a argumentação do acórdão, através da qual se procurou justificar a inconstitucionalidade parcial dos n.os 1 e 2 do artigo 281.º, isto é, a inconstitucionalidade desses n.os 1 e 2 do artigo 281.º na medida em que neles se não prevê qualquer intervenção de um juiz.

Simplesmente entendi (e aí, em particular, divergi da fundamentação) que aquela argumentação - que algo artificialmente cindiu a questão da «suspensão do processo pelo MP» em duas subquestões (a da «admissibilidade da suspensão» e a da «competência para determinar a suspensão e a imposição de injunções e regras de conduta») - devia, em boa lógica, ter considerado incindível tal questão e concluído pela inconstitucionalidade total daqueles preceitos.

E este ponto de vista configura-se tanto mais exacto quanto é certo que da decisão - e sem embargo da expressa referência a determinado inciso, tido como delimitador do campo normativo não inconstitucionalizado - não decorre com clareza o que afinal «sobra» das normas dos n.os 1 e 2 do artigo 281.º Votando a inconstitucionalidade total dos n.os 1 e 2 do artigo 281.º, votei também, dada a sua estreita dependência, a inconstitucionalidade consequencial das normas dos n.os 3, 4 e 5 do artigo 281.º 4 - Artigo 337.º, n.os 1 e 3. - Secundei o acórdão enquanto se não pronunciou pela inconstitucionalidade das normas da alínea a) do n.º 1 e do n.º 3 do artigo 337.º Mas entendi também - e aqui o ponto da divergência - que a norma da alínea b) do n.º 1 do artigo 337.º se não confrontava com a CRP.

A alínea b) do n.º 1 do artigo 337.º proíbe o arguido, em situação de contumácia, de obter directamente documentos e certidões junto de autoridades públicas (o que não impede, na grande maioria dos casos, que os obtenha por interposta pessoa), e proíbe-o ainda de obter registos junto dessas mesmas autoridades [registos que, dada a conexão da alínea b) do n.º 1 com a alínea a) desse mesmo n.º 1 do artigo 337.º, só se podem referir a «negócios jurídicos de natureza patrimonial»]. Por outro lado, estas «limitações» à sua capacidade estão na disponibilidade do arguido contumaz: bastará que se apresente para fazer caducar a declaração de contumácia (artigo 336.º, n.º 3). Em bom rigor, não serão, por isso, verdadeiras e próprias limitações a direitos fundamentais.

Mas ainda que como tal possam ser consideradas, então sempre será de reconhecer - atentos os valores que se confrontam na geometria de uma situação fundamentalmente criada pelo próprio arguido - que tais restrições se situam dentro dos limites imanentes dos direitos civis, profissionais ou políticos eventualmente afectados pela declaração de contumácia.

Por estes motivos, entendi, pois, que a norma da alínea b) do n.º 1 do artigo 337.º não era constitucionalmente insolvente. - Raul Mateus.

Declaração de voto

1 - Parece dever sustentar-se a conclusão de que o legislador constituinte de 1976 consagrou de forma expressa e inteiramente assumida a plena jurisdicionalização da actividade conducente à averiguação da existência das infracções, investigação dos seus agentes e determinação da sua responsabilidade, operada com o objectivo de fundamentar uma acusação ou um arquivamento do respectivo feito, pois que entendimento diverso brigaria por certo com o texto em que foi vasada a norma do artigo 32.º, n.º 4, da CRP, segundo a qual «toda a instrução será da competência de um juiz, indicando a lei os casos em que ela deve assumir forma contraditória».

Este normativo teve como fontes próximas os projectos de constituição apresentados na Assembleia Constituinte pelo Partido do Centro Democrático Social (CDS) e pelo Partido Popular Democrático (PPD), em especial o deste último, no qual o artigo 39.º, n.º 3, dispunha que o processo criminal assegurará todas as garantias de defesa, nomeadamente: «toda a instrução será da competência de um juiz ou estará a ele submetida, cabendo à lei indicar os casos em que ela deve assumir forma contraditória». (Cf. Diário da Assembleia Constituinte, suplemento ao n.º 16, de 24 de Julho de 1975, pp. 358-374).

O texto proposto pelo PPD recebeu inteiro acolhimento pela Comissão dos Direitos e Deveres Fundamentais, havendo como tal sido submetido a discussão e votação na sessão de 27 de Agosto de 1975 (Cf. Diário..., cit., n.º 38, de 28 de Agosto de 1975, pp. 1049 e segs.).

Aquando do respectivo debate, o deputado Manuel Vieira, do Partido Socialista (PS), defendendo uma proposta do seu partido no sentido da supressão do texto em causa dos dizeres «ou estará a ele submetida», teve ensejo de afirmar:

A expressão «ou estará e ele submetida» permite manter o sistema de instrução em vigor, predominantemente da competência do MP.

Com a eliminação proposta pretende-se que a instrução fique a cargo de um juiz (só instrutor) da magistratura judicial, gozando, portanto, de todas as prerrogativas de um juiz: ser vitalício, inamovível, irresponsável, etc.

Prerrogativas essas que constituem garantias da sua independência e imparcialidade no exercício das suas funções.

Um juiz de instrução não subordinado, portanto, hierarquicamente ao Governo, que não recebe ordens do Governo, como acontece com os magistrados do MP.

Com a criação do juiz de instrução visa-se defender eficazmente a liberdade pessoal, consagrada no artigo 9.º da Declaração Universal dos Direitos do Homem, que diz: «Ninguém pode ser arbitrariamente preso, detido ou exilado.» E mais adiante:

É que, como diz Salgado Zenha, em «A Constituição, o juiz e a liberdade individual», na Seara Nova, Julho de 1972:

Julgar é verificar e valorar os factos (instruir) e aplicar o direito.

O acto jurisdicional final pressupõe uma actividade probatória anterior: esta prepara aquele. Tanto esta como aquele têm de estar a cargo de um juiz imparcial, não podendo estar a cargo do MP, que é parte subordinada ao Governo: portanto, é parcial. Sem instrução imparcial, não pode haver decisão imparcial.

E a finalizar:

As actuais estruturas judiciárias não permitem, de repente, dar cumprimento a este preceito.

Portanto, pode dizer-se que há dificuldade nessa alteração.

Tal dificuldade não pode ser óbice a que se consagre o único sistema que defende a liberdade pessoal.

De nada serve enunciar amplamente os direitos do cidadão se não se criarem os mecanismos permissivos da defesa desses direitos.

Também o deputado José Luís Nunes, do PS, interveio no debate para, em defesa daquela proposta de supressão, afirmar, nomeadamente:

Nós queremos uma instrução dirigida por um juiz e não uma instrução submetida à competência do juiz. Mas muito menos queremos uma terminologia equívoca que permita ao legislador comum decidir a seu bel-prazer.

A proposta do PS que vem de ser assinalada veio a merecer a concordância do PPD, havendo a propósito do seu teor o deputado Costa Andrade tecido, além de outras, as considerações seguintes:

Nós não temos dúvidas quanto aos mais bem fundados princípios que apontam no sentido de toda a instrução ser da competência de um juiz.

Na comissão que preparou o texto, como aliás, na que elaborou o projecto de Constituição do Partido Popular Democrático, fizeram-se certas concessões à realidade e às conveniências práticas do momento. Concessões que não eram feitas com sacrifício das garantias fundamentais, e não o eram porque a instrução, não sendo de um juiz (um juiz de instrução, necessariamente), deveria ter, pelo menos, um juiz de instrução. Quer dizer: a instrução estaria, pelo menos, submetida ao controle do juiz. A instrução passaria, portanto, a ser necessariamente, materialmente, judicial. Pensámos, na altura, que talvez não houvesse condições materiais para tornar já a instrução não só materialmente judicial, mas também orgânico-formalmente judicial. Estamos hoje convencidos de que não deve sacrificar-se a pureza dos princípios em nome de eventuais limitações de momento.

E, por isso, subscrevemos a proposta. Algumas limitações práticas que surjam, cabe ao Governo eliminar essas limitações. Eliminar, de resto, essas limitações significa, no fundo, eliminar uma estrutura do processo penal datada de 1945 e introduzida por um governante de indesejável memória nestas matérias, e é também, parece-nos, tarefa altamente revolucionária, tanto assim que foi inscrita em primeira linha no Programa do MFA.

Em suma, e dispensando mais considerações, o PPD vai votar no sentido da proposta que deu entrada na Mesa, ciente, porém, de que algumas limitações, na prática, irão surgir, mas confiante de que o Governo e a Assembleia tomarão a seu cargo as medidas necessárias para tornar efectiva essa medida, que, de resto, retoma uma tradição multissecular no nosso direito, tradição só quebrada em 1945, ou antes, em 1903, com a célebre política de João Franco, a que chamaram dos juízes de instrução. Esses juízes, como sabemos, não tinham nada, nem a independência, nem a imparcialidade, nem a competência judicial.

Retoma-se agora a linha do Código de Processo Penal, mas limitando o seu defeito fundamental, que era o juiz ser ao mesmo tempo instrutor e julgador, o que não permitia a realização do princípio acusatório.

Isto é, não distinguia a entidade instrutora e a entidade judiciadora.

Em conformidade com o exposto, a CRP de 1976 estabeleceu no já citado artigo 32.º, n.º 4, um regime regra, segundo o qual toda a instrução passaria a ser da competência de um juiz, cabendo à lei a indicação dos casos em que ela deveria assumir forma contraditória.

Todavia, o texto constitucional, no seu artigo 301.º, n.º 3, estatuiu um regime transitório, segundo o qual, «nas comarcas onde não houver juízos de instrução criminal e enquanto estes não forem criados, em cumprimento do n.º 4 do artigo 32.º, a instrução criminal incumbirá ao MP, sob a direcção de um juiz», sendo certo que, em conformidade com o disposto no seu n.º 1, «a revisão da legislação vigente sobre a organização dos tribunais e o estatuto dos juízes estará concluída até ao fim da primeira sessão legislativa».

Não importa agora considerar o rigor constitucional do tratamento legislativo que no domínio do direito ordinário foi concedido à norma cuja génese e delimitação vem de se assinalar (cf., nomeadamente, os Decretos-Leis n.os 321/76, de 4 de Maio, 618/76, de 27 de Julho, 354/77, de 30 de Agosto, 377/77, de 6 de Setembro, e 269/78, de 1 de Setembro, e as Leis n.os 82/77, de 6 de Dezembro, 79/79, de 28 de Setembro, e 25/81, de 21 de Agosto), nem tão-pouco a linha jurisprudencial que sobre esta mesma matéria foi definida pela Comissão Constitucional (cf. os Acórdãos n.os 6, 39 e 49, Apêndice ao Diário da República, respectivamente de 6 de Junho e 30 de Dezembro de 1977).

Cumpre antes acentuar, face ao texto constitucional, à sua génese e ao seu enquadramento histórico e sistemático, que a norma do artigo 32.º, n.º 4, consagrou o «direito ao juiz» em todos os actos do processo penal.

A atribuição constitucional da competência para a instrução em processo penal a um magistrado judicial independente e inamovível, gozando de garantias de imparcialidade e de irresponsabilidade, aparece como uma garantia da liberdade e da segurança dos cidadãos no decurso do processo penal. A competência de um juiz para toda a instrução e o direito à assistência de defensor em todos os actos do processo são, na perspectiva constitucional, os meios privilegiados para a defesa de todos os demais direitos fundamentais, desde o respeito pela presunção de inocência do arguido (n.º 2 do artigo 32.º) à legalidade na obtenção de provas (n.º 6 do artigo 32.º). E tanto assim que são praticamente as únicas garantias que a CRP consagra na fase anterior ao julgamento (cf. Germano Marques da Silva, «Da inconstitucionalidade do inquérito preliminar», Direito e Justiça, vol. I, n.º 3, 1980).

2 - Aquando da revisão constitucional, e como corolário de um amplo debate doutrinário e jurisprudencial que sobre o tema havia entretanto sido travado, confrontaram-se no essencial duas teses, se não de sentido contrário, ao menos com intenções e alcances divergentes.

De um lado, a proposta pela Aliança Democrática (AD), colhida no Projecto de Revisão Constitucional, publicado por Jorge Miranda em 1980, dotada da seguinte formulação:

A prática dos actos judiciais instrutórios, bem como de todos os actos anteriores à acusação que se prendem directamente com os direitos fundamentais, é da competência do juiz de instrução.

De outro lado, o texto apresentado pela Comissão Eventual para a Revisão Constitucional, que acabou por ser aprovado e constitui, com meras modificações de tempos verbais, a norma vigente do artigo 32.º, n.º 4, da CRP (cf. Diário da Assembleia da República, 1.ª série, n.º 101, de 11 de Junho de 1982, pp. 4177 a 4181).

Que a solução perfilhada pela AD dispunha de um significado e alcance diversos dos daquela que veio a ser aprovada foi desde logo reconhecido pelo deputado Costa Andrade, na sessão parlamentar extractada no texto de que se deixou agora referência.

Com efeito, assinalando essa distinção, teve ensejo de afirmar:

Os constituintes em 1976 optaram por um princípio que a experiência veio a considerar manifestamente inadequado, ou seja: a ideia de que toda a instrução devia ser da competência de um juiz veio a revelar-se no nosso país manifestamente inadequada.

E mais adiante:

Ora a proposta que subscrevíamos ia no sentido de que a instrução, enquanto actividade investigatória, não é manifestamente actividade para que os juízes de instrução sejam as entidades mais adequadas - é isto que prova a experiência -:

tudo se basearia em reservar para o juiz de instrução aqueles direitos que se prendem directamente com as liberdades fundamentais dos cidadãos.

A nosso ver, o preceito decorrente da revisão constitucional mantém incólume o princípio da judicialidade da instrução criminal, que não é posto em causa pela possibilidade de o juiz delegar noutras entidades a prática dos actos instrutórios que se não prendam directamente com os direitos fundamentais.

Com efeito, constitucionalmente, o juiz continua hoje, como no tempo da vigência da versão originária, a ser o responsável directo pela instrução (e por todas as fases que no seu decurso se possam considerar), pois que outra ilação não pode extrair-se da formulação que fez vencimento, nomeadamente quando confrontada no seu conteúdo com o texto proposto pela AD.

Quando se tem presente o texto vigente, no qual se dispõe que «toda a instrução é da competência de um juiz, o qual pode, nos termos da lei, delegar noutras entidades a prática dos actos instrutórios que se não prendam directamente com os direitos fundamentais», e se recorda, por contraposição, a fórmula proposta pela AD, segundo a qual ao juiz de instrução apenas caberia a prática dos actos anteriores à acusação que se prendessem directamente com os direitos fundamentais, importa concluir que o traço essencial distintivo e diferenciador entre as duas formulações se situava no plano da direcção e do controle da instrução. E enquanto na proposta que alcançou vencimento e constitui hoje norma constitucional o juiz permanece como dominus da instrução, no texto contrário tão-somente se lhe confiavam alguns dos actos de instrução, o que, na realidade das coisas, é algo de bem diverso.

3 - Afirma-se no relatório do decreto que «o Código optou decididamente por converter o inquérito, realizado sob a titularidade do MP, na fase geral e normal de preparar a decisão de acusação ou de não acusação. Por seu turno, a instrução, de carácter contraditório e dotada de uma fase de debate oral - o que implicou o abandono da distinção entre instrução preparatória e contraditória -, apenas terá lugar quando for requerida pelo arguido que pretenda invalidar a decisão de acusação ou pelo assistente que deseje contrariar a decisão de não acusação. Tal opção filia-se na convicção de que só assim será possível ultrapassar um dos maiores estrangulamentos de uma actual praxis processual penal. E esteia-se, por outro lado, no facto de que todos os actos processuais que contendam directamente com os direitos fundamentais do arguido só devem poder ter lugar se autorizados pelo juiz de instrução e, nalguns casos, só por este podem ser realizados. Refira-se ainda que, como decorrência directa da opção de fundo acabada de mencionar, os órgãos de polícia criminal são, na fase de inquérito, colocados na dependência funcional do MP.» E, em consonância com este discurso, dispôs-se no artigo 263.º do modo que segue:

1 - A direcção do inquérito cabe ao MP, assistido pelos órgãos de polícia criminal.

2 - Para efeito do disposto no número anterior, os órgãos de polícia criminal actuam sob a directa orientação do MP e na sua dependência funcional.

Por seu turno, no artigo 270.º, n.º 1, estatuiu-se assim:

1 - O MP pode conferir a órgãos de polícia criminal o encargo de procederem a quaisquer diligências e investigações relativas ao inquérito.

As coisas são o que são e as palavras comportam um determinado sentido que, pese embora a maior ou menor dimensão do seu exacto alcance e conteúdo, e as diversas variações que sobre ele possam ser lucubradas, acaba sempre por se polarizar num determinado núcleo essencial.

Ora, quando se tem presente que a finalidade e âmbito do inquérito são estabelecidos no artigo 262.º por forma a que este compreenda «o conjunto de diligências que visam investigar a existência de um crime, determinar os seus agentes e a responsabilidade deles e descobrir e recolher as provas, em ordem à decisão sobre a acusação», não pode deixar, desde logo, de se reconhecer que os seus fins e objectivos são coincidentes com aqueles que no CPP e legislação complementar eram atribuídos ao corpo de delito e à instrução preparatória.

Por outro lado, como se viu, o artigo 263.º confia, sem mais, a direcção do inquérito ao MP, o qual, pese embora a especial estrutura organizacional e autonómica de que presentemente dispõe, não beneficia da independência dos tribunais.

Impondo a norma constitucional que a instrução seja da competência de um juiz e autorizando apenas que este possa delegar a prática dos actos instrutórios que se não prendam directamente com os direitos fundamentais, parece seguro não se configurar aqui qualquer espécie de delegação, já que os preceitos postos em crise atribuem, sem dependência de qualquer limitação, a competência para a prática de todo um conjunto de actos instrutórios ao MP, consentindo que este possa conferir a órgãos de polícia criminal o encargo de procederem à sua realização.

Quer dizer tudo isto que a titularidade da fase inicial do processo - chame-se-lhe inquérito, instrução preparatória ou qualquer outro nome - foi conferida ao MP, não sendo mais possível afirmar-se, ao menos com o significado que se atribuiu ao discurso da pertinente norma constitucional, que toda a instrução é da competência de um juiz.

Nem parece poder sustentar-se que a reserva do juiz relativamente à prática de certos actos instrutórios seja suficiente para dar satisfação à injunção constitucional.

Esta fica despojada de qualquer conteúdo na parte em que atribui toda a instrução a um juiz e concede a este autorização para delegar (ele juiz) em outras entidades a prática de determinados actos.

Aquele entendimento seria inteiramente harmonizável com o texto proposto pela AD aquando da revisão constitucional - «a prática dos actos judiciais instrutórios, bem como de todos os actos anteriores à acusação que se prendem directamente com os direitos fundamentais, é da competência do juiz de instrução» -, mas não o é seguramente com o texto da CRP, único que importa considerar.

Não esta em causa o rigor da opção tomada no decreto em sede de política criminal e judiciária, nem tão-pouco a possibilidade de com ela se ultrapassar «um dos maiores e mais graves estrangulamentos da nossa actual praxis processual penal», usando a linguagem adoptada no seu preâmbulo.

Simplesmente, num estrito plano jurídico-constitucional, e à luz dos considerandos que se deixaram expostos, entende-se que os normativos questionados (artigos 263.º e 270.º, n.º 1) não dispõem de legitimidade constitucional, por colisão com o prescrito no artigo 32.º, n.º 4, da CRP. - Antero Alves Monteiro Diniz.

Declaração de voto

As razões do voto de vencido são as que seguem.

1 - Quanto ao artigo 143.º, n.º 4:

O processo penal de um Estado de direito há-de cumprir dois objectivos fundamentais: de um lado, deve assegurar ao Estado a possibilidade de realizar o seu ius puniendi; e, de outro, há-de oferecer aos cidadãos as garantias necessárias para o proteger contra abusos que possam cometer-se no exercício do poder punitivo, designadamente contra a possibilidade de uma sentença injusta.

As garantias de defesa assegurá-las-á o processo criminal, inter alia e desde logo, dando ao arguido o direito de escolher defensor e de - como se diz no artigo 32.º, n.º 3, da CRP - «ser por ele assistido em todos os actos do processo».

«A tarefa do defensor consiste em garantir, exclusivamente em face do arguido, o respeito pela lei e pela justiça por parte dos órgãos que exercem a acção penal» - escreve Karl-Heinz Gössel («A posição do defensor no processo penal de um Estado de direito», in Boletim da Faculdade de Direito, vol. LIX, p. 276).

Cumpre-lhe, assim, «assegurar que a investigação da verdade pelo tribunal e pelo MP seja efectuada de acordo com as normas legais e justas, na medida em que favoreça o réu» (ob. cit., p. 277), evitando que o processo possa ser um processo ilegal ou injusto que prejudique o réu, nomeadamente por conduzir a uma condenação indevida.

É, pois, a legalidade do processo e a justiça da decisão que a assistência do defensor visa garantir.

A norma sub iudicio, na parte em que permite ao MP determinar que o detido não comunique com pessoa alguma - máxime com o seu defensor - antes do primeiro interrogatório judicial, não põe essencialmente em crise aqueles objectivos e, assim, o direito de defesa.

De facto, e antes de mais, essa possibilidade só existe relativamente a crimes muito graves - recte «nos casos de terrorismo, criminalidade violenta ou altamente organizada».

Ora, como tem sido sublinhado pelo T. Const. alemão (cf. ob. cit., p. 271), constitui tarefa essencial de uma comunidade que se oriente pelo princípio do Estado de direito o esclarecimento dos crimes graves e a investigação da verdade, o mais completa possível, no processo penal - uma acção penal eficaz, em suma.

A isso acresce que o arguido detido que não deva ser imediatamente julgado é interrogado pelo juiz de instrução, no prazo máximo de quarenta e oito horas após a detenção (artigo 141.º, n.º 1). Esse interrogatório e feito com assistência do defensor (artigo 142.º, n.º 2), que pode arguir nulidades e requerer ao juiz que formule ao arguido as perguntas que entender convenientes para a descoberta da verdade (artigo 141.º, n.º 6). O juiz, antes de iniciar o interrogatório e depois de identificar o arguido, informa-o dos seus direitos, designadamente do direito de «não responder às perguntas feitas, por qualquer entidade, sobre os factos que lhe forem imputados e sobre o conteúdo das declarações que acerca deles prestar» [artigo 141.º, n.º 4, referido ao artigo 61.º, n.º 1, alínea c)]. Finalmente, se, antes de ser interrogado pelo juiz, o arguido for apresentado ao MP e este decidir ouvi-lo, será ele também informado sobre os direitos que lhe assistem, designadamente sobre o direito que tem a ser assistido, nesse interrogatório, por um defensor da sua escolha [artigo 143.º, n.os 1 e 2, referidos ao artigo 61.º, n.º 1, alíneas d) e e)].

Inscrita que está neste quadro legal, a norma do artigo 143.º, n.º 4, não viola o direito, garantido ao arguido pelo artigo 32.º, n.º 3, da CRP, de ser assistido por um defensor em todos os actos do processo.

2 - Quanto ao artigo 281.º, n.os 1 e 2:

Verificados os requisitos do n.º 1 do artigo 281.º - de entre eles, a concordância do arguido [alínea a)] -, o MP, em vez de deduzir acusação, pode «decidir-se pela suspensão do processo, mediante a imposição ao arguido de injunções e regras de conduta», que vêm indicadas no n.º 2 do mesmo preceito.

Trata-se de uma medida consensual e informal, que os ensinamentos da mais moderna investigação criminológica apontam como particularmente adequada para o combate da pequena e massiva criminalidade.

De facto, pela celeridade processual que introduz, é capaz de contribuir para a melhoria dos níveis de eficácia da justiça penal e, assim, para uma mais eficaz prevenção da criminalidade e para a redução das injustiças que andam necessariamente ligadas a uma justiça penal ineficaz. E, de outro lado, elimina o estigma social que sempre representa para o arguido a sua submissão a julgamento.

A Constituição de um Estado de direito não poderia, pois, constituir obstáculo à introdução de uma medida que assim se apresenta tão promissora.

Do que se trata é de uma decisão de não exercício da acção penal, e ela é tomada pelo respectivo titular (cf. o artigo 224.º, n.º 1, da lei fundamental). Ora não existe qualquer norma ou princípio constitucional que proíba a introdução pelo legislador desta forma moderada do princípio da oportunidade para este tipo de criminalidade.

Também não se vê que os artigos 32.º, n.º 4, e 206.º da CRP proíbam que seja o MP a tomar a decisão de suspender o processo.

De facto, e desde logo, o que é verdadeiramente específico da função jurisdicional é cumprir-lhe dirimir conflitos, e, no caso, trata-se de uma forma consensual de decisão, destinada justamente a evitar a declaração do «conflito jurídico-penal».

Depois, conquanto algumas das injunções e regras de conduta se traduzam em restrições da liberdade do arguido, elas só lhe são impostas porque ele consente nisso, e o consentimento é, aqui, relevante, uma vez que não põe em causa o núcleo essencial dos direitos sacrificados.

A acrescer a tudo isto, não pode também deixar de ponderar-se que o MP goza, nos termos da CRP, de estatuto próprio (cf. o artigo 224.º, n.º 2); ou seja: é uma magistratura autónoma, cujos magistrados hão-de orientar a sua actividade por um estrito dever de objectividade e de imparcialidade. - Messias Bento.

Declaração de voto

Entendo que o artigo 108.º criou um verdadeiro incidente de aceleração processual.

Conferiu competência ao CSM para o decidir, deferindo-o ou não. E tal competência envolve, além do mais, o poder de, em casos concretos, atribuir prioridade a certos processos em relação a outros, como resulta claramente da alínea d) do artigo 109.º Desta forma, passou o CSM, que é um órgão de natureza administrativa, a intervir em questões jurisdicionais, da competência exclusiva dos tribunais. Estes são independentes e apenas estão sujeitos à lei. Foram violados, assim, os artigos 114.º e 208.º, ambos da CRP. - Martins da Fonseca.

Anexos

  • Texto integral do documento: https://dre.tretas.org/pdfs/1987/02/09/plain-42671.pdf ;
  • Extracto do Diário da República original: https://dre.tretas.org/dre/42671.dre.pdf .

Ligações deste documento

Este documento liga aos seguintes documentos (apenas ligações para documentos da Serie I do DR):

  • Tem documento Em vigor 1929-02-15 - Decreto 16489 - Ministério da Justiça e dos Cultos - Direcção Geral da Justiça e dos Cultos

    APROVA O CODIGO DE PROCESSO PENAL.

  • Tem documento Em vigor 1945-10-13 - Decreto-Lei 35007 - Ministério da Justiça - Gabinete do Ministro

    Remodela alguns princípios básicos do Processo Penal.

  • Tem documento Em vigor 1972-05-31 - Decreto-Lei 185/72 - Ministério da Justiça - Gabinete do Ministro

    Altera o Código de Processo Penal, aprovado pelo Decreto n.º 16489, de 15 de Fevereiro de 1929.

  • Tem documento Em vigor 1975-06-04 - Decreto-Lei 274/75 - Conselho da Revolução

    Estabelece medidas relativas à necessidade de obstar à criminalidade no domínio do furto de automóveis e contrafacção dos respectivos elementos identificadores.

  • Tem documento Em vigor 1975-11-03 - Decreto-Lei 605/75 - Ministério da Justiça - Gabinete do Ministro

    Altera o Código de Processo Penal e institui o júri.

  • Tem documento Em vigor 1977-09-06 - Decreto-Lei 377/77 - Ministério da Justiça

    Revê diversas disposições relativas à legislação de Processo Penal.

  • Tem documento Em vigor 1980-11-24 - Resolução 389/80 - Conselho da Revolução

    Pronuncia-se pela inconstitucionalidade do projecto de decreto-lei registado na Presidência do Conselho de Ministros sob o n.º 486-G/80, em 23 de Julho, que introduz alterações ao Código Penal e ao Código de Processo Penal.

  • Tem documento Em vigor 1982-09-30 - Lei Constitucional 1/82 - Assembleia da República

    Aprova a primeira revisão Constitucional, determinando a sua entrada em vigor no trigésimo dia posterior ao da publicação no diário da república, bem como publicação conjunta da Constituição da República Portuguesa de 2 de Abril de 1976, no seu novo texto.

  • Tem documento Em vigor 1982-11-15 - Lei 28/82 - Assembleia da República

    Aprova a organização, funcionamento e processo do Tribunal Constitucional - repete a publicação, inserindo agora a referenda ministerial.

  • Tem documento Em vigor 1986-09-26 - Lei 43/86 - Assembleia da República

    Autorização legislativa em matéria de processo penal.

Ligações para este documento

Este documento é referido nos seguintes documentos (apenas ligações a partir de documentos da Série I do DR):

  • Tem documento Em vigor 1988-06-25 - Acórdão 108/88 - Tribunal Constitucional

    DECIDE NAO SE PRONUNCIAR PELA INCONSTITUCIONALIDADE DAS NORMAS DOS ARTIGOS 1,2, NUMERO 1, 4, 8 E 9 DO DECRETO NUMERO 83/V DA ASSEMBLEIA DA REPÚBLICA DIPLOMA QUE DISCIPLINA A 'TRANSFORMACAO DAS EMPRESAS PÚBLICAS EM SOCIEDADES ANONIMAS', E PRONUNCIA-SE PELA INCONSTITUCIONALIDADE DA NORMA DO ARTIGO 7, NUMERO 2, DO MESMO DIPLOMA.

  • Tem documento Em vigor 1993-09-09 - Acórdão 456/93 - Tribunal Constitucional

    DECIDE PRONUNCIAR-SE PELA INCONSTITUCIONALIDADE DAS DISPOSIÇÕES CONJUGADAS DOS ARTIGOS 1, NUMEROS 2 - NA PARTE RELATIVA A INICIATIVA PRÓPRIA DA POLÍCIA JUDICIÁRIA - E 3, ALÍNEA A) E 3, NUMEROS 1 E 2, TODOS COM REFERÊNCIA AO NUMERO 1 DO ARTIGO 1 DO DECRETO NUMERO 126/VI DA ASSEMBLEIA DA REPÚBLICA, RELATIVO A 'MEDIDAS DE COMBATE A CORRUPÇÃO E CRIMINALIDADE ECONÓMICA E FINANCEIRA', POR VIOLAÇÃO DO DISPOSTO, CONJUGADAMENTE, NO ARTIGO 26, NUMERO 1 E DO PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE DA LEI, DECORRENTE DAS DISPOS (...)

  • Tem documento Em vigor 1994-08-24 - Acórdão 479/94 - Tribunal Constitucional

    DECIDE PRONUNCIAR-SE PELA INCONSTITUCIONALIDADE DAS NORMAS CONJUGADAS DOS ARTIGOS 1, NUMERO 1, E 3, NUMERO 1, DO DECRETO 161/VI DA ASSEMBLEIA DA REPÚBLICA, - ESTABELECE A OBRIGATORIEDADE DO PORTE DE DOCUMENTO DE IDENTIFICAÇÃO -, ENQUANTO AUTORIZAM QUE UMA PESSOA INSUSPEITA DA PRÁTICA DE QUALQUER CRIME E EM LOCAL NAO FREQUENTADO HABITUALMENTE POR DELINQUENTES POSSA SER SUJEITA A IDENTIFICAÇÃO POLICIAL, COM BASE NA INVOCAÇÃO DE RAZÕES DE SEGURANÇA INTERNA, ATRAVES DE PROCEDIMENTO SUSCEPTÍVEL DE O VIR A PRIVAR (...)

  • Tem documento Em vigor 2009-12-24 - Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça 16/2009 - Supremo Tribunal de Justiça

    Fixa a jurisprudência seguinte: a discordância do juiz de instrução em relação à determinação do Ministério Público, visando a suspensão provisória do processo, nos termos e para os efeitos do n.º 1 do artigo 281.º do Código de Processo Penal, não é passível de recurso.

  • Tem documento Em vigor 2021-09-22 - Acórdão do Tribunal Constitucional 687/2021 - Tribunal Constitucional

    Decide, com referência ao Decreto n.º 167/XIV, da Assembleia da República, publicado no Diário da Assembleia da República, série II-A, n.º 177, de 29 de julho de 2021, e enviado ao Presidente da República para promulgação como lei, pronunciar-se pela inconstitucionalidade das normas constantes do seu artigo 5.º, na parte em que altera o artigo 17.º da Lei n.º 109/2009, de 15 de setembro (Lei do Cibercrime)

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