Acordam, em Plenário, no Tribunal Constitucional
Relatório
Vinte e nove deputados à Assembleia da República, ao abrigo do disposto no artigo 281.º, n.º 2, f), da Constituição da República Portuguesa (C.R.P.), deduziram pedido de fiscalização abstracta sucessiva, requerendo a declaração de inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, das normas que constam:Do artigo 53.º do Estatuto da Aposentação, na redacção dada pelo artigo 1.º, n.º 1, da
Do artigo 1.º, n.º 3, da Lei 1/2004, de 15 de Janeiro;Do artigo 3.º da Lei 60/2005, de 29 de Dezembro, na redacção dada pelo artigo 5.º da Lei 11/2008, de 20 de Fevereiro;
Do artigo 5.º da Lei 60/2005, de 29 de Dezembro, na redacção dada pelo artigo
1.º da Lei 52/2007, de 31 de Agosto;
Do artigo 5.º, n.os 1, 2 e 6, da Lei 52/2007, de 31 de Agosto;Do artigo 6.º, n.º 6, da Lei 52/2007, de 31 de Agosto;
Do artigo 7.º, n.º 2, da Lei 52/2007, de 31 de Agosto;
Do artigo 37.º-A do Estatuto da Aposentação, na redacção dada pelo artigo 4.º da Lei
n.º 11/2008, de 20 de Fevereiro;
Do artigo 6.º da Lei 11/2008, de 20 de Fevereiro;Do artigo 7.º da Lei 11/2008, de 20 de Fevereiro.
Invocaram os seguintes fundamentos:
O regime legal da aposentação dos Trabalhadores da Administração Pública sofreu nos últimos anos uma ofensiva seja no que se refere às condições de aposentação seja no que concerne ao cálculo da pensão. Na verdade, a partir da redacção originária (de 1972) do Estatuto da Aposentação (doravante só Estatuto), as primeiras alterações posteriores ao 25 de Abril de 1974 favoreceram os trabalhadores da Administração Pública, consagrando o direito à pensão completa ou "por inteiro" (doravante, sópensão máxima).
A versão originária do artigo 37.º, n.º 1, do Estatuto previa que o subscritor deveria contar 60 anos de idade e 40 de serviço para aceder à aposentação e ter direito à pensão máxima. O artigo 1.º do Decreto-Lei 191-A/79, de 25 de Junho - por seu turno -, introduziu um regime mais favorável, passando a exigir-se que o subscritor contasse pelo menos 60 anos de idade e 36 anos de serviço (no preâmbulo do diploma o legislador enunciou o propósito de «ajustamento do regime da aposentação aos novos princípios de justiça social que se deseja venham a afirmar-se na sociedade portuguesa e, bem assim, às directrizes programáticas da Constituição»). E depois, com o Decreto-Lei 116/85, de 19 de Abril, e de acordo com o seu artigo 10.º, n.º 1, que tacitamente derrogou o citado artigo 37.º, n.º 1, facilitou-se, ainda mais, o acesso à pensão máxima, bastando que o trabalhador contasse com 36 anos de serviço, qualquer que fosse a idade, para poder aposentar-se, «com direito à pensão completa», embora dependendo de um elemento condicionante, o da «inexistência deprejuízo para o serviço».
O caminho depois percorrido, na década de 90, do século passado, foi desfavorecendo, progressivamente, os trabalhadores da Administração Pública, sob o objectivo da integração dos regimes de protecção social da função pública com o regime geral da segurança social num «regime unitário».Assim, logo com o Decreto-Lei 286/93, de 20 de Agosto, passou a aplicar-se às pensões de aposentação uma fórmula de cálculo igual à do regime geral de segurança social, embora só para os «subscritores da Caixa Geral de Aposentações» inscritos a partir de 1 de Setembro de 1993 (artigo 1, n.º 1). Passou, assim, a haver dois universos distintos dos mesmos subscritores da Caixa Geral de Aposentações: uns, com inscrição anterior a 1 de Setembro de 1993, com uma fórmula de cálculo constante do Estatuto; outros, com inscrição posterior àquela data, com uma fórmula de cálculo igual à do Regime Geral de Segurança Social. Esta situação, introduziu uma discriminação irrazoável e inadequada entre esses dois universos, por não haver coincidência, entre as duas fórmulas de cálculo da pensão de aposentação aplicáveis aos subscritores da mesma Caixa Geral de Aposentações (cf. anexos I e II), e confronta-se, por conseguinte, com o artigo 13.º da Constituição, que proclama o
princípio da igualdade.
Depois, com a Lei 32-B/2002, de 30 de Dezembro, que aprovou o Orçamento do Estado para 2003, foi introduzido no Estatuto o artigo 37.º-A, prevendo inovatoriamente a aposentação antecipada e revogando o regime do referido Decreto-Lei 116/85 - artigo 9.º, n.os 2 e 3, daquela lei. Apesar de tal norma ter sido declarada inconstitucional -, por violação do direito das associações sindicais à participação na elaboração da legislação do trabalho, previsto na alínea a) do n.º 2 do artigo 56.º da Constituição (Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 360/03) - as soluções nela contidas foram recuperadas pelo legislador com a Lei 1/2004, de 15de Janeiro.
Esta última lei - a Lei 1/2004 - aditou ao Estatuto o citado artigo 37.º-A, que consagra a figura inovatória da aposentação antecipada, e deu nova redacção ao artigo 53.º do mesmo Estatuto, que se refere ao cálculo da pensão de aposentação, com a consequência da diminuição do valor dessa pensão para um máximo de 90 %.Eis que, assim, de uma penada só, ressurgiram em pleno os requisitos da versão originária do artigo 37.º do Estatuto, que impõe os 60 anos de idade e 36 de serviço para se atingir o direito à aposentação «ordinária», se diminuiu o valor da pensão de aposentação para o tal máximo de 90 % e se desencorajaram os interessados no acesso à aposentação antecipada, face à aplicação de uma taxa global de redução da
pensão.
Pode, pois, afirmar-se que desta maneira ficou automática e definitivamente aniquilado o direito à pensão máxima, que era o horizonte dos subscritores aberto com o Decreto-Lei 116/85, comprimindo o legislador o leque de benefícios materiais àqueles que, vindos de um passado de labor e de contribuições destinadas a um fim, se encontravam e encontram presentemente às portas de uma aposentação justa e merecida. E ficou, também, eliminado o direito a usufruir do regime favorável do Decreto-Lei 116/85, em que se acedia à pensão, independentemente da idade, desde que verificado o requisito dos 36 anos de serviço.Tal situação de agravamento não ficou por aqui e tudo piorou com a Lei 60/2005, de 29 de Dezembro, que estabelece, mais uma vez, novos mecanismos de convergência do regime de protecção social da função pública com o regime geral da segurança social no que respeita às condições de aposentação e cálculo das pensões.
É que aquelas condições e aquele cálculo constantes da Lei 60/2005, saem agravados, e muito, para os trabalhadores da Administração Pública.
Com efeito, o artigo 3.º da Lei 60/2005 altera as condições de acesso à aposentação estabelecidas no n.º 1 do artigo 37.º do Estatuto. A idade estabelecida no preceito do Estatuto «é progressivamente aumentada até atingir 65 anos em 2015».
Além disso, o tempo de serviço de 36 anos também só se manterá até 31 de Dezembro de 2014. Por fim, a partir dessa data, apenas «podem aposentar-se os subscritores que contem, pelo menos, 65 anos de idade e o prazo de garantia em vigor no regime geral da segurança social» (que é actualmente de 15 anos).
Além de que, nos termos do artigo 5.º, a pensão é calculada de forma diferenciada consoante o subscritor tenha sido inscrito até 31 de Agosto de 1993 ou após essa data, sendo que, neste segundo caso, a pensão se calculará nos termos das normas legais aplicáveis ao cálculo da pensão dos beneficiários do Regime Geral da Segurança Social, colocando-se novamente, deste modo, a questão da discriminação entre dois universos dos mesmos subscritores da Caixa Geral de Aposentações.
O artigo 5.º, n.º 1, da mesma lei, por seu turno, altera as regras de cálculo da pensão de aposentação dos subscritores da Caixa Geral de Aposentações, inscritos até 31 de Agosto de 1993. A pensão máxima ou «pensão por inteiro» foi em definitivo erradicada e de um modo geral as pensões foram de novo penalizadas com o cálculo previsto no citado preceito. É aumentada a idade legal de aposentação e são acrescidos os anos de serviço para efeitos de aposentação voluntária. É, também, agravado e penalizado o cálculo da pensão de aposentação (se se pensar num trabalhador inscrito, por exemplo, em 1990, e que estaria na expectativa de beneficiar do regime do Decreto-Lei 116/85, de 19 de Abril, ele terá agora de completar 65 anos de idade e de perfazer 40 anos de tempo de serviço, para aceder à aposentação voluntária, com uma pensão correspondente e que não é a pensão máxima).
Acresce, ainda, que a Lei 60/2005 significa o requiem da Caixa Geral de Aposentações, pois revogou o artigo 1.º do Estatuto, fazendo terminar a inscrição obrigatória de subscritores (artigos 2.º e 9º) e obrigando à inscrição no regime geral da Segurança Social de todo o pessoal «que inicie funções a partir de 1 de Janeiro de
2006» (artigo 2, n.º 2).
Deste modo, todo o novo sistema legal da aposentação voluntária vem pôr em causa os direitos adquiridos e em formação e as expectativas jurídicas dos trabalhadores da Administração Pública inscritos na mesma Caixa até à entrada em vigor do Decreto-Lein.º 286/93, de 20 de Agosto.
A Lei 52/2007, de 31 de Agosto, veio (mais uma vez, a pretexto da adaptação do regime da Caixa Geral de Aposentações ao regime geral da segurança social) agravarmais ainda a situação.
O artigo 1.º desta Lei 52/2007 alterou de novo, e para pior, o cálculo das pensões anteriormente estabelecido no artigo 5.º da Lei 60/2005.De facto, passou a existir um novo limite, que não existia, de 12 vezes o indexante dos apoios sociais (IAS), que se aplica a uma das parcelas de cálculo das pensões (artigo 5.º, n.º 1), à actualização das pensões (artigo 6.º, n.º 2), - embora não se aplique aos subscritores ou pensionistas se, da aplicação das regras previstas na alínea b) do n.º 1 do artigo 5.º da Lei 60/2005, de 29 de Dezembro (ou seja, considerando toda a carreira contributiva), resultar um valor superior àquele limite de 12 vezes o IAS.
Além disso, o valor da pensão passou a ser influenciado (nos termos de um novo n.º 2, que se aditou ao citado artigo 5.º, da Lei 60/2005), pela aplicação de um «factor de sustentabilidade», que vai provocar a redução periódica e continuada do valor da
prestação.
Por fim, de acordo com o artigo 5.º, n.º 6, da Lei 52/2007, o valor da pensão não pode, em nenhuma circunstância, ser superior a 90 % da última remuneração mensal dosubscritor.
De tudo isto resulta, no essencial, que os trabalhadores da Administração Pública, obrigatoriamente inscritos e subscritores da Caixa Geral de Aposentações até à entrada em vigor do citado Decreto-Lei 286/93, viram os seus direitos adquiridos e em formação e as suas expectativas jurídicas, quanto à aposentação voluntária, progressivamente, e de modo grave, afectados com as sucessivas medidas legislativas tomadas com as Leis n.os 1/2004 e 60/2005 (esta na redacção e republicação dadas pela Lei 11/2008, de 20 de Fevereiro), e ainda com a Lei 52/2007, de 31 de Agosto, no que toca às condições de aposentação e ao cálculo das pensões deaposentação.
As mencionadas alterações legislativas são inconstitucionais, nos termos que se seguem.O direito à aposentação e correlativa pensão é, caracteristicamente, um direito social com protecção constitucional no artigo 63.º da lei fundamental. Esse direito social tem de conjugar-se com o princípio da dignidade da pessoa humana proclamado no artigo 1.º e não pode dissociar-se do «direito à segurança económica», que acompanha as pessoas idosas e se inscreve numa «política de terceira idade», definida no artigo 72.º da Constituição (a consagração no n.º 3 do artigo 63.º de um «sistema de segurança social que protege os cidadãos na doença, velhice, invalidez, viuvez e orfandade é uma das bandeiras do sistema constitucional para os direitos sociais»).
O direito à aposentação está indissociavelmente ligado à relação jurídica do emprego público dos trabalhadores da Administração Pública (entendida esta Administração no seu sentido mais amplo e abrangente), com vínculo à Administração a qualquer título, gerando um direito à inscrição na Caixa Geral de Aposentações.
A relação jurídica de aposentação e a relação jurídica de emprego público estão intimamente interligados, sendo ambas fontes de direitos adquiridos e em formação e de expectativas jurídicas, de que são titulares os trabalhadores da Administração Pública no activo e na reforma e que se radicam na sua esfera jurídica.
Nessa relação jurídica de aposentação inscreve-se o segmento do direito à aposentação voluntária, a que se ligam as condições normais da sua efectivação e que são, em regra, e independentemente de qualquer outro requisito, o tempo de serviço e ou a idade do trabalhador. Verificadas essas condições objectivas nasce o direito a vencer uma pensão completa ou pensão «por inteiro»(que sempre esteve radicada no regime de aposentação e que só com as alterações legais de 2004, 2005, 2007 e 2008, foi fortemente abalada e sacrificada, em prejuízo dos interessados no acesso à
aposentação voluntária).
O direito à aposentação, não pode ser livremente sacrificado pelo legislador, num uso truculento da sua liberdade de conformação legislativa.É que essa liberdade do legislador tem de estar limitada ou comprimida pelo respeito dos princípios da confiança jurídica e da boa fé, corolários do princípio da segurança jurídica, que estão todos eles ínsitos na ideia de Estado de Direito democrático constitucionalmente consagrado no artigo 2.º da lei fundamental. E deles deriva a proibição de que, de forma arbitrária, intolerável e demasiado opressiva, segundo critérios economicistas e a pretexto de um ambiente de crise no sector da segurança social, possam ser afectadas as legítimas e fortes expectativas jurídicas dos trabalhadores da Administração Pública, que se relacionam com a sua aposentação, percorrido o longo caminho da vida profissional activa, mesmo que não se queira falar em direitos adquiridos ou em formação.
E, desde logo, a afectação das expectativas, autênticos direitos em formação, que se relacionam com as condições ou os requisitos objectivos de que a lei faz depender a verificação da aposentação voluntária e, ainda, com o cálculo da pensão.
Se há uma séria, fortíssima e legítima expectativa jurídica que acompanha os trabalhadores - pense-se, por exemplo, nos trabalhadores do interior do País, em véspera da saída das Leis n.os 1/2004 e 60/2005 - de que a aposentação voluntária lhes será concedida nos moldes legais existentes e já conhecidos, nunca em função de requisitos futuros totalmente ignorados, então, se há alterações do regime legal que desfavorecem os trabalhadores, de forma arbitrária, intolerável e demasiado opressiva estar-se-á a violar os princípios citados da confiança jurídica e da boa fé, corolários da segurança jurídica, que são pilares estruturantes de um verdadeiro Estado de Direito democrático, proclamados ou ínsitos no artigo 2.º da Constituição, a par do princípio da dignidade da pessoa humana, expresso no artigo 1.º Além disso, o artigo 5.º da Lei 1/2004, ao distinguir, para efeitos de cálculo das pensões, entre os subscritores inscritos até 31 de Agosto de 1993 e os inscritos depois dessa data é susceptível de configurar uma discriminação irrazoável e inadequada entre dois universos dos mesmos subscritores da Caixa Geral de Aposentações traduzindo-se numa violação do artigo 13.º da Constituição.
Acresce que, neste quadro legal de desfavorecimento dos trabalhadores da Administração Pública, com mutações legais sucessivas que agravam, e de que maneira, o regime de aposentação, não sabendo nunca os trabalhadores com que podem contar no futuro, estar-se-á ainda a violar o princípio de proibição do retrocesso social, enquanto dever do Estado de abster-se de atentar contra a realização dada aos direitos sociais, aqui, o direito à aposentação e correlativa pensão, consolidado na ordem jurídica e tutelado pela Constituição (a este respeito, junta o Requerente um anexo, sob o título «retrocesso social resultante do Estatuto», dando o exemplo hipotético de um trabalhador com 36 anos de serviço, 60 anos de idade e uma remuneração mensal de (euro) 1000, o qual segundo as regras em vigor em 1985, receberia (euro) 1000 euros de pensão, mas que, em iguais condições, apenas irá receber (euro) 758 de pensão de aposentação, de acordo com o regime actualmente
em vigor).
Na linha do entendimento do Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 590/04, citando outros arestos, será na violação desse dever de abstenção que consistirá o retrocesso social, constitucionalmente proibido, sendo que a margem de liberdade do legislador retroceder no grau de protecção já atingido - e, aqui, ele foi atingido com todo o sistema legal de aposentação anterior aos anos de 2004 e 2005 - é necessariamente mínima (cf. Acórdãos vol. 60.º, pp. 105 e segs.). É mínima e, por isso, as alterações que o legislador entendeu introduzir naquele sistema ao longo da década de 2000 importaram, à luz de critérios de proporcionalidade e de razoabilidade, uma lesão grave e profunda na «confiança do sistema» que os trabalhadores da Administração Pública depositaram durante a sua carreira contributiva.Com efeito, o dever de manter o sistema mais favorável para os trabalhadores deveria ser preocupação do Estado, cumprindo normas e princípios constitucionais, sem nunca bulir com esferas patrimoniais assentes em legítimas expectativas de muitos anos. Ainda que não se queira afirmar que os subscritores da Caixa Geral de Aposentações «adquiriram o direito» à pensão completa ou pensão máxima se ainda não completaram os 36 anos de serviço - isto, à luz do Decreto-Lei 116/85 - é bom de ver que pelo menos, criaram, e ao longo dos anos fortaleceram, o profundo sentimento de que haveriam de «chegar lá», de que por certo obteriam o direito que outros antes de si alcançaram. Isso seria, na sua legítima expectativa, a solução justa e nenhuma outra jamais esperariam (outra coisa veio a resultar da aplicação das Leis n.os 1/2004,
60/2005, 52/2207 e 11/2008).
É, assim, posta em causa a conjugação da estabilidade da concretização legislativa já alcançada, anteriormente àquelas Leis, no domínio do direito à aposentação, com a liberdade de conformação que possa assistir ao legislador, sobretudo quando este ressalvou situações constituídas no passado (ressalvadas com o Decreto-Lei 286/93, para os subscritores inscritos até 1 de Setembro de 1993, mas não respeitadas depois pelo legislador com os diplomas legais de 2004, 2005, 2007 e 2008).Notificado para se pronunciar sobre este pedido, o Presidente da Assembleia da República ofereceu o merecimento dos autos.
Elaborado pelo Presidente do Tribunal o memorando a que se refere o artigo 63.º, da lei do Tribunal Constitucional, e tendo este sido submetido a debate, nos termos do n.º 2, do referido preceito, cumpre agora decidir de acordo com a orientação que o
Tribunal fixou.
Fundamentação
1 - As normas questionadas
O teor dos preceitos legais donde constam as normas questionadas é o seguinte:Artigo 53.º, do Estatuto da Aposentação, na redacção dada pelo artigo 1.º, n.º 1, da
«Cálculo da pensão
1 - A pensão de aposentação é igual à 36.ª parte da remuneração mensal relevante, deduzida da percentagem da quota para efeitos de aposentação e de pensão de sobrevivência, multiplicada pela expressão em anos do número de meses de serviço contados para a aposentação, com o limite máximo de 36 anos.2 - A pensão não pode, em caso algum, exceder o montante da remuneração líquida a
que se refere o n.º 1.
[...]»
Artigo 1.º, n.º 3, da Lei 1/2004, de 15 de Janeiro:«É revogado o Decreto-Lei 116/85, de 19 de Abril.» Artigo 3.º da Lei 60/2005, de 29 de Dezembro, na redacção dada pelo artigo 5.º,
da Lei 11/2008, de 20 de Fevereiro:
«Condições de aposentação ordinária
1 - A idade de aposentação estabelecida no n.º 1 do artigo 37.º do Estatuto da Aposentação, aprovado pelo Decreto-Lei 498/72, de 9 de Dezembro, é progressivamente aumentada até atingir 65 anos em 2015, nos termos do anexo i.2 - O tempo de serviço estabelecido no n.º 1 do artigo 37.º do Estatuto da Aposentação, de 36 anos, é progressivamente reduzido até atingir 17 anos em 2014,
nos termos do anexo ii.
3 - Podem aposentar -se os subscritores que contem, pelo menos, 65 anos de idade e o prazo de garantia em vigor no regime geral da segurança social.» Artigo 5.º da Lei 60/2005, de 29 de Dezembro, na redacção dada pelo artigo 1.º,da Lei 52/2007, de 31 de Agosto:
Cálculo da pensão de aposentação
1 - A pensão de aposentação dos subscritores da Caixa Geral de Aposentações inscritos até 31 de Agosto de 1993, com a denominação 'P', resulta da multiplicação do factor de sustentabilidade correspondente ao ano da aposentação pela soma dasseguintes parcelas:
a) A primeira parcela, designada 'P1', correspondente ao tempo de serviço prestado até 31 de Dezembro de 2005 e é calculada com base na seguinte fórmula:
R x T1/C
em que:
R é a remuneração mensal relevante nos termos do Estatuto da Aposentação, deduzida da percentagem da quota para efeitos de aposentação e de pensão de sobrevivência, com um limite máximo correspondente a 12 vezes o indexante dos apoios sociais(IAS);
T1 é a expressão em anos do número de meses de serviço prestado até 31 de Dezembro de 2005, com o limite máximo de C; e C é o número constante do anexo ii;b) A segunda, com a designação 'P2', relativa ao tempo de serviço posterior a 31 de Dezembro de 2005, é fixada de acordo com os artigos 29.º a 32.º do Decreto-Lei 187/2007, de 10 de Maio, sem limites mínimo ou máximo, com base na seguinte
fórmula:
RR x T2 x N
em que:
RR é a remuneração de referência, apurada a partir das remunerações anuais mais elevadas registadas a partir de 1 de Janeiro de 2006 correspondentes ao tempo de serviço necessário para, somado ao registado até 31 de Dezembro de 2005, perfazer olimite do anexo ii;
T2 é a taxa anual de formação da pensão determinada de acordo com os artigos 29.º a 31.º do Decreto-Lei 187/2007, de 10 de Maio;N é o número de anos civis com densidade contributiva igual ou superior a 120 dias com registo de remunerações completados a partir de 1 de Janeiro de 2006, para, somados aos anos registados até 31 de Dezembro de 2005, perfazerem o limite do
anexo ii.
2 - O factor de sustentabilidade correspondente ao ano da aposentação é fixado, com base nos dados publicados anualmente pelo Instituto Nacional de Estatística, nosseguintes termos:
em que:
EMV 2006 é a esperança média de vida aos 65 anos verificada em 2006;EMV ano i-1 é a esperança média de vida aos 65 anos verificada no ano anterior ao da
aposentação.
3 - Para efeito do disposto nos números anteriores, considera-se como ano da aposentação aquele em que se verifique o facto ou acto determinante referido no artigo43.º do Estatuto da Aposentação.
4 - A pensão de aposentação dos subscritores inscritos a partir de 1 de Setembro de 1993 continua a ser calculada nos termos das normas legais aplicáveis ao cálculo das pensões dos beneficiários do regime geral da segurança social, em conformidade com o disposto no Decreto-Lei 286/93, de 20 de Agosto.» Artigo 5.º, n.º 1, 2 e 6, da Lei 52/2007, de 31 de Agosto:
«Montante da pensão bonificada
1 - Sem prejuízo do disposto no n.º 4, a pensão de aposentação atribuída a subscritores da Caixa Geral de Aposentações com a idade e o tempo de serviço do anexo II é calculada nos termos gerais e bonificada pela aplicação do factor definido nonúmero seguinte.
2 - O factor de bonificação é determinado pela fórmula 1 + y, em que y é igual à taxaglobal de bonificação.
...
6 - O montante da pensão bonificada não pode, em nenhuma circunstância, ser superior a 90 % da última remuneração mensal do subscritor.» Artigo 6.º, n.º 6, da Lei 52/2007, de 31 de Agosto:
«Actualização de pensões
6 - As pensões de aposentação, reforma e invalidez fixadas com base em fórmula de cálculo anterior à introduzida pela presente lei de montante superior a 12 vezes o IAS não são objecto de actualização até que o seu valor seja ultrapassado por aquelelimite.»
Artigo 7.º, n.º 2, da Lei 52/2007, de 31 de Agosto:
«Salvaguarda de direitos
2 - A limitação no cálculo da primeira parcela da pensão a 12 vezes o IAS e a regra de não actualização das pensões de valor superior àquele montante não se aplicam aos subscritores ou pensionistas se, da aplicação das regras previstas na alínea b) do n.º 1 do artigo 5.º da Lei 60/2005, de 29 de Dezembro, em que RR é apurada a partir das remunerações posteriores a 1993 e N considera a totalidade da carreira contributiva, resultar valor superior àquele limite.» Artigo 37.º-A do Estatuto da Aposentação, na redacção dada pelo artigo 4.º, da Lein.º 11/2008, de 20 de Fevereiro:
«1 - Podem requerer a aposentação antecipada, independentemente de submissão a junta médica e sem prejuízo da aplicação do regime da pensão unificada, os subscritores da Caixa Geral de Aposentações:a) Com, pelo menos, 33 anos de serviço, para as pensões requeridas até 31 de
Dezembro de 2008;
b) Com, pelo menos, 55 anos de idade e que, à data em que perfaçam esta idade, tenham completado, pelo menos, 30 anos de serviço, para as pensões requeridas apartir de 1 de Janeiro de 2009.
2 - O valor da pensão de aposentação antecipada prevista no número anterior é calculado nos termos gerais e reduzido pela aplicação de um factor de redução determinado pela fórmula 1 - x, em que x é igual à taxa de redução do valor da pensão.3 - A taxa global de redução é o produto do número de anos de antecipação em relação à idade legalmente exigida para a aposentação pela:
a) Taxa anual de 4,5 %, para as pensões requeridas até 31 de Dezembro de 2014;
b) Taxa mensal de 0,5 %, para as pensões requeridas a partir de 1 de Janeiro de 2015.
4 - O número de anos de antecipação a considerar para a determinação da taxa global de redução da pensão atribuída aos subscritores é reduzido:
a) Até 31 de Dezembro de 2014, de um ano por cada período de três ou, em alternativa, de seis meses por cada ano que o tempo de serviço exceda a carreira completa em vigor no momento da aposentação;
b) A partir de 1 de Janeiro de 2015, de um ano por cada período de três que o tempo de serviço exceda 30 anos, no momento em que o subscritor atingiu 55 anos de idade.» Artigo 6.º da Lei 11/2008, de 20 de Fevereiro:
«Alteração à organização sistemática da Lei 60/2005, de 29 de Dezembro 1 - O anexo ii da Lei 60/2005, de 29 de Dezembro, passa a anexo iii.
2 - As referências no artigo 5.º da Lei 60/2005, de 29 de Dezembro, alterada pela Lei 52/2007, de 31 de Agosto, ao anexo ii da Lei 60/2005, de 29 de Dezembro, consideram-se feitas ao anexo iii da mesma lei.» Artigo 7.º da Lei 11/2008, de 20 de Fevereiro:
«Aditamento à Lei 60/2005, de 29 de Dezembro É aditado à Lei 60/2005, de 29 de Dezembro, o anexo ii, com a seguinte redacção:
«ANEXO II
(referido no n.º 2 do artigo 3.º)
A partir de 1 de Janeiro de 2008 - 33 anos.
A partir de 1 de Janeiro de 2009 - 30 anos.
A partir de 1 de Janeiro de 2010 - 25 anos.
A partir de 1 de Janeiro de 2011 - 23 anos.
A partir de 1 de Janeiro de 2012 - 21 anos.
A partir de 1 de Janeiro de 2013 - 19 anos.
A partir de 1 de Janeiro de 2014 - 17 anos.
Os preceitos acima transcritos integram-se num percurso legislativo que tem por objectivo assumido a convergência do regime de protecção social da função pública com o regime geral da segurança social, o qual é compatível com a incumbência constitucional do Estado organizar, coordenar e subsidiar um sistema de segurança social unificado e descentralizado (artigo 63.º, n.º 2, da C.R.P.).Na verdade, no preâmbulo do Decreto-Lei 286/93, de 20 de Agosto (o diploma que os Requerentes referem como tendo operado uma viragem em matéria de segurança social do regime da Caixa Geral de Aposentações, no sentido de uma depreciação das condições dos respectivos beneficiários) pode ler-se: "A Lei 28/84, de 14 de Agosto, previu, no seu artigo 70.º, a integração do regime da função pública com o regime geral da segurança social, de forma a estabelecer-se um regime unitário de segurança social. [...] Estando agora criadas as condições para a integração, o Governo solicitou e obteve a necessária autorização legislativa para alterar o Estatuto da Aposentação no sentido de aplicar às pensões de aposentação uma forma de cálculo igual à do regime geral da segurança social. [...] Tal alteração, no entanto, abrangerá apenas os funcionários e agentes da Administração Pública que se inscrevam, na Caixa Geral de Aposentações, a partir da data de entrada em vigor do presente
diploma.»
De modo semelhante na exposição de motivos da Proposta de Lei 136/X, que esteve na origem da Lei 52/2007, de 31 de Agosto, onde figuram algumas das normas impugnadas, já se constatava que «a convergência do regime da Caixa Geral de Aposentações com o regime geral da segurança social foi iniciada em 1993, com a aplicação aos subscritores inscritos na CGA a partir de 1 de Setembro daquele ano das regras de cálculo das pensões do regime geral, e conheceu um forte impulso em 2005, com a eliminação de inúmeros regimes especiais, a inscrição dos funcionários e agentes da Administração Pública admitidos a partir de 1 de Janeiro de 2006 na segurança social e uma profunda alteração das condições de aposentação e da fórmula de cálculodas pensões.
O movimento de aproximação do sistema de pensões do sector público ao do sector privado entra agora numa nova fase, de estabilização progressiva das suas regras, por um lado, e de partilha de conceitos inovadores com o regime geral, concebidos para melhor lhe permitir responder aos desafios demográficos e reforçar a sustentabilidadefinanceira do seu sistema, por outro.»
No mesmo sentido se pode ler na exposição de motivos da Proposta de Lei 163/X, donde resultou a Lei 11/2008, de 20 de Fevereiro, donde também constam algumas das normas aqui sob fiscalização, que «consolidadas as traves mestras da reforma do regime da CGA, abre-se agora a possibilidade de efectuar ligeiros ajustamentos ao novo quadro resultante das medidas implementadas, no sentido de aprofundar o esforço de aproximação ao regime da segurança social, interpretando fielmente as linhas de força da reforma, mas sem nunca perder de vista o objectivo central de reforço da sustentabilidade financeira do sistema, cuja salvaguarda desaconselha movimentos abruptos e exige que se mantenha inalterada a fórmula de cálculo das pensões.» Na verdade, as alterações ocorridas no regime de aposentação da função pública a partir da referida Lei 1/2004, de 15 de Janeiro, produziram-se em paralelo com as alterações ocorridas no âmbito do Regime Geral da Segurança Social, na sequência, em especial, da Lei 17/2000, de 8 de Agosto, que aprovou as Bases Gerais do Sistema de Segurança Social, e do Decreto-Lei 35/2002, de 19 de Fevereiro, que a regulamentou e, mais recentemente, da Lei 4/2007, de 16 de Janeiro, e doDecreto-Lei 187/2007, de 10 de Maio.
Ora, estes diplomas do Regime Geral da Segurança Social introduziram regimes de pensões, sucessiva e geralmente, menos favoráveis do que os anteriores, visando, com essas alterações, manter a sustentabilidade do sistema de segurança social num contexto de aumento da esperança média de vida e de tendencial inversão da pirâmidedemográfica.
A evolução da esperança média de vida, aliada a uma redução substancial das taxas de natalidade, assim como os abrandamentos no crescimento económico, têm um forte impacte nos sistemas de Segurança Social de cariz contributivo, uma vez que esses factores determinam um aumento das despesas com o pagamento de pensões à população reformada e uma diminuição das receitas provindas da população activa.O consequente desequilíbrio do sistema e a necessidade de adoptar medidas que o evitem foram desde há muito objecto de diagnóstico e estudo em Portugal, tal como na maior parte dos países da Comunidade Europeia. Assim, após a divulgação em 1997 pela Comissão Europeia do Livro Verde Sobre Regimes Complementares de Reforma no Mercado Único, seguiu-se a publicação em Portugal do Livro Branco da Segurança Social (1998), do estudo «A sustentabilidade financeira do sistema solidariedade e segurança social» (2002), ou ainda do Relatório sobre a Sustentabilidade da Segurança Social, que acompanhou o Orçamento do Estado para 2006. Em todos estes trabalhos se concluiu pela necessidade urgente de adoptar medidas que evitassem o inevitável colapso do sistema de Segurança Social, incapaz, num curto prazo, de se autofinanciar.
Os diplomas relativos ao regime da aposentação dos funcionários públicos onde se inserem as normas agora impugnadas colocam-se precisamente nesta lógica de sustentação do sistema por via de uma contenção da despesa.
Aquelas normas respeitam às condições de aposentação e às fórmulas de cálculo do valor da respectiva pensão, visando retardar o momento da reforma e diminuir o
montante das pensões a pagar.
O artigo 3.º, da Lei 60/2005, de 29 de Dezembro, na redacção dada pelo artigo 5.º, da Lei 11/2008, de 20 de Fevereiro, conjugado com os artigos 6.º e 7.º, deste último diploma, define as condições da aposentação ordinária, exigindo que o subscritor conte, pelo menos, 65 anos de idade e 15 anos de serviço, ou, em alternativa, até 2014, as condições do seguinte quadro:
(ver documento original)
O artigo 5.º, da Lei 60/2005, de 29 de Dezembro, na redacção dada pelo artigo 1.º, da Lei 52/2007, de 31 de Agosto, conjugado com o artigo 53.º, do Estatuto da Aposentação, na redacção dada pelo artigo 1.º, n.º 1, da Lei 1/2004, de 15 de Janeiro, define no seu n.º 1 o modo de cálculo das pensões de aposentação dos subscritores da Caixa Geral de Aposentações inscritos até 31 de Agosto de 1993.Em traços gerais, estes aposentados têm direito a uma pensão calculada com base em duas parcelas: uma, relativa ao tempo de serviço prestado até 31 de Dezembro de 2005, de acordo com o Estatuto da Aposentação, e outra, respeitante ao tempo de serviço posterior, nos termos das regras de cálculo do regime geral de segurança social, considerando-se como valor relevante para efeitos de cálculo da pensão, na primeira parcela, o da remuneração auferida no momento da aposentação, com um limite máximo correspondente a 12 vezes o indexante dos apoios sociais e, na segunda parcela, a média dos vencimentos mais elevados auferidos a partir de 2006. O valor das pensões de aposentação é ainda influenciado pela aplicação de um factor de sustentabilidade que visa traduzir o impacto da evolução da longevidade sobre o
financiamento do sistema.
Já a pensão de aposentação dos subscritores inscritos a partir de 1 de Setembro de 1993 continua a ser calculada nos termos das normas legais aplicáveis ao cálculo das pensões dos beneficiários do regime geral da segurança social, em conformidade com o disposto no Decreto-Lei 286/93, de 20 de Agosto (n.º 4 do artigo 5.º da Lei 60/2005, de 29 de Dezembro, na redacção dada pelo artigo 1.º da Lei 52/2007, de31 de Agosto).
O artigo 5.º, n.os 1, 2 e 6, da Lei 52/2007, de 31 de Agosto, atribui uma bonificação a quem se aposente para além do momento em que se verificaram as condições em que o poderia ter feito, tendo essa bonificação em consideração o tempo decorrido entre aquele momento e a aposentação, nos termos da tabela seguinte, não podendo o montante da pensão bonificada, em nenhuma circunstância, ser superior a 90 % da última remuneração mensal auferida pelo subscritor.
(ver documento original)
O artigo 6.º, n.º 6, da Lei 52/2007, de 31 de Agosto, não permite que as pensões fixadas com base em fórmula de cálculo anterior à introduzida por esta lei, de montante superior a 12 vezes o IAS, sejam objecto de actualização até que o seu valor seja ultrapassado por aquele limite, com excepção da situação prevista no artigo 7.º, n.º 2, da mesma lei (quando da aplicação das regras previstas na alínea b) do n.º 1, do artigo 5.º da Lei 60/2005, de 29 de Dezembro, em que RR é apurada a partir das remunerações posteriores a 1993 e N considera a totalidade da carreira contributiva,resulta um valor superior àquele limite).
O artigo 1.º, n.º 3, da Lei 1/2004, de 15 de Janeiro, revogou o Decreto-Lei 116/85, de 19 de Abril, que havia permitido aos funcionários públicos aposentarem-se, com direito à pensão completa, desde que não houvesse prejuízo para o serviço, qualquer que fosse a sua idade, quando tivessem 36 anos de serviço, e o artigo 37-A, do Estatuto da Aposentação, introduzido pela Lei 1/2004, na redacção dada pelo artigo 4.º, da Lei 11/2008, de 20 de Fevereiro, passou a regular os termos e condições de uma reforma antecipada. Permite-se a aposentação antecipada aos subscritores da Caixa Geral de Aposentações com, pelo menos, 55 anos de idade e que, à data em que perfaçam esta idade, tenham completado, pelo menos, 30 anos de serviço, para as pensões requeridas a partir de 1 de Janeiro de 2009, sendo o valor da respectiva pensão calculado nos termos gerais, mas penalizado pela aplicação de um factor de redução, que tem em conta o tempo de antecipação da reforma e o tempo de serviço prestado, com o valor de referência de 4,5 %/ano.Estas normas, relativamente às que as antecederam, tornaram mais exigentes as condições de acesso à aposentação e adoptaram uma fórmula de cálculo das
respectivas pensões menos generosa.
Na verdade, a versão originária do artigo 37.º, n.º 1, do Estatuto da Aposentação (1972), permitia que o subscritor que tivesse 60 anos de idade e 40 de serviço acedesse à aposentação e tivesse direito à «pensão completa» ou «por inteiro». O artigo 1.º, do Decreto-Lei 191-A/79, de 25 de Junho, introduziu um regime mais favorável, passando a exigir que o subscritor contasse 60 anos de idade e 36 anos de serviço. E o artigo 10.º, n.º 1, do Decreto-Lei 116/85, de 19 de Abril, facilitou, ainda mais, o acesso à pensão completa, bastando que o trabalhador contasse com 36 anos de serviço, qualquer que fosse a idade, para poder aposentar-se, embora dependendo de um elemento condicionante, o da «inexistência de prejuízo para o serviço». E a "pensão completa" correspondia à remuneração auferida pelo funcionárioà data da aposentação.
São aquelas novas regras do sistema de aposentação dos funcionários públicos, que resultando numa diminuição dos benefícios anteriormente reconhecidos, os Requerentes consideram infringir parâmetros constitucionais, como o direito à segurança social, a proibição do retrocesso social, o princípio da segurança jurídica e o princípio daigualdade.
2 - O direito à segurança social
Os Requerentes entendem que as normas impugnadas violam o direito à segurança social consagrado no artigo 63.º da Constituição.Deve, contudo, deixar-se claro que o direito à segurança social, previsto no artigo 63.º, n.º 1, da Constituição, «como um todo», é um direito de natureza essencialmente económica e social, sendo portanto passível de uma maior margem de livre conformação, por parte do legislador, do que a generalidade dos direitos, liberdades e garantias, uma vez que a sua aplicabilidade directa (não estando excluída), é necessariamente mais limitada como se infere do artigo 18.º, n.º 1, da Constituição.
Não há dúvida de que «os direitos sociais contêm também - ou podem conter - um conteúdo mínimo, nuclear ou, porventura essencial directamente aplicável» (Rui Medeiros, in Constituição da República Portuguesa Anotada, org. Jorge Miranda/Rui Medeiros, t. i, p. 634, da ed. da Coimbra Editora). Mas é certo, também, que esse conteúdo mínimo ou nuclear directamente aplicável tem um âmbito relativamente mais restrito do que nos direitos, liberdades e garantias e que, portanto, o legislador sempre manterá, em matéria de direitos económicos e sociais, uma mais ampla margem de livre
conformação.
O Tribunal Constitucional tem admitido que determinadas concretizações do direito à segurança social são resistentes ao legislador. Foi o que sucedeu, por exemplo, com o direito a um rendimento mínimo, que o Tribunal entendeu que decorreria do n.º 3, do artigo 63.º, da Constituição, conjugado com a ideia de dignidade humana consagrada no artigo 1.º, da Constituição (Acórdão 509/02, pub. em ATC, vol. 54.º, pág. 19).Na verdade, naquelas circunstâncias típicas previstas no n.º 3, do artigo 63.º, quando esteja em causa a própria subsistência mínima e, portanto, a existência socialmente condigna, o direito à segurança social adquire uma urgência e uma força vinculante que o tornam directamente aplicável e o subtraem, em ampla medida, ao poder de legislar.
Em geral não é, porém, assim.
Sendo o direito à segurança social um direito de carácter essencialmente económico e social, a sua realização depende, sobretudo, de prestações positivas de terceiros, isto é, dos actuais contribuintes para o sistema de segurança social e, em última análise, do Estado. Isso explica que, por regra, o seu conteúdo não se possa definir de forma independente da legislação. É ao legislador que incumbe fazer as necessárias ponderações que garantam a sustentabilidade do sistema e a justiça na afectação derecursos.
Deste modo, a mera sucessão de leis no tempo em matéria de segurança social não é, em geral, passível de afectar o próprio direito à segurança social «como um todo», salvo os casos em que esteja em causa o mínimo de existência condigna, o que não sucede na situação em análise, em que as alterações legislativas estão muito longe de traduzir uma supressão da protecção mínima àqueles que, por força da idade, perderam a capacidade de auferir rendimentos pelo trabalho.O direito à segurança social não é, de modo algum, um direito imune à possibilidade de conformação legislativa. As condições de acesso ao direito à aposentação e a concreta forma de cálculo das respectivas pensões não são intocáveis pelo legislador, podendo este legislar de modo a definir tais condições e tal valor.
Assim, a protecção dos direitos a prestações sociais já instituídos opera, no essencial, através dos princípios fundamentais do Estado de Direito democrático, tais como a igualdade ou a confiança legítima, e não através do apelo ao direito à segurança social.
Deve, ainda, acrescentar-se que a Constituição consagra, em termos gerais, o direito à segurança social, no artigo 63.º, mas não impõe aí, nem em nenhum outro lugar, um direito à segurança social que esteja especificamente referido aos funcionários públicos e pessoas para tal efeito equiparadas. Ou seja, em matéria de segurança social, a Constituição não atribui qualquer direito especial ou privilegiado a nenhuma categoria
de pessoas em razão das suas funções.
Pelo contrário, o objectivo constitucionalmente consagrado de convergência e unificação do sistema de segurança social visa, no essencial, dar expressão institucional aos princípios da igualdade e da universalidade, em matéria de segurança social.Deste modo, se a lei ordinária, porventura, consagra um regime especial para os funcionários públicos em matéria de segurança social não é por imperativo constitucional, mas por opção político-legislativa - uma opção que, uma vez tomada, compromete o legislador em termos de protecção da confiança e de segurança das situações passadas, mas que não o impede, em absoluto, de alterar tal situação
especial.
Em suma, não procede a alegação de que as alterações legislativas violam o direito à segurança social, no seu conteúdo constitucionalmente relevante, restando, pois, resolver a questão à luz dos princípios do Estado de Direito democrático que orequerente concretamente invoca.
Nesta tarefa, o Tribunal seguirá, de perto, a fundamentação do recente Acórdão 188/09 (pub. no D.R., 2.ª série, de 18-5-2009), onde se analisou a constitucionalidade de uma alteração legislativa no âmbito do Regime Geral da Segurança Social que, tal como agora, introduzia um regime legal menos favorável em relação ao anterior e onde o então Requerente invocava a violação dos princípios jurídico-constitucionais que são,também agora, convocados.
3 - A proibição de retrocesso social
Alegam os Requerentes que as alterações legislativas que resultaram nas normas impugnadas são inconstitucionais, por violarem o princípio da proibição do retrocesso social ou da não reversibilidade dos direitos fundamentais sociais.A questão do princípio da proibição do retrocesso social tem sido objecto de vasta discussão na doutrina (para uma síntese abrangente do actual estado da doutrina nesta matéria, v. Jorge Miranda, em Manual de Direito Constitucional, t. iv, pp. 435-440, da
4.ª ed. da Coimbra Editora).
A jurisprudência do Tribunal, por seu turno, tem-se caracterizado por perfilhar a visão de que o princípio apenas poderá valer numa acepção restrita, valendo, por conseguinte, apenas quando a alteração redutora do conteúdo do direito social se faça com violação de outros princípios constitucionais. O princípio da proibição do retrocesso social, a admitir-se, sempre carecerá de autonomia normativa em relação não só a outros parâmetros normativos de maior intensidade constitucional mas de menor extensão económico-social, tais como o direito a um mínimo de existência condigna, que é inerente ao princípio da dignidade da pessoa humana, o princípio da igualdade, ou o princípio da protecção da confiança legítima, que resulta da ideia de Estado de Direito, mas também ao próprio núcleo essencial do direito social já realizado e efectivado através de medidas legislativas.Tudo isto é plenamente confirmado pelo recente, e já citado, Acórdão 188/09, que aqui se transcreve nas passagens pertinentes ao chamado princípio da proibição do
retrocesso social:
«Este princípio não pode ser aceite, no entanto, com esta amplitude sob pena de destruir a autonomia da função legislativa, cujas características típicas, como a liberdade constitutiva e a auto-revisibilidade, seriam praticamente eliminadas se, em matérias tão vastas como os direitos sociais, o legislador fosse obrigado a manter integralmente o nível de realização e a respeitar em todos os casos os direitos por ele criados» (assim, Vieira de Andrade, Os Direitos Fundamentais na Constituição Portuguesa de 1976, 3.ª ed., Coimbra, pp. 408 e 409).É também esta acepção restrita do princípio que tem sido acolhida pela jurisprudência constitucional, como se depreende do seguinte excerto do Acórdão 509/2002:
«Embora com importantes e significativos matizes, pode-se afirmar que a generalidade da doutrina converge na necessidade de harmonizar a estabilidade da concretização legislativa já alcançada no domínio dos direitos sociais com a liberdade de conformação do legislador. E essa harmonização implica que se distingam as situações.» Aí, por exemplo, onde a Constituição contenha uma ordem de legislar, suficientemente precisa e concreta, de tal sorte que seja possível «determinar, com segurança, quais as medidas jurídicas necessárias para lhe conferir exequibilidade» (cf. Acórdão 474/02), a margem de liberdade do legislador para retroceder no grau de protecção já atingido é necessariamente mínima, já que só o poderá fazer na estrita medida em que a alteração legislativa pretendida não venha a consequenciar uma inconstitucionalidade por omissão - e terá sido essa a situação que se entendeu verdadeiramente ocorrer no caso tratado no já referido acórdão 39/84.
Noutras circunstâncias, porém, a proibição do retrocesso social apenas pode funcionar em casos-limite, uma vez que, desde logo, o princípio da alternância democrática, sob pena de se lhe reconhecer uma subsistência meramente formal, inculca a revisibilidade das opções político-legislativas, ainda quando estas assumam o carácter de opções
legislativas fundamentais.
A proibição do retrocesso social opera assim apenas quando se pretenda atingir «o núcleo essencial da existência mínima inerente ao respeito pela dignidade da pessoa humana», ou seja, quando «sem a criação de outros esquemas alternativos ou compensatórios», se pretenda proceder a uma «anulação, revogação ou aniquilação pura e simples desse núcleo essencial» (Gomes Canotilho, Direito Constitucional e Teoria da Constituição, 7.ª ed., Coimbra, pp. 339 e 340). Ou, ainda, como sustenta Vieira de Andrade, quando a alteração redutora do conteúdo do direito social afecte a «garantia da realização do conteúdo mínimo imperativo do preceito constitucional» ou implique, pelo «arbítrio ou desrazoabilidade manifesta do retrocesso», a violação do protecção da confiança (ob. cit., pp. 410 e 411)".No caso, como já dissemos a propósito da acusação de violação do direito à segurança social, estão em causa alterações legislativas nas condições de aposentação e na fórmula de cálculo das respectivas pensões que apesar de se traduzirem numa diminuição dos benefícios anteriormente reconhecidos aos funcionários públicos, estão muito longe de resultar numa aniquilação do direito à protecção daqueles que devido à idade perderam a capacidade de auferir rendimentos pelo trabalho.
Deste modo, só o respeito pelos princípios da confiança ou da igualdade poderão impedir a reversibilidade dos direitos em causa.
4 - Os princípios da confiança e da segurança jurídica No essencial, as soluções legislativas aqui fiscalizadas reconduzem-se a um aumento progressivo da idade da reforma e à alteração das regras de cálculo das pensões que são, em geral, menos favoráveis aos beneficiários da Caixa Geral de Aposentações que
as anteriores.
No confronto com estes princípios também se revela útil o recurso à fundamentação doreferido Acórdão 188/09.
Neste aresto, o Tribunal começa por reconhecer a existência dos princípios constitucionais da confiança e da segurança jurídica:Como observam Gomes Canotilho e Vital Moreira, o princípio do Estado de direito, a que alude o artigo 2.º da Constituição, «mais do que constitutivo de preceitos jurídicos, é sobretudo conglobador e integrador de um amplo conjunto de regras e princípios dispersos pelo texto constitucional, que densificam a ideia de sujeição do poder a princípios e regras jurídicas, garantindo aos cidadãos liberdade, igualdade e segurança». E, como acrescentam os mesmos autores, não está excluído que dele se possam colher normas que não tenham expressão directa em qualquer dispositivo constitucional, mas que se apresentam «como consequência imediata e irrecusável daquilo que constitui o cerne do Estado de direito democrático, a saber, a protecção dos cidadãos contra a prepotência, o arbítrio e a injustiça (especialmente por parte do Estado)» (Constituição da República Portuguesa Anotada, vol. i, 4.ª ed., Coimbra, pp.
205 e 206).
É assim que se compreende que o princípio da segurança jurídica surja como uma projecção do Estado de direito e se torne invocável, como critério jurídico-constitucional de aferição de uma certa interpretação normativa, a partir do próprio conceito de Estado de direito ínsito no falado artigo 2.º da Constituição.A garantia de segurança jurídica inerente ao Estado de direito corresponde, numa vertente subjectiva, a uma ideia de protecção da confiança dos particulares relativamente à continuidade da ordem jurídica. Nesse sentido, o princípio da segurança jurídica vale em todas as áreas da actuação estadual, traduzindo-se em exigências que são dirigidas à Administração, ao poder judicial e, especialmente, ao legislador.
Depois, o mesmo acórdão explica que estes princípios não inviabilizam as alterações da
lei e a sucessão de leis no tempo:
«Referindo-se à protecção da confiança dos particulares relativamente à manutenção de um certo regime legal, Reis Novais defende, em tese geral, que 'os particulares têm, não apenas o direito a saber com o que podem legitimamente contar por parte do Estado, como, também, o direito a não verem frustradas as expectativas que legitimamente formaram quanto à permanência de um dado quadro ou curso legislativo, desde que essas expectativas sejam legítimas, haja indícios consistentes de que, de algum modo, elas tenham sido estimuladas, geradas ou toleradas por comportamentos do próprio Estado e os particulares não possam ou devam, razoavelmente, esperar alterações radicais no curso do desenvolvimento legislativo normal' (Os Princípios Constitucionais Estruturantes da República Portuguesa, Coimbra, 2004, p. 263). No entanto, face ao valor constitucional contraposto do interesse público, a que o legislador está também vinculado, o autor reconhece que 'o alcance prático do princípio da protecção da confiança só é delimitável através de uma avaliação ad hoc que tenha em conta as circunstâncias do caso concreto e permita concluir, com base no peso variável dos interesses em disputa, qual dos princípios deve merecer prevalência'. E no plano da ponderação do peso das posições relativas dos particulares, acentua que 'as expectativas têm de ser legítimas', excluindo que possam assumir qualquer relevo valorativo as posições sustentadas «em ilegalidades ou em omissões indevidas doEstado» (idem, pp. 264 e 267)
Também o Tribunal Constitucional tem já firmado o entendimento de que o princípio do Estado de direito democrático postula «uma ideia de protecção da confiança dos cidadãos e da comunidade na ordem jurídica e na actuação do Estado, o que implica um mínimo de certeza e de segurança no direito das pessoas e nas expectativas que a elas são juridicamente criadas», conduzindo à consideração de que «a normação que, por natureza, obvie de forma intolerável, arbitrária ou demasiado opressiva àqueles mínimos de certeza e segurança jurídica que as pessoas, a comunidade e o direito têm de respeitar, como dimensões essenciais do Estado de direito democrático, terá de ser entendida como não consentida pela lei básica» (entre outros, o acórdão 303/90, in Acórdãos do Tribunal Constitucional, 17.º vol., pág. 65).» Por fim, no mesmo acórdão ainda, o Tribunal definiu as condições de actuação do princípio da confiança em matéria de sucessão de leis:«Referindo-se especificamente a situações de retrospectividade ou retroactividade inautêntica, o Tribunal Constitucional, no acórdão 287/90, teve também já oportunidade de definir a ideia de arbitrariedade ou excessiva onerosidade, para efeito da tutela do princípio da segurança jurídica na vertente material da confiança, por
referência a dois pressupostos essenciais:
a) a afectação de expectativas, em sentido desfavorável, será inadmissível, quando constitua uma mutação da ordem jurídica com que, razoavelmente, os destinatários das normas dela constantes não possam contar; e ainda b) quando não for ditada pela necessidade de salvaguardar direitos ou interesses constitucionalmente protegidos que devam considerar-se prevalecentes (deve recorrer-se, aqui, ao princípio da proporcionalidade, explicitamente consagrado, a propósito dos direitos, liberdades e garantias, no n.º 2 do artigo 18.º da Constituição).Os dois critérios enunciados (e que são igualmente expressos noutros arestos) são, no fundo, reconduzíveis a quatro diferentes requisitos ou "testes". Para que haja lugar à tutela jurídico-constitucional da «confiança» é necessário, em primeiro lugar, que o Estado (mormente o legislador) tenha encetado comportamentos capazes de gerar nos privados «expectativas» de continuidade; depois, devem tais expectativas ser legítimas, justificadas e fundadas em boas razões; em terceiro lugar, devem os privados ter feito planos de vida tendo em conta a perspectiva de continuidade do «comportamento» estadual; por último, é ainda necessário que não ocorram razões de interesse público que justifiquem, em ponderação, a não continuidade do comportamento que gerou a situação de expectativa (neste sentido, o recente acórdão 128/2009)."
Olhando para as normas impugnadas verificamos, em primeiro lugar, que apenas estão em causa direitos em formação, uma vez que as normas questionadas não afectam os direitos já adquiridos pelos funcionários públicos, relativamente à sua aposentação.
Em segundo lugar, constata-se que muitas das alterações foram acompanhadas de regimes transitórios que visaram atenuar os seus efeitos relativamente àqueles que se encontravam mais próximos de se poderem reformar nos termos do regime revogado.
Foi contemplado um aumento gradual da idade da reforma, as novas regras de cálculo da pensão ordinária afectam quase exclusivamente apenas uma parcela respeitante ao serviço prestado posteriormente à entrada em vigor do novo regime, a qual vai progressivamente assumindo uma maior proporção no montante da pensão, tendo ainda sido criados regimes transitórios para aplicação do cálculo das pensões bonificadas e
antecipadas.
Em terceiro lugar, as concretas alterações ocorridas que, como vimos, se reconduzem, no essencial, a um aumento da idade da reforma e à introdução de novas regras de cálculo das respectivas pensões, não assumem uma dimensão que permita falar-se num agravamento abrupto e radical das condições de aposentação dos funcionários públicos, podendo adjectivar-se o agravamento ocorrido como moderado e gradual.Mas, sobretudo, não é possível ignorar que, sendo o nosso sistema de financiamento da Segurança Social de cariz essencialmente contributivo, ele está necessariamente sob a influência das oscilações demográficas e económicas, pelo que, num juízo objectivo, não é possível considerar qualquer regime de pensões de reforma inteiramente seguro e adquirido por aqueles que, por serem seus contribuintes, esperam vir a dele beneficiar.
Aliás, a necessidade de adoptar medidas como as que constam das normas aqui sindicadas, como meio de evitar o perigo de se verificar um desequilíbrio financeiro do sistema de Sistema de Segurança Social, provocado por um movimento de inversão da pirâmide demográfica, já vinha sendo, desde há muito, objecto de vários anúncios pelo próprio Estado, nomeadamente no Livro Branco da Segurança Social (1998), no estudo "A Sustentabilidade Financeira do Sistema Solidariedade e Segurança Social"
(2002), ou ainda do Relatório sobre a Sustentabilidade da Segurança Social, que
acompanhou o Orçamento de Estado para 2006.
Daí que não se possa considerar que as normas em apreço, tendo em atenção as alterações que provocaram nas condições de aposentação dos funcionários públicos e no montante das suas pensões, conjugadas com os factores que as determinaram, tenham lesado expectativas consolidadas legitimamente fundadas quanto à salvaguarda de determinadas posições ou situações jurídicas nessa matéria.Não era legítimo que, perante o registo de significativas alterações em factores com forte influência num sistema de financiamento da segurança social essencialmente contributivo, fosse expectável que as condições de aposentação dos funcionários públicos permanecessem imutáveis e indiferentes a tais mudanças.
Além disso, nunca nenhuma das modificações contidas nas normas sob fiscalização se poderia considerar excessiva, injustificadamente desproporcionada ou arbitrária, face
aos interesses que visaram salvaguardar.
Na verdade, como já se referiu, essas alterações inseriram-se num quadro de convergência com o regime geral da segurança social, o qual também tem sofrido evoluções legislativas desfavoráveis aos beneficiários, procurando manter a sustentabilidade do sistema de segurança social num contexto de aumento da esperança média de vida e de tendencial inversão da pirâmide demográfica.A sustentabilidade do sistema de segurança social é um objectivo que não deixa de reflectir uma ideia de justiça intergeracional que emana do nosso texto constitucional (v.
João Loureiro, em «Proteger é preciso, viver também: a jurisprudência constitucional portuguesa e o direito da segurança social», comunicação efectuada por ocasião do XXV Aniversário do Tribunal Constitucional, de que se cita versão policopiada), pelo que não se revelando que tais medidas se possam considerar desproporcionadas ou excessivas, ponderando os fins por ela perseguidos, sempre estariam dentro da margem
de livre conformação do legislador.
Nestes termos, é inevitável o juízo de que não se pode considerar que as alterações legislativas ocorridas, em matéria de pensões de aposentação, violem os princípios da confiança legítima e da segurança jurídica, ínsitos na ideia de Estado de Direito democrático consagrada no artigo 2.º da Constituição.
5 - O princípio da igualdade
Os Requerentes alegam ainda que, com o Decreto-Lei 286/93, de 20 de Agosto, passou a haver dois universos distintos de subscritores da Caixa Geral de Aposentações: uns, com inscrição anterior a 1 de Setembro de 1993, com uma fórmula de cálculo constante do Estatuto de Aposentação; outros, com inscrição posterior àquela data, com uma fórmula de cálculo igual à do regime geral de segurança social. O diploma teria introduzido, assim, uma desigualdade irrazoável e inadequada entre esses dois universos, solução que o n.º 4, do artigo 5.º, da Lei 60/2005, de 29 de Dezembro, na redacção dada pelo artigo 1.º, da Lei 52/2007, de 31 de Agosto,mantém.
Relativamente ao confronto das normas impugnadas com este parâmetro constitucional é elucidativo, a esse propósito, o acórdão 99/04 (pub. no D.R., 2.ª série, de 1-4-2004), onde se discutia um caso de sucessão de regimes de aposentação e seconcluía:
«Basicamente o que está em causa nas duas situações são as diferenças de regime decorrentes da normal sucessão de leis, havendo que reconhecer ao legislador uma apreciável margem de liberdade no estabelecimento do marco temporal relevante para aplicação do novo e do velho regime. Aliás, numa outra decisão (acórdão 467/03, publicado no Diário da República - 2.ª série, de 19/11/03, págs. 17331/17335), este Tribunal, referindo-se igualmente a uma situação de comparação de regimes de aposentação de um ponto de vista dinâmico da sucessão no tempo, vistos - tal como aqui sucede - na perspectiva do princípio da igualdade, considerou não funcionar este princípio, enquanto exigência do texto constitucional, "em termos diacrónicos.» Na mesma linha, veio, mais recentemente, o já citado acórdão 188/09 reiterar ajurisprudência aí firmada:
«É necessário começar por dizer que a mera sucessão no tempo de leis relativas a direitos sociais não afecta, por si, o princípio da igualdade.Apesar de uma alteração legislativa poder operar uma modificação do tratamento normativo em relação a uma mesma categoria de situações, implicando que realidades substancialmente iguais passem a ter soluções diferentes, isso não significa que essa divergência seja incompatível com a Constituição, visto que ela é determinada, à partida, por razões de política legislativa que justificam a definição de um novo regime
legal.
Por outro lado, os termos em que a nova lei adapta o respectivo regime jurídico a situações já existentes no momento da sua entrada em vigor apenas podem brigar com o princípio da igualdade se se vier a estabelecer tratamento desigual para situações iguais e sincrónicas, o que quer dizer que o princípio da igualdade não opera diacronicamente (acórdãos n.º 34/86, 43/88 e 309/93, os dois primeiros publicado in Acórdãos do Tribunal Constitucional, 7.º vol., pág. 42, e 11.º vol., pág. 565, e, em matéria de sucessão de regimes legais de pensões, os acórdãos n.os 563/96, 467/03,99/04 e 222/08).
[...]
Um diferente entendimento conduziria a transformar o princípio da igualdade numa proibição geral de retrocesso social, em matéria de direitos sociais, no sentido de que nunca poderia ser criado um novo regime legal que pudesse afectar qualquer situação jurídica que se encontrasse abrangida pela lei anterior.
[...]
Isso não significa que a igualdade não tenha qualquer protecção diacrónica. O que sucede é que essa protecção apenas pode ser realizada através do princípio da protecção da confiança associado às exigências da proporcionalidade (neste sentido, também, Reis Novais, 'O Tribunal Constitucional e os Direitos Sociais - o Direito à Segurança Social', in Jurisprudência Constitucional, n.º 6, p. 10).» No caso, não foi invocada qualquer desigualdade sincrónica entre contribuintes inscritos no mesmo momento. Os Requerentes limitam-se a contestar que possa haver dois universos de pessoas sujeitas a regras de aposentação diferentes. Simplesmente, isso decorre necessariamente da própria possibilidade de alteração da lei e da não afectação das situações passadas - ou seja, da diacronia legislativa.A diferenciação entre dois universos de beneficiários inscritos em momentos temporalmente diversos não viola, por si só, o princípio da igualdade perante a lei e o direito, consagrado no artigo 13.º da Constituição.
Não se verifica, portanto, qualquer violação do princípio da igualdade.
6 - Conclusão
Não se constatando que qualquer uma das normas apreciadas viole qualquer parâmetro constitucional não deve ser declarada a sua inconstitucionalidade.
Decisão
Pelos fundamentos expostos decide-se não declarar a inconstitucionalidade das normasconstantes dos seguintes preceitos:
Artigo 53.º, do Estatuto da Aposentação, na redacção dada pelo artigo 1.º, n.º 1, da Artigo 1.º, n.º 3, da Lei 1/2004, de 15 de Janeiro;Artigo 3.º, da Lei 60/2005, de 29 de Dezembro, na redacção dada pelo artigo 5.º,
da Lei 11/2008, de 20 de Fevereiro;
Artigo 5.º, da Lei 60/2005, de 29 de Dezembro, na redacção dada pelo artigo 1.º,da Lei 52/2007, de 31 de Agosto;
Artigo 5.º, n.º 1, 2 e 6, da Lei 52/2007, de 31 de Agosto;Artigo 6.º, n.º 6, da Lei 52/2007, de 31 de Agosto;
Artigo 7.º, n.º 2, da Lei 52/2007, de 31 de Agosto;
Artigo 37.º - A, do Estatuto da Aposentação, na redacção dada pelo artigo 4.º, da Lei
n.º 11/2008, de 20 de Fevereiro;
Artigo 6.º, da Lei 11/2008, de 20 de Fevereiro;Artigo 7.º, da Lei 11/2008, de 20 de Fevereiro.
Lisboa, 6 de Janeiro de 2010. - João Cura Mariano - Vítor Gomes - Maria João Antunes - Benjamim Rodrigues - Carlos Fernandes Cadilha - Ana Maria Guerra Martins - Carlos Pamplona de Oliveira - Gil Galvão - Joaquim de Sousa Ribeiro - Maria Lúcia Amaral - José Borges Soeiro - Rui Manuel Moura Ramos.
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